quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Satisfação aos “seguidores”

A banca vermelha é de minerais para colecionadores e amantes das pedras. O cara se chama Miguel, o acupunturista.
O que ele está "apertando" é tabaco, não se iludam.




            Neste último terço de janeiro, este blogue ficou meio abandonado. Como alguns amigos ficam admiradíssimos quando digo o número de seguidores (detesto esse nome), comecei a sentir uma certa responsabilidade, uma dívida de consideração com essas pessoas, a maioria que nem conheço, mas que, claramente, acompanha estas coisas óbvias que eu posto aqui. Por isso acho que devo uma satisfação a essa rapaziada, pra que saibam o que acontece e porque.
            Eu não tinha noção da importância desse número, mas lembrei de Diamantina, quando um garimpeiro que se tornou meu amigo me mostrou uma pedra. Estávamos num bar, à noite, e comentávamos as dificuldades de sobrevivência da maioria, quando ele me falou da sorte que tivera, na semana. Olhou pros lados, disse que ia reformar a casa da mãe e a dele, e ainda trocaria de moto. Com um sorriso triunfante, tirou do bolso do casaco uma pedra e pôs na minha mão, sempre dando umas olhadas em volta. Peguei o diamante bruto, rolei na mão, olhando, procurando alguma coisa que o diferenciasse das outras pedras de cristal que via pelo chão das ruas e das estradas. Eu passaria por aquela pedra sem nem perceber, eu a chutaria como brincadeira, tentando acertar alguma coisa mais na frente, só por “desfastio”, como dizia minha avó. Fiz a ligação com a vida e percebi quantas vezes se tem nas mãos algo valioso e não se percebe. Talvez exatamente por estar na mão. Desdenhamos nossas preciosidades, até que elas se vão. Aí percebemos, já tarde demais.
            Bem, voltando ao assunto, no sábado, 22 de janeiro, eu expus em Santa Teresa, até umas nove da noite, pois estou chegando mais tarde devido ao calor do sol no lugar em que exponho. Ravi, meu filho, estava na área, vendendo seu artesanato nos bares e muvucas que se formam no bairro. Conversando com Jean, o rasta que faz e vende instrumentos de percussão, ali no Guimarães mesmo, Ravi manifestou o desejo de aprender a fazer instrumentos – assim, um desejo casual, sem nenhum compromisso com o tornar realidade essa vontade. Mas o Jean, prestativo, nos chamou à sua casa, ali perto, pra ele ver como é que é. Depois de encerrarmos o “expediente”, fomos caminhando até lá, Jean e sua mina, Ravi e eu.
            Era uma rua que ligava a descida pra Glória ao largo do Curvelo, de pouca circulação. Neste percurso, surgiram mais na frente um cara e dois cachorros, um grande e outro pequeno. O grande estava preso numa guia e na mão do cara. O pequeno, solto, nos viu e veio na nossa direção. Não dei muita atenção, é normal o cachorro vir dar sua cheirada de reconhecimento a cada novidade que aparece na sua frente. Mais interessante era a arquitetura de uma casa pela qual passávamos, no alto de uma escadaria ao lado da rua, com a alvenaria toda trabalhada em detalhes. Nisto, ouvi um pequeno rosnado e senti a bocada rápida, atrás da perna direita.
            Surpreso, comentei, “fidaputa, me mordeu, esse vira-lata!” Levantei a calça, olhei, embaixo da batata, acima do tornozelo, um arranhão e um ponto. Tive vontade de lhe dar uma bicuda, mas ele já estava a uma distância segura, na calçada do outro lado da rua. Olhei pro cara, que foi logo dizendo que não tinha nada a ver com aquele cachorro. “Cachorrinho safado, eu não tava nem olhando pra ele. O dono deve ser um pilantra” e o cara riu, sem graça. “Cê conhece o dono?” “Conheço”. “Sabe se é vacinado?” “É, sim.” Pela expressão dele, achei que ele tava mentindo, que o cachorro era dele. “O cachorro pega o caráter do dono”, arrematei. Não valia a pena confrontar o cara, já estava mordido, mesmo, nada ia mudar isso.
            Chegando à casa do Jean, perguntei se tinha água oxigenada. Não tinha. Fui ao banheiro, lavei com sabão o arranhado, esfreguei bem. Depois, ficamos um tempo papeando, ele mostrava a Ravi seu material de trabalho, explicava como fazia e tal. Quando saímos, Ravi foi vender nos bares e eu fui pra casa. Como era tarde, tive que sair de Santa a pé e atravessei todo o centro do Rio, até chegar na praça XV, onde tem transporte pra Niterói, a noite toda. Levei mais umas duas hora pra chegar em casa.
            Aí, fui tratar da ferida. A perna havia inchado, o arranhão estava preto e fundo, a inchação dava a ele o aspecto de uma boca sem dentes, meio sorrindo. Tomei um susto quando vi, “caraca”, e preparei uns emplastros de alho socado. Esquentei no vapor e pus em cima, três vezes. O preto foi saindo, a cada emplastro. Quando apareceu a cor da carne, passei uns óleos essenciais (lavanda, tea tree), fiz um curativo e fui dormir. Mas o tempo de demora tinha infiltrado mais fundo a infectação e eu tive muito trabalho com aquilo, a perna inchada, a ferida crescendo, enquanto superficializava e eu colocava emplastros de alho e folhas de saião, tomava extrato de própolis e mastigava uns dentes de alho, pra reforçar o sangue. O aspecto ficou assustador, mas eu já conhecia esse processo. Pra resumir, duas semanas mancando com dor, até reverter. Encarei como um expurgo, o momento na minha vida era agudo, emocional e afetivamente, e aquilo me pareceu parte do processo. Algo estava sendo posto pra fora, através daquela ferida.
            A necessidade de produzir os desenhos, de aquarelar, pra expor e arrumar o sustento, tomava toda minha energia. Fiquei sem inspiração pra escrever. Trabalhava com a perna esticada num banco, pra doer menos, e só fazia o essencial. Era, mesmo, um momento especial, de reflexão na vida. Finalmente a ferida se superficializou de todo, agora já está na casca, embora ainda precise de cuidados, mas no caminho da solução. Já não dói tanto, só arde um pouco, quando faço mais esforço. Mas a perna desinchada mostra o final do processo. Olhei o blogue e me senti em falta. Por isso, inaugurei a seção “crônicas de estrada”, postando o “encontro com Adauto”, já escrito há algum tempo, na esperança de, um dia, editar um livro com essas histórias. Valeu a idéia, de vez em quando publicarei uma crônica dessas – tenho várias espalhadas em muitos cadernos, perdidos no meio das minhas bagunças ou sumidos pra sempre.
            Aos que acompanham a evolução deste blogue, peço um pouco de paciência, pois ele não paga minhas contas e eu preciso me dedicar ao que me traz a merreca que eu ganho, ou seja, os desenhos, os “livrins” e outros babilaques. A web já me toma mais tempo do que eu posso, são vinte ou trinta imeios por dia e não gosto de deixar ninguém sem resposta.
            Outro dia me perguntaram se eu tinha algum sonho pessoal, em termos materiais. Pensei um pouco e descobri qual é esse sonho: nunca mais me preocupar com as contas e poder fazer meu trabalho totalmente dedicado a ele. Diante da sociedade que me cerca, sinto uma enorme necessidade de trabalhar no que transformei em meu lema. Sensibilizar, esclarecer, conscientizar. Começando por mim mesmo e minhas grandes falhas internas. Assim, minha vida tem sentido.
            Abraços a todos.

19 comentários:

  1. Desejar "melhoras" é desnecessário, pois já está ocorrendo, então desejo que seu desejo se realize, que vc possa pintar pelo bem que faz, sem precisar "ganhar o pão"

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  2. E ai cara, beleza? Sou o Rafael, que fez uma gravação contigo e com mais dois amigos meus. Fui no início do ano lá, comprei um quadro contigo e tal.
    Tu acredite que eu te vi passar mancando nesse dia? Eram uams 22:00h, eu estava ali na Lapa esperando um amigo. Tu passou tão rápido e tão decidido que eu quando te reconheci você já estava meio distante.
    Melhoras ai. Abraço!

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  3. Sim senhora, dona. Cê teve lá e não se identificou, não foi?

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  4. Não estive no largo dos Guimarães não. Estava ali perto do Circo Voador esperando um amigo meu e você passou.
    Lembro porque você estava mancando um pouco e com uma espécie de curativo na perna. Mas eu não falei porque você passou rápido e pareceu não querer ser parado. Haha
    Quanto ao documentário, estou esperando o meu amigo voltar de viagem e ai sem falta iremos agilizar isso.
    Abraço!

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  5. É cara, melhora logo e bem. Hahaha, temos o mesmo sonho. Tão simples, tão bonito, e ainda assim, infelizmente, estamos presos ao "sonho" dos outros. Bom te ver de volta por aqui. Dia desses passo lá na tua exposição. Grande abraço. Força e luz!!

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  6. Grande Edu... sempre encarando dificuldades, mas como sempre tirando de letra... é claro que não parece fácil, pois não é... acho que você entende!
    Po veio, tô sempre para passar ai no largo e nunca
    dá :/ . Em breve se Deus quiser aparecerei...
    Abraços meu Mestre ! (Gabriel Moreira) xD

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  7. Aprecio muito seu trabalho, suas palavras e seu caráter. Estou sempre aqui, acompanhando tudo!
    Quando eu for ao Rio, quero conhecer sua arte pessoalmente.

    Um grande abraço!

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  8. Olá, Eduardo. Ví seu vídeo no you tube (http://www.youtube.com/watch?v=NMn_1rQ3sms); é realmente uma coisa linda e inspiradora - digo, as coisas que diz.

    Sou um jovem estudante e poeta vindo do interior do estado; e gostaria de conhecer sua exposição.

    Como faço pra chegar lá (já vi que é em Santa, dê uns pontos de referência e um horário)

    ;) abraço

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  9. Apesar de nao acreditar em unanimidade, acredito Que tuas observacoes e opinioes sobre a sociedade, humanidade, aproximam-se muito do incontestavel! Nao me refiro apenas ao teu despreendimento do Que e' material futil, mas tambem, e principalmente, a tua capacidade de provocar desconforto em quem te ler. Desconforto Que provoca auto-critica, ate nos mais "bem resolvidos", alem de FAZER PENSAR!
    Muito prazer em te conhecer, cara!
    Marcello

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  10. Olá ! Como sua seguidora estou aqui para retribuir a satisfação. Penso que a coisa só se torna satisfeita com o recíproco.
    A real, sou admiradora de suas palavras e opniões. Apesar de não compartilhar todas, é incrivel como expõe de forma tão corajosa suas idealizações.
    Há algo na vida que são para poucos. A satisfação.
    Ontem conversando com uma grande amiga percebi algumas satisfações que tem ocorrido comigo.
    Para mim, tudo é um desafio. A vida é um desafio. Lidar com as pessoas e a sociedade é um desafio. E eu gozo por esses obstáculos. É prazeroso ver que nossa coragem tem resultado.
    Tenho sonhos também. Mas com 19 anos que tenho, minha vida é repleta de sonhos momentaneos e inconstantes. Todos verdadeiros e sonhados intensamente. Mudança é meu lema.
    Abraços

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  11. Valeu Eduardo,
    Obrigado por nos manter informados. Não sou seu seguidor de RSS ou coisa parecida. Simplesmente acesso seu blog e só. Certa vez te mandei um e-mail dizendo ser seu fã e do meu desejo de um dia, quando for ao Rio, te encontrar em Santa Tereza.
    Forte abraço,
    José Rosa (http://joserosafilho.wordpress.com/)

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  12. Cara! é bem legal ver como sua sensibilidade está presente na forma de vc ver os motivos do que ocorreu aparentemente por acaso (expurgo), em colocar aqui como vc curou essa ferida sem auxílio de coisas que só a indústria forneceria e no fim seu sonho final de viver livre das contas.
    Digo isso pq pra mim tudo isso aí tem uma ligação que no fim das contas vai ao encontro do que considero o motivo de "morar no mato": a gente conseguir viver bem do que a natureza nos dê e assim ficarmos livres dos círculos viciosos do sistema burguês e, exatamente por isso, podermos agir intensamente em conscientizar e sensibilizar pessoas para que consigam se livrar também.
    Fora que essa imagem do cachorro te mordendo é exatamente o arcano 21 (O louco) que é o arquétipo do cara que está deixando um passado "normal" para trás e se lançando num novo processo de libertação. Os outros vão chamar ele de louco... claro.
    Abração!

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  13. Espero que não tenha esquecido de tomar uma antitetânica,se não tomou ainda dá tempo.
    Você escreve muito bem. Porque não leva suas crônicas a algum jornal? Acredito que haverá interesse da parte deles e assim você divulga essa outra arte que é cronicar. Melhoras...já fui mordida de cachorro e sei bem como é. Dói pacas...rsrsrs

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  14. Mordida de cachorro não é nada, o duro é a irresponsabilidade do dono... Mas aí, tem mais votos a teu favor, assim que o caminho é melhorar, e com sangue novo e limpinho de toda essa mXXX que saiu...

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  15. Acab de te conhecer através de um video no youtube. Achei muito interessante a sua forma de pensar e ver o mundo.

    Mas, ao ler esse texto, veio-me uma grande curiosidade: Você não toma remédios?

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  16. Agradeça ao cachorro: o tempo e as dúvidas, as respostas e as novas dúvidas... são e serão tuas dívidas com ele.
    Abraço.

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  17. Dívidas com ele? O cachorro? rsrs O bicho foi um instrumento, na minha opinião, exerceu um mau caráter dele, mordeu minha perna quando eu não tava nem olhando pra ele, tava admirando uma casa, cheia de detalhes em esculturas, na alvenaria, beleza de trabalho que não se faz mais.
    Respeito a sua opinião, mas não acredito em "dívida" com o cachorro. Acho a idéia muito engraçada. O bicho tem o caminho evolutivo dele, como tudo, e eu tenho o meu. Não o tinha visto antes e nunca mais o vi. Nada tem a ver o meu caminho com o dele. Aquilo foi um evento, pra mim, pra ele não significou quase nada, virou nada no dia seguinte, se tanto.
    Quanto às dúvidas, no meio de tantas, com a vivência, a gente vai conseguindo juntar algumas certezas, à medida em que cresce, aprende, pratica, vivencia atento e assimilando. O tanto quanto possa. É o que a gente leva da vida.
    É preciso levar em conta que todo saber é responsabilidade com a coletividade, com o entorno, com as circunstâncias.

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  18. iuahiauhaiauh
    dívida com o cachorro (que mordeu o cara) é foda! mais dívidas ainda?

    mas tu usa alho pra quase tudo né?! rsrs eu nem sabia que era bom pra feridas tbm!

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