Lembrando que a data do nascimento de Jesus não é conhecida, e que 25 de dezembro foi decretado pelo Vaticano no ano de 854 para fazer frente às festas do solstício, dos povos do norte europeu, republico esse texto. No império romano o registro dos nascimentos era feito por ano. O dia não constava. Essa mentira teria caído por terra, se a invenção do papai noel não fizesse a festa dos comerciantes e dos industriais, no apelo irresistível ao consumo. A data se transformou na maior onda de consumo anual. A festa da alienação, da ignorância, do egoísmo, da indiferença com a situação de enormes parcelas da humanidade, da hipocrisia, da falsidade, momento de encontros para alguns, de ostentação e conflitos, para muitos, quando se finge ser feliz. O texto de Luiz Sepúlveda merece a republicação.
Bom proveito e abraços a todos,
Eduardo.
Por Luis Sepúlveda
Estimado Santa Claus, Papai Noel, Bom Velhinho,
ou como queira chamar-se ou ser chamado.
Confesso que sempre lhe tive simpatia porque, em geral, me agrada a Escandinávia, sua roupa vermelha me dá um sentimento premonitório e porque, por trás dessas barbas sempre acreditei reconhecer um filósofo alemão que, a cada dia, tem mais razão no que afirmou, em vários livros muito citados, mas pouco lidos.
Não tema pelo teor desta carta, não sou o menino chileno que, há muitos anos lhe escreveu: “Velho safado, no ano passado te escrevi contando que, apesar de ir descalço e em jejum à escola, consegui tirar as melhores notas e que o único presente querido era uma bicicleta, sem querer que seja nova. Não teria que ser uma mountain bike, nem para correr o Tour de France. Queria uma bicicleta simples, sem marchas, para ajudar minha mãe na condução das roupas que ela busca, lava, passa e entrega. Isso era tudo, uma humilde bicicleta. Mas chegou o natal e eu ganhei uma estúpida corneta de plástico, brinquedo que guardei e te envio com esta carta, para que enfies no cu. Desejo que pegues AIDS, velho filho da puta”.
Foram seus elfos, os responsáveis por tão monstruoso desrespeito? Pois bem, estimado Santa Claus, seguramente este ano receberá muitos pedidos de bicicletas, pois o único porvir que espera os meninos do mundo é como entregadores, mensageiros e trabalhos sem contrato de trabalho, condenados a distribuir pacotes e quinquilharias até os 67 anos de idade. No entanto, não lhe peço uma bicicleta. Peço, em troca, um esforço pedagógico, que ponha seus elfos, anões, duendes e renas para escrever milhões de cartas explicando o que são e onde estão os mercados.
Como você bem sabe, eles nos têm fodido a vida, rebaixado os salários, arrasado as pensões, retirado benefícios das aposentadorias e condenado as pessoas a trabalhar permanentemente, para tranqüilizar os mercados.
Os mercados têm nomes e rostos de pessoas. São um grupo integrado por menos de um por cento da humanidade, donos de 99% das riquezas. Os mercados são os integrantes dos conselhos de acionistas, como são acionistas, por exemplo, de um laboratório que se nega a renunciar aos royalties de uma série de medicamentos que, se fossem genéricos, salvariam milhões de vidas. Não o fazem porque essas vidas não são rentáveis. Mas a morte sim, é, e muito.
Os mercados são os acionistas das indústrias que engarrafam suco de laranja e que esperaram até que a União Européia anunciasse leis restritivas para os trabalhadores não comunitários, que serão obrigados a trabalhar na Espanha ou outro país da U.E., sob as regras de trabalho e condições salariais de seus países de origem. Logo que isto aconteceu, nas bolsas européias dispararam os preços da próxima colheita de laranja. Para os mercados, para todos e cada um destes acionistas, a justiça social não é rentável, mas a escravidão sim, e muito.
Os mercados são os acionistas de um banco que suspende o salário mínimo de uma mulher que tem o filho inválido. Para todos e cada um dos acionistas, gerentes e diretores dos departamentos, as razões humanitárias não são rentáveis. Mas os despojos, as expulsões da pobreza para a miséria sim, é. E muito. E para os ladrões de esperança, sejam de direita ou de direita – pois não há outra opção para os defensores do sistema responsável pela crise causada pelos mesmos mercados –, despojar da sua casa aquela senhora idosa foi um sinal para tranqüilizar os mercados.
Na Inglaterra, a alta criminosa das tarifas universitárias se fez para tranqüilizar os mercados. O descontentamento social levará a ações inevitáveis pela sobrevivência e os mercados pedirão sangue, mortes, para tranqüilizar seu apetite insaciável.
Que seus duendes e elfos expliquem, detalhadamente, que no meio desta crise econômica gerada pela voracidade especulativa dos mercados – e pela renúncia do Estado a controlar os vai-véns financeiros –, nenhum banco deixou de ganhar, nenhuma sociedade multinacional deixou de lucrar e até os economistas mais ortodoxos das teorias de mercado concordam em que o principal sintoma da crise é que os bancos e as empresas multinacionais lucram menos mas, em nenhum caso deixam de lucrar. Que os elfos e duendes expliquem até ficar claro que foi o mercado quem se opôs a (e conseguiu eliminar, financiando campanhas de legisladores a seu serviço - n do T) qualquer controle estatal às especulações, mas agora impõem que o Estado castigue os cidadãos com a diminuição dos seus rendimentos.
E, por último, permita-me pedir-lhe algo mais: milhares, milhões de bandeiras de combate, barricadas fortes, paralelepípedos maciços, máscaras anti-gases, e que a estrela de Belém se transforme numa série de cometas incandescentes com alvos fixos: as Bolsas, que queimem até os alicerces, pois as chamas dos formosos incêndios nos dariam, ainda que temporariamente, uma inesquecível Noite de Paz.
Muito fraternalmente
Fuente: Le Monde Diplomatique Tradução - Eduardo Marinho
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ResponderExcluirExatamente isso Eduardo, substituiram "Consumo" por "Natal"
ExcluirNatal,época de ir as compras, dia que os comerciantes e industriais se deliciam com o dinheiro da população, que se prepare para o dia da confraternização.
Mas pera ae, confraternização?
ah deixa eu ver se entendi,
eles criaram esse dia, para que nós se uníssemos
e festejamos a tal data simbolica do nascimento de Jesus, mas um pequeno detalhe, essa data não é conhecida.
A escolha da data não tem nada a ver com o nascimento de Jesus. Os romanos aproveitaram uma importante festa pagã realizada por volta do dia 25 de dezembro e "cristianizaram" a data, comemorando o nascimento de Jesus pela primeira vez no ano 354. A tal festa pagã, chamada de Natalis Solis Invicti ("nascimento do sol invencível"), era uma homenagem ao deus persa Mitra, popular em Roma, Mas sabe como é né, religião sempre teve o seu poder no topo da historia.
Agora é tem coragem o bastante de chegar em um "confraternização" e dizer, este dia é uma farsa, eles apenas tem interesses de mercado, querem seu dinheiro, querem seu consumo.
Talvez você acabe deixando o clima bem chato, as pessoas não iriam aceitar isso muito bem, pode acreditar.
Grandioso texto de Luis Sepúlveda.
Obrigado por compartilhar conosco, Eduardo :)
"Mas chegou o natal e eu ganhei uma estúpida corneta de plástico, brinquedo que guardei e te envio com esta carta, para que enfies no cu. Desejo que pegues AIDS, velho filho da puta”."
Hahaha, desabafou bonito.
Pessoal, Vale a pena ler inteirinho o texto.
E fassam como o Eduardo, repassem esse texto, quem sabe com todos mandando uma cartinhas dessas ao Papai Noel, as coisas não mude ^^.
Grande Abraço!
Em 354 me parece que Roma não era cristã, ao contrário, alimentava leões com os cristãos, fazia luminárias incandescentes com eles, perseguidos como ameaça à estrutura da sociedade, subversivos que não reconheciam diferença entre escravo e senhor, pregavam igualdade e fraternidade geral. Eles se propagavam muito rapidamente e apavoravam os donos da sociedade na época, que mobilizavam todo o terror do Estado contra eles. Foi nos quatrocentos que Constantino chamou o patriarca pra um papo e desse encontro saiu um imperador cristão e o primeiro papa da igreja católica apostólica romana. E a gente viu no que deu.
ExcluirAbraço, parceiro.
Olá Eduardo Marinho.
ResponderExcluirDiscordo quando você afirma com total convicção que o capitalismo é o grande mal do mundo. Se o comunismo/socialismo fosse tão igualitário e justo como pregam, não haveria regime totalitário e atroz como há em Cuba e na China.
Creio que o capitalismo é o único sistema viável, porque não desrespeita a nossa inexorável competição entre nós mesmo, mas penso que ele está sendo mau utiliziado. Pego como exemplo os países nórdicos que tem os melhores índices de desenvolvimento do mundo e são capitalistas.
Abraços
Pegue como exemplo "a maior democracia do mundo" (que aliás elege por voto indireto e elegeu o Bush num tribunal, não por voto popular) e você dá de cara com a maior população carcerária do planeta. Os capitalistas deram um jeito nisso, privatizaram as cadeias e usam mão de obra prisioneira, análoga à escravidão, e dão grana pros policiais prenderem muito, prêmios pra botarem em cana a maior quantidade possível de negros e latinos nos presídios. Regra básica do capitalismo, custo mínimo e lucro máximo. Pense bem nos seus conceitos rapaz. E estude a realidade de Cuba, pelo menos, pra não ficar falando merda de graça. Isso é que dá acreditar na mídia privada. Pra eles, Fidel é o ditador sanguinário e milionário da "ilha presídio". rsrs Nada mais idiota. No entanto, todos têm direito às suas idiotices, com todo o respeito. Mas eu não gostaria de emitir tais opiniões. Teria vergonha de tamanha rendição ideológica às cargas dessa falsa fonte de informações.
ExcluirAi, meus sais... será que vale a pena? Talvez quando eu estiver menos cansada que hoje... :-)
ResponderExcluirAh, o contrário de "bem" é "mal". O de "bom" que é "mau".
ResponderExcluirValeu, fessora.
ExcluirCuba está sempre associada à totalitarismo e atrocidade.
ResponderExcluirNo entanto, há uma base naval estadunidense em Cuba, mas não há uma base cubana na Califórnia, por exemplo. O capitalismo, então, não é viável.
Assim como o socialismo não é.
O que eu vejo de mais verdadeiro, em questão de organização e civilização, são as pequenas associações de moradores, como a associação de pescadores em torno da Baía de Guanabara, os moradores da Vila Autódromo, que lutam por um projeto justo de reurbanização, moradores do Morro da Providência, que são, todos os dias, retirados de suas casas.
Isso traduz o interesse real da humanidade: integração e unicidade.
Interesses econômicos, territoriais, políticos e até mesmo os ideológicos - os últimos decentes têm ido pelo ralo - esses interesses aí não correspondem aos nossos interessses, nossas necessidades.
Engraçado como qualquer opinião contrária ao esquerdismo já é execrada e sempre tem um pra falar que é alienado e financiado pela mídia.
ResponderExcluirEu odeio a Veja e suas maçantes e repetitivas opiniões. Tudo bem, você exemplifica o capitalismo nos Estados Unidos, que é a maior potência do mundo, imperialista e imponente. E eu uso todos os exemplos de socialismo, nenhum deu certo.
O investimento em educação eleva a produção e a qualidade através das pesquisas, força o mercado a se reinventar, e abaixa os preços das coisas, e assim a mão da economia gira. Não é possível governo executar isso sem que haja algum tipo de corrupção e coisas do tipo.
Engraçado... como qualquer análise crítica que mostra as falcatruas do dogmático sistema vigente já são invocadas palavras como Cuba, Socialismo e Comunismo.
ResponderExcluirEnfim, o sistema vigente (dogmático para muitos) caminha para o desperdício, exploração, materialismo, consumismo e quer crescer infinitamente num mundo onde os recursos naturais são finitos. Aí quer falar em sustentabilidade, e então sustentabilidade se torna um mercado. Uau! Transformaram o mundo num supermercado.
Valores intrínsecos, morais, socais são jogados na vala em nome do lucro.
Quando alguém crítica algo, é melhor que ela dê uma sugestão, ao invés de critícar e não propor nada.
ResponderExcluirÉ Claro que a execução atual capitalismo está anos-luz do ideal e de ser justo, é o único que faz a economia girar através do interesse da própria pessoa, e não se trata de idéias abstratas. Por exemplo, o padeiro faz pão para vender, e sobrevive disso, ele não vende pão porque é filantropo ou o que for, se você acredita que seres humanos são capazes de executar tarefas como partilhar seus bens para desconhecidos por puro altruísmo (digo a maioria) você é muito ingênuo.
E se o padeiro AMA fazer pão? E se ele se aplica em fazer o melhor pão possível, desenvolve receitas e dedica a vida a isso?
ExcluirE se a renda dele for suficiente pra pagar as contas e ele não tiver isso em primeiro plano? E se ele tiver outras importâncias maiores que sua renda ou seu consumo?
ExcluirNão importa se o padeiro ama ou não, se ele consome acima do que necessita ou não, o que importa é que este comércio dele, é célula do grande organismo. Não acredito que seja possível mover todo um sistema através apenas de sentimentos e idéias abstratas. Fico extremamente feliz quando algum conhecido abandonou um curso de engenharia que os pais queriam para fazer história, ou um emprego ou seja lá o que for, é um ato corajoso e de resistência, gostaria de ver isso em larga escala. O quero dizer é que a própria motivação da pessoa (estudar, produzir arte ou bem material, consumir etc) é engrenagem da grande roda.
ExcluirIngenuidade? Que nada! Ok, não fui muito explícito. Acho que as coisas do mundo atual são tão óbvias que não achei necessário ser enfático.
ResponderExcluirQuis chegar em implicações sociais, mudanças de valores. (um vídeo que mostra o surgimento do conceito de consumismo e os comportamentos sociais provocados por isso - http://www.youtube.com/watch?v=iKkEjl-RSfc - Transtorno Consumo-vaidade)
Evidente que não me referi a um padeiro. Um exemplo atual - a desapropriação de agricultores para a construção do Porto do Açu em São João da Barra/ RJ.
O Estado, serviçal e braço do poder econômico, agiu com força policial contra famílias para que a Empresa de Eike Batista pudesse se apossar do local. Outro caso parecido foi Pinheirinho, porém bem pior. Não se importaram nem com crianças e velhos.
E aí? Cade a sensibilidade e a humanidade? Um cara desses já abriu mão disso há muito tempo. Isso é a natureza humana? Bom, não. Acredito que seja vício - O vício pelo poder. Mas é de costume tratar como viciados majoritariamente usuários de drogas. O que é um equívoco.
Há um vídeo muito bom do Dr. Gabor Maté que fala sobre isso. Se tiver afim de dar uma olhada, recomendo.
http://www.youtube.com/watch?v=66cYcSak6nE - O poder do vício e o vício pelo poder.
Enfim, velho, não me amarro a nenhum 'ismo'. Geralmente quem se fecha a 'ismos' fica igual religioso fanático e passa a tratar a ideologia como um dogma. Dou preferência a observação cotidiana. Como diz o blog "Observar e Absorver".
Abç
Sim, entendo.
ExcluirO Governo é pau mandado das grandes corporações e isto é fato indiscutível.
O ponto que me incomoda é quando atacam o capitalismo como se ele fosse o grande câncer da sociedade, como se qualquer outro "ismo" tudo seria utopicamente diferente. A Meritocracia (que deveria ser o mecanismo de todo o sistema) oferecida pelo capitalismo nada tem haver com o descaso das autoridades,com a corrupção, com a falta de educação de povos.
O que incentivo é que as pessoas se instruam e que ofereçam um serviço melhor a sociedade, que possam ser alavancas para melhoram as coisas. Comparados a todas os atos desumanos que sabemos que existiram (escravidão, governos totalitários, grandes guerras, genocídios) estamos em época que somos um mundo melhor do que há 100, 200, 500, 1000 anos atrás. O Avanço tecnológico abriu a mente das pessoas, é um caminho tortuoso é longo, estamos andando a passos lentíssimos, mas acredito que a tendência é um mundo melhor.
Abraços
Marylin explicou mas parece que não compreenderam.
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