sábado, 20 de agosto de 2011

O luxo como “pequeneza”



            A situação de pobreza sempre me intrigou, a miséria me chocava e eu não entendia. Sentia um certo constrangimento inexplicável do meu “falar correto”, das minhas roupas de marca, às vezes do meu tamanho, dos meus dentes impecavelmente tratados. Não que desejasse abrir mão da minha situação. Mas por quê a maioria das pessoas não tinha? Era uma sutil sensação de injustiça sem me sentir claramente culpado, apenas constrangido com o que pareciam privilégios nesses momentos, mas que tinham se incorporado em mim como o mínimo necessário.
            Não podia achar aquilo natural e inevitável, como me diziam e se acreditava à minha volta. Na verdade, fugia-se do assunto. Eu fui muitas vezes considerado um chato, fui evitado por vários grupos na adolescência, às vezes francamente hostilizado – não gostavam de mim. Tinha minhas boas relações, mas eram poucas e quase todas... como direi... bilaterais. Não fazia parte de grupos. Fora os esportes coletivos, claro. Aprendi aos poucos a ficar mais calado e prestar mais atenção – virtude que perdi de vista ao entrar na universidade e até hoje, vez por outra e apesar da vivência, me faz falta. Algumas vezes, consigo me controlar, mas nem sempre.
            Quando andei no nível da mendicância e vivi do que me era dado, encontrei gente boa e ruim em todas as classes, indiferentes e curiosos de todos os tipos. Mas era nítida a diferença de acolhimento entre os mais pobres dos pobres. Ali se dividem migalhas, com uma generosidade ímpar, quando se divide. A generosidade dos ricos, no mais das vezes, é à distância. Partilhei refeições feitas em latas de óleo sobre fogueiras, dormi sobre capim improvisado no cantinho da tapera, pendurado em rede, em caibros ou árvores, fui hospedado em palafitas sobre mangues, onde o banheiro é servido de um buraco no chão, pedaços de jornal enfiados num prego na parede de tábua e a gente escuta o barulho da merda caindo na água, lá embaixo.
            Boa recepção por parte dos que dispunham de sobras me deixavam reconhecido, agradecido, mas a recepção dos mais pobres me comovia. Tão pouco tinham, tão fácil dividiam... O dia seguinte pertencia a Deus e a luta era todo dia, sem feriado. Também senti a fome, vivi sem abrigo, como um aluno, atento, aprendendo, pesquisando à minha maneira, ouvindo as histórias, falando meu pensamento, reparando nas reações, na linguagem, absorvendo os códigos, percebendo os conhecimentos, as intuições e relações. Criei um grande carinho pelos sabotados, pelas pessoas em situação de fragilidade, uma ligação talvez moral, certamente afetiva, junto com a sensação de injustiça permanente, pedindo trabalho de reparação na estrutura social – a partir das raízes individuais internas para as externas, coletivas. Nasceu uma grande admiração pela resistência ao sofrimento, pela luta de sobrevivência, pelos saberes e sabedorias desenvolvidos quase por conta própria. Eu os sinto parte de mim, do meu grupo, merecedores de mais cuidados, pelos maltratos cotidianos impostos por essa estrutura social perversa.
            Certamente é por isso que me causa certo desconforto a presença, a proximidade ou a simples visão de luxo e ostentação. Uma espécie de constrangimento. Traz à lembrança a situação injusta, precária e abandonada em que vivem tantas pessoas, por um Estado que foi infiltrado, dominado por grandes empresas - as poucas pessoas mais ricas - e impedido de cumprir as leis mais básicas da sua própria constituição, na garantia de condições mínimas de vida com dignidade para sua população. O domínio das elites tornou o Estado criminoso, nos seus três pretensos poderes, e o colocou a seu serviço, eliminando direitos e roubando patrimônios públicos – o que é público é tratado como privado. Tenho verdadeira repulsa por privilégios, luxos e ostentações, embora não transfira essa repulsa às pessoas, apenas aos seus comportamentos e à sua indiferença. Meu desconforto é moral, causado pela situação, pela ligação direta da riqueza, da ostentação e do luxo com a criação da miséria absoluta, da sabotagem na educação, na informação, nos serviços públicos, com a falta de sentido na vida das pessoas – da miséria à pobreza e às classes intermediárias.
            Estes são meus sentimentos, meus pensamentos e minha visão de mundo. Não pretendo declarar verdades, nem tenho a expectativa de encontrá-los em outras pessoas. Se me desse ao trabalho e à arrogância de condenar comportamentos e valores dos quais discordo, viveria em conflitos pessoais inúteis, alimentaria sentimentos desagradáveis e nocivos – e não teria tempo nem espírito pra fazer os trabalhos que gosto e dão sentido à minha vida.
            Não recomendo nem pretendo voltar à situação de miséria onde, na verdade, nunca me senti. Eu pesquisava, aprendia, observava e absorvia o máximo possível. Desenvolvi afeto e solidariedade com aquelas pessoas em situação injusta. Não posso gostar ou desejar luxos, excessos, ostentações e desperdícios. Na minha visão, são expressões de grosseria moral e espiritual, de insensibilidade, de egoísmo, indiferença, enfim, de desumanidade, disfarçada com requintes de sofisticação. Para olhos mais solidários, de quem se sente parte do grande grupo humano ou além, da coletividade planetária, tais finuras e sofisticações são apenas uma capa frágil da sua real situação moral, de um ridículo inevitável e notória nocividade para a sociedade como um todo. Não se trata de condenar ninguém, mas de perceber com olhos próprios e refletir sobre o que se vê. E como e em nome de quê se vive.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quem são os piratas da Somália?

A realidade da Somália expõe a nu e cruelmente a predominância do poder empresarial sobre o mundo, os Estados e as pessoas. A mídia quando fala "piratas somalis", esconde de forma suja a covardia que se faz com aquele povo africano.
Abraços a todos,
                           Eduardo.

Clique onde está escrito You Tube, e o vídeo aparecerá legendado em português.



¡Piratas! - 7 Translation(s) | dotSUB

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Luxo, fome e fúria












 Por:   David Brooks / La Jornada

A demanda de artigos de luxo, desde sapatos de 800 dólares e cosméticos de 1.300, até Mercedes Benz, de 200.000 dólares, está em alta, enquanto quase 46 milhões de estadunidenses dependem, mais que nunca, da assistência federal para comprar alimentos básicos e evitar a fome. Esta é a atual situação dos Estados Unidos.
O mercado de luxos registrou 10 meses seguidos de aumento de vendas, afirmou o New York Times. As vendas da joalheria Tiffany’s, Givenchy, Louis Vuitton, Gucci, BMW, Porshe e Mercedes Benz, entre outros, registraram fortes crescimentos.
Por outro lado, o governo federal informa que quase 15% da população depende de assistência alimentar, ou seja, 45,8 milhões de pessoas, o nível mais alto já visto, 12% mais que há um ano e 34% acima de há dois anos atrás. Para obter assistência alimentar federal (food stamps), os ganhos de uma pessoa devem ser inferiores a 1.174 dólares por mês (mais ou menos o preço de um par de sapatos Louis Vuitton).
A desigualdade econômica está clara. O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel, diz que, só nos últimos 10 anos, os ganhos do 1% mais rico aumentou 18%, enquanto os dos trabalhadores caiu 12%. De acordo com análise do Instituto de Política Econômica (EPI), a riqueza está ainda mais concentrada no setor mais rico – mais de um terço da riqueza nacional está concentrado nas mãos desse 1%. Cerca de 20% dos lares, na escala econômica, contavam com apenas 4% da riqueza do país em 2007 e perderam parte disso na última recessão. De fato, em 2009, o 1% das habitações mais ricas tinha um valor líquido 225 maior que o da habitação típica. Uma desigualdade nunca vista.
Enquanto isso, os ricos pagam menos impostos que em qualquer período dos últimos 50 anos, reconheceu o próprio Barack Obama. Um novo informe do Centro para o Progresso Americano (CAP) descobriu que os milionários pagam 25% menos impostos hoje que em meados dos anos 90, e 1.400 milionários não pagaram nem um centavo de impostos, em 2009. Em grande parte devido às reduções fiscais feitas pelo governo de George W. Bush e prolongadas pelo de Barack Obama.
A ira popular contra os “representantes do povo” em Washington segue ardendo, segundo as pesquisas, exatamente porque lhes é atribuída a culpa por aplicar políticas que beneficiam uns poucos às custas de quase todos os demais. Cerca de 82% dos estadunidenses desaprova o desempenho do Congresso: o nível mais alto registrado pela pesquisa da CBS News/New York Times. Outra, da CNN, descobriu quase a mesma coisa. Mais de 4, em cada 5 pessoas, opinaram que o debate sobre a dívida tinha mais a ver com manobras políticas que com a busca do melhor para o país.
As pesquisas também demonstram que Washington faz exatamente o contrário do que deseja o povo. Por mais de dois contra um, os estadunidenses afirmam que a geração de empregos deveria ser uma prioridade maior que a redução dos gastos federais. 63% são favoráveis ao aumento de impostos dos ricos.
Mas, além de reprovar seus líderes, haverá conseqüências políticas? Alguns dizem que todos os eleitos sofrerão a ira popular, em 2012. Outros acreditam que Obama, apesar de ter gerado enorme decepção nas suas bases, não terá problemas graves, por um simples e cínico raciocínio. Como disse um estrategista democrata ao Washingtom Post, “o fato é que os liberais e progressistas não têm para onde ir”, além de votar em Obama e seu partido. Da mesma forma, um pesquisador democrata comentou, no New York Times, que, no caso de Obama, apesar das críticas das suas bases liberais a uma ou outra das suas iniciativas, no terreno eleitoral, “no final das contas estão seguros de uma coisa: vão odiar os candidatos republicanos. Então, sinceramente, não me preocupa muito uma base sólida ou estusiasmada”. Ou seja, o pensamento é que, para as bases progressistas, não há alternativas eleitorais.
“Precisamos de uma Praça Tahir não violenta”, diz o ex-vice-presidente, Al Gore. Diante do acordo para cortar bilhões em gastos, proposta dos republicanos, e das necessidades sociais, é necessária uma primavera estadunidensa (referência à primavera árabe) para resgatar o país aos direitistas, disse no seu canal de televisão, Current TV. Mas, para isso, disse o entrevistador, primeiro é preciso haver fúria.
“Eu acredito que o público está furioso, sim, mas também deprimido pela falta de lideranças e a ausência do sentimento de que é possível ganhar a luta. Os chamados populares a que Wall Street presta contas não levaram a nada, enquanto o dinheiro de Wall Street mantém sob controle os políticos e os ativistas se twiteiam entre si até à dispersão. Os ativistas condenam on line o presidente, mas fazem pouco para enfrentá-lo e exigir outro tipo de ação”, afirmou o jornalista veterano Danny Schechter, em sua coluna no Reader Supported News.
A imagem da classe política nas mãos dos mais ricos é documentada por todas as partes, com doadores milionários que financiam candidatos dos dois partidos. De fato, um novo informe do Center of Responsive Politics demonstra que Obama recebe ainda mais de Wall Street para sua reeleição, do que obteve em 2008.
Para alguns, as políticas econômicas de Obama, até o momento, não são diferentes das do seu antecessor, como a continuação das guerras e a omissão em pedir contas aos financistas e empresários, responsáveis por esta crise.
Talvez por isso não surpreenda tanto que Barack Obama dance confome a música de Bush, literalmente. Mark Knoller, da CBS, reportou que a campanha eleitoral do presidente está usando a canção “Só na América”, de Brooks e Dunn, nos seus comícios. George W. Bush a usou em sua campanha à reeleição, em 2004.

Tradução – Eduardo Marinho                                                             Boletim Telesur de 11 de agosto de 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dia do trabalhador ou do trabalho?

            Pode parecer estranho publicar um texto sobre o 1º de maio em agosto. Mas é uma redação feita para o Núcleo Piratininga de Comunicação (http://www.piratininga.org.br/), em curso de comunicação popular. Claudia Sampaio e Vito Giannotti são os organizadores. E mestres de vida.
            A luta dos explorados é todo dia. Dos espoliados, dos mal servidos, dos sabotados, dos excluídos. Uma luta não só deles, e sim de todos que se pretendem participantes da coletividade humana. Mas precisa começar dentro de si mesmo, em cada um, e daí para a coletividade. Não de fora pra dentro, nem de cima pra baixo. De dentro para fora o trabalho ganha força, raiz, nutrição e substância.





No princípio era o caos. As fábricas eram escuras, úmidas, fechadas, barulhentas, cheias de fumaças, poeiras e resíduos venenosos. As engrenagens eram toscas, enormes, perigosas, qualquer descuido e moíam dedos, mãos, pés, braços, às vezes corpos inteiros eram esmagados entre rodas dentadas, correias de transmissão, rolos compressores. Era o princípio da chamada revolução industrial.

Os operários eram camponeses ou descendentes de camponeses expulsos dos campos pelas milícias da época, a serviço dos poderosos que tomavam terras para a criação de ovelhas e as plantações de algodão. A nascente indústria de tecidos na Inglaterra precisava de matéria prima para suas máquinas. Sem opção, a população expulsa e sobrevivente dos massacres sofridos pelos que resistiam, formava legiões de sem nada. Eles caminhavam sem rumo até as periferias dos centros urbanos, se aglomerando em situação de miséria e desespero, prontos a aceitar o trabalho insano nas condições terríveis das indústrias, sem nenhum direito.

Diante das multidões em desespero, mão de obra farta, os patrões não se importavam com as condições infernais de trabalho nas suas fábricas. Os mortos eram imediatamente substituídos, da mesma forma que os mutilados - estes eram, simplesmente, atirados à própria sorte, ao amparo dos próximos ou à mendicância.

Com o tempo – e com a força que a resistência ao sofrimento impõe – começaram a surgir organizações entre os trabalhadores. Crianças, velhos, homens e mulheres eram massacrados pelas condições de vida e de trabalho e os patrões, atentos, proibiam qualquer tipo de organização. Sabiam que seriam obstáculos à sua exploração desenfreada. Escolhiam os mais fortes e de pior caráter, para controlar os demais em troca de migalhas um pouco maiores. Capatazes, feitores, chefes, gerentes, cagoetes eram os olhos e ouvidos do patrão, armas e ferramentas de desunião e controle.

As primeiras organizações muitas vezes tinham que ser às escondidas, entre conversas rápidas, sussurros e combinações sob o olhar atento do patrão e seus xisnoves*, em reuniões noturnas e encontros em segredo. A luta foi árdua desde o início, o ódio, a covardia e a perversidade dos privilegiados não teve limites, muitos foram e são os mortos, os banidos, os perseguidos e penalizados por lutarem pelos direitos básicos, para não morrerem de fome, de cansaço, de acidente ou de abandono. São "baderneiros", dizem os patrões.

Num primeiro de maio, na Inglaterra de 1848, entra em vigor a primeira lei limitando o trabalho a dez horas por dia. As manifestações eram reprimidas com fúria pelas forças de segurança, muitas vezes terminando em massacres sangrentos. As bandeiras operárias eram tão freqüentemente banhadas em sangue e, depois, erguidas novamente, que a cor vermelha foi escolhida para simbolizar as lutas por direitos básicos, até hoje não atendidos pela sociedade, pelo Estado, em violação flagrante da sua própria constituição e demonstração clara do predomínio dos interesses empresariais, sobre os direitos da população como um todo.

Num primeiro de maio foi iniciada a greve geral nos Estados Unidos que resultou no massacre de Chicago, com dezenas de mortos, centenas de feridos, em 1886.

Quatro anos depois operários estavam organizados entre países, na Europa, nos Estados Unidos, na África e na América Latina houve manifestações, greves, barricadas, confrontos com a polícia. 1890. Em 91, o 2º Congresso da organização operária já conhecida como Internacional Socialista decreta o dia 1º de maio o Dia Internacional dos Trabalhadores.

Impotentes para evitar, os patrões se esforçam, todo ano, para transformar a data em comemoração festiva, de celebrações, espetáculos, sorteios e premiações, na clara intenção de distorcer o significado deste dia de luta dos explorados por condições dignas de vida e trabalho. Dia do trabalho é todo dia. O primeiro de maio é o dia dos trabalhadores.

                                                                                                                                 Eduardo Marinho

* xisnove – ou X-9, informante da polícia.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

É melhor em paz



         Quando alguém declara não acreditar em alguma história que conto, em vez de ofendido eu me sinto elogiado. Houve quem não acreditasse que eu fazia os brochinhos, em relevo no metal, com fechos em arame trabalhado com alicate e soldados com maçarico. Um camarada chegou a dizer que sabia onde eu comprava, em São Paulo. Eu explicava pra algumas pessoas do mesmo grupo como eu fazia a corrosão, a solda, e tal. O cara ainda disse que havia estado lá no dia anterior. Mentindo descaradamente, convicto de que era impossível eu ter feito os broches. Eu ri, a explicação terminara.“Vou tomar como um elogio” eu disse a ele, “cê tá achando meu trabalho tão bom que não é possível eu fazer à mão, tem que ter sido feito pela indústria, né não?” No silêncio que se fez, segui o caminho. O descrédito, quando não é uma provocação pura e simples, no fundo, é um elogio. Tão incrível que não pode ser verdade. Por quê se aborrecer?
         É direito de cada um acreditar ou duvidar do que quer que seja. Em caso de dúvida pode ficar como mentira, não é agradável, mas possível e respeitável, não tem problema. Arte é mentira, olhando pelo lado da criação se vê um conto, uma ficção. E gracias.
         Sinto uma grande gratidão pela vida, pelas possibilidades de ter vivido tantas histórias, tantas situações tão diferentes, tendo a pouca ou a falta de grana como o único ponto comum. Sei muito bem o que vivi e, se hoje tenho histórias pra contar, ser considerado mentiroso ou ficcionista por alguns não tem muita importância. Nestas histórias, há qualquer coisa de serviço. Vivências trazem ensinamentos, informações, advertências, orientações; o proveito depende de cada um, de fatores externos e internos. As histórias caminham pelo mundo procurando os que precisam dela ou que podem lhe dar proveito. Vi muitas vidas à minha volta, milhares de histórias de todos os tipos. A diferença é que tive o privilégio de estudar em boas escolas. Aprendi a me expressar, tive acesso à instrução como deveria ser para todos. Posso escrever o que vi e vivi. No meu pensar, qualquer privilégio gera uma obrigação moral com a população sabotada, roubada em seus direitos básicos – necessários a uma vida justa. Privilégios são vistos como superioridade social pela maioria, mas são, pra mim, dívidas morais com a coletividade. Não cobro de ninguém além de mim mesmo, não nasci pra cobrador. Cada um sabe de si e carrega sua própria consciência, sua própria história, seus plantios e suas colheitas. Não trato das escolhas feitas, mas das escolhas possíveis. E das impossíveis.
         Trabalhar com idéias, com reflexões e questionamentos é como semear a terra. Gosto de trabalhar com terras férteis, onde as sementes brotam. Cada semente tem suas circunstâncias ideais, suas indicações e contra-indicações, seus momentos e condições para crescer e frutificar. Cada terra tem suas características, seus momentos, na hora de plantar é preciso escolher a semente propícia às condições, para brotar, crescer e dar frutos. Não gosto de perder tempo e energia com terras áridas, onde se encontra mais conflitos, aborrecimentos e desgastes sem nenhum proveito, com freqüentes e evidentes prejuízos. Não se plantam sementes nas pedras ou na aridez.
         O trabalho de esclarecimento, conscientização e, sobretudo, sensibilização acontece melhor com calma, harmonia e concordância de propósitos. E a vida flui melhor, mais em paz. Discordâncias não precisam se tornar discórdias.   

A guerra mundial das empresas contra os povos

As classes médias são transformadas em zumbis do consumo
      A derrubada das torres gêmeas foi o incêndio do Reichtag estadunidense. Da mesma forma que Hittler usou os escombros do congresso alemão para concentrar poderes e começar a segunda guerra mundial, o império atual utilizou o “ataque” como pretexto pra iniciar a invasão do Iraque e a “guerra total ao terrorismo”, significando o terrorismo dos outros, pois não é outra coisa o que as forças ocidentais fazem no mundo árabe. Aliás, no mundo inteiro, nos cinco continentes, a cobiça e a desumanidade dos interesses das grandes empresas têm causado morte e sofrimento, destruição e tragédia.
         Essa explosão de guerras no oriente médio é apenas a parte mais visível, uma batalha na grande guerra mundial em que está envolvida a humanidade, em inconsciência quase plena. A pior guerra, com os piores inimigos, que se fazem de amigos, entram em nossa casa e em nossos pensamentos e nos fazem colaborar com eles pra nossa própria derrota. É a guerra das grandes empresas contra os povos.
         Infiltraram-se nos Estados, nas instituições, bancam campanhas eleitorais para ter seus próprios políticos, determinam leis e concessões, manobram a destruição do ensino público e sua constante sabotagem, controlaram a educação privada e a superior, impondo regras aos currículos para que se moldem aos seus interesses e aos orçamentos para privilegiarem interesses de poucos em prejuízo de muitos. Barbarizaram a saúde pública e privatizaram a maior parte dos serviços, a comando de laboratórios farmacêuticos, planos de saúde e indústria de equipamentos médicos. Controlam as comunicações com a mídia gorda, comercial, privada. Com sua publicidade massiva, suas novelas e programas, moldam comportamentos, formam valores, objetivos de vida, distorcem a realidade, sempre contra o povo e a favor dos poucos “poderosos”, das empresas, manobrando a coletividade para se deixar explorar e acreditar que o mundo é assim mesmo.
         Os sinais estão por todo lado. Na diferença entre uma delegacia de homicídios, precária, e uma de crimes contra o patrimônio, estruturada; entre o prédio de ciências sociais em qualquer escola universitária e o prédio de engenharia ou ciências tecnológicas de interesse empresarial. Na diferença de tratamento dado pelo poder público aos interesses empresariais e aos interesses da maioria da população; entre a consideração com os mais ricos e o desprezo pelos mais pobres. No descumprimento das leis principais da constituição do país, a garantia dos direitos básicos para uma vida decente, pelo próprio Estado. Inúmeros sinais em nosso cotidiano, naturalizado pelas distorções das informações e pela prática cotidiana que, progressivamente, foi se instalando na vida das coletividades, induzidas por uma mídia mentirosa, profundamente aplicada em controlar a mente e o comportamento da população. Superficializando a mentalidade, criando a necessidade do consumo como valor social, dividindo com a ideologia da competição desenfreada, produzindo uma vida angustiante em comportamento de manada, sem um sentido real e profundo, impondo o ter no lugar do ser.
         O inimigo ataca em toda parte, sempre sorrindo dentes brancos, olhos sedutores com juras de amor incondicional, tudo pela sua felicidade, enquanto rouba seus direitos, sua educação, sua consciência, sua vida, os patrimônios e riquezas da sociedade e as possibilidades de melhorar a situação de todos. O pior inimigo, que nos faz colaborar, mais que isso, sustentar esse sistema absurdo, desumano, com nossos comportamentos, nossos pensamentos, nossos desejos, nossas opiniões. Estimula-se o egoísmo, o vencer a qualquer custo, promete-se o paraíso aos vitoriosos e acena-se a todos com essa possibilidade impossível. As correntes da escravidão que nos aprisiona, hoje, são construídas com mentiras altamente planejadas por cérebros lapidados nas academias e implantadas no inconsciente das pessoas desarmadas de senso crítico pela falta de uma educação humanizadora e de informações verdadeiras. Não se recomenda lutar por direitos, mas sim por privilégios – isso é que dá lucro.
         Somos nós, como coletividade, que sustentamos o sistema. Induzidos, programados, desinformados, superficializados, cheios de preconceitos, ameaçados, iludidos ou acovardados, consentimos que o mundo seja assim, que a sociedade seja estruturada desta maneira. A solidariedade irrestrita é francamente indesejável aos que se sentem donos do mundo. Quando nos dermos conta e começarmos a pensar com independência, buscar informações nos meios alternativos, tomar posse dos valores pessoais, o sistema desmorona. Não há defesa mais poderosa que a consciência.
                                                                                                                  Eduardo Marinho, 8.8.11

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.