Carta escrita a um novo amigo, de 73 anos, lúcido lutador por um mundo melhor. Aí tem um pouco da minha história.
Meu grande irmão (chamo de grande irmão ao mais velho que me inspira respeito, como de irmãozinho ao mais novo que percebo na busca).
A visão que tenho do mundo se deve a uma série de privilégios que o "acaso" me proporcionou. Nasci numa casa abastada, estudei em escolas particulares até o científico - ou segundo grau, ou ensino médio -, entrando, depois, numa universidade pública - caminho convencional burguês de qualificação profissional para a manutenção do patamar social.
Na minha casa era praticamente proibido questionar a situação social, não por adesão consciente aos valores capitalistas, mas pelo exercício dos condicionamentos planejados e implantados pelos reais poderes da sociedade. Desde a infância, diante das perguntas difíceis de responder, tive que ouvir coisas como "ninguém pensa nisso", "essas perguntas não se fazem", "sempre foi assim e sempre será", "não pense nisso, trate de se preparar para garantir o seu futuro", "ninguém pode mudar o mundo", etc, etc, às vezes com impaciência, "de onde esse menino está tirando essas idéias?", "com quem você anda conversando?".
Entrei para o Banco do Brasil, via concurso, em Brasília, com 15 anos, e em 10 meses pedi demissão - a primeira vez que me chamaram de louco -, angustiado pela falta de sentido daquela atividade, além da repulsa pelos valores com os quais estava convivendo, as razões da existência dos colegas, tidos como universais, e pela incompatibilidade pessoal com a ausência de sentido na vida, para mim, embora visse que fazia todo o sentido, para os outros.
Ainda na adolescência, entrei, também via concurso, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (encurtando a história, para não ficar maçante), para alívio da família, que já estava me estranhando. Viram nisso a solução para minha vida, sem perceber que eu estava apenas experimentando, tentando me enquadrar, por causa deles mesmos. Quando saí, no segundo ano, a comoção familiar foi enorme. E, de novo, fui chamado de louco. Não teve uma voz que me apoiasse a decisão.
Com a fibra adquirida nos exercícios militares, viajei de carona, dormi nos matos, nos acostamentos, convivi com pessoas pobres. Depois, fui morar com minha família de novo, terminei o ensino médio e entrei numa faculdade pública. O meu meio social me constrangia. A soberba diante dos serviçais me envergonhava. Eu era tido, em alguns momentos, como um cara "muito estranho". Tentava me aproximar dos porteiros, dos garçons, dos faxineiros, com simpatia e respeito e era muito bem recebido, mas nunca como igual. Eu era apenas um "rico" legal. Tratavam-me bem, mas sem a igualdade com que se tratavam entre si. Reservavam-me as melhores porções, avisavam-me quando estava pra rolar alguma "uca", preveniam-me, ajudavam-me, protegiam-me. Mas não era o que eu queria.
Eu queria igualdade.
Quando peguei a estrada, absolutamente sem dinheiro, pedindo o que comer, dormindo sob marquises, em casas abandonadas, construções, ruínas, puteiros, periferias, tinha como objetivo achar algum sentido na vida, entender essa sociedade, alguma razão pra existência que não fosse me garantir materialmente, possuir, desfrutar, consumir. Perguntava, conversava, aprendia, ouvia histórias, me espantava, me emocionava, me comovia, me revoltava, me admirava, me encantava. Nessa época, vivia entre os mais pobres dos mais pobres, a marginália, os "malucos de estrada". Viajei de cidade em cidade, rodei grande parte do Brasil.
Demorou anos pra ser tratado como igual pelos mais pobres, custou muito esforço e alguns dentes.
No dia em que fui tratado com desprezo por um membro da minha antiga classe - não o conhecia -, eu ri. "Finalmente, perdi o cheiro, o aspecto, o astral da minha origem", foi o que pensei, orgulhoso.
Continuei me sentindo privilegiado, pois tinha informação. Mas já não parecia. Aprendi a viver como mendigo, como pária, como louco, como hippie. Aprendi os códigos dos excluídos. Aí pelo segundo ou terceiro ano de estrada, perdi os documentos, carteira do BB, do exército, de motorista, da universidade, tinha até uma em inglês - aquilo me dava alguma proteção contra a perseguição do estabelecimento social. A polícia passou a ser uma ameaça.
Percebi, aos poucos, como funciona o sistema, aprendizado que não termina, pelo menos no espaço de uma vida. Mas o básico é óbvio. O sistema se baseia em alguns pilares. A ignorância imposta à maioria. O excesso, o desperdício, a ostentação dos que podem consumir. A hierarquia social baseada no consumo e nas posses. O sentimento de inferioridade plantado no coração das maiorias, o de superioridade, no coração dos abastados.
"Como as pessoas podem acreditar em tantos absurdos?", questionava. "Como não enxergam o óbvio?"
Faço uma diferença entre propaganda e publicidade. Publicidade apresenta produtos e estimula o consumo; propaganda forma valores, crenças, objetivos de vida. Publicidade trata do concreto, propaganda, do abstrato. Claro que é uma arbitrariedade minha, mas eu me sinto no direito, não sou acadêmico, nem gostaria de ser. Quero ter os pés no chão e falar a língua da maioria, e não me restringir a essa linguagem hermética da academia, pra pessoas "estudadas", intelectuais. Na minha opinião, é isso o que afasta da população esses revolucionários de auditório, de entidades, tendências e agremiações, que alimentam, secretamente, um tremendo desprezo pela população, "tão ignorante", aderindo à velhíssima prática de culpabilizar as vítimas. Querem conduzir as massas - já horrorizei mais de um, dizendo que minha entidade é Oxóssi, minha tendência é heterossexual (sem preconceito) e que, se eles querem conduzir as massas, deviam ir entregar pizzas.
Concordo que as técnicas de propaganda e publicidade são ferramentas sem vontade própria, e que podem ser utilizadas tanto para libertar como para aprisionar. Mas como é que têm sido utilizadas? Como é que têm sido utilizados todos os conhecimentos guardados nas academias? Todos os recursos materiais do planeta?
Reformulo, graças a você, a frase "a publicidade é uma atividade criminosa", retirando o "é" e substituindo por "tem sido". Em Cuba há um autidór com a colocação "consuma apenas o necessário". É possível imaginar isso no nosso modelo de sociedade?
As necessidades mais importantes são abstratas - afeto, integração, solidariedade, utilidade ao coletivo, compreensão, o trabalho interno (e, basicamente, individual) nas grandes falhas (orgulho, egoísmo, soberba, medo,...), conscientização, desapego, a prática de compartilhar, a cooperatividade, o desenvolvimento do discernimento, senso de justiça e por aí vai. Tudo no sentido da evolução humana, individual e coletiva. Mas o foco da vida foi centrado na matéria, em "benefício" de uma minoria de zero vírgula uns por cento e na abastança de pouco mais de vinte por cento de "qualificados" que os servem. As técnicas de propaganda e publicidade estão na linha de frente, não só nos comerciais, como nos jornais, novelas, filmes, programas de tv, de rádio, nos carros, nos ônibus, nas estações, nas ruas, em toda parte - é um massacre.
Eu não diria que a maioria da população é idiota, imbecil, vazia. Diria que é idiotizada, imbecilizada, esvaziada, infantilizada, via técnicas publicitárias (agora, sim) criminosas, com a ajuda inestimável da sabotagem da educação pública e da interferência na educação privada, por pressão dos que controlam as marionetes políticas. Por que se chama os gastos públicos de "custo social" e não de "investimento na população"? Porque está plantado no inconsciente coletivo que "custo" é algo que precisa ser contido, cortado, diminuído ao máximo. Investimento pressupõe retorno. E, no caso, o retorno seria uma população educada, pensante, crítica, capaz de decidir seus caminhos e de perceber as falácias das elites apresentadas por seu porta-voz, a mídia privada. Tudo o que a classe dos dominantes não quer.
Acredito firmemente que, se cada um consumisse o que lhe fosse realmente necessário, o sistema capitalista ruiria, sem remédio. O socialismo seria implantado por conseqüência, com base no esclarecimento do povo. Não com esses socialistas com o rei na barriga, cheios de verdades imutáveis. Esses são uns imbecis, sabem das coisas mas, ao invés de se darem ao trabalho de esclarecer a maioria, ficam vociferando contra os que "representam" o poder e brigando entre suas tendências de esquerda. Pra falar a língua chula, estou com os bagos cheios desses revolucionários. E faço o que acho que deveria ser feito, a começar pela minha própria vida, seguindo a linha gandhiana de "sermos a mudança que desejamos no mundo".
Como você pode ver, minha tendência é bastante prolixa. Tento condensar, mas tenho dificuldade. Às vezes consigo, como no texto "A Mídia Mente - descaradamente", que está no blog e nas minhas serigrafias - das quais tiro meu sustento. Mas olho pro texto e sinto vontade de desenvolver cada parágrafo, pois cada um me parece um tópico a ser desenvolvido, com toda uma gama de idéias a perfilar. Preciso trabalhar no sentido de desenvolver a capacidade de síntese, você tem razão.
E vou terminando por aqui, pra esboçar alguma coerência com o que acabo de dizer.
Um grande abraço, e obrigado por me ajudar o pensamento.
Eduardo
Gostei muito do seu blog. vou divulgá-lo no meu, espero que não se importe.
ResponderExcluirhttp//juventuderebeldiaesperanca.blogspot.com
Sem dúvida alguma, muito coisa que vc disse aqui neste texto, sempre busquei na Universidade onde estudo ( pública por sinal, e onde seria ou de veria estar, pessoas extremamente esclarecidas mas não foi isso que encontrei.)Muito pelo contrário, me deparo todos os dias com meros "servisais" do Estado que zelam por uma ordem social, por mais que digam que não e venham com discursos vazios.
ResponderExcluirAdmiro muito seus textos e pensamentos, apesar que sempre fico com algumas dúvidas. Por exemplo, você apóia apenas a classe mais desfavorecida em detrimento dos ricos? Ou quer o bem de todos? Você acha que a solução seria a legalização das drogas? Todas, ou apenas a maconha? (por mim legalizariam a maconha, e depois, todas).
ResponderExcluirÉ triste as mortes pela polícia nos morros, mas é também triste as mortes que os traficantes causam quando assaltam, sequestram, e outras barbaridades, ou no próprio morro, como em 2007, li uma notícia muito cara de pau no site mídia independente, reclamando da ação policial num morro onde morreu um garoto de 4 anos, culpando a polícia. Pesquisando melhor, vi que a própria mãe do garoto havia relatado que um policial pegou o garoto para protegê-lo enquanto os traficantes atiravam nele, com garoto no colo e tudo. Ou seja, os traficantes não têm consciência também.
Não estou criticando, admiro seus pensamentos, só não consigo concordar com ninguém que esteja do lado absoluto de uma classe só (pobres, ricos), afinal tem pessoas ruins em todas elas, o que eu gosto é de procurar o bem em cada um pois cada indivíduo é único.
Apóio a legalização das drogas e um futuro melhor, melhoramento das escolas, acabar com essa pouca vergonha. Mas não apóio também o ódio aos ricos, odiar os "burgueses", etc.
boa sorte nas suas pinturas e seus textos!
Um exemplo do pensamento que eu falei que não concordo:
http://www.alertatotal.net/2007/02/um-exemplo-da-interectuaridade.html
Esse texto, por mais que as condições dos pobres sejam ruins, é um absurdo para mim.
(removi a outra postagens porque fiz alguns retoques e postei essa. abraços)
Salve, Juca.
ResponderExcluirNão defendo a legalização, mas a descriminalização. O abuso e a dependência das drogas é questão de saúde, não de segurança. Questão de segurança é o tráfico, que só existe devido à proibição. Não ataco os ricos, mas a arrogância, a ostentação e o sentimento de superioridade da maioria deles. Não os odeio, apenas os lamento, e à sua cegueira voluntária e conveniente. De resto, a maioria dos pobres, no lugar deles, agiria da mesma forma, não sejamos ingênuos. Eu me coloco ao lado deles, não só por ser, economicamente, um deles, mas porque são, antes de nascer, injusta e ivoluntariamente privados dos meios materiais necessários a uma vida com dignidade e condições de desenvolvimento humano. Além do mais, é muito mais fácil falar com eles do que com a maioria dos ricos. rsrs
Um abraço.
Obrigado pela resposta. Mas pelo que sei, a descriminalização seria não punir o usuário? Nesse caso, o tráfico ainda existiria, pois ainda seria ilegal vender a drogas, então seriam necessários os traficantes.
ResponderExcluirEu acho que é um absurdo que não podemos plantar maconha, ou pés de coca.
Quanto ao texto que postei, parece ser falso, criado para gerar polêmica. Peço que ignore-o. Vou me ausentar, depois passo aqui para ver sua posição sobre as drogas.
ResponderExcluirDescriminalizar é tirar este assunto do âmbito legal. Plantar, colher, vender, fumar, uma planta do jeito que está na natureza, não pode ser abordado por lei, muito menos penal. É como erva cidreira, chá de jurema (esse dá uma onda, não proibiram porque só dá no sertão e em pequena escala). Põe na lei o que for feito em laboratório, o que tiver química industrial envolvida. No mais, polícia não tem que tratar desse assunto, mas das relações onde alguém prejudica outro alguém. Sob efeito ou não de qualquer coisa. Se alguém se ouriçar com o vermelho e matar, vai ser proibido usar vermelho? Já fumei com capitão, com juiz de direito, sargento da PM, médicos, motoristas, etc, todos muito responsáveis e úteis ao coletivo. A proibição só interessa aos grandes empresários do tráfico, que não põem o pé no morro, não pegam em armas (apesar de encomendá-las, em russo, inglês, hebraico,... e pagá-las via sistema financeiro internacional- o que não há traficante de morro que possa fazer) e lavam o dinheiro em suas empresas legalizadas, que rendem muito menos que o tráfico.
ResponderExcluirA estratégia da segurança pública de "combate" ao tráfico nem toca no cerne do tráfico, ataca as áreas pobres de forma brutal para efeitos midiático-eleitorais, matando, espancando e torturando a esmo, aonde "deixam" atacar, os camelôs do tráfico, facilmente substituíveis por miseráveis que nosso modelo de sociedade produz, com sua absurda concentração de riquezas numa parcela bem pequena da sociedade, ansiosos por uma vaga no tráfico que, apesar dos riscos, paga melhor que qualquer emprego pagaria pra pessoas sem qualificação nenhuma, sabotadas por um Estado seqüestrado que, criminosamente, não cumpre sua função constitucional de garantir o mínimo necessário a uma vida digna e ao desenvolvimento pessoal, com alimentação sadia, moradia, ensino que mereça esse nome, com qualidade de instrução, informação leal (como não o é a da mídia privada) e respeito social. Mas acho que já estou me repetindo, isso tudo tá nos textos do blogue.
ResponderExcluirHá sempre a ilusão adolescente de que "comigo vai ser diferente, arrumo uma grana pra abrir um negocinho e depois saio fora". A maior parte morre, uma parte vai em cana aprender a não ter humanidade e a ser monstruosa pra sobreviver e alguns seqüelam com tiros e espancamentos, aleijados em cadeiras de rodas (quando conseguem uma) ou morrendo lentamente em agonia.
ResponderExcluirEu tenho vergonha da sociedade onde vivo. Não posso partilhar dos seus valores.
ResponderExcluirfala meu velho..
ResponderExcluirnao te conheço e me apresentaram teus videos no youtube, to por aqui tentando seguir caminhos alternativos, concerteza vou buscar ideias tuas a minha caminhada, mas não sei se voce colocou tudo por aqui e la nos videos, mas é mais complexo que isso ne, pra fugir de tudo isso, agente precisa de mais, precisa se municiar de mais argumentos, mas é extamente como vc diz, não to aqui pra competir, muito menos pra vencer .
um abraço
ALECRIM
Você:
ResponderExcluirQue se acha grande e nobre
Que possui bem mais do que o necessário para sua sobrevivência
Que gera a confusão social para poder continuar no poder
Que se acha mais digno por pertencer a uma determinada classe
Que se acha no direito de explorar o trabalhador até o limite
Que vive a vida com somente um propósito: acumular
Sua grandeza é ilusória e sua nobreza custou-te caro
Sua ganância e compulsividade será sua própria ruína
Sua confusão está se voltando contra você, também
Sua confiança nos de sua classe, e em si mesmo, é efêmera.
Sua exploração feroz gerou sofrimento no trabalho até pra você.
Seu maior erro foi não saber que o maior dom da vida é: saber compartilhar.
Tive contato com a sua estória de vida através do video e de seu relato acima. Concordo em parte com a sua maneira alternativa de vida e também que somos todos "iludidos" por essa maquina de fabricar lucros exorbitantes e desnecessários à nossa vida básica que se chama "capitalismo selvagem". Com o socialismo que você defende a meu ver se for o marxismo tão endeusado no século passado;eu discordo pela minha experiência acadêmica, vivência pessoal e o pouco conhecimento de causa que tenho,e creio que não é a solução para uma humanidade justa. Esta se alcançará mediante a dissolução do nosso "ego inferior" pois o maior mal que o ser humano carrega é o egoismo. Não adianta mudar os sistemas economico, politico, social, religioso, se não melhorarmos as pessoas no seu interior, desenvolvendo-lhes o altruísmo e isso só se consegue com a evolução espiritual.
ResponderExcluirÔ, Saramago, nós estamos de acordo na base. Mas a parte interna não se dissocia da externa. Eu não procuro solução, mas participar do processo evolutivo da forma em que eu possa ser mais útil, conforme minhas tendências pessoais, minha visão do mundo e minhas possibilidades. Cê não me viu "defendendo" o socialismo. Tendo a ser meio anti-acadêmico pelas posturas predominantes nesse meio em relação à maioria. Mas é inevitável a identificação com as idéias da esquerda, pela postura contrária à idéia consumista e produtivista e favorável à distribuição de renda, de benefícios da tecnologia, de conhecimento e de informação.
ResponderExcluirFala Eduardo, tudo na paz?
ResponderExcluirGostei muito do seu blog e sua visão da sociedade...
Gostaria de saber se posso divulgar seu blog no meu blog?
http://eproibidodinheiro.blogspot.com/
Vampiros
ResponderExcluirNo céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas
São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
Grande Eitor!
ResponderExcluirtu dá uma real que eu já enxerguei e tento me livrar, mas não consigo me libertar da academia, mesmo tento escolhido um curso como serviço social, sei que esse "serviço" não se encontra na academia. não sei pintar, não aprendi a criar e vou admitir, tenho medo. não sei exatamente do que, e mesmo não fazendo parte de toda essa lógica frenética de consumo e de ser, me sinto presa, castrada, amputada, me sinto cada vez menos livre, de acordo com que aprendo a ver o real, pero não sei desamarrar esses nós. ter encontrado o teu blog me levou a várias reflexões novas, ou nem tão novas, mas mais esclarecedoras, até sobre mim. um abraço!
ResponderExcluirum poema pra ti!
ResponderExcluir"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Cântico Negro - José Régio
Comigos de Mim
Olá Eduardo!!! Me sinto "esbofeteada" de tanta informação relevante que em 10 minutos e 38 segundos consegue, simples e sutil, "revelar" aos curiosos e indignados (ou nao) que vão ver seu vídeo!! E depois numa consequencia quase que previsível vêm ver seu blog, e se chocam com mais idéias, pensamentos e sentimentos pelo mundo, que transparecem nesta pagina da internet.
ResponderExcluirSó sei que, me identifico demais com vc, com o que pensas sobre o que nao quer ser e com o que nao quer pra esse mundo.
vamos caminhando... vou divulgar o vídeo, ok?!
um abraço
Thais!!
obs: apaguei o 1º comentário pois achei que estava anônimo.
Thaís, é lindo o Cântico Negro. Eu o conhecia, de há muito tempo atrás. Obrigado por ter mandado.
ResponderExcluirIh, não foi a Thaís, foi a Mariana. Corrijo. Obrigado, Mariana. Esse texto do "cântico" eu ouvi com Paulo Gracindo no (pasme) Fantástico, ali por volta de 1975 ou 6. Eu tinha 14 ou 15 anos e fiquei de bobeira na frente da televisão, ouvindo aquilo. Foi na época, também, em que conheci o Pink Floyd e traduzi algumas de suas letras... era o plantio da semente. Só vingou anos depois.
ResponderExcluirEduardo,
ResponderExcluirCompartilho do seu pensamento, já li todos os seus textos aqui no blog, mas acabo não comentando muito. Fico feliz pelo o quê você é, com a mentalidade que você tem. O mundo seria um lugar melhor se as pessoas não fossem condicionadas somente a produzir e, principalmente a consumir. Pessoas com uma história de vida como a sua são uma motivação para eu seguir em frente, nesse mundo onde os valores estão distocidos. Por favor, continue com o seu ótimo trabalho, pois sei que ele tem um grande alcance. Sou um jovem universitário do curso de Biblioteconomia na Paraíba, digo isso para você ter consciência de até onde ele pode chegar.
Eduardo, um abraço para você, espero que você tenha uma vida feliz e com saúde!
Thiago B. Almeida
Não me resta outra opção - que não me faça infeliz.
ResponderExcluir"Concordo que as técnicas de propaganda e publicidade são ferramentas sem vontade própria, e que podem ser utilizadas tanto para libertar como para aprisionar. Mas como é que têm sido utilizadas? Como é que têm sido utilizados todos os conhecimentos guardados nas academias? Todos os recursos materiais do planeta?"
ResponderExcluirParabéns por essa passagem . Brilhante !
Matias
Cara, impressionante o poder das palavras, né não? Sendo ou não sendo, tendo ou não tendo.
ResponderExcluirO mais interessante é que você escreveu e não rotulou nada. Fez lá o seu rilisi, sossegadinho.
Legal!
É muito legal encontrar pessoas que pensam assim! me identifiquei muito com isso... principalmente pelo fato de eu passar num concurso para o Banco do Brasil e pedir demissão em 2 meses! ser tachado de louco, todos queriam dar pitaco na minha vida... só porque eu vejo o mundo de outra maneira... olham para mim como sendo esquisito sem ao menos passar pela cabeça delas como eu vejo elas... hoje tenho a conciência livre, mas não tanto, pois é difícil sair dessa "escravidão" que a sociedade impõe. Me falta coragem de ser como o Eduardo, a quem dou os parabéns!
ResponderExcluirSer considerado estranho, numa sociedade como a nossa, é o mínimo necessário a qualquer um que use a cabeça pra algo mais que separar as orelhas e repetir idéias planejadas e impostas pelas mídias comerciais.
ResponderExcluirEDUARDO...BLZ?
ResponderExcluirPQ VC SE INTITULAVA COMO BURGUÊS?
CONCORDAS QUE A CLASSE QUE TU "PERTENCIAS" ESTAVA MAIS INSERIDA NUMA média (NA ÉPOCA EXISTIA SOMENTE CLASSE BAIXA, MÉDIA E ALTA).
...DE ONDE VEIO ESSE SEU ANTIGO AR DE NOBREZA?
Burguês pela classe onde eu vivia. Falava-se em três classes, mas sempre houve muitos níveis, numa escala enorme e variada. As classes se subdividem.
ResponderExcluirAntigo ar de nobreza? Deve ser de uma outra vida. Nessa eu sempre me senti vira-lata. E as regalias, eu achava injustas, sem perceber, racionalmente, as razões disso. Apenas sentia o que hoje penso de forma racional.
Ola Eduardo,
ResponderExcluirtenho-me perdido pelo teu blog e estou com vontade de ler todos os textos, parabens pelo excelente trabalho que tens feito, por toda a "propaganda".
Entretanto comentei aqui para dizer que concordo absolutamente com o Hugo Saramago.
Aproveito tambem para fazer um pouco de "propaganda". Esse poema que postou o Eitor e de uma canção de Zeca Afonso, musico que compunha canções de intervenção no periodo da ditadura fascista em portugal, uma das suas musicas (naquele tempo proibida pela ditadura)foi usada na radio como sinal de partida para o movimento das forças armadas darem inicio a revolução que viria a por fim a ditadura no dia 25 de Abril de 1974, instaurando depois a "democracia" (bom, quanto a "democracia" foi a palavra que ficou registada nos documentos).
Tem musicas interessantes do ponto de vista da "contra-corrente", suas letras.
Abraço
Filipe correia