Morreu o bluseiro. Queda um enorme vazio. Nessa hora muitas tristezas vêm à tona.
Meu filho não me conhece e me detesta. Fanatizado numa religião precária cheia de hipocrisia, condenou meu cabelo "ripe". Perguntei a ele se Jesus tinha cabelo ripe e ele disse que não, Jesus tinha cabelos longos e ondulados. A mãe dele o convenceu de que fui uma fonte de sofrimentos pra ela. E ele disse que acredita nela até a morte. Até o nome dele foi trocado. Ainda me lembro da risada dela, fomos felizes enquanto moramos em minha casa, que eu considerava nossa, como considerei que o apartamento de Copacabana fosse nosso, até ela me enxotar do apartamento "dela". Só então entendi a mudança de comportamento, depois que entramos nesse diabo desse apartamento, onde eu não quis ir, mas cedi pra não me sentir egoísta. Eu queria ter ficado em Mauá. Ela diz que ele foi fruto de um "erro". Lembro de que tipo de gente ela se cercava, só pilantra, drogado, vampiro, mau-caráter. Sumiram todos, quando ela fechou comigo. Se aquilo foi um erro, o que seria dela se continuasse no caminho em que estava? Passei noções de caráter e de engajamento na vida, partilhei minhas idéias e meus sentimentos, ela embarcou na minha canoa pobre de grana, mas rica de sentimentos, de pensamentos, de coerências, de trabalho. Ainda ecoa na memória uma de suas frases finais - "eu quero mesmo é regalia". E eu me tornei um merda, na sua visão. Lembro do orelhão em que eu estava, ouvindo suas acusações, quando me informou que estava mudando pro Ceará com meu filho neném. Implorei pra que não fizesse isso, mas ela estava implacável. Avisou numa quarta e foi embora no sábado. Quando desliguei o telefone, escorreguei pela haste do orelhão, até deitar no chão, em pranto convulsivo, e ali fiquei não sei quanto tempo. Era tarde da noite, a rua vazia, passou alguém que se aproximou, não lembro se homem ou mulher, me levantou delicadamente e me deu um abraço em silêncio, um longo e profundo abraço que acalmou meu desespero. E pude ir pra casa, com minha tristeza mais calma. No dia seguinte ainda fui levar o carro numa transportadora, pra ela. Meu amor mais intenso desmoronou assim, arrebentando o peito. Poucos anos depois ela trouxe o menino pra me ver, ou usou isso de pretexto pra se reaproximar, não sei, sei apenas que ainda a amava profundamente, apesar de tudo, inclusive de já estar convivendo com outra mulher - que pensei amar, mas hoje vejo que o que sentia era uma espécie de gratidão, por ela aparecer e se aproximar quando eu me sentia jogado no lixo, feio, triste, amargo. Em seu orgulho, ela não usou as chaves que abririam de novo as portas pra ela. Sua intenção foi um único e breve olhar não assumido. Se ela tivesse declarado arrependimento, pedido desculpas ou dito simplesmente "eu te amo", eu teria desmoronado e percebido a fraca base do meu novo casamento, e tudo teria tomado outro rumo. Eu não poderia tomar a iniciativa, enxotado como fui da sua vida. É mentira que eu lhe tenha causado tanto sofrimento. Minha pobreza material, que é o que ela alega, esteve sempre em exposição e ela entrou na minha vida sabendo de tudo. Quem não sabia de nada era eu. Agora ela se apega a Jesus, mas não se apega à verdade. Não é uma contradição? No último contato com meu filho, tentei dizer a ele que a visão a meu respeito estava distorcida, mas ele me mandou tomar vergonha na cara. Dispensado pela mãe, dispensado pelo filho. Me custa compreender a hostilidade dessas pessoas comigo, pois nunca fiz nada de mal a eles. Acho que é porque sou como eles desprezam - pobre de grana. E não conheço meu lugar, porque não me sinto inferiorizado, olho nos olhos e, se não me superiorizo, tampouco me inferiorizo. Afinal, pior é a pobreza de espírito, a pobreza de caráter, a pobreza de sentimentos. Gostaria que ela descesse do seu pedestal de vidro e me tratasse da mesma forma que eu a trataria, com respeito, consideração, sem raivas inúteis e nocivas. Mas acho que ela não consegue, é preciso me desprezar. Não guardo sentimentos ruins a seu respeito, este é um momento especialmente triste pra mim, por isso afloram essas mágoas momentâneas. Sei que passa logo. Gostaria que ela acordasse, mas me parece que ela prefere continuar dormindo, enquanto a vida passa.
Meu grande amigo foi morar no extremo sul. Deixou um vazio difícil de preencher. Às vezes parece que vejo sua silhueta subindo a rua, às vezes parece que escuto seu grito quando estou na bicicleta.
Não consigo mais me apaixonar. Será que peguei uma doença crônica e nunca mais? Essa é a sensação. Meu amor anda atolado na descrença, na convicção da impermanência. Que ninguém me venha com lógicas e explicações, sigo o caminho e espero os fatos que virão. Mais uma vez, torço pra estar enganado, coisa nada rara.
A miséria, o sofrimento, a mentira, a inconsciência campeiam à minha volta. Meus irmãos abandonados, meus pais e filhos comendo lixo e apanhando da polícia, a parte rica da família indiferente à barbárie, usufruindo de privilégios que consideram seu direito e que roubam os direitos à maior parte da família humana, em sua soberba idiota e desumana. Os hospitais que atendem à população são infernos para pacientes e trabalhadores, as escolas de medicina constróem divindades receitadoras de remédios e atravessadoras de procedimentos médico-industriais. O egoísmo é estimulado ao extremo e a culpa do sofrimento é dos sofredores, a justa punição da incompetência fabricada pela estrutura social. Culpa-se a vítima. É a sociedade da mentira, da maldade, do egoísmo, da indiferença com o sofrimento das multidões. As cadeias, superlotadas, são casas da vingança mais covarde e bruta, são cursos de perversidade e desumanização, catalizando demônios aos magotes. A sociedade, aprisionada e aprisionante, parece não andar pra lugar nenhum, ou caminha na direção do abismo.
No escuro, tateio em busca de luz. Pretendo acender, pretendo encontrar, mas onde está? O sentimento de impotência paralisa e dói. Acendo minha alma, mas parece não adiantar nada. Tenho também muitas escuridões. Depois de trinta anos, aparece aquela pergunta que fiz aos dezenove - o que estou fazendo aqui? Pra que serve isso tudo? Merda de mundo, merda de sociedade, merda de vida.
Porra, momento, passa logo duma vez. Preciso trabalhar, preciso continuar, preciso lutar.
Que difícil está respirar...
Duardo, a vida tem dessas, gangorra doida que é. Infelizmente (ou felizmente), nosso estado interno nao depende só de nós, mas de nossa relação com as pessoas que amamos.
ResponderExcluirEspero que consiga respirar e seguir, teu caminho é belo. Grande abraço e força com tudo ai, cara.
Um dia me disseram uma verdade (ou eu é que acredito nela). Disseram que os sentimentos ruins não vêm do mundo. Vêm de nós, de como olhamos para o mundo. Que tudo é uma questão de como se vê.
ResponderExcluirE bem, às vezes é difícil enxergar, é difícil olhar pro mundo com amor. Daí, o conflito. Mas há que se ter fé.
Quando me sinto fraca, me lembro: de onde tirar força? Como se houvesse, dentro de mim, alguma parte muito viva e sólida, que emanasse força para todo o meu ser. Muitas vezes essa parte se perde dentro de mim, se cala por um tempo que parece muito. Mas eu sei, ainda que descrente, eu sei e SINTO que ela existe e é daí que vem a minha força de continuar, de ter fé na vida.
Às vezes precisamos parar tudo e só respirar fundo, uma, duas, dez ou vinte vezes. Até retomar o ar, até o coração se abrir no peito. E a vida continua...
Um homem foi procurar um Sabio pedindo uma diretriz para os momentos ruins e os bons. Lhe foram entregues dois envelopes para que fossem abertos, um no pior momento da vida, outro no melhor. Quando o homem achou que atravessava seu pior momento, abriu o envelope e dentro estava escrito " Isso vai passar ". Tempos depois atravessava um momento de gloria e realizações e abriu então o segundo envelope e ali estava escrito " Isso vai passar " .
ResponderExcluirPrezado Eduardo,
ResponderExcluirEntendi vossos sentimentos porque em muito deles habitei, em alguns momentos até mesmo piores.
Minha vida foi de muitas perdas, e, algo me dizia, diz-me que apenas sou diferente, sofri e sofro muitos pré-conceitos, ouço muitas coisas idiotas, etc; e, – um dia procurei entender, apaziguar um sentimento de inferioridade imbuído, uma das coisas que descobri que os maiores pensadores da raça Humana, tornaram-se os maiores pensadores porque foram contra a “maioria” alienada.
Eduardo, – você seguiu o caminho correto.
Eduardo, – acompanho o blog e tu tornaste um irmão espiritual pelos sentimentos e ideais. Se um dia vier a Belo Horizonte eu e minha família fica honrada em recebê-lo.
Não fica assim Eduardo, vejo os seus vídeos e leio os seus textos e tu é um exemplo, um ser iluminado.
Abraços fraternais,
- Luciano Machado.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrezado Eduardo,
ResponderExcluirEste depoimento seu é muito foda.
http://www.youtube.com/watch?v=NMn_1rQ3sms
Quando assisti fiquei de "queixo caído". Você é uma alma iluminada e, não é qualquer pessoa que vai entendê-lo.
Você é um ser humano de sucesso.
Você é simplesmente: FODA!
Levante a cabeça porque você faz bem a centenas e milhares de pessoas.
Abraços fraternais,
- Luciano Machado.
Você é simplesmente foda, cara!
ResponderExcluirMesmo num momente triste de sua vida, você conseguer ser foda, e transcender coisas boas.
Te admiro de mais!
Gostaria de saber o que te dizer para te deixar melhor... Me dói ver que alguém que foi um marco em minha vida passa por momentos tão angustiantes... Espero que tenha momentos felizes constantemente, que amenizem essa dor.
ResponderExcluirForte abraço,
Gabriel Guerreiro
É difícil pensar em palavras reconfortantes quando você realmente quer o bem e outra pessoa e não só falar por falar. Como muitos já falaram aqui que vc é uma pessoa iluminada e acho que por ser diferente de todos e realmente acreditar nos seus próprios valores sem ter medo da sociedade é que acaba sofrendo mais que todos. Eu e tenho certeza que todos que leem esse blog se inspiram em você e sempre buscam aqui algo quando estão para ceder, pelo menos acontece isso comigo, não sei se isso pode te reconfortar pelo que está passando agora, mas é de coração.
ResponderExcluirPS: esse teu texto me lembrou muito Metal Contra As Nuvens de Legião Urbana
"O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte" já dizia Nietzsche
ResponderExcluirforça irmão que a paz cósmica esteja com vós
Olá Eduardo, conheci teu trabalho hoje, em dois vídeos. Vejo em você algo raro, um ardor digno de uma pessoa realmente disposta a ser Superior (espiritualmente falando).
ResponderExcluirDeixo pra você uma sugestão de leitura, um autor que conseguiu fundir conceitos dispersos na compreensão de muitos homens bem intencionados, mas que ainda não possuem a real compreensão de Deus e dos "porquês" da vida.
Emmet Fox - O Sermão da Montanha; Os 10 Mandamentos; ou, qualquer obra. Atenção: não é obra religiosa e não tem intenção de doutrinação religiosa... É libertário, realmente!
Abraços,
Rafael
Nessas horas os amigos são imprescindíveis, acho. Não só pra palavrear, mas especialmente pra estar.
ResponderExcluirEu to passando por um momento foda na minha vida e só posso encher a cara, longe dos bares-padrão, das pessoas-matemática que vejo todos os dias.
Muita paz pra você, Eduardo.
Eduardo, nesse dia dos pais, escrevo como filha que entende esses problemas com o pai. É muito difícil e uma dor particular que só você sabe a dimensão, mas tenha em mente que também deve ser muito complicado para a sua criança lidar com isso, ainda que renegando. O que tenho a dizer: Tempo ao tempo. Nada está perdido. Lute pelo amor do seu filho. Lute pelo diálogo e pela compreensão. Não tente convencê-lo do contrário, mas intrigue ele a refletir. Tempo ao tempo e que, da negação, venham os questionamentos e as novas perspectivas. Não é fácil, mas não deixe de acreditar. Já perdi as expectativas muitas vezes, mas a esperança está sempre lá.
ResponderExcluir"Bater de frente" ao que a grande maioria pensa trás serias consequencias eduardo infelizmente . As vezes temos vontade de desistir e ser "igual a todo mundo" . Eu não tive tanta coragem como vc mas luto e vou continuar lutando . Me tornarei médico futuramente e acho que com isso vou ter "mais uma arma" pra ir contra a corrente .
ResponderExcluirAbraços e força ! Sou de fortaleza se um dia precisar estarei aqui a sua disposição !
Força, irmão. Vibrações positivas na caminhada.
ResponderExcluirMuita luz meu irmão, porque tudo passa!
ResponderExcluirEduardo,
ResponderExcluirVocê tem uma alma notável e transparente, o que compartilha sai lá do fundo da sua para alcançar a de quem te lê. "O mundo é um moinho" lembra? Gr. Bj. e supera tudo isso logo cara! a melhor saída que temos é continuar apesar de...
É a primeira vez que escrevo no seu blog, e para ser bem sincero uma das primeiras vezes que parei para ler mesmo. Os motivos não convém, não são importantes. Acho que meia dúzia de elogios vindo de um estranho, por mais que sinceros, não são o que realmente vai ajudar. No máximo eles vão te lembrar de algo que dentro de você mesmo você já sabe. Que a riqueza de espírito e o desapego material e o desapego do ego são coisas muitíssimas mais importantes. Todo caso, minha intenção com esse comentário é recomendar MUITISSÍMO um livro chamado o "Poder do Agora", do Eckhart Tolle, que é o meu livro favorito. Não sei se já leu, ou se lerá, mas a recomendação é do fundo do meu coração.
ResponderExcluirCaro amigo Eduardo,
ResponderExcluirFazia tempo que não acessava seu blog. De tudo que li este post me chamou mais a atenção. Não sabia dessa de seu filho, barra pesadíssima. Sempre digo que ex-mulher (marido) a gente pode ter, mas ex-filho isso não existe ! Filho é pra sempre ! Se a memória não me falha não vi algo a esse respeito no seu livro, vi sim histórias de suas filhas.
forte abraço,
José Rosa.