sábado, 28 de janeiro de 2017

Primeiros passos... chegando na Bahia.

Essa entrevista improvisada - a da postagem anterior - marcou a saída dessa tão cavada viagem que, da partida em diante foi só melhorando, sempre muito aos poucos e na tensão de experiências anteriores em anteriores viagens. Celestina, a kombi, estava pronta pra partir. Ouvido atento aos ruídos do motor, passamos na casa do Cláudio pra pegar os painéis de exposição e saímos do Rio dez e meia da noite. Contava com o frio na serra pra subida em marcha lenta e altas rotações, como refrescante pro motor. Com um terço da carga plena, já era um peso pro motor amaciando. Mas foi tranquilo, esquentou um pouco, paramos no alto da serra, olhei, tava quente mas tudo certo, pequeno vazamento de óleo, coisa da cebolinha velha, que tá ligada na pressão do óleo.
Parada pra dormir, em Minas ainda. Amanhece o dia.

Seguimos pelos vales e montanhas a noite toda, às oito e meia demos uma parada, dormi duas horas e seguimos. Era a região do vale do Rio Doce, Valadares e região em volta. Febre amarela é assunto, tá todo mundo vacinado aqui, diz o frentista do posto. Em outro posto, os caras se orgulham da água, essa é de nascente própria, água limpa, pura, aqui no posto mesmo. A televisão fala do surto localizando o centro em Teófilo Otoni. Mentira, dispersão, deslocam o centro pra fora do vale, ao norte do verdadeiro foco. No rio Doce, morreram todos os sapos e peixes, os predadores dos mosquitos, que comem suas larvas e mosquitos vivos aos milhares. Não se ouve mais nenhum sapo, mas sim as nuvens de mosquitos. As autoridades fingem que não acontece nada de grave, as conseqüências mais visíveis são tratadas sem se mencionar as causas, como um favor do Estado. As conseqüências menos visíveis as sofrem os invisíveis sociais. Se a gente quer saber alguma coisa, tem que saber perguntar - tá todo mundo sem foco, mas quando se fala nos metais pesados que mataram o vale, todos concordam. E se muda de assunto. A televisão não fala disso, não deve ser assim tão importante. Não se sabe o que são crimes sociais cometidos por um Estado corrompido pelo poder econômico, não se sabe o que a televisão não diz. Entre os maiores crimes sofridos pela sociedade está o controle das comunicações e as mentiras compulsivas, repetidas, distorcendo, ocultando, difamando, apresentando falsidades científicas.

Entramos na Bahia, a paisagem vinha se modificando pouco a pouco, agora era a beleza grandiosa do sertão nordestino se apresentando aos poucos. Passamos Jequié, entramos na direção de Santo Antônio de Jesus, cruzamos uns quilômetros da rodovia litorânea, fomos pra ilha de Itaparica e chegamos em Salvador de barco. Eu tava sem máquina, mas o Adro registrou um momento dessa travessia que queimou todo mundo de sol.
Na embarcação, todos no convés, até o Roquenrou, que não aparece na foto.


No dia seguinte, fomos atrás da tal cebolinha, em São Cristóvão, bairro periférico entre Itapuã e o aeroporto, cheio de lojas de produtos automotivos, mecânicas e atividades ligadas - coincidência, no Rio também São Cristóvão tem uma área grande na mesma linha. Aliás, né São Cristóvão o padroeiro dos motoristas? Chegamos lá no momento exato em que um grupo de pessoas periféricas bloqueava uma das pistas, com madeiras, pneus e fogo. Parei a kombi do lado, atravessei a rua, achei a peça em duas lojas, comprei a mais barata e fui à manifestação. Um adolescente havia sido morto numa operação policial, estudante, trabalhador. Lágrimas, sofrimento, menino bom, amoroso, apegado à família. A mãe não chorava. Em seus olhos havia ódio. Outra menina gritava que o irmão foi preso baleado e não se dava notícia dele, essa chorava entre os gritos. O Estado contra o povo, as instituições desumanizadas, é a mesma coisa em toda parte. As periferias fornecem mão de obra e recebem exploração, sabotagem, violência e morte.

Primeiro uma pista, depois as duas foram ocupadas.


A ira justa, sociedade criminosa.










Partimos pra Feira de Santana, dois dias depois de chegar em Salvador - não fomos nem à praia. Num centro cultural, Pé de Alegria, Aline Cerqueira armou um encontro, um papo, uma exposição pras coisas que faço, e lá fomos nós. Chegamos cedo, arrumamos desenhos, livrinhos, fanzines, quadrinhos, depois vi Clara abrindo camisas - vieram poucas, nem lembrei delas. A conversa rolou solta, mais de duas horas, e as participações no final coroaram o encontro, até que deu o tempo e tivemos que parar, estava ficando tarde e os ônibus iriam acabar. Dali fomos pra Feira Seis (VI), bairro universitário perto da UEFS, onde fiz uma palestra no ano passado. E fomos os últimos a sair do boteco. Vinícius nos convidou pra dormir na casa de Igor - pode parecer estranho, mas foi isso mesmo - e saímos de lá no dia seguinte, pelo final da manhã. 
Entrevista antes...

...palestra depois, no Pé de Alegria.

Pegamos a estrada do feijão, vimos o sol se por antes de chegar na estrada de terra que leva ao Capão, a partir de Palmeiras. 
Roquenrou olha o fim de tarde se aproximando.
 Seguimos viagem, chegamos à noite no Vale. Fim de semana em exposição, vamos a Lençóis pra isso. E lá arrumamos a base pra começar os trabalhos novos que esperam pra serem feitos.
Parada na estrada do feijão, durante o por do sol.

12 comentários:

  1. Olá Eduardo... que vontade de estar nesta viagem com vcs...quem sabe um dia...

    Obrigada pelas notícias, que aqui chegam todas truncadas.. óbvio!! Principalmente sobre o surto, o jeito é se vacinar e ver no que vai dar. Continuo acompanhando por aqui e desejo tudo de bom aí..

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  2. Ah!! Estou assistindo o Século do ego, muiitoo bom, obrigada pela dica!!

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  3. Grato pelos seus compartilhamentos e observações absorvidas! Mais do que um filósofo de rua para mim voce é um sábio ( com o saber incorporado) que sempre teve na humanidade como os sábios advaitas e os mestres Zen mostrando que espiritualidade é na vida pratica na lida diária.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Estive contigo aqui em feira e até tiramos uma foto, muito obrigado por compartilhar conosco suas viagens, boa sorte! Te aguardando voltar à Feira de Santana, a Aline comentou que poderia ser daqui a 30 dias, estou no aguardo!

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  6. O meu nome é Alberto Pereira desde que conheci a sua história de vida que tenho procurado acompanhar as suas atividades e palestras. Gostaria que um dia você viesse a Portugal para partilhar suas opiniões e perpectivas da vida e do mundo em vivemos. Alguém como você que deixou para trás o conforto que a vida lhe podia porpocionar para conhecer e experiênciar outra realidade que não era a sua, mas a que milhares de brasileiros vivem assim como cada vez mais pessoas no mundo, face à riqueza se encontrar cada vez mais concentrada. É de reconhecer o seu Amor e Compaixão pelos outros. Um verdadeiro altruísta. Abraço de Portugal.

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    1. Alberto, você vê alguma relação da história do Eduardo com a história de Buda?

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    2. Olá, eu vejo total relação. Eduardo não usa os mesmos conceitos, até porque os conceitos não importam. São apenas símbolos. Mas Eduardo matou o mesmo ego que Buda matou. Eduardo seria considerado um mestre iluminado no zen budismo.

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  7. Grato por tudo que fazes...

    Boa sorte e coragem na nova jornada.

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  8. Acompanho seu trabalho há alguns anos e sempre foi uma referencia de iluminação e sobriedade pra mim. Me encontro em uma viagem na Bahia neste momento e prestes a ir para capão. Gostaria de saber se possível até que dia você permanecerá no capão, para ver se dou a sorte de topar contigo lá!


    Abraços

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  9. Bom dia, ótima semana a você e Família!

    É curioso observar que quase todos os homens que valem muito têm maneiras simples, e que quase sempre as maneiras simples são vistas como indício de pouco valor.

    "Giacomo Leopardi"

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  10. O mundo precisa de mais pessoas com a sua determinação. Anciosa por sua chegada em Jacobina.

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observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.