quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Assentamento Milton Santos em risco de ser "pinheirinhado" pela polícia.



A terra é pouca, perto dos sete mil hectares que a cercam e que pertencem à usina de cana. O movimento dos fazendeiros tem outro endereço.

Canudos foi a mesma coisa. Era um punhado de sertanejos que dava seu jeito pra viver, de forma comunitária e sem propriedades, pois a terra era de todos. Não incomodava à recém nascida república, nem era assunto nacional, até que os fazendeiros ricos pressionaram pra acabar com aquilo. Afinal era um tremendo "mau exemplo" pra população miserável e explorada, vivendo comunitariamente, dividindo tudo, repartindo alimentos e medicinas, independentes dos poderosos da época. Aí eles viraram uma "ameaça à segurança nacional", "monarquistas reacionários", subversivos perigosos. Bueno, eles se provaram perigosos quando o exército foi mandado pra destruir aquela comunidade, resistindo e derrotando várias incursões, pondo a "segurança pública" da época pra correr com o rabo entre as pernas e produzindo montes de mortos e feridos. Até que a última tentativa, em imensa superioridade numérica e de armamentos (até canhões foram usados), teve êxito, à custa de milhares de mortos. A resistência durou até o fim. Sobraram dois velhos, um homem e duas crianças, se bem me lembro. Canudos não representava perigo direto, mas oferecia um exemplo que os poderosos locais não suportavam, em sua ânsia de predomínio e usufruto, de controle e exploração. O que fariam se seus empregados, miseráveis, se juntassem ao grupo? Independência dos pobres assusta os ricos e os torna criminosos em seu ódio. Em sua mentalidade torta, é muito atrevimento dos pobres quererem ser independentes, autônomos, ao invés de servis, dóceis e prestadores de serviços a troco de migalhas. Esse é um dos terrores das elites, que fazem pose mas são dependentes dos pobres pra tudo.

No Assentamento Milton Santos as práticas cotidianas assustam os patrões locais. Ameaçam os padrões sociais vigentes, de acumulação de riqueza e poder para alguns e espoliação e exploração da maioria. São apenas 140 hectares, insignificantes para a usina. Uma mixaria de terra, perto dos sete mil hectares. Não é a terra o que lhes interessa, embora sempre some mais um pouco. A intenção é acabar com o "mau exemplo", dessa vez muito mais abrangente. Afinal, em 2006, quando foram assentadas as famílias, a terra estava esgotada pela contínua plantação de cana, envenenada com fertilizantes químicos e resíduos tóxicos da fumigação de venenos contra pragas e ervas daninhas, a água era poluída. Mas com muito trabalho, muito suor, esforço e sacrifício, conseguiu-se tornar a terra novamente produtiva, sem uso de químicas nocivas tanto ao meio ambiente quanto à saúde dos agricultores. Hoje essa terrinha produz mais de trezentas toneladas de alimentos por ano, consumidas na região metropolitana de Campinas e entorno, com doações para entidades de assistência (asilos, orfanatos, ...) e mantendo uma existência digna, sem fome ou miséria. Encravados no meio de latifúndio, contrastam com a miséria da população circundante, explorada pelos fazendeiros da área em seus canaviais, usinas, comércios e nos serviços da sua manutenção. Daí o ódio desses exploradores, usufrutuários da miséria e dependentes dela. Daí as manobras pra desfazer esse embrião de reforma agrária. Ricos não suportam independência de pobres, não suportam pobres que se esclarecem e entendem os porquês da miséria, desde a manipulação econômica e midiática das marionetes políticas.

O que está em jogo não é um pedaço de terra. É uma forma de vida, de resistência com base na cooperação, na solidariedade e no compartilhamento. Isso apavora os privilegiados e ameaça o sistema em que dominam e desfrutam esse poucos. Agricultura ecológica, livre de químicas nocivas, desagrada as multinacionais da transgenia e dos chamados defensivos agrícolas - que antes eram usados nas guerras químicas. O modo de vida comunitário desagrada os que exploram o trabalho dos outros. A cooperação ridiculariza a competição, torna a vida mais agradável, mais saudável e menos angustiante que o estilo de vida imposto pela força do mercado - leia-se o poder econômico dos mais ricos - e diminui a angústia de uma competição eterna criadora de derrotas no atacado, de vidas sem sentido e frustrações pessoais. A competição é usada para dividir, afastar uns dos outros, impedir a união e a cooperação. Cooperação gera autonomia, independência e dignidade, o que os "donos" do sistema social negam às multidões, usando tudo o que estiver ao seu alcance para acorrentar suas mentes e seus comportamentos. E são muitos os recursos.

O que move a tentativa de destruir o Assentamento Milton Santos é o medo. O medo que os ricos têm de pobres organizados, esclarecidos, solidários e insubmissos à sua exploração.


Vídeo com o professor Paulo Arantes:

Blogue da rapaziada: http://www.assentamentomiltonsantos.com.br/

Este mês de janeiro completa um ano do massacre, da barbárie, do crime de Pinheirinho (várias postagens neste blogue, com fartura de vídeos, de fotos, de detalhes). Pedro Rios, que na época gravou cenas do ataque e publicou com o título "eu queria matar a presidenta", junto com outros apoiadores do Assentamento Milton Santos iniciou uma greve de fome em frente à secretaria da presidência da república contra a expulsão dos agricultores das suas terras. Aí o vídeo: 
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=N7649GMv97s

"Por que ocupamos o Instituto Lula" - carta dos agricultores do Assentamento Milton Santos:

http://www.assentamentomiltonsantos.com.br/?p=40

Reportagem com mapa e detalhes do caso, no final da postagem, da agência de notícias Repórter Brasil, especializada em trabalho escravo, prostituição infantil e outras mazelas nacionais (e mundiais).



















Carta de apoio aos moradores do Assentamento Milton Santos – Americana e Cosmópolis/SP

12 de outubro de 2012

O assentamento Milton Santos é uma comunidade estável formada por 63 famílias residentes (o que corresponde a mais de 190 pessoas das quais 63 crianças), tendo fortes vínculos com o seu entorno. Elas contam com a solidariedade (e parceria) de muitos visitantes, consumidores, amigos, outros produtores, cientistas, estudantes e professores. A instalação deste assentamento permitiu revelar a capacidade destas famílias em produzir alimentos, sem o uso de agrotóxicos com qualidade e quantidades suficientes para atender a programas do governo (como aqueles de aquisição de alimentos da agricultura familiar com doação simultânea e de alimentação escolar), famílias, varejistas, consumidores que muitas vezes se deslocam de outras cidades até lá em busca de produtos saudáveis.
Instalada há mais de sete anos, essa comunidade conseguiu um padrão de desenvolvimento notável, através da superação árdua de muitos obstáculos, notadamente a degradação físico-ambiental da área destinada ao assentamento. Pouco a pouco, as famílias assentadas conquistaram uma infra-estrutura que melhora constantemente, como água, luz e telefone. O problema da baixa disponibilidade e qualidade da água distribuída e o desgaste do solo por anos de mono-cultivo intensivo de cana de açúcar pela Usina Esther não as desanimam, parecendo ao contrário motivá-las a encontrar soluções adequadas para moradia e produção sadias. Apesar das dificuldades, os moradores do assentamento Milton Santos reivindicam portanto o reconhecimento de sua dignidade enquanto trabalhadores preocupados em sustentar suas famílias. Em lotes de 1 ha, construíram uma nova perspectiva de futuro, em condições muito superiores daquelas em que se encontravam anteriormente.
Ao longo do seu desenvolvimento recente, o assentamento Milton Santos se tornou um campo de experiências inovadoras em diversas frentes: 1. parcerias com a universidade, ONGs e outros apoiadores promovem a recuperação da sua área de proteção permanente (condizendo com a sua proposta de desenvolvimento sustentável); 2. acordos entre os assentados, a universidade e centros de pesquisa (particularmente a ESALQ/USP, UNICAMP, USP LESTE e EMBRAPA) permitem o desenvolvimento de diversos programas científicos, com o envolvimento e formação de muitos alunos (inclusive estrangeiros).
Entre as atividades mencionadas acima, convém destacar aquelas realizadas graças à parceria entre a comunidade e o grupo Terra (Territorialidade rural e reforma agrária), de extensão universitária da ESALQ/USP. Mais recentemente, outros grupos desta escola se vincularam a esta parceria, graças notadamente à criação do Núcleo de Agroecologia, que abriga ainda outras equipes interessadas em agricultura orgânica, sistemas agroflorestais e comercialização solidária. Tais grupos desenvolvem diversos trabalhos sociais e agro-ambientais em torno do assentamento Milton Santos. Neste quadro, observa-se a elaboração de uma produção científica considerável, composta especialmente por trabalhos de iniciações científicas, projetos de mestrados e doutorados. De uma forma geral, estes esforços investigativos procuraram estudar e discutir a viabilidade, muito além da econômica, da implantação do assentamento Milton Santos, sob um olhar atentivo aos seus impactos favoráveis para as cidades vizinhas e a sociedade em geral.
Alertados recentemente sobre a ameaça de despejo que pesa sobre o assentamento em razão de um processo de solicitação de reintegração de posse da área na qual se encontram as famílias assentadas, sentimos o dever de expressar nossa indignação diante de tamanha injustiça, manifestando nossa total solidariedade e apoio às famílias assentadas. A legitimidade de sua luta e de seus esforços para a construção de um novo quadro de vida num território antes muito mal utilizado nos permite estar seguros de que tal defesa de causa é mais do que justa.
Consideramos portanto que as decisões judiciárias contrárias aos interesses das famílias assentadas devem ser rapidamente revistas. A experiência social em curso permite observar soluções valiosas para o uso da terra, não em termos de valores mercantis, mas em termos do dinamismo social, do desenvolvimento territorial e da qualidade ambiental. A propósito, tal como nos inspira o grande pensador Karl Polany, estamos diante de um embate entre aqueles que defendem a terra enquanto mercadoria (o que torna tal transformação uma grande ficção) e aqueles que acreditam que terra é a própria natureza, da qual todos nós dependemos para uma vida digna e saudável.
Nesta perspectiva, a gestão do acesso e uso da terra deve considerar muitas outras dimensões, o acesso ao fundiário não devendo se restringir àqueles poucos privilegiados do país detentores de poder econômico e especulativo. Assim, defendemos firmemente a causa de famílias marcadas por uma trajetória de instabilidade social e financeira. O indesejado despejo significaria uma tragédia, com crescimento da vulnerabilidade social em nossa região. Estas famílias, que praticamente não possuíam nada ao se engajarem na luta pela terra, hoje já constituíram uma estrutura importante no assentamento. Essa comunidade já deu provas de perseverança e coragem desde a sua instalação, com a emergência de fortes valores vinculadas à terra, cujo trato passou a ser muito mais cuidadoso.
Portanto, denunciamos o absurdo desta possibilidade de despejo. Insensatez associada inclusive a todos os investimentos públicos e familiares já realizados no assentamento. Os benefícios nutricionais (ligados ao acesso regular a alimentos frescos, orgânicos e locais produzidos pelos assentados) para famílias em estado de insegurança alimentar (amparadas por quinze instituições assistenciais), permitem reforçar nossa posição. Nossa sensação é de enorme perplexidade diante de tal ameaça contra estas famílias .
De nosso ponto de vista, esta causa se associa ao combate contra o mito em torno da monocultura da cana-de-açúcar. Seus benefícios são extremamente limitados para a região, favorecendo sobremaneira poucas empresas e proprietários fundiários diretamente relacionados com este sistema produtivo. Longe está de gerar empregos, de beneficiar com alimentos saudáveis pessoas carentes ou em situação de insegurança alimentar ou de promover melhoras ambientais tal como ocorre graças ao assentamento.
Por essas razões, é que manifestamos completo apoio a permanência das famílias assentadas no Milton Santos e nos posicionamos incondicionalmente contra a ordem de reintegração de posse em favor da família Abdalla.
Grupo Terra e Núcleo de Agroecologia


O assentamento Milton Santos é hoje responsável pela distribuição de alimentos orgânicos para mais de 30 entidades da região de Campinas e Cosmópolis, atendendo até 12 mil famílias quinzenalmente. Apesar das dificuldades que os pequenos produtores enfrentam, como falta de água e precariedade das ferramentas de trabalho e de habitação, o assentamento foi escolhido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para se tornar uma Unidade de Referência, um modelo de produção em agroecologia.


http://tita-ferreira.tumblr.com/post/40773556482/e-grande-o-risco-de-um-novo-massacre-agora-no

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2013/01/incra-garante-permanencia-das-familias-no-milton-santos

Repórter Brasil destrincha o assunto :
http://reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2180

7 comentários:

  1. http://reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2180
    brabo...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Maria, incluí na postagem. Eu devia saber que o Repórter Brasil devia ter matéria sobre o assunto.

      Excluir
  2. Show de texto, Eduardo. Vou compartilhar no face e (se vc permitir e autorizar), utilizá-lo nas aulas do semestre que vem sobre economia solidária e autogestão. Pode ser, citando fonte e autoria (é óbvio!), dizendo a hora, o local e a razão?!

    ResponderExcluir
  3. falando em pinheirinho saiu o documentário sobre...
    http://www.youtube.com/watch?v=-OqKwup0b8c
    abçs

    ResponderExcluir
  4. Excelente a sua visão, Eduardo, desta lamentável realidade entre classes sociais.

    A culpa não é só dos "agro-negocistas", mas também deste corrupto judiciário que defende as classes ricas se escondendo na desculpa que devem obedecer as lei. Se eles estão lá somente para conhecer e aplicar a lei, então deveriam ser substituidos por computadores. Seria muito mais fácil e barato para os cofres públicos !! Quando precisam julgar situações que envolvem um direito maior humano(maior que a propriedade privada de latifundiários), julgam sempre a favor daqueles que aparentemente lhes pagam gordos salários (e sabe-se lá mais o que).

    Fico indignado. O Brasil precisa urgente também é de uma Reforma Judiciária !!

    Creio que uma obrigatória solução prática é o responsável direto pelo assentamento, o governo federal, pagar a diferença de valor do imóvel em relação ao que a família de abastados diz ter ultrapassado de sua dívida. Uma justiça decente, se reconhecesse realmente esta diferença de valor, deveria obrigar o Estado a restituir a diferença e não punir inquisitorialmente 70 famílias assentadas. Absurdo encoberto também pela mídia conluilada.

    Já sofri na pele para fazer estas declarações. Não são palavras vazias. Vamos lutar e torcer para que tudo dê certo, de um jeito ou de outro !!

    Para enriquecer o tema : Vejam uma injusta reintegração de posse executada pelo governo do estado de São Paulo em meados de 2012,com uns 70 PMs, em São Simão-SP. Embora a mídia tivesse sido avisada, só estava eu lá para fazer cobertura com uma camera de celular !!
    http://ambientesocial-blog.blogspot.com.br/2012/09/manifesto-popular-de-duas-familias-e-de.html

    ResponderExcluir