terça-feira, 21 de setembro de 2021

Desprezo não diminui ninguém

 Muitas vezes vi meu trabalho ser desdenhado, desprezado, desqualificado, com olhares, posturas ou diretamente mesmo, com palavras e olhos nos olhos. Opiniões desprezadoras, desqualificadoras, costumam vir acompanhadas de agressividade, essa foi uma das lições do mangueio. Eu, como desqualificado social, vendendo artesanato de mesa em mesa, bar em bar, ouvi muitos insultos de pessoas que consumiam nos bares, garantidos como clientes. Eu sabia que se arrumasse problema, não poderia mais entrar naquele bar. E era um circuito de bares que eu fazia, pelas ruas na noite. Então aprendi a reagir de outras maneiras, sem agressividade. Entendia o insulto, às vezes vinham de pessoas típicas da classe onde eu havia nascido, era fácil entender os mecanismos mentais dessas pessoas. Elas que não percebiam com quem estavam tratando, supondo uma inferioridade social que pra mim era claramente falsa, e se surpreendiam com meu trato de igual pra igual, mesmo com todas as diferenças sociais visíveis ali, evidentes. Aprendi a dizer verdades com delicadeza, pra não provocar reações violentas, ao contrário, desfazendo essas possibilidades. E assumir eventuais prejuízos com serenidade, refletindo em como evitar acontecer de novo, o que me passou sem que eu percebesse, o que eu não vi que poderia ter evitado. Eu gostava do meu trabalho e desvalorizações vinham de mentalidades que não me importavam, os que gostavam eram poucos, pero buenos.

Uma vez, num bar da avenida do contorno, talvez esquina com o início da avenida Brasil, em Belzonte, noite de sexta pra sábado, parei mostrando meus brochinhos a um grupo que ocupava uma mesa tripla, na calçada - nesse tempo as mesas eram acessíveis ao mangueio, hoje é tudo fechado, com seguranças pra não deixar abordar -, algumas pessoas estavam olhando, gostando, comentando as idéias, os desenhos, gravados em relevo na chapa de metal. Um camarada do grupo, que estava na outra parte da mesa, se aproximou, olhou os trampos, ouviu as conversas, eu explicando como fazia, desacreditou. "Eu sei onde cê compra isso lá em São Paulo, vim de lá ontem, vi esses brochinhos aí mesmo", apontando pro meu painel. Todo mundo me olhou constrangido, o cara tinha explicitamente me chamado de mentiroso. Eu ri, disse pras pessoas em volta "eu vou tomar como um elogio" e olhei pro cara. Os olhares eram meio desentendidos. Estendi a mão cheia de calos e disse, sorrindo ainda, "cê acha meu trabalho tão bom, que é impossível que eu faça à mão, né isso? Por isso que tá mentindo, dizendo que viu em São Paulo. Esses calos na minha mão devem ser de coçar o saco, né não?", ri de novo, olhando pras pessoas. "Eu é que sei se faço ou não faço, qualquer idéia é livre, todo o respeito." Ele fez um olhar meio confundido, eu completei, "te agradeço o elogio". E fui saindo, já tinha vendido, recebido e encerrado as ligações. "Valeu, pessoal, tô seguindo na lida", acenei, recebi os acenos de volta e segui mesmo, pra outras mesas e outros contatos. As lições eram todo dia, muitas mais do que eu podia absorver. Guardei algumas. Nas memórias profundas, do inconsciente, devem estar todas.

29 comentários:

  1. As pessoas temem o que não entendem... Ainda, a sociedade, principalmente a moderna, que da valor a quem "cospe verdades", ver com maus olhos o "não entender", e não percebem que "o não entender" é a brecha para "um novo entendimento".

    Abraços.

    ResponderExcluir
  2. O compreender as vezes se enquadra no não compreendivel, é no subconsciente que estão as nossas verdades.te amo💓💓🙌🏼🙌🏼🙌🏼Vc é o Cristo do século XXI🙏🙏🙏🙏🙏🙏

    ResponderExcluir
  3. este teu aprendizado tanto vivencial quanto outros da sociedade e da espiritualidade ...

    ResponderExcluir
  4. Eduardo.
    Estou assistindo e lendo todas as sua vivências,nesses teus 40 anos de peregrinações.
    Quero te dizer que, eu tbm já vivinciei muito dessa bolha chamada sociedade.
    Siga em frente, somos as ovelhas negras que vive a cada dia como se o amanhã fosse o agora.
    Agradeço ao UNIVERSO DIVINO pelas oportunidades que temos de SER melhor a cada dia.

    ResponderExcluir
  5. Tentei editar algumas coisas e não consegui. Por isso excluí os comentários. Fiquei triste por saber que vc foi desprezado de forma tão rude aqui em BH. Infelizmente existem pessoas grosseiras e insensíveis em todo lugar. Eu sou artesã e já ouvi de pessoas conhecidas que isso não é trabalho, mas passatempo. Dá pra acreditar?

    Vc ficou muito tempo em BH?

    Sua história é muito interessante e me identifico com muitas coisas que vi vc falar. Se saiu algo errado me desculpe, mas desta vez não vou excluir não.

    ResponderExcluir
  6. Eu poderia deixar um comentário para cada poster, e ao mesmo tempo deu preguiça comentar eu admito, porém seria egoísmo aprender tanto com essas lições e não demonstrar minha gratidão à quem se deu o trabalho maior em postar todas essas belas histórias e viveu tudo isso para nos compartilhar e ensinar enxergar essa "sociedade hipócrita" que nos submete à viver esse sistema manipulado porém admiro muito seu trabalho Eduardo Marinho e outros pensadores e artistas como você que trabalho em especial é transmitir seu conhecimento e reflexões para maior quantidade de pessoas possíveis, parabéns e obrigado mais uma vez.

    ResponderExcluir
  7. Querido Eduardo. Tenho acompanhado sua trajetória mas só agora consegui um meio de te escrever. Também sou de família classe média alta e também não entendo a separação que se fqz entre as classes. Também fiz facul p agradar meu pai ! Process de dados na PucRj (naoooo!) E tive depressão aos 21... venho de uma família de comerciantes (porque empresário é palavra nova. Somos é comerciantes mesmo!) de bijouterias e putz... mais uma vez..outra coincidência qd leio e ouço bc falando de vender suas bijouxs. Nossa.. como te entendo. Hoje sou mais uma protetora animal do que estilista de acessórios mesmo. Pena que qiando morei em Santa, não te conheci. E sei muito bem o que é ser rejeitado quando tentamos mostrar nossa Arte (porque produzir bijoux é uma Arte!) E ser taxado como.. isso aí não vale isso tudo.. ou. Isso aí é chinês né? Ou.. isso aí é da 25? Ou isso aí é plástico ou pedra? Ou ainda.. ahhh esse brinco é mole de fazer . E além disso, tendo reagatado minhas cadelas e convivido com elas dentro de casa mw fez ouvir diversas ofensas de falsas amigas... ui. Também fui taxada de louca por sair da bolha para poder morar com meus bichos em paz... e eu também já morei em favelas e não me.arrependo nenhum dia da minha vida disso. Enfim..querido. Vou seguir te acomoanhando. Bj Sabrina.

    ResponderExcluir
  8. Salve, Eduardo, esse relato é muito familiar para mim também, eu trabalho com Macramê, couro e exponho nas praças, avenidas, onde caiba meu pano. Infelizmente, até hoje e acho que vai perpetuar por muito tempo a desvalorização pelo trabalho à mão, peças que passamos horas elaborando, colocando o seu eu alí em cada detalhe, mas por ignorância/desinformação ou pela tentativa de desprezo, o indivíduo solta frases e argumentos para diminuir algo que ele provavelmente irá ver uma vez na vida. É inaceitável para ele que um "mendigo" faço algo tão bem feito. Mas também há experiências muito boas, pessoas que dão uma força além do material (coisa rara), palavras que nos motivam a caminhar com mais firmeza, principalmente quando se tem pouca idade como eu, tenho 21 anos, e mesmo indiretamente, você é uma dessas pessoas. Sou de Brumado/BA, abraço meu irmão! Quem quiser dar uma olhada nos trampos, eu tenho uma página no insta, @macracoral, valeu!

    ResponderExcluir
  9. Eu ouvi você outro dia dizer que não tinha pretensão alguma de mudar no tempo de uma vida, o da sua vida, o mundo que está aí, que é produto de milênios de construção.
    Eu entendo, eu entendo. Porém... a dor da frustração que toma conta de mim por ouvir mais uma obviedade, essa dor é imensa, ela me convida a abandonar tudo, a simplesmente ir na onda, "aproveitando" as migalhas (antes esmolas) que quem domina larga pelo caminho só para nos manter entretidos, enquanto pensam por nós, enquanto nos manipulam ao ponto de defendermos interesses contrários aos nossos.
    Não, não o farei.
    Entre a dor e a indiferença, eu fico com a dor, ela é minha, é fruto de meu pensar. A indiferença, ao contrário, é obra da classe que nos oprime, que nos mantém no beco da ignorância, aprisionados, cegos, convencidos do que não somos, impotentes - só nos falta pensar.

    ResponderExcluir
  10. essa coçada no sacoo me fez rir de verdade haha

    ResponderExcluir
  11. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  12. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  13. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  14. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  15. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  16. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  17. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  18. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  19. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  20. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  21. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  22. O desprezo é parecido a ver um filme de terror e tirar o som. Deixa de assustar. Deixa passar 5 minutos que ja esqueceu. Ser desprezado é receber dessa pessoa o melhor que ela tem capacidade para dar - nada. Pois se ela der algo já se vai sentir "inferiorizada". Quem tem pouco para dar é Pobre. Quem pouco se importa com o que recebe é rico. Não estou a falar de dinheiro.

    ResponderExcluir