No mato, não tive reflexões. Ao contrário, fiquei na raríssima situação de não pensar em nada, em vários momentos. Tipo o objetivo da meditação. É como se houvesse uma atividade de acomodação mental, mas no inconsciente - a nível consciente era o nada, sem pensamentos além dos instintivos, o cuidado com a inclinação, com alguma cobra ou aranha que estivesse no meio das folhas e caules jogados no chão no dia anterior, pra chegar na terra e aplicar as ferramentas na abertura da trilha.
A vida já anda longa, pra quem pensou que não passaria dos trinta anos. O tempo impõe as mudanças, o caminho não pára de passar, a mutação é permanente. O garoto de ontem passou pelo adulto e já se torna velho. Acontecimentos a perder de vista, aprendizados no próprio couro, no arriscado da exposição sem proteção. Espero pra saber o que acontece no inconsciente, de onde afloram os resultados na consciência e daí segue pra atividade, pra materialização, a dimensão do aprendizado prático, pro plantio no coletivo, seja da forma que for.
"Agora é nossa vez, somos os mais velhos", pensei no enterro do corpo da minha mãe. E falei com minha irmã. Meu pai já tinha ido em 2003, imagino que estivesse no grupo de recepção dela. Não senti a presença dela no acontecimento como senti a dele. Meu pai estava ali, vendo tudo e todos, no enterro dele - ou melhor, do seu corpo. Minha mãe foi levada dormindo. Não estava ali, não viu nada, só o corpo restava pras pessoas "se despedirem". Um dia vou saber o porquê. Um dia vou entender muita coisa que, por agora, não dá, é preciso aceitar, por inevitável. Há entendimentos acessíveis por fazer e é perda de tempo buscar explicações e entendimento inacessíveis, além do nosso alcance. O que mais precisamos aprender está acessível - mas às vezes é o que não queremos, não nos dispomos, impedidos por orgulho.
Fim de um ciclo, começo de outro. Foi assim desde que me entendo. Só que agora os ciclos são mais amplos, levam mais tempo. E a visão do caminho caminhado percebe nuances, profundidades e ligações antes despercebidas. É a digestão da vida enquanto chegam os sessenta anos nessa existência. Uma atividade cumprida no profundo do ser, na camada subterrânea da alma, no inconsciente - as palavras são precárias nessas definições que escapam à razão no estágio em que estamos.
Seguimos nas idas e vindas entre dimensões, numa caminhada onde temos chegadas, mas não vemos a chegada final. A cada fim corresponde um começo - ou recomeço -, a cada morte corresponde um nascimento.
Fotos - Maria Clara Gusmão e Eduardo Marinho.
Meus sentimentos pela sua mãe! Os ciclos passam e vamos seguindo igual abóboras se ajeitando no andar da carruagem, com menos respostas e novas perguntas.
ResponderExcluirTe admiro muito, te desejo um caminho de paz e partilha das suas excelentes reflexões com sua legião de admiradores!
Vida-Morte-Vida...
ResponderExcluirBom tempo de existência em todas dimensões.
Eduardo marinho! Tenho muita gratidão!por todos seus ensinamentos! Vc me ensina.cada dia me esforçar para trabalhar os meus sentimentos. Que as veses me atormenta! Mais cada dia uma nova oportunidade! Amo vc Eduardo!!!
ResponderExcluirvoce na passagem pra fase idosa, eu pra adulta. ontem era voce na porta da estrada assumindo mais e mais responsabilidades, hoje sou eu (e muitos outros irmãos). voce tem sido um grande mestre, uma antena muito eficiente. tu teve a capacidade de simplificar a mensagem e facilitar a transmissao. nesse seu processo voce conseguiu servir MUITA gente, a tocha até sorriu e vai chorar quando for passada; tanto de saudade quanto de alegria porque a nova geraçao, a de mais um recomeço, também vai surpreender e representar assumindo a responsa. voce e muitas outras pessoas me deram apoio no meu processo, e hoje eu trabalho pra servir as pessoas da melhor forma possível. as coisas passam tao rapido, num piscar de olhos ta tudo diferente; só de pensar eu quase choro, e olha que nao sou muito de chorar KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK. enfim, gratidao meu irmao, muita gratidao!!
ResponderExcluirTambém encontrei minhas referências entre os mais velhos. E perguntava, ávido, sempre que podia, das coisas da vida.
ExcluirO lugar de silêncio é um grande presente que infelizmente muitos desconhecem. Um abraço pela ida da sua mãe, por mais natural que seja, é sentimento né... Tudo de bom sempre pra vcs. :)
ResponderExcluirEu acredito que há uma inteligência que tudo sabe e é capaz de nos intuir na forma mais bonita quando nos abraça demorado, uns sentem, outros não, que silenciosamente orquestra circunstâncias de tal forma a por uma vida diante da outra, por mais improvável que seja esse encontro no meio de uma multidão planetária, quiçá em uma transição, que sorri grande quando estamos satisfeitos com quem vamos nos tornando e que também seca cada lágrima nossa por meio de mãos humanas que atravessam conosco nossos labirintos, até que nos sintamos "em casa" de novo, eu chamo à essa inteligência de amor, porque eu acredito na existência desse amor, esta foi a minha percepção no teu texto, alva e Clara, como nas fotografias, abraço sentido pela tua mãe, hermano...
ResponderExcluirGrande irmão.Forte abraço
ResponderExcluirO fluxo dos ciclos é um processo natural e constante. Mas na maioria das vezes, lidar com as mudanças ocasionadas pelo fluxo dos ciclos, ainda nos surpreende.
ResponderExcluirO fim é o começo... é a oportunidade de recomeçar o novo ciclo. Perder entes queridos faz parte desse processo. Não tenho medo da morte, compreendo que estamos aqui nessa dimensão para cumprir um estágio. E não acaba quando termina. A perda da presença de quem amamos provoca saudades, mas o tempo nos ajuda a lidar com essa falta. E no fim das contas, o mais importante é como lidamos com o que nos acontece.
Um forte abraço!
Um novo ciclo, um novo tempo... Vida que segue.
ResponderExcluir"Circunstâncias" e "acasos" que sempre nos colocam no lugar em que devemos estar. A vida segue seu fluxo, assim como a água segue pelas corredeiras. Ocasiões após outras. Algumas, algum tempo depois, entendemos seus sentidos; outras, não. O que não significa que não o tenha. Somos limitados para entender. Quem sabe depois.
ResponderExcluirHola Eduardo. Soy Argentino y vi de casualidad sus videos. Sinceramente usted vive en la verdad.
ResponderExcluirCon mucha humildad queria compartir las Palestras de Jose Triguerinho Netto. Puede encontrar en Youtube. Instructor y filosofo de los mejores del mundo. Sentí compartirlo con usted por su simpleza y su clara explicacion de lo que ve.
Yo vivo en la Comunidad que Jose creo, al ver las fotos que usted subió del mato, me hizo hacer llegar la invitación, de no solo agradecer que alguien mas despertó y tiene las cosas claras, sino que esta firme en si mismo.
Quizá algún dia tomemos un mate juntos.
De corazón. Moises
Hola, Moises. Conosci Trigueirinho palestrando em Belo Horizonte, ano 1990. Vi que es un missionário em función humanista, como hay por aí unos raros. Muchas gracias y um abraço.
ExcluirGrande irmão!!
ResponderExcluirAbraço forte.tmj
"É a digestão da vida enquanto chegam os sessenta anos nessa existência. Uma atividade cumprida no profundo do ser, na camada subterrânea da alma, no inconsciente - as palavras são precárias nessas definições que escapam à razão no estágio em que estamos." ... profundo, hermano, gracias!
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