sexta-feira, 30 de julho de 2010







Objetivos e pontos finais importam menos. Aprender é mais urgente que armazenar informações. Os meios são os fins. A viagem é o destino.
Quando se percebe a vida como um processo, as velhas distinções entre vitória e derrota, sucesso e fracasso, desaparecem. 

Marilyn Ferguson


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ninguém nasce bandido



Tempos atrás, para chegar em casa, eu passava pelo meio do "movimento", no morro do Fogueteiro, subindo da rua Itapiru em direção a Santa Teresa. Todos me conheciam, morei por ali um ano. Uma vez, eu vinha subindo devagar, de noite, carregado de compras, mais o material de trabalho, quando de um beco sai um moleque pequeno e escuro, com uma bolsa atravessada e uma pistola cromada na mão. No escuro, o cromado aumentava o tamanho da arma e a desproporção com o garoto. Não o conheci e, por instinto, atentei em seus movimentos. Ele caminhou com desenvoltura em direção à turma do "plantão", falou com uns caras da boca, entregou ou pegou alguma coisa que tirou ou colocou na bolsa - não reparei - e saiu andando na direção de uma escada. Dois garotos pequenos jogavam bola perto de um poste mais acima e, nesse momento, deixaram a bola escapar pro lado de cá. Junto com a bola veio o grito - "pega aê!" A bola rolava na direção do menino com a arma e ele virou, levantou a bola com habilidade, matou no peito, fez uma embaixada com os dois joelhos, com os dois pés e devolveu pros meninos no exato local onde eles estavam.

Foi durante esse ato que percebi, meio espantado, ser um menino da idade do meu filho, talvez um pouco mais ou menos. E aí eu pude me dar conta da humanidade dele e da situação em que se encontrava. Tanto que morreu algum tempo depois, como outros que conheci, em tantos lugares.

No desenho eu pretendi inverter o processo de percepção, e escondi a pistola sobre um fundo escuro de uma cerca, para mostrar primeiro a humanidade do menino. Depois, o risco e as opções que lhe são postas, na vida, além de abstrações inatingíveis para a esmagadora maioria, roubada no ensino, na cidadania, na dignidade, nas oportunidades de desenvolvimento real, nos serviços "públicos" e em consciência.

Um outro menino, que chega da escola, de mochila, carregando compras com a mãe, que vem logo atrás, passa tranqüilo pelo fuzil encostado na mesa de sinuca, enquanto os caras do movimento se arrumam com suas mercadorias, funcionários do tráfico nas posições mais expostas e arriscadas, sujeitos a extermínios constantes, mas facilmente substituíveis em meio à miséria circundante. Nesses locais de exclusão, o Estado só se apresenta com a polícia e é quando o terror se implanta na forma mais aguda, pondo em risco a vida de todos na área, matando com triste freqüência envolvidos ou não com o tráfico.
 
Na birosca rola uma cerveja, uma cana, uma idéia, enquanto as mulheres penduram as roupas lavadas nos varais. Há algo de antigo na favela, de quando as casas ainda tinham quintais e espaço.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.