Há pessoas que precisam de um mapa, um caminho pras soluções. Como resolver o problema? Como fazer as pessoas se conscientizarem, como tornar o mundo justo, qual a saída, qual a solução? Pessoas apressadas, sem noção do processo multimilenar em que somos parte ínfima, embora sejamos tudo o que temos. Com o olhar voltado ao outro, ao coletivo, ao externo, e não a si mesmo. Antes de pensar em mudar o mundo, é preciso saber se o vemos com os nossos próprios olhos ou se vemos com as lentes distorcedoras que nos impõem desde a infância. Se queremos com nossa própria vontade ou queremos o que fomos condicionados a querer. Se nossos valores são nossa escolha consciente ou foram implantados em nós desde o inconsciente. Se nossos desejos são nossos mesmo ou são fruto do massacre publicitário-midiático cotidiano.
É preciso trabalhar nos próprios condicionamentos, antes de pensar na evolução coletiva. Ela já acontece e não depende de ninguém, há milênios, milhões de anos. Cada um de nós passa apenas algumas décadas e parte. É pouco tempo demais pra se deixar escorrer, induzido por uma armação social aprisionadora, que me impõe valores fabricados, comportamentos induzidos, estimula o ego, a competição, o confronto, a ânsia do consumo como importância social. Que me impõe envelhecer sem sentido ou com sentidos falsos, vazios de significado, causando tanto sentimento de viver em vão nos que avançam nos anos. Inclusive nos que se dedicaram à revolução social, na busca por uma sociedade menos injusta, mais igualitária, menos perversa e mais solidária, mas não se dedicaram à revolução interior, pessoal, à observação íntima, com profundidade, sinceridade e humildade pra reconhecer e trabalhar nas próprias falhas.
Enxergar em profundidade, em extensão e de forma abrangente já é um serviço pra algumas gerações. O desenvolvimento de alternativas as mais variadas será um processo paralelo a essa percepção. O foco agora é desvendar, destrinchar e expor os mecanismos sociais ocultos que fazem do Estado uma organização criminosa contra o próprio povo, a serviço de um punhado de podres de ricos mundiais com a cumplicidade das elites locais. Que foram formadas pelos colonizadores, desde a colônia, passando pelo império, até agora na dita "república", no desprezo pelo próprio povo e na subalternidade aos colonizadores, "primeiro mundo", "sociedades desenvolvidas", prontas a entregar as riquezas aos exploradores às custas da miséria, da pobreza, da exploração, de todas as perversidades sociais facilmente extinguíveis, se houvesse interesse, ou melhor, permissão pra isso. A estrutura social foi toda formada por poderosos, é óbvio que a seu favor. Os próprios contestadores do sistema exercem condicionamentos sociais, sem se dar conta. Sentem superioridade se têm curso "superior", por exemplo. Numa sociedade que induz à competição, ao confronto, ao conflito, se propõem a mudanças confrontando, disputando, competindo. Incorporam superioridades e inferioridades condicionadas, egos inflados, e abraçam verdades intocáveis. Desejam o que manda a publicidade, aceitam o trabalho como um sacrifício, anseiam pelas sextas-feiras, pelas férias, pelo usufruto. Acreditam que através das "instituições democráticas" se pode alcançar mudanças sociais significativas. Chamam de "redemocratização" o processo de reconstrução do cenário falsamente democrático, escondendo os mecanismos de controle, indução, bloqueio e pressão pelos poucos de sempre. Falam em democracia quando estamos numa claríssima ditadura banqueiro-empresarial, onde o patrimônio vale mais que a vida, o interesse empresarial vale mais que o interesse de comunidades inteiras e o Estado está escancaradamente a serviço dos mais ricos e suas mega-empresas de todo tipo. Um comportamento que se repete há muito tempo, desde antigas gerações de socialistas. Exerceram as programações inconscientes, pensando em revolucionar a sociedade - "confrontaram" as "instituições", desejaram a vitória, se organizaram em "hierarquias" induzidas, criaram expectativas indevidas, numa repetição de comportamentos, de sentimentos que não puderam resultar em outra coisa senão a frustração de um "fracasso" programado. É a contestação planejada, que não fala a língua geral e tem pouco ou nenhum poder de mobilização e mudanças profundas.
Poucos se dispõem a trabalhar em si mesmos e nos seus próprios condicionamentos, poucos olham pra dentro profunda e sinceramente, serena e humildemente, pra reconhecer suas próprias falhas, suas próprias necessidades. Mas as raízes internas são o que dá espontaneidade e força às ações coletivas, abrindo percepções impossíveis na superfície, permitindo mudanças íntimas, pessoais, que se refletem no trato cotidiano com o mundo, com as pessoas e acontecimentos, nas relações sociais, nos sentimentos que se alimenta e que se provoca nas pessoas em volta. Mudanças que permitem melhor proveito nas relações coletivas, mais harmonia no trato e nos relacionamentos. Nas reações diante de discordâncias, de perdas, frente aos revezes da vida. Melhor freqüência, melhores sintonias. Mudanças íntimas são fundamentais nas mudanças sociais. A curto prazo no individual e a longo prazo no coletivo. Como o crescimento de raízes.
Eduardo Marinho
Bananal, Juiz de Fora, MG. - 27/02/2018
Eduardo Marinho
Bananal, Juiz de Fora, MG. - 27/02/2018