Renato Freitas teve cassado seu mandato de vereador na câmara de Curitiba. Se fosse um julgamento ele teria sido inocentado, dada a quantidade de provas desmentindo as acusações, inclusive uma carta da Arquidiocese de Curitiba pedindo pela não cassação do mandato, pois não houve a “invasão” alegada. O que houve foi uma convocação a uma manifestação de protesto pela morte de Moïses, o congolês morto a pauladas por cobrar dias de serviço num quiosque de praia. As portas da igreja estavam abertas, não havia missa, as pessoas entraram, falaram no microfone e no som da própria igreja, o padre ali do lado olhando – já sem a batina – ninguém quebrando nada, nenhuma correria, nenhum grito. A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – como sugere o próprio nome – é um local onde se fazem manifestações anti-racistas, historicamente.
As mentiras
espalhadas de pessoas desmaiando, de portas arrombadas e coisas quebradas
serviram de “provas” na escolha duplamente racista – de cor e de classe –
escancarada na carta recebida por Renato, por email do vereador que o acusava, “volta
pra senzala”, “vamos embranquecer...” e revelações do gênero. Nos parlamentos,
como se vê, provas são inventadas ou ignoradas, de acordo com os interesses do
momento. A revelação é a do racismo, do escravismo ainda presente, entranhada no
fundo da alma social. É mesmo preciso muita luz pra que se perceba claramente,
de forma inegável.
Pelo pouco
que conheci do Renato, nada disso o surpreende muito, escaldado que é com o
tratamento que recebe da sociedade “organizada” e seus tentáculos repressivos,
desde sua vida inteira. Filho de faxineira, cresceu nas áreas de abandono
social, onde o estado, por omissão plena, comete crimes contra sua população
mais pobre, de todo o tipo, a partir dos crimes constitucionais contra os
direitos básicos. Onde o destino traçado é a exploração, a “siviração” ou o
crime. As “sortes”, as “coincidências”, encontros, decisões, superações de
obstáculos e barreiras tornaram Renato uma raridade, um originário do abandono
e da pobreza com título de curso superior, consciência social e aplicação
coletiva. Uma pedra rara no cascalho da política pública, uma voz que fala a linguagem
das periferias, a língua intuitiva dos sabotados da sociedade, construídos pra
serem mão de obra barata ou de baixa qualificação.
É a língua
dos de baixo que ele fala, a da multidão roubada nos seus direitos a uma
formação, à alimentação sadia, educação de verdade, moradia decente, entregue a
um massacre midiático, ideológico, publicitário, formando mentalidades
consumistas e competitivas, superficiais e fáceis de enganar, de induzir e
conduzir. É ali onde mais se precisa de consciência, ali onde mais se precisa
de acendedores de luz e é o campo mais fértil pra se plantar. Dali que vem a
força da construção, da manutenção, do funcionamento de toda a coletividade
humana, de toda a sociedade. Por isso a ignorância, a desinformação e a dispersão
dos interesses são estratégias de dominação, de escravização, pra que se
mantenha tudo como está – no controle de poucos.
Tomar
consciência da realidade é uma necessidade na busca de harmonia social,
sobretudo entre os que formam o alicerce da sociedade. Tomar consciência do
próprio valor, da própria capacidade de superação, da própria resistência é uma
necessidade de cada um. Consciência é uma parada que contamina, um caminho que
não tem fim, uma necessidade da alma.
Renato
Freitas, depois dessa injustiça descarada – reveladora ao máximo do racismo
enraizado em nossa sociedade como um todo, não só na câmara de Curitiba –, deve
ter crescido em sabedoria, em aprendizado, como toda dor cria essa
oportunidade, quando se tem a humildade do aprendiz, que é o que somos sempre.
Certamente ele tem muito a acrescentar no coletivo, na formação das mudanças e
alcances, na criação de consciência, no despertar dos distraídos e dos
sonolentos.
A construção
de uma nova sociedade começa no seu alicerce. É preciso muitos mais Renatos
Freitas, é preciso pobres, periféricos, pretas e pretos nas chamadas “instituições
públicas”. Talvez assim elas, finalmente, possam ir se tornando públicas de
verdade.
Pra mim não era acaso, era arrumação pra tua chegada. Mas a ducha fria já me esclareceu o suficiente. Né nada disso e segue a vida, com seu montão de coisas pra fazer.
ResponderExcluirEm sex, 28 de jun de 2019 às 12:38, Eduardo Marinho escreveu:
Verdade. Uma pequena brochada. Mas tudo bem, seja como tiver que ser. Não dá pra se debater contra a realidade, é preciso tratar com ela como ela for. Nossa capacidade de interferência, quando não depende de nós, é muito pequena.
Espero que haja algum proveito, pelo menos. E acho que haverá.
Eu vou continuar morando dentro, pra não me sentir em fuga. Sinto ser necessário aqui e não pretendo abrir mão. Na verdade, "lá fora" não existe pra mim, é tudo parte da mesma esfera. Ter nascido aqui, circulado a vida toda por esse território, é o indicativo do que tenho pra fazer e viver. Pelo menos até agora. Não pretendo evoluir sem todo mundo, recuso posições de superioridade - prefiro mesmo a responsabilidade - e estou de serviço na vida.
Tu deixa claro pra não contar contigo. E eu acho isso natural. Minha primeira impressão é a de que você não se adaptaria ao tipo de vida que eu levo. Nem eu me adaptaria ao tipo de vida que você leva, meio que isolada da crueza predominante entre as maiorias sabotadas, áreas sem saber e com muita sabedoria.
Em sex, 28 de jun de 2019 às 09:13, Gabs Power escreveu:
Eu tava indo prai ver meu Pai e amigos e vc por acaso separou e ficou podendo me ver. Tô feliz que vou poder te ver pq pra mim é importante estar com você mas vou continuar morando fora e sei que ia distância não te mantém comigo.
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On 28 Jun 2019, at 04:30, Eduardo Marinho wrote:
Continuo pensando. Tua imagem me vem.
estas sao ideias que eu tenho.
ResponderExcluirhttps://mega.nz/folder/3FRCVSgL#niemLefvlpg5B3dxNUKFRA
spoiler alert: algum conteúdo sensível.
ps: a parte de opinioes nao e necessario ler.
a ideia nao e ser tudo implementado algumas ideias estao fora da realidade brazileira, entao espero que alguem lute por elas um dia