Mês passado estive em Uruguaiana, convidado por Franck Peçanha, fisioterapeuta que dá aulas na Unipampa. Fui recebido pelo Patrick no aeroporto de Santa Maria e ele me levou pra jantar na casa dos seus avós. Com um acolhimento de familia, provei do vinho delicioso feito pelo avô - que comentou espantado eu ter bebido dois grandes copos. Prometeu uma garrafa quando eu passasse na volta, mas não acertei o endereço e deixei de trazer aquela delícia pra casa. Dia seguinte partimos pra Uruguaiana e perdi a conta de quanta gente com brilho nos olhos encontrei por lá, a partir do próprio Franck. O frio era de freezer e meus agasalhos cariocas não davam conta. Fomos a Paso de Los Libres, na fronteira argentina, pra comprar um casaco, mas só comprei pra Alice Luz, minha neta que mora no frio da montanha de Visconde de Mauá. Pra mim tava caro. O Franck acabou me dando o melhor casaco que já tive, penalizado com minha situação.
Dali fui a Santa Maria, a palestrar no evento Direito e Política, e conheci outros tantos olhares brilhantes, dessa vez com o paletó e a gravata indefectíveis no meio jurídico. O mundo está sendo revelado aos poucos. A angústia da vida sem sentido que nos forçam a engolir e viver ajuda a recepção de visões mais reais desta sociedade mentirosa que existe em função dos interesses nos lucros por parte de grandes bancos e empresas, ou seja, uma sociedade centrada nos podres de ricos. Que, em sua ganância insaciável, precisam manter a maior parcela da população na miséria, na ignorância, na pobreza, pra poderem explorar os trabalhadores até o talo, em condições precárias e sem reclamação - por medo. E pra isso compraram a política, se infiltraram nas instituições e implantaram a ditadura empresarial disfarçada de democracia, sabotando os serviços públicos, mesmo os constitucionais, e controlando as informações com a mídia privada.
Então fui pra Porto Alegre, passar uns dias e rever os amigos, além de expor na Lima e Silva. O Fabio, meu ex-vizinho em Niterói que está no patamar de irmão, e o Branco de Oliveira, compositor, cantor e botequeiro no Azenha, onde baixei com mochila e tudo, vindo da rodoviária. Entrei e me aproximei do Branco, ocupado com as coisas do caixa. Ele nem tinha me visto quando eu falei "tem pão velho aí, parceiro?" junto dele. Levantou os olhos e deu um grito, "aaaahh, carioca!", surpreso. Me deu aquele abraço apertado e, não contente com isso, tentou beijar minha boca de novo. Escaldado com a experiência anterior, que me deixou enjoado uma semana, consegui virar a cara e ele acertou a bochecha. Ali fiquei até a chegada do Fabio. O papo rolou alcoólico, com vários amigos no bar, até que fui dormir na casa do Fabio.
Seria demais descrever os acontecimentos dos dias que passei em Porto Alegre. Mas registro um vacilo meu. O Branco, na sua afeição superlativa, fez questão de bancar uma noite comigo, Fábio e mais um camarada, Cássio, que apareceu no dia e nos acompanhou na noite. Tomamos todas, jantamos, tomamos mais, abrimos o bar do Branco na madrugada e depois fomos pra casa - o Branco foi pra um cabaré, como ele mesmo diz. No dia seguinte, Fabio me aconselhou a procurar o Branco e dar alguma explicação a ele, pois eu o tinha esculachado a noite toda, a partir de um certo grau alcoólico. Tive dificuldade em me lembrar e ele me ajudou, enquanto eu ia me constrangendo. Saí dali direto pro bar do Branco, mas ele tava fechado. As memórias iam voltando e eu engasgando pra falar com o Branco, pra me desculpar as grosserias. Sem poder descarregar essa angústia, fui pra Redenção e ali, debaixo das árvores, escrevi o que diria, pra aliviar. Depois, antes de ir pra Lima e Silva, passei de novo pelo bar. Tava aberto e eu entrei. Dei de cara com o Branco na porta e ele me olhou sério. Disse que vinha me desculpar, que tinha sido injusto e estava envergonhado. Vi seu rosto relaxar e sorrir, que nada, tudo bem, não tem nada, pega uma cerveja aí. Então li o que escrevi pra ele. Emotivo, ele me abraçou e tentou, de novo, beijar minha boca. Sem conseguir, claro, virei de novo a bochecha. Avisei que publicaria e aí está.
"Porra, Branco vacilei contigo. Tô aqui envergonhado, mas tô aqui pra te dar essa explicação. Tu não merecia a perseguição que eu te fiz ontem à noite. Vi tua cara triste no fim da noite, mas tava por demais bêbado pra enxergar, só enxerguei hoje, lembrando aos poucos. O Fabio me ajudou. Tu, só querendo me agradar, e eu te espancando as idéias. Foi injusto, foi sem noção. Depois de me lembrar, arrependido e com vergonha, refleti procurando os motivos da minha grosseria. E se os motivos não estão em ti, é porque estão em mim. Então refiz o roteiro desde o começo, pra tentar entender.
Tu sabes que não gosto de elogios pra cima de mim, já te disse várias vezes. O Fabio também já te falou, também várias vezes. E tu nem aí. Não cabe aqui explicar de novo as razões, tô só levantando o porquê do meu procedimento - que não é o meu normal, não gosto de ser assim, de maltratar ninguém, de ser grosseiro e muito menos injusto como fui contigo.
Ontem tu tava me exaltando, me presenteando, me homenageando. Eu sempre me incomodo um pouco mas, como já tinha falado várias vezes e não adiantava nada, aceitei como o que não tem jeito. Pra não criar caso, não ser chato, não ficar te cortando, até pra não te magoar. Mas, com o tempo e a cerveja, o freio foi afrouxando, afrouxando... e o controle foi embora. Incomodado com tanta deferência, tanto elogio e homenagem, acho que inconscientemente eu quis te expor um lado bem ruim pra mostrar que não era essas coisas todas, que não merecia tanta exaltação. Não vejo outra hipótese, a meu ver só pode ter sido isso.
Preciso me educar pra não reagir desse jeito. Me estudar melhor pra compreender essa minha aversão e minha capacidade de me irritar. Um problema psicológico, psiquiátrico ou espiritual, sei lá. Rejeitar elogios é uma característica (ou compulsão) minha, mas não quero reagir da forma que usei contigo, não tenho esse direito.
Por sorte - ou azar - tu és pinguço como eu e pode entender. E se pode entender, pode perdoar. É só o que eu preciso. Desculpaí, parceiro."
Fala ai Eduardo, meu xará, fiquei comovido com teu relato, não por você, mas por mim, quantas vezes eu repeti situações parecidas com essa, foram bastante as vezes que me sentei e abri uma gelada, naquela intenção adolescente de ter ao longo da vida boas lembranças, e que no outro dia tudo que eu tinha era um arrependimento tremendo da noite passada, com isso tudo, acabei pegando nojo de tirar minha consciência, com 21 anos hoje, é raro eu colocar uma gota de álcool na boca e cada vez ta mais difícil aceitar convites para noite, pois ao meu ver é tão sem graça e entediante, estar sóbrio, em locais bohemios, fico curioso de saber uma visão tua, qual tua opinião a respeito do habito de beber alcoólicos, digo, com a associação que fazemos de diversão, entretenimento e etc.
ResponderExcluirEsse foi só um caso, cumpade. Eu bebo é todo dia, ou melhor, toda noite, praticamente. E costuma ser bom, sem querer fazer apologia do porre. Cada um sabe de si.
ExcluirSaber pedir desculpas é uma arte importante para a vida! Quem não vacila? Que jogue a primeira pedra, mas não haverá ninguém, porque todo mundo faz isso de um jeito ou de outro. Legal pedir desculpas e legal perdoar!
ResponderExcluirEduardo, compartilho contigo essa aversão a elogios. Mas eu não fico puta, agressiva, nem nada, só dá uma vontade de sumir. Acho chato ter que lidar com elogio escancarado, parece que dá uma obrigação de reagir de acordo, sei lá. Não sei se por isso, não me sinto elogiada. Dá uma sensação de que o elogio é exagerado, não corresponde à realidade. Mas quando saco que alguém curtiu alguma coisa em mim, mas meio de tabela, saca?, aí sim, me sinto elogiada, do tipo, pô que legal que a criatura curtiu e tal. A sensação então é boa. Sei lá, tô aqui só pensando um pensamento que me ocorreu lendo o teu texto.
ResponderExcluirFala Eduardo, foi um prazer te receber, meus avós adoraram a tua visita! Entre em contato quando visitar Santa Maria novamente, meu avô vai gostar de te presentear com um bom vinho. Forte abraço!
ResponderExcluirSalve, Patrick. Bem que tentei, mas não consegui ir lá buscar o vinho. Tem nada não, fica pra outra. Não tem é previsão, por agora. Grande abraço.
ExcluirGrande Eduardo. Beleza?
ResponderExcluirVocê fala do brilho nos olhos que viu por suas andanças pela velha fronteira oeste gaúcha e eu te digo dos brilhos nos olhos que provocou com suas fala/história/exemplo/arte. Valeu muito a visita gente boa. Valeu muito. Espero que Uruguaiana não tenha sido experiência única e que possa ser repetida no futuro.
A galera adorou, galera na qual me incluo.
Abração.
Até a próxima, parceiro. Grande abraço.
ExcluirFaz parte parceiro,sorte sua q o branco é 10.
ResponderExcluirBora toma outra.......
Gostei disso, é bom ter amigos com quem errar.
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