sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo...

As pessoas sorriem, se congratulam, se despedem – "se eu não te encontrar até o ano que vem..." – como se estivesse, mesmo, acabando um “ano”, uma realidade, e começando outro “ano”, outra realidade. Uma fronteira, invisível, universal e falsa. O sentimento de que de agora em diante tudo vai melhorar é estimulado, impelido, aumentado. Esqueça o passado, olhe o futuro, tudo vai melhorar. Narcose coletiva. A mídia anuncia, festeja, faz retrospectivas, os jornalistas sorriem, os comentaristas, os especialistas – tudo vai mudar. Confraternize, comemore, veja o compacto do ano todo. O primeiro desabamento foi em Angra, 50 casas foram soterradas. Sobre a mansão que despencou da área de risco, sobre as 50 casas, não se fala. A secretaria local de meio ambiente havia vetado a construção, mas o governador mandou liberar – afinal, os donos eram um casal “global”, pra quem não vale a lei dos mortais comuns. Ouça esse mesmo governador atribuir às centenas de mortos e aos milhares de desabrigados a responsabilidade pela tragédia de abril no Rio de Janeiro. Nos morros onde um certo prefeito, odiado pela mídia e pela cúpula social, fez as obras de contenção, cumprindo a obrigação do poder público, não houve nada, não desceu nem um degrau de escada. Vai no Fogueteiro pra ver. São uns criminosos, esses governantes. E se não forem, a mídia ataca.

Quem manda, continua mandando; quem finge que manda, continua fingindo. O inimigo entra na sala e diz que te ama, que faz tudo pela tua felicidade. Atrai o teu marido. Afaga tua mulher. Faz bilu-bilu no bebê. Diverte as crianças. Distrai todo mundo e ocupa o maior espaço na casa, o mais visível. E te rouba o passado, o presente e o futuro, destrói a escola dos teus filhos, joga todo mundo contra todo mundo, droga e convence geral dos maiores absurdos. Mente e distorce a realidade e ai de quem não acredita. O próprio meio social se encarrega de discriminar e desqualificar os que não aceitam ser tratados como idiotas – ou gado humano. Narcose coletiva.

A polícia vai continuar violentando os pobres, os oficiais vão continuar maltratando os soldados. O transporte continuará consumindo um tempo enorme na vida das pessoas. Os professores, que deviam ser uma classe muito querida e próxima da população que lhes entrega os filhos ao preparo pra vida, seguirão sacrificados, com problemas nervosos, salários ridículos, estruturas precárias, verbas reduzidas. Não interessa o ensino público - se o povo percebe o que acontece, é revolução na certa. A mídia vai caprichar, cada vez mais, nas mentiras, nas implantações no inconsciente, na distorção. As empresas vão continuar poluindo, matando índios e pobres, corrompendo as administrações públicas em sociedade com a mídia, expulsando comunidades e camponeses.

Mas é ano novo, tudo vai mudar. Exerça, nessa época do ano, os sentimentos humanos, a solidariedade, a afabilidade, mas cuidado – são práticas muito perigosas. Assim que passar o período das festas, tranque de novo seus sentimentos pra só usar com a família e os conhecidos, e olhe lá. Sua raça, a humana, não merece confiança.

Depois que passarem as festas, volte pra sua gaiola construída com mentiras. Guarde os sentimentos no armário da angústia, eles são uma fantasia de uso rápido, de ocasião. Vista a angústia e, pra relaxar, consuma. Não confie em desconhecidos, dispute todas as migalhas, seu valor é seu preço – ou seu patrimônio. Acredite, mesmo, que tudo vai melhorar, por si só, sem precisar fazer nada. Que vai aparecer um herói e resolver toda a parada. Ignore essa gente na calçada, o mar de barracos na baixada, os meninos do tráfico, do vale tudo ou nada.

É criada uma sensação fortíssima de mudança, para que se mantenha tudo como está. Narcose coletiva.

Feliz ano novo. Sorria.

21 comentários:

  1. Como se tudo novo também começasse com este novo ciclo!
    E para que tanta comemoração?Roupas novas?Sapatos e relógios caros??
    Para começar já mostrando quem pode mais não é??!!
    De fato, manipulação coletiva!

    Bom...feliz 2011!*___-

    ResponderExcluir
  2. issu mesmo a situaçao e bem esta...
    nos seres humanos nos achamos tao espertos , especiais e por aii vai os adjetivos...
    mais o q percebo q é um bixo muito facil d ser controlado...
    teu blog é muito bom , li poka coisa mais é do bom... parabens !!!!

    ResponderExcluir
  3. Eu passei as festas vendo o filme "Gandhi"...

    À meia noite, quando os fogos começaram a explodir, o Gandhi, no filme, havia acabado de levar alguns tiros...

    ResponderExcluir
  4. é tão bom encontrar pessoas lúcidas, grata por vc existir na minha realidade (mesmo q seja a virtual, rs)
    bj
    Valéria
    "A revolução é um fenômeno espiritual. Não pode haver revoluções políticas, sociais, nem econômicas. A única revolução é a do espírito, e ela é individual. E se milhões de indivíduos mudarem, então a sociedade irá mudar em conseqüência disso..." Osho

    ResponderExcluir
  5. Essa euforia artificial, construída pelos veículos de comunicação de massa, é mesmo um saco. Mais que nunca vivemos numa época de bitolação - muita bebida, oba-oba, bundas esculpidas, "axé music", seios siliconados pululantes, roupas brancas pelo triplo do preço usual... E tome coma alcoólico, doença venérea, dívidas e ensolação de quem dormiu de porre e acordou ao meio-dia jogado em Copacabana, cheio de areia, parecendo até um bife à milanesa... "Grande" começo de ano!

    Aliás, vale lembrar, a miséria continua.

    (www.expressaoliberta.blogspot.com)

    ResponderExcluir
  6. Mais uma vez tenho apenas que concordar.
    Te falei que andava ocupado devido as festividades dessa época do ano e agora acho que você até deve ter pensando que eu curtia e celebrava toda essa festa, esse consumo.
    Não vejo sentido, não fico confortável, mas também é difícil se isolar e questionar esses valores diante da família, ainda mais por eles estarem ´´contaminados´´ por todos esses sentimentos mais humanos, como você bem disse no texto.

    ResponderExcluir
  7. Tua lucidez me hace sentir menos só.

    ResponderExcluir
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  9. Muito bem expressado. Penso de forma bem parecida.

    Que 2011 seja mais um ano de observação e absorção.

    Grande abraço,
    Gabriel

    ResponderExcluir
  10. Eduardo

    Educação aos pobres é o que você está a descobrir, ou ja descobriu, é o que você tem no peito, na cabeça, nas mãos ou nas unhas...enfim

    peguei seu termo "democracídio" e botei no meu blog...se quiser pode dar uma conferida

    ResponderExcluir
  11. ... e o que é a felicidade, senão momentos de ilusão. Percepção é realidade, tudo mais é ilusão. Viva uma ilusão e seja feliz ou perceba o quão amargo é o mundo a seu redor. A escolha é sua... Feliz ano novo :D

    ResponderExcluir
  12. A crítica realmente foi muito bem expressada. E é exatamente a realidade que nos acomete.

    ResponderExcluir
  13. Concordo em parte Eduardo; esta “abstração” trata da esperança de algo melhor,as vezes esperança é só o que uma pessoa tem,por mais manipulado que seja, o evento tem um lado bastante positivo.Seu blog é excelente! Precisamos cada vez mais de opiniões assim,parabéns!

    ResponderExcluir
  14. para flavio galdino:

    Quem disse que devemos ter esperança nessa época especifica? - Pq não posso ter esperança em todo por do sol, esperança que mudarei amanhã? - Afinal não é a única coisa que posso realmente mudar?

    ResponderExcluir
  15. Uma "esperança" reduzida a um pequeno período do ano, de clara exceção, do qual se esquece logo aos primeiros dias do ano, é uma esperança vã ou pior, uma ilusão cujo resultado é manter-se fechado às necessárias mudanças reais e internas. Uma válvula de escape, nada mais, sem representar possibilidade de mudanças de verdade, que é o que o sistema - que promove o Natal e o ano novo como a maior festa do consumo do planeta - não quer e não permite.

    ResponderExcluir
  16. O "sistema" tem mecanismos de defesa iguais à um vírus, ele muda para se manter igual (como o vírus para se tornar imperceptível para o organismo)...
    Pois o sistema já foi colonialista, mercantilista, expansionista, etc... e agora capitalista, mas a função continua a mesma (mudar para continuar), a exploração da maioria por uma minoria, a manutenção de privilégios através da supressão de Direitos...
    O remédio para esse vírus é a reflexão.
    Enfim, passei para parabenizar seu blog, e também deixar o meu aqui: http://wandinelson.blogspot.com/
    e sugerir um outro:
    http://www.alertatotal.net/

    Abraço!

    ResponderExcluir
  17. eduardo todo começo de ano entro para ler esse texto que acho excepcional e realmente verdadeiro . Um abraço e que deus sempre te guie !

    ResponderExcluir
  18. Olha nóis aqui em 2016...
    A primeira vez que li, foi no livro. Sem palavras!

    ResponderExcluir
  19. O lado bom tem de esconder senão os "irmãos" veem como fraqueza nossa. Ainda tenho de aprender isso. É contraditório para mim, pois acho que tenho de espalhar o pouco que sei. Jesus morreu na cruz. Lembrando Raul:

    Cowboy Fora da Lei
    Raul Seixas

    Mamãe, não quero ser prefeito
    Pode ser que eu seja eleito
    E alguém pode querer me assassinar
    Eu não preciso ler jornais
    Mentir sozinho eu sou capaz
    Não quero ir de encontro ao azar

    Papai, não quero provar nada
    Eu já servi à Pátria amada
    E todo mundo cobra minha luz
    Oh, coitado, foi tão cedo
    Deus me livre, eu tenho medo
    Morrer dependurado numa cruz

    Eu não sou besta pra tirar onda de herói
    Sou vacinado, eu sou cowboy
    Cowboy fora da lei
    Durango Kid só existe no gibi
    E quem quiser que fique aqui
    Entrar pra história é com vocês!

    ResponderExcluir