sábado, 3 de novembro de 2012

Mudança de parede, em Santa Teresa


Exposição em Santa Teresa
      Quebrou a unidade. Percebi quando olhei a foto, o bondinho, a casa, as portas fechadas, os desenhos formando uma unidade, na diversidade entre portas e paredes. Quando as portas abriram, quebrou a unidade, separou os desenhos, perdeu o impacto que a unidade formava. 
      A casa foi reformada, o antigo armazém agora é um café cultural, as portas foram abertas. O lugar está muito bem decorado, bonito de se ver. Há belos quadros nas paredes e um piano que, nas vezes em que expus, tocou lindas músicas que chamo de clássicas porque não conheço muito de música, embora sinta na alma. 
      No entanto, a unidade do meu trabalho foi quebrada com a mudança de cenário, as portas abertas criaram vazios que enfraqueceram. Coisa da vida, do tempo, das mudanças às quais temos que nos adaptar. De alguma forma, é até bom. Ou pode ser.
      As vendas caíram, o espírito mudou, ao invés de unir, tá separado em partes. A capacidade do trabalho em tocar no abstrato, no espírito, no pensamento, no sentimento, perdeu força. O mundo atual é cheio de apelos visuais e sonoros por toda parte, clamando por atenção, freneticamente, as pessoas se acostumaram ao superficial, ao apelo, ao impacto visual ou sonoro, a enxergar apenas o que chama a atenção. 
      Alguns poucos, já vivenciados, acostumados a unir as partes dispersas das coisas, das informações e das experiências, ainda percebem, mas estes são muito poucos. A maior parte, por outro lado, não se liga na exposição pela falta do impacto, olham como parte da paisagem, passam batido, sem despertar a atenção.        A maioria ainda não percebe as nuances por trás das formas, por cima, por baixo, pelos lados, por dentro. Esse é um processo de desenvolvimento que começa na percepção da existência e da força do pluriverso* abstrato. Ou melhor, que existe, mas toma força e responsabilidade a partir do momento em que se toma consciência dele.
      O trabalho exposto em unidade faz uma figura mais perceptível, ele separado perdeu a presença. E eu preciso pagar minhas despesas.
      Tudo isso pra dizer que vou mudar de parede, de lugar. Devo ficar pelo Largo do Guimarães, mesmo, é o que pretendo. Gosto dali, é um ponto centrífugo e centrípeto de incríveis variações de seres. Uma convergência de “loucos” da sociedade, de pessoas que procuram as correntes contrárias ao movimento convencional dos acorrentados. Muitos têm uma capa de loucura, mas são de mentalidade e sentimentos convencionais, egocêntricos, vaidosos, superficiais e perambulam pela área por causa dos reais loucos, tentando se confundir com eles e enganando as almas ingênuas. Estas são suas vítimas. É preciso cuidado com estes falsos "loucos". Bem, por outro lado, estas relações são potenciais aulas de vivências.
      Há reacionários também, alguns bem criativos, outros raivosos, quase todos inofensivos e cordiais, desde que não se pise em nenhum calo. Os reaças são cheios de calos, sobretudo nestes tempos de mudanças, na onda de despertamento pra realidade de inúmeras exceções às regras. Claro que são exceções, mas já fazem seu barulho ser mais ouvido que antes, quando só se tinha como fonte de informação a mídia comercial e todas as notícias chegavam de acordo com os interesses empresariais, em prejuízo das populações. E os donos da sociedade explodem em ódio e violência, enquanto ainda podem, fornecendo pela mídia argumentos, informações distorcidas e instruções aos seus repetidores. Destroem os movimentos que se levantam, mas não podem conter o processo de conscientização que lhes vai tirar a sustentação – ou a dos seus descendentes. Quero ver o que vão fazer esses privilegiados quando não houver mais serviçais com tanta facilidade quanto agora para explorar e aumentar suas fortunas. Esta gente cercada de empregados por todos os lados não planta, não colhe e não faz sua própria comida; não faz sua própria roupa, não lava, não limpa seu próprio lixo; não constrói sua casa, não sabe consertar nem um vazamento. Servem-se da parte sabotada da família humana pra tudo, tanto pra enriquecer quanto pras tarefas cotidianas e ficam perdidos sem seus pobres pra fazer tudo por eles.
      Bom, como eu ia dizendo antes da indignação me tomar, procuro uma parede que permita a unidade em meu trabalho. De preferência no Largo do Guimarães. Senão, ali por perto. De qualquer maneira, o bairro é todo cultural, há muitos lugares. Depois aviso, nesta mesma postagem, onde estou expondo. Aliás, este blogue é a única forma que tenho de anunciar, embora eu não tenha nada a reclamar. Antigamente, quando mudava de lugar, e mudava com muito mais freqüência, não tinha como avisar além de alguns poucos amigos, pessoalmente. Agora posso colocar no ar e explanar geral.
     
     
*Pluriverso – o Universo que conhecemos e estudamos na ciência oficial é o universo material, os planetas, as estrelas, em bilhões, formando galáxias também nos bilhões, trilhões, espaços que não podemos alcançar nem com a imaginação, muito além do nosso alcance, mas todo material. Matéria em relações magnéticas, gravitacionais, química, mas matéria física. Um universo entre outros universos com vibrações moleculares diferentes. Ou atômicas, sei lá. Mas intercalados, interpenetrados no mesmo espaço, em dimensões diversas, como ondas de rádio, cada uma em sua freqüência, sem interferência direta, mas se relacionando de várias formas, com sentimentos, pensamentos, crenças, desejos, intenções  fazendo pontes de comunicação, atraindo, repelindo, sempre interagindo. Uma coexistência plural fora do alcance da razão, mas não da intuição. Sentimos alguma razão de ser na existência, mas não alcançamos, não compreendemos. É possível sentir. A razão, em sua soberba e idiotia, muitas vezes negará a existência dos universos abstratos, com tanto mais força quanto maior for a qualificação acadêmica. Não é uma questão de crença, nem de raciocínio. É intuição, sentimento, percepção subjetiva, numa linguagem mais adaptada à língua acadêmica. O pluriverso não precisa do crédito de ninguém, como o universo não dependeu das crenças em monstros nas beiradas da terra, poucos séculos atrás.

4 comentários:

  1. Oi, Tudo bom? Esses dias, assisti ao espetáculo "William Wilson e o Universo" no SESC. As gravuras expostas são suas? Se forem, parabéns. Gostei muito do seu trabalho. Queria saber se estão à venda.

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    1. Os desenhos que fiz pra "William Wilson..." são originais, ou seja, não estão à venda. Foram encomendados para a peça. Os que vendo são reproduções serigráficas, manuais, dos meus desenhos. Originais costumo fazer por encomenda, pois são mais caros que as serigrafias e não é viável vender na rua - onde prefiro os preços baixos, acessíveis a qualquer um, ou quase.
      Pra falar comigo, use o endereço no cabeçário do blogue.

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  2. "Uma coexistência plural fora do alcance da razão, mas não da intuição".

    Concordo Eduardo, só consigo imaginar a vida hoje em dia assim..Com todas essas interferências (que nem imaginamos)se relacionando e nos afetando o tempo todo. E nós, se deixarmos de nos sabotar constantemente, temos uma ótima chance de ver emergir um potencial que desconhecemos e tb fazer parte desse processo. A impressão que tenho, falando de forma bem figurada, é que todos esses "universos" a que você se refere, "esperam" pelo despertar de uma nova consciência do homem.

    Mas aí é o que você fala, sobre o impeditivo da razão. O homem foi dotado de pensamento, e o bicho-homem é um bicho dificil, vaidoso demais, não pode dar uma corda pra ele que ele quer jogar pro alto e virar “cowboy”.. O mesmo pensamento que pode ser usado de forma superpositiva pra gente se conhecer e perceber nossa inserção nesse mundo e se relacionar melhor com todos, pode tb, se não ficarmos atentos, ser um enorme bloqueador para darmos um passo ainda maior nessa exitência.

    Também creio que a razão jamais conseguirá alcançar o que você chama de Pluriverso e, vou ainda um pouco além, se me permite: na minha opinião, a soberba que nega é a mesma que ao aceitar, tenta de alguma forma explicar. Não sei se me faço entender mas, pra mim, não só quando negamos a existência do que desconhecemos é que estamos sendo soberbos, mas tb quando, de alguma forma tentamos enquadrar " o desconhecido" num modelo, num formato, numa explicação. Pra que explicar? Por que explicar? Por que tudo nesse mundo tem que ter uma equação? Morreremos sem saber de tudo, é evidente, mas não temos humildade suficente pra reconhecer isso. Aí, ou ficamos frustados, ou vivemos no auto-engano.

    Acho que perdemos mesmo uma chance enorme nessa vida, quando queremos saber. Eu gosto daquela frase que li aqui num de seus trabalhos: Sentir é mais que saber.

    Tenho a impressão que cada vez mais gente está tendo esses despetares no mundo.

    Muito boas essas reflexões que você levanta!

    Abraços,

    Adilson


    ps: O pluriverso me fez lembrar agora de uma coisa muito bacana. Quando meu sobrinho era mais moleque eu levei ele pra assitir a um desenho, uma animação, que esqueci o nome mas foi uma das maiores lições que vi em filmes até para adultos; sem brincadeira. Parece uma bobeira o que eu vou falar aqui, mas..vou falar assim mermo. No desenho a vida se desenvolvia numa espécie de Floresta, cheiA de bichos enormes e cheio de gente metida a besta, e de tudo quanto é jeito esquisito. Um professor, que era mais simplão, um elefante, começou a ouvir vozes que vinham de uma planta..E foi contar a boa nova pros outros habitantes do mundão...Foi zombado até não poder mais, até que, descobriu que de fato, existia mesmo um outro mundo dentro de um grãozinho que ficava naquela planta; uma vida, uma cidade com prefeito, leis padaria e o escambau dentro de um pontinho micro, quase imperceptpível..rs..O filme já era uma grande lição, pra molecada se ligar, respeitar os aparentemente menores, "outras vidas", etc_ mas no final, quando nego já tá deixando a sala de cinema, aquele mundão, aquele florestão que parecia ser o único mundo, vai sendo mostrado diminuindo, diminuindo no espaço, se afastando e de repente vira uma bolinha minima, tã imperceptível dentro de um outro Universo, com outros habitantes, outras questões..

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  3. "Depois aviso, nesta mesma postagem, onde estou expondo"

    E aí, já decidiu por outro lugar? Foi mesmo pro Largo do Guimarães?
    Farei breve passagem pelo Rio e quero conhecer de perto.

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