quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A opção é uma necessidade

Tensão, angústia, ansiedade, raiva, medo, os valores impostos
nos infernizam. Muitos se transformam em "cabeças de fósforo".
É preciso reconhecer muita engenhosidade no ser humano para conseguir construir essa parafernália psico-influenciadora, com tamanha capacidade, alcance e profundidade, para mascarar minuciosamente a realidade, criando uma realidade fictícia, na qual as pessoas se adaptam e acomodam, para manter tudo como está. Um aparato complexo de condutores de opinião, distorcedores de fatos e realidades, construtores de aparências mentirosas, mas “convincentes”, está instalado e em pleno funcionamento.  São criadores de visões de mundo, de valores e de desejos individuais e coletivos. Depois que descobriram o caminho do inconsciente, os "donos do mundo" puderam amarrar a situação pelo maior número de lados possível, armados com a posse do desenvolvimento tecnológico que deveria servir a todos. E invadiram as instituições, seqüestrando os Estados e os coagindo a serviço dos seus interesses, em prejuízo das populações como um todo, apenas beneficiando algumas camadas, sempre minorias, para que garantam o funcionamento do sistema de exploração e sabotagem da maioria, de exploração e consumo dos recursos do território, violando direitos humanos e leis ambientais para concentrar mais poder e riquezas. Não é preciso investigar minuciosamente o interior da estrutura social para perceber a quem o Estado serve. Basta observar como são tratadas as parcelas mais empobrecidas e as intermediárias, na base da sociedade. Não é preciso ser nenhum gênio acadêmico. É óbvio demais.

Só que não é possível amarrar todos os lados. Há sempre pontos soltos, brechas, rachaduras. É aí que a gente entra. Cada atividade no sentido de quebrar as correntes de mentiras que nos prendem é útil e necessária, seja qual for sua dimensão. Cada trabalhador que use o que tiver na mão, britadeira, picareta, ponteira e marreta, martelo, lima, ácido, ferrugem, maçarico, mesmo as unhas e os dentes. E também o carinho, o amor, a paciência, a tolerância e a persistência. O ódio e a violência, o insulto e a intriga são as armas do opressor. Podemos produzir armas mais criativas e bonitas, criadoras de vínculos e raízes muito mais fortes e profundas. Sem esquecer que estamos todos envolvidos por camadas de correntes construídas por séculos a fio, das mais grosseiras às mais sutis. Procurando e trabalhando em nós mesmos, profunda e sinceramente, aumentamos o alcance e a eficiência do nosso trabalho dentro da coletividade, além do nosso próprio desenvolvimento humano, pessoal. A partir do indivíduo se forma o grupo. Trabalhar nossa própria individualidade é o primeiro passo para trabalhar o coletivo.

Não é um sacrifício ou um esforço enorme fazer o que faço, produzir arte reflexiva. É uma forma de sentir valor na existência. Sem isso, minha vida perde sentido. É uma necessidade, não um "heroísmo". Eu estava perto dos dezenove quando resolvi dedicar a minha vida a produzir ou provocar reflexões, questionamentos, proposições, sempre no sentido da mudança. Isso porque a minha vida não fazia sentido, a angústia era insuportável e eu já começava a vislumbrar algumas razões – e são muitas. Não conseguiria assimilar os valores sociais apresentados como “ideais”.

Preciso trabalhar no sentido de uma sociedade que não admita situações de indignidade, não admita fome, miséria, ignorância, carência de qualquer tipo. Uma sociedade que priorize as situações de fragilidade, priorize os serviços públicos, educação ao nível do melhor ensino, com profissionais vocacionados, assim como no atendimento médico - preventivo e não curativo. Um Estado livre dos vampiros, morcegos, percevejos, pulgas, carrapatos e outros sanguessugas que o enfraquecem, tornando-o incapaz de defender sua população, incapaz de cumprir suas funções constitucionais e garantir os direitos fundamentais de todos.  Uma sociedade em que o valor da vida não seja mais determinado pela propriedade privada. Em que a vida valha mais que a propriedade.

Seria ingenuidade esperar viver numa sociedade assim. Não trabalho para ver o resultado. Trabalho na direção do resultado que eu desejo, não para mim, mas para todo mundo. Conheci muita, mas muita gente trabalhando diretamente no aprimoramento do ser humano e da sociedade. Há pessoas em todos os meios, dos puteiros às intituições religiosas, das escolas primárias aos institutos de pesquisas avançadas, das favelas aos bairros ricos, dos “chópim-center” (por incrível que pareça) aos partidos políticos, das cadeias aos condomínios, dos casebres às mansões. São exceções à regra em todos os lugares e tempos, pedras preciosas no cascalho humano, que distribuem brilho em seu meio, na coletividade à sua volta, seja na profissão que for ou em qualquer atividade. A diferença do ser humano pro garimpo é que, no caso do ser humano, a preciosidade é contagiosa. Consciência chama consciência. Luz elimina trevas. Os acendedores estão por aí, anônimos e atuantes, em toda parte.

Isso me dá a convicção, como se não bastassem as evidências da história do planeta, de que o processo está em curso, um processo evolutivo contínuo e inabalável, com ritmo próprio, individual e coletivo. Nessa visão, moldei minha vida e meu trabalho pelo mundo. É uma necessidade minha, pessoal e intransferível.



Eduardo Marinho, 29 de setembro de 2010.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Observar e absorver - ciclo evolutivo







Quem não gosta de explicação, não leia.


Este ciclo está no sentido anti-horário, a partir da parede velha, descascada e pichada com o lema da primeira facção criminosa anunciada, a Falange Vermelha, nascida no presídio da Ilha Grande, do casamento do crime comum com a política de esquerda, então mais perseguida que o próprio crime. A mão bem vestida espreme um cara sem roupa. É a opressão da grande empresa, do poder econômico, sobre a grande maioria, impondo desde a miséria a uma vida angustiante e sem sentido, passando pela pobreza e todos os níveis de classe média. Na janela, dentro daquela realidade, o observador. Abaixo, correm um homem maior e um menor, o primeiro com um fuzil e o menor com uma pistola - ou revólver; correm por cima de uma corrente que, ao seguir dos olhos, se mostra um trem se movimentando em sentido oposto - ou seja, eles correm sem sair do lugar. Abaixo, o ambiente de sertão simboliza a dureza, a aridez da vida comum. O carcará é o predador, o cacto e o bode são a resistência e as flores são a sensibilidade - peculiar sensibilidade, forte o suficiente pra florescer no semi-árido, na forma de flores miúdas, adaptadas às dificuldades locais e, em contrapartida, resistentes o suficiente para durarem muito mais tempo que quaisquer outras flores de lugares mais amenos, maiores, mais exuberantes, porém frágeis, de vida mais curta.

A máquina de escrever antiga remete ao início das comunicações, ao lado da descoberta da força do pensamento e, em seguida, ao uso do pensamento para a auto-elevação pela meditação, pela reflexão. Estamos na parte de baixo do desenho. A coexistência do ser humano com as formas das outras existências, dos elementos, água, terra e ar, e dos seres da terra, do ar e do mar. Afirma-se o papel das artes na evolução do espírito humano. Um pincel atravessado como um portal e um pintor em ação. Subindo pela direita, a sensibilidade, a frutificação, os instrumentos da arte imaterial, a música, a dança, o teatro - as duas máscaras em contraposição, no alto. De cada ponto da arte surgem linhas que, na seqüência, tornam-se uma pauta musical que se transforma em água que, passando sobre o E de cima, caindo entre o S e o O, lava e alimenta os mananciais, terminando por chegar às grandes porções de água do planeta. No centro, acima, a representação do ser humano mais purificado - final de ciclo, nesta orbe planetária - que, ainda longe de uma inconcebível perfeição, trabalha de outra forma a existência humana. Sem precisar passar diretamente pelas experiências físicas, acompanha-as, inspirando, incentivando, energizando, participando, exultando com os êxitos e sofrendo com os fracassos. Todos têm trabalho a fazer.

Entre as letras, detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos; um olho que observa, uma porta fechada, uma boca que grita, uma pessoa na chuva, outra subindo a escada, uma floresta...


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Por mim, pelo mundo, pelo ser humano






          Quando fui exilado da família, como traidor, passei a considerar minha família a humanidade inteira. E, vivendo entre os mais pobres, mais discriminados, mais maltratados da sociedade, durante muitos anos, passei a questionar essa estrutura social que deixa tantos dos meus parentes em situações tão injustas, de ignorância, miséria e pobreza, de exclusão, discriminação e preconceitos, desrespeito, humilhação e violência.
          Como se permite tanta fragilidade sem proteção? Como se maltrata os períodos mais frágeis da vida, a infância e a velhice? Como ficar indiferente diante de tanto horror e barbárie? Como podemos, nós todos, como grupo humano, aceitar conviver com esses absurdos, sem questionar as causas?
          Não posso respeitar uma sociedade que não respeita a minha humanidade, que produz seu próprio câncer e usufrui dele, com avidez vampiresca. Não posso assimilar, nem compartilhar dos seus valores, que se desmoronam à primeira análise.
          O produtivismo europeu deliberou e implantou o consumismo, através de técnicas de publicidade e propaganda. O consumo e a posse foram transformados em valores sociais máximos. A miséria é encarada como uma lástima, inevitável e inexplicável – pois é uma necessidade desse sistema perverso. A propriedade é símbolo de valor pessoal. Honestidade, solidariedade, lealdade, compaixão, afetividade são qualidades para serem hasteadas em bandeiras, formando um cenário de aparências, sem relação real com as práticas cotidianas. Deus é prisioneiro das igrejas.
          O império estadunidense é o discípulo que superou o mestre – claro que se aproveitou de um momento de fraqueza, quando o mestre estava estropiado de tanta porrada que tomou na 2ª guerra mundial. E, ainda assim, precisa da sua aliança contra os povos do mundo, em busca das riquezas dos seus territórios. São os impérios do norte.
          Com suas mega-empresas transnacionais, industriais e financeiras, e seu poderio econômico e militar irresistível, interferem nos poderes locais. Infiltram-se em todas as áreas estratégicas dos países, através de elites locais cooptadas e regiamente recompensadas. Sabotam todos os investimentos nas populações, chamando-os de “custo" social. Tomam as comunicações através da mídia privada, criminalizam todos os movimentos em defesa dos interesses dos povos e constroem valores de consumo, valores culturais, desejos e objetivos de vida com o massacre midiático. Seus representantes, defensores e servidores, as elites locais nutrem um ostensivo desprezo por seus compatriotas e uma subalternidade igualmente ostensiva pelos senhores estrangeiros.
          Colocar-se contra a corrente é despertar contra si a estranheza e a discriminação. É ser qualificado de louco ou nocivo, ser banido e evitado. É sofrer o assédio das tentativas de recondução, é ser suspeito de psicopatia ou influência demoníaca. Colocar-se a favor é trair os mais fragilizados, é abrir mão da própria dignidade, ganhar em matéria e perder em espírito, em sentimento e moral, é escolher uma vida suja, vazia e sem sentido, fantasiada de ostentação, desperdício e falsa superioridade. Como os cães em grupo, sabe-se pra que lado se arreganha os dentes e pra qual se abana o rabo e se dobra a coluna.
          As opções estão postas. Eu me recuso a participar de grupos favorecidos com essa estrutura, tenho vergonha de ostentação, não gosto de lugares com seguranças e tenho nojo das salas VIP. Não estou aqui pra curtir a vida, mas sim pra ser curtido por ela.
          E que ninguém pense que condeno os usufrutuários dos benefícios em que se transformaram os direitos tomados da maioria. Os sentimentos de superioridade, a arrogância grosseira e o usufruto excessivo cobram seu preço ali na frente, no corpo afetivo-emocional, na insatisfação permanente, nos incômodos de consciência reprimidos, em angústias sem explicação aparente. Estes beneficiários existem porque a estrutura assim o permite. Mas quem sustenta os poderosos são os subalternos, os explorados. A submissão permite a opressão. Se os explorados não colaborassem com os exploradores, a exploração desapareceria.
          Por isso a mídia se esforça tanto pra desagregar os movimentos, distorcer a realidade, gritar contra qualquer mudança que favoreça o povo. Pra que não se tome consciência da realidade, pra que se mantenha o poder econômico no comando do mundo e das sociedades, pra que se mantenha a barbárie contra a maioria.
          Como impedir mudanças, porém, se tudo muda, até os minerais? Os avanços ocorrem em movimentos ondulatórios e sem controle, embora haja interferências sutis e violentas, diretas ou indiretas, para a contenção. Temos exemplos disso, na América Latina. Enquanto a mídia vocifera, histérica, os processos caminham com suas próprias pernas. Não desanimemos, todos os que trabalhamos por essas mudanças tão necessárias na formação da mentalidade, da sociedade e da própria humanidade.
          Não sei quando a sociedade se tornará mais humana e solidária. Não sei quando se tornará inadmissível um ser humano em condição de miséria, se daqui a dez, duzentos, quinhentos ou mil anos. Sei que trabalho nesta direção, desenvolvendo valores que considero humanos a partir de dentro de mim mesmo e, só daí, para o mundo – pois creio que, se você não vive profunda e sinceramente aquilo que você acha que todos deveriam (embora sem cobrar de ninguém), seu ser perde a força da sinceridade e o trabalho perde alcance - não em número, mas em profundidade.
          Não trabalho para ver os resultados. Trabalho pra dar valor à minha vida. Por mim, pelo mundo e pela minha família humana.

                                                                                                   Eduardo Marinho, 2 de setembro de 2010

Que democracia?




                         O estado democrático é uma falácia, um engodo, uma farsa, uma fraude. É a ditadura do poder econômico, o domínio das estruturas sociais pelo mercado financeiro e pelas grandes empresas. A administração pública, a começar pelos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, está dominada pela influência de uma minoria ínfima da população, desviando as prioridades do estado para os seus interesses econômicos, negligenciando as funções principais de servir à coletividade como um todo.
                         Mantém-se o povo ignorante, desinformado, desmoralizado e amedrontado. Ignorante, negando-lhe uma educação que mereça esse nome. Desinformado pelo controle da mídia e das comunicações, distorcendo informações, omitindo, deturpando, de acordo com os interesses econômicos de poucos. Desmoralizado, pela criminalização e perseguição de qualquer movimento que agregue, esclareça, conscientize e defenda a maioria, pela divisão e isolamento das pessoas com a ideologia da competição e do consumo compulsivo, através de uma publicidade massacrante, repetitiva, insidiosa, desonesta. Amedrontado, entre o empobrecimento, a exclusão social e o aparato da “segurança pública”.
                         Periodicamente, alimenta-se a farsa, simulando-se eleições “democráticas”, obrigando à votação em massa, após campanhas publicitárias milionárias, mentirosas, onde o único compromisso que se pensa em honrar é com os financiadores dessas campanhas, esquecendo-se os eleitores. São estatísticas.
                         O povo, sabotado em instrução, em informação, em consciência, em dignidade, não consegue discernir para escolher, não percebe o jogo de interesses ao qual é submetido. Muitos entram no jogo, negociam vantagens, migalhas... e sustentam o controle do jogo. Outros, não querem “nem saber de política”, querem é consumir, desfrutar, possuir, ostentar, ainda que seja sua própria miséria, sua própria pobreza mal disfarçada, sua média classe, sua mediocridade. São os prisioneiros da publicidade, dependem de estímulos externos para sentirem alguma razão no existir. São a grande maioria das pessoas.
                         Há outros e muitos tipos, mas poucos interessados no que fazem nossos empregados – os políticos, executivos e funcionários públicos em cargos de chefia - e como controlá-los e mantê-los a serviço da coletividade como um todo, priorizando as situações de fragilidade e não os interesses dos mais ricos entre os mais ricos.
                         Que não me venham falar em democracia. A ditadura se impõe, insidiosa ou descarada, sobre a ignorância onde é mantida a maioria. O resto é jogo de cena.
                                                                                                                                        Eduardo Marinho