sexta-feira, 31 de julho de 2009


A frase é de Jean Paul Sartre*, conforme dizia naquela folha de caderno jogada no chão, em forma de bolinha amassada, que eu recolhi pra ler enquanto aguardava numa fila de padaria, em 1982, em Mar Grande, ilha de Itaparica. Uma frase entre muitas outras, a única que marcou e ficou na memória.

Explicando o desenho:

No alto à esquerda, em torno da palavra "loucos", porta fechada, crucificação, enforcamento, cadeia, a fogueira da inquisição, as formas de discriminação, de perseguição em geral impostas aos considerados loucos pelos padrões vigentes, pelos valores superficiais e momentâneos. Aqueles que descobrem, inventam, criam, trazem o novo para a humanidade são repelidos, criminalizados. O astrônomo desvenda o universo, o ciclista se atira no abismo, um mergulhador se aprofunda, o tanque de guerra é o fruto mau da loucura, o navegante de séculos atrás penetra o oceano desconhecido, o caminhante desfruta a solidão das montanhas. Loucura é refletir, nestes tempos de produção e consumo, é voar na imaginação, sempre com o risco de ataque dos predadores medíocres - o homem com a carabina, sobre a letra 's' de 'mais'. No caso exposto, a bruxa é aliada dos loucos voadores, solidária na discriminação e perseguição por conhecer o trato do mundo - sua força anula a intenção do predador. A busca do conhecer, o olho como sol da vida, a música dos loucos encanta a natureza. O louco passa, despido de padrões, preconceitos e valores da sociedade, enquanto esta lhe vira as costas, à esquerda de 'percorridos'. Abaixo, a tristeza olha o mundo a esmagar o louco, que está morto. Só aí os "sábios" - graduados e reconhecidos pelas convenções - se aproximam para estudar as obras da lúcida loucura, terror dos convencionais. A palavra "sábios" está coberta por alguns símbolos sob os quais se abrigam os sábios do mundo, convencionais e numerosos, também, sob os signos acadêmicos, sobretudo nas regiões de cultura ocidental, de origem européia. O quadrinho à direita e abaixo retrata a compulsão dos loucos. O mundo nos impões muros, nos enquadra; os loucos não conseguem ficar enquadrados, pular os muros é inevitável, é isso ou a morte, mesmo em vida. A perda do sentido, o abandono da função, da razão de ser. O quatorze bis é a homenagem ao louco generoso que foi Alberto Santos Dumont, que nunca patenteou nenhum invento seu, e foram muitos, além do avião. Ou aviões, que também foram vários.

* Passei mais de vinte anos dizendo ser Sartre o autor dessa frase. Não é. É de Carlo Dozzi. Mas não importa muito a antena que captou, importa o serviço que ela presta no mundo. Só é bom corrigir o erro.

13 comentários:

  1. Gostei muito da composição q fizeste, do diálogo sempre fecundo, entre texto verbal e não verbal; além do mais, percebi que as imagens q ilustram as formas de arte como a música ganham certo destaque. Legal

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  2. Seu texto reflete sua alma, incontida dentro de um "corpo social", querendo ou não, voce está aqui, nesta rede interligada.Porém, sua escolha é para outro rumo, que não horizontal nem vertical. Voce percorre caminhos figurados de loucura, mas sua lucidez profunda e profana, faz de ti um grande entre "lords" e "games". Amora te deseja feliz+cidade!

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  3. parabéns meu nobre... sinto-me feliz e esperançoso ao descobrir pessoas como vc...
    "vai, vai e diga ao mundo que vopce está certo(...)"

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  4. Eu não sei se estou certo. Sei que acho que estou. Mas é o "meu" certo, pode estar cheio de erros, embora eu não ache. Quando achar, corrijo na medida do meu possível, em direção ao novo certo. "Que o mel é doce eu me recuso a afirmar, mas que me parece doce, eu afirmo plenamente". Raul Seixas

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    1. Muito boa essa frase do Raul, hein..Concordo, ninguém tem mesmo que saber onde nada vai dar, e nem por isso deixaremos de caminhar no(com o) que acreditamos. A vida ensina o tempo todo, a cada segundo, e quando as coisas estão muito embaixo do nosso nariz, aí é que temos que temos que "marcar mais ainda na atividade", pois correm o risco de ficarem invizíveis aos nosso olhos..O resto é
      humildade, e fé na estrada!

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  5. Mesmo assim, ainda prefiro a nau dos supostos loucos ao chão firme dos supostos sensatos.

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  6. Li algumas coisas - considerações - tecidas a respeito da figura "exótica" de Alberto Santos Dumont. Sinceramente, fiquei chocada. Desacreditei. Mas lendo seu texto recriado em cima da frase de Jean Paul Sartre me pergunto: e daí?! E se Santos Dumont acabou como um maníaco depressivo que se suicidou porque viu que sua descoberta fora utilizada para guerrear ou se morreu de tuberculose, ou se a sua sexualidade era duvidosa (dizem até que morrera virgem!)... E daí? Que diferença isto poderia fazer agora? O homem nasceu para ser o gênio que foi, ainda é e será eternamente lembrado como tal. Obrigada por mencionar, aqui, estas pessoas que quanto mais as batizam de loucos, mais as admiro. Amém!

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  7. Eduardo, boa tarde, estou pesquisando sobre esta frase e encontrei dois autores que intitulam como autores dela. Você sabe em que livro Sartre disse isso? Grato

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    1. Não, achei numa folha de caderno feita bolinha, no chão de uma padaria em Mar Grande, ilha de Itaparica, na Bahia, começo dos anos oitenta. Depois, soube que era uma entrevista em que ele citava a frase. E recentemente um italiano disse o nome de Carlo Dozzi. Pra mim não é importante, importante é o pensamento e o serviço que ele presta. A antena que o captou não tem a maior importância, a não ser pra pesquisadores e estudiosos.

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  8. Os habitantes desses outros planetas aprenderam isto. Observaram com mais calma o "que dá resultado".

    A diferença entre as culturas humanas e as culturas muito evoluídas é que os seres muito evoluídos:

    Observam plenamente.

    Comunicam-se com sinceridade.

    Veem o "que dá resultado" e dizem "o que é". Este é outra mudança pequena mas profunda, que melhoraria muito a vida em seu planeta.

    A propósito, isto não é uma questão de moral. Não há "imperativos morais" em uma sociedade dos Seres Muito Evoluídos e esse seria um conceito tão confuso como mentir. Simplesmente, é uma questão do que é funcional e o que produz benefício.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Vejo-me em processo de descontaminação. Em meio a dúvidas, um novo caminho surge mentalmente. Gradativamente, colocando em prática e confirmando a "terra firme", me liberto. As "soluções" vão surgindo naturalmente, em parcelas. Cercado por modelos falhos, a "loucura" me parece o melhor caminho mesmo, simplesmente por fazer sentido. Sinto que estou a procura de mim mesmo, da sanidade própria. Portanto, enxergo um pouco mais a cada dia. O terrorista inconsciente vai desaparecendo. Distraído, eu não olhava pra depois do muro. E que insuportável era isso !

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  11. No sentido técnico da palavra a loucura é a incapacidade de lidar de forma funcional com a realidade e com a vida. Mas a funcionalidade é um termo ambíguo, tem muitos matizes e muitas cores. Então, disfuncional é aquela pessoa que não consegue cuidar de si mesmo e precisa da ajuda de alguém. Uma pessoa com necessidades especiais. Mas quando alguém quer deslegitimar uma pessoa ou um pensamento ou ideia a primeira coisa que faz é taxar de louco.

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