sábado, 27 de setembro de 2014

A Lenda do Beija-Flor e o Incêndio na Floresta (ou Vai Fazer a Sua Parte, Seu Babaca)

Fogo na floresta, dos grandes. Do lado das fazendas dos humanos, vinham labaredas enormes, de dar medo. Antes, os bichos tinham conseguido afugentar os serradores de árvores que vinham de lá destruindo as matas, sujando as nascentes de água. Mas agora o que vinha era fogo alto, queimando tudo. Os bichos fugiam pelas trilhas, leões e zebras, onças e antas (é uma fábula, eu ponho os bichos que quiser), cobras e preás e pássaros se juntavam em trégua diante do perigo comum. As fêmeas com filhotes iam no meio dos grupos, protegidas e caminhando o mais rápido que podiam.

Perto de um pequeno riacho, o leão que liderava um grupo de vários bichos avistou um beija-flor em atividade. Enchia o pequeno bico de água, voava até uma árvore em chamas e despejava o pequeno conteúdo - que evaporava na hora, em contato com a brasa. Ele voltava ao riacho, enchia de novo e nova carga inútil era lançada. "Ô, beija-flor, se nós, muito maiores, não podemos apagar o fogo e estamos fugindo, cê acha que pode apagar com esse respingo?" E o beija-flor respondeu, com uma cara de quem dá lição de moral, "isso eu não sei, só sei que tô fazendo a minha parte". Os bichos que acompanhavam o leão haviam parado pra olhar a cena e, diante da resposta do passarinho, houve um murmúrio de comentários, "ai, meu deus", "era só o que faltava", "coitado, vai morrer esturricado". Mas o leão definiu tudo, "tá maluco", e foi embora, seguido pelos outros. A hiena ficou por último, olhando sem acreditar, "vai ficar por aí, mesmo?" Mas o beija-flor nem respondeu, ocupado com sua tarefa. Ela deu a risadinha típica das hienas e gritou, enquanto corria, "amanhã eu venho aqui comer churrasquinho de beija-flor!", e completou com uma gargalhada.

O incêndio aumentava e estava quase cercando o passarinho, quando passou um macaco apavorado. Surpreendido dormindo em meio ao fogaréu, quase fora engolido pelas chamas. Queimara alguns pelos mas conseguira escapar. Agora via, pra sua surpresa, a situação na beira do riacho que já ia secando. Gritou espantado, "vão bora, rapaz, que que cê tá fazendo...", e o beija-flor, obstinado, "tô fazendo a minha parte". "Deixa de ser otário, passarinho, o fogo tá te cercando e tu achando que vai apagar. Já viu o que tá botando fogo na floresta?" Aí o beija-flor parou. Em sua ânsia de "fazer sua parte", não pensara nas causas do incêndio. O macaco não perdeu tempo, "olha lá, sua besta!" Vários homens carregavam tochas e ateavam fogo em capins, galhos e troncos secos, fazendo se alastrar cada vez mais o fogo na floresta. "Fica aí pra ver", disse o macaco, já pulando de galho em galho o mais rápido que podia pra longe dali. O beija-flor se sentiu um idiota e voou o mais rápido que pôde, buscando o primeiro grupo, pensara rápido e queria falar com o leão. Em seu vôo ligeiro, alcançou logo o bando que, distante do fogo, já caminhava devagar, mas sem parar. Pairou no ar, em frente ao nariz do leão que estacou, surpreso. O bichinho lhe contou, então, que eram os homens que tinham tentado derrubar a floresta que agora estavam queimando e que se eles não impedissem iriam ficar sem floresta. O leão convocou a bicharada e, numa assembléia rápida, resolveram defender as matas, até porque não viveriam sem elas. Voltaram pela trilha, tendo o cuidado de fazer uma volta pra chegar no grupo de humanos por trás. O plano era atacarem todos ao mesmo tempo, cada um com suas armas, garras, dentes, coices, pauladas e pedradas. O inimigo tinha espingardas, mas eles eram muitos e contavam com a surpresa.

E assim foi. No espanto do ataque inesperado, os homens mal tiveram tempo de reagir. Vários tiveram suas armas quebradas a patadas, os que conseguiram atirar não acertaram em nada e os bichos prevaleceram na batalha, botaram pra correr os incendiários, muitos feridos sendo carregados pelos outros. Fugiram, pra alegria dos bichos, que então se dedicaram a apagar o fogo na floresta. Depois de muita trabalheira, o incêndio estava apagado. No por do sol era uma festa na mata, os bichos comemorando e confraternizando como nunca. Comemoraram até tarde da noite, contando as façanhas do combate, cada um com suas histórias pra contar. Aos poucos, todos foram dormindo, cansados, e naquela noite a paz se fez entre todos os bichos.

Amanhecia quando um zumbido distante começou a soar no silêncio do dia novo. Os passarinhos, cansados, não faziam sua algazarra de cantos e trinados, quando o zumbido começou, distante. Os coelhos, com suas longas orelhas, foram os primeiros a acordar. "Que barulho é esse?" O som ia aumentando aos poucos, os bichos foram acordando, cada um acordava e chamava os outros. Olhares intrigados, pro céu, entre si, "o que será isso?" e o barulho cada vez mais perto. Começava a ficar assustador, os mais tímidos já se mandavam pro meio do mato, na clareira rolava uma expectativa espantada, os bichos inquietos. O dia estava claro quando eles apareceram, por trás e por cima das copas das árvores. Helicópteros, pra espanto geral, voaram baixo sobre a clareira queimada, levantando poeira e cinzas, enchendo os olhos dos bichos e fazendo um enorme barulho. Com lança-chamas e metralhadoras.




11 comentários:

  1. tá, e daí? os bichos reagem? morrem? os homens terminam com a floresta? os bichos vão morrer sem florestas... e, com o tempo, essas terras vão secar!
    Pobre beija-flor.

    conta mais? ♥♥♥

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    1. Cadê tua esperança Juliana Aline? Deus te dê ludicidade pra viver.

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    2. A continuação a gente conhece. Mas precisa absorver no profundo.

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    3. Quando vem aqui pra beagá novamente ??

      Belo horizonte...

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  2. Vem para porto alegre certo mes que vem??

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    1. Dia 26, na terceira tarde multicultural sem fronteiras. https://www.facebook.com/events/638844639565944/

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  3. Cansava de ouvir a versão original dessa "linda historinha". Também já fiz uma versão onde o beija-flor virava churrasco. Mas essa está bem mais de acordo com a realidade dos movimentos sociais. Infelizmente.

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  4. Terceira guerra mundial? Aliens? Messias? Fica a parábola ao vento.

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