quinta-feira, 26 de abril de 2018

A “inconveniência” das leis trabalhistas


No final do século dezenove, sob pressão do Império Britânico, foi “abolida” a escravidão, depois de toda uma arrumação pra evitar que os ex-escravos se tornassem verdadeiros cidadãos, com acesso à instrução, à informação, ao desenvolvimento pessoal, humano e profissional. Monteiro Lobato, um raro mestiço com presença social, sugeriu no senado da recente “república” um programa de alfabetização para as vítimas da escravidão, até como uma reparação às incalculáveis injustiças sofridas por séculos. A pergunta que ouviu de um senador – um latifundiário do café, então um dos maiores produtos de exportação – é simbólica e explica a posição da elite até hoje, “ô Lobato, se ensinar essa negrada a ler e escrever, quem é que vai pegar no cabo da enxada?” A ignorância sustenta a escravidão, informalmente. É a natureza hipócrita do sistema social em que vivemos.

É uma sociedade escravista. A “república” proclamada por banqueiros e latifundiários nunca teve nada de república. Fala-se em nome do povo sem se levar em conta as necessidades e os direitos do povo. A base da sociedade é o trabalho escravo, braçal, ignorante, desinformado, inconsciente da estrutura social pela própria formação estrutural. Os luxos e privilégios dos pequenos grupos dominantes necessitam da exploração brutal do trabalho e, pra isso, direitos humanos e constitucionais, tidos como fruto do desenvolvimento humano, das sociedades e das relações entre as pessoas, são roubados à esmagadora maioria da população. O desenvolvimento espiritual, moral e afetivo demora mais a chegar na minoria mais rica, pois é quem depende da exploração pra manter privilégios, excessos, luxos e poderes. Ali se valoriza apenas o desenvolvimento tecnológico – inclusive pra servir à manutenção desse estado de coisas. O desenvolvimento tecnológico sem o desenvolvimento moral, espiritual, torna-se facilmente criminoso.

A espiritualidade foi feita refém de religiões que, ao mesmo tempo que funcionam como controle de grupos, servem à formação de divergências e divisões, separando, segregando e impedindo a união e a solidariedade irrestrita como elemento agregador e harmonizador na coletividade. A nível institucional, não há ligação entre religião e espiritualidade. Na arrogância religiosa, não basta perceber a interação entre várias dimensões, a existências de realidades além da matéria como a conhecemos. É preciso explicar, entender e acreditar. A razão humana, tão precária e restrita, torna mesquinha a espiritualidade. E a espiritualidade amesquinhada é um elemento conservador da estrutura social, um obstáculo ao desenvolvimento verdadeiro na formação de uma sociedade sem excluídos, sem miséria, sem ignorância. Um entre tantos elementos estratégicos armados pra manter o domínio de tão poucos sobre o todo, tentativas de parar a mutação natural de tudo o que existe. Nada fica como está e, quando se bloqueia o fluxo das coisas, há um gradual acúmulo e depois é a avalanche que leva tudo de arrasto. É o que estamos vendo acontecer a nível planetário.

Alguns anos atrás, a organização Repórter Brasil divulgou uma pesquisa concluindo que quarenta mil pessoas são escravizadas por ano, no país. Naquele mesmo ano, as equipes estatais de busca e eliminação de trabalho “análogo” à escravidão – um total de seis, chamadas força-tarefa, pra todo o território nacional – anunciava a libertação de quinze mil trabalhadores encontrados nestas condições, de fazendas amazônicas às fabriquetas de roupas pra grifes famosas, em São Paulo. Dos outros vinte e cinco mil, não se falou.

O centro de importância da nossa atual sociedade está longe do ser humano. Mais importante que a vida é o lucro e o patrimônio. E os privilégios de uns poucos consomem direitos da esmagadora maioria. É preciso ver a realidade como ela é – e limpar a visão de mundo das lentes distorcedoras que nos impõem – pra conseguir decidir o que fazer, sem as induções e condicionamentos que são a marca registrada deste sistema. De outra forma, decidimos como induzidos, como fomos condicionados – e até as contestações são feitas da forma programada, incapazes de tocar na estrutura social tão profundamente quanto é preciso pra torná-la menos injusta, perversa, covarde e desumana.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Documentário sobre a ordem social vigente.

Não sei o ano exato, mas esse filme foi feito muito antes da crise dos bancos, em 2008. O que significa crise geral, por extensão. Uma crise fabricada, que drenou quinze trilhões de dólares (TRILHÕES), dinheiro público arrancado de muitos Estados do mundo, submetidos pelo sistema financeiro. O domínio banqueiro-mega-empresarial submete Estados, países, governos, e dita a ordem criminosa da sociedade, a estrutura onde vivemos todos. Os privilegiados se encastelam atrás de muros e grades, com segurança armada, vivem ameaçados e cheios de medo do mundo "lá fora". Os garantidos e os que têm seus direitos respeitados no mínimo necessário se defendem como podem, muito mais próximos do assédio que a criminalidade e violência que a miséria, o abandono, a ignorância e a desinformação produzem - sem que existam "forças de segurança" capazes de conter. Está-se vendo repetidas vezes, todos os dias. O combate ao crime não impede o crime de crescer cada vez mais, inclusive contaminando a fundo as próprias forças de segurança, os parlamentos, os tribunais e os governos. É o "alto nível" do crime organizado que comanda a segurança pública, através do controle do Estado como um todo, em todas as suas instituições, com uma bolha de honestidade aqui, outra ali, isoladas pra não "contaminar" o sistema e muito úteis pra exibir como "provas" da honestidade do próprio sistema. A mídia taí pra isso.

Alguns sentirão arrepios quando ouvirem o nome de Marx, citado um par de vezes pelo Jean. Mas eu não tenho essa alergia, embora não seja devoto, e isso não diminui em nada a importância das informações e visões de mundo expostas no filme. Achei brilhante o Galeano, como sempre, em suas metáforas e ironias finas na interpretação da realidade. Ele toca fundo nos conceitos impostos, nas estratégias de criação de imagens e idéias a serviço do punhado de parasitas podres de ricos que explora a humanidade, mantendo o sistema criador de miséria e sofrimento.

A construção de uma sociedade verdadeira humana, que tenha na vida o seu maior valor, e não na propriedade, no lucro e nos interesses banqueiro-empresariais, passa pelas percepções necessárias a respeito da realidade à nossa volta mas, sobretudo, em nossa própria visão de mundo, em nossos valores, nossos objetivos de vida, nosso comportamento, na forma de se relacionar com as pessoas, com os acontecimentos, em nossas expectativas e no que acreditamos. É preciso perceber os próprios condicionamentos, porque ninguém está imune ao massacre publicitário-midiático-ideológico, estendido ao sistema de educação do primeiro ao último patamar.

No documentário, Galeano e Ziegler apontam "o que fazer", no último bloco. Ver é o primeiro passo pra modificar a si e à própria vida, pois é isso que cria condições de mudar o mundo. Exemplificando para as gerações que  não páram de chegar, sucessivas e permanentes, se trabalha na evolução social, planetária, no longuíssimo prazo que é sua característica e não adianta querer apressar - só frustra. Essa arrogância pretensiosa de querer "mudar o mundo", "fazer a diferença", "organizar a classe trabalhadora" só resulta em desistências sucessivas, enquanto os que insistem passam a vida dando murro em ponta de faca e colecionando decepções. E já vi várias vezes se transformar em descrença total, "isso nunca vai mudar", outra ingenuidade. A mutação é permanente e nada permanece como é, nascemos em pleno processo de mutação que, neste nosso planeta, conta com coisa de quatro bilhões de anos. A civilização ocidental, essa que nos domina, tem cerca de dois mil e quinhentos anos de existência, passando por mudanças que a história nos mostra, ao longo dos séculos. Uma vida tem algumas décadas e já se pretende mudar como se deseja a realidade. Ingenuidade ou estímulo ao ego, à arrogância, à vaidade, à hierarquização, pelo sistema social, de todas as formas?

Bueno, aí está o filme que considero valioso na formação de visão de mundo, no repensar os próprios pensamentos, no desconfiar de si mesmo - até onde penso por minha própria conta, até onde pude escolher os meus valores e comportamentos, o que desejo da vida?

                                       A ordem criminosa do mundo


observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.