sexta-feira, 1 de abril de 2011

As laranjas da Cutrale e o MST, ainda

Escrito feito a pedido de Fabio da Silva Barbosa (www.rebococaido.blogspot.com) - eu havia conversado com ele sobre o assunto, na última mesa de bar entre nós, comentando o absurdo de comentários nos meus textos, citando as mentiras da mídia como verdades, derramando ódio contra o MST, ódio plantado pelas elites, através da mídia e seus profissionais altamente qualificados e (mais altamente, ainda,) remunerados. Mentiras, distorções, omissões, classismos, preconceitos... acredita quem quer, quem precisa e quem não tem condições de pensar por si mesmo.



O assunto é velho. Mas me chega, vez por outra, como comprovação do “banditismo” do MST. Na época, procurei me informar, da maneira que costumo, sem interferência da minha vontade em qualquer resultado. Desde que tive contato com acampamentos, assentamentos e pessoas desse movimento, nos encontros e manifestações, simpatizo de verdade com a rapaziada do MST. Com relação à direção, não posso negar minha antipatia por figuras messiânicas que ostentam a posse de “verdades”, ou com posturas omissas, até coniventes, com políticas públicas nocivas à população em geral, com base em razões “estratégicas” impossíveis de compreender, diante do cenário de barbárie social que nos envolve. Mas as minhas restrições ao comportamento das “direções” de movimentos organizados é de ordem muito diferente das posições da mídia, que refletem o conservadorismo raivoso dos beneficiários da miséria e da ignorância, produzidas pela estrutura da sociedade.

Bem, voltando ao assunto, soube que as terras em questão, desde 1910, foram declaradas terras devolutas (não me lembro por que razões jurídicas, pesquise quem estiver interessado na verdade dos fatos, não quem quiser sustentar suas conveniências, ideológicas ou materiais – esses, não há fatos, verdades ou revelações que convençam) e postas à disposição da União. O departamento jurídico do MST, na década de 90, entrou com uma ação reivindicando a área devoluta para efeito de reforma agrária, o assentamento de famílias sem terra, para a produção de alimentos e subsistência dessas famílias. Mas o processo emperrava. Interesses latifundiários da região entravavam o andamento do processo. A rejeição compulsiva dessa classe à proximidade dessa coletividade de pobres, que não reconhecem o seu lugar subalterno e tem o atrevimento de reivindicar direitos constitucionais, se demonstra no ranço e no esforço permanente em rechaçar tudo o que venha daí ou favoreça “essa gentinha”.

No final dos noventa ou começo deste milênio, a Cutrale – empresa pertencente à Coca-Cola - reivindicou a área ao governo. Seus advogados entraram na justiça com essa finalidade. Um acampamento de famílias sem terra havia sido montado, com suas lonas pretas, ao lado das terras em questão, enquanto esperavam a decisão da justiça, até então tida como certa, pra se iniciar um assentamento dessas famílias. Um belo dia, sem aviso ou decisão judicial, apareceu um grupo de homens fazendo uma cerca em torno das terras. Um grupo armado e hostil a qualquer aproximação das pessoas que procuravam saber a razão daquilo, quem autorizara o cercamento. Sob ameaças, cercaram tudo e montaram a “segurança”, pra garantir a manutenção. As famílias, respeitando a lei, se sentiram ameaçadas em seus sonhos de viver e produzir ali.

O jurídico do movimento foi à justiça denunciar, mas nada foi feito para corrigir a situação. Tentava-se criar o “fato consumado”- elemento de peso em decisões judiciais – e, pra isso, foram plantados pés de laranja, produto que a Cutrale concentra para envio à sua empresa-mãe para a fabricação de refrigerantes. As pessoas acampadas foram obrigadas a ver os laranjais crescendo na sonhada terra, enquanto esperavam por uma decisão da “justiça”, que não viria.

Dois anos se passaram, as laranjeiras cresciam, sob o olhar preocupado dos acampados. Em assembléia, diante da possibilidade crescente de perder sua justa reivindicação, os sem terra decidiram ocupar o terreno, de acordo com o que tinham planejado para fazer o acampamento onde ficariam, até fazerem a divisão das terras por família, derrubando as laranjeiras daquele setor – afinal, argumentavam, nenhuma daquelas laranjas seria destinada à mesa dos brasileiros, a não ser depois de industrializadas como refrigerantes da marca estrangeira.

O que eles não sabiam era que a Cutrale esperava essa ação, articulada com mídia, armada de câmeras, para expor à execração televisiva como a “destruição de alimentos pelos bandidos do MST”, acrescentando tratores desmontados, por acréscimo à “ação criminosa” do movimento – curiosamente (ou sintomaticamente), nenhuma das câmeras captou imagens da desmontagem desses tratores. Integrantes do MST, que alegaram não possuir ferramentas próprias para esse trabalho, foram solenemente ignorados. A cobertura da mídia se impôs, embora a justiça, afinal, tenha dado ganho de causa ao MST. Pra isso, devem ter sido apresentadas provas contundentes, ou o juiz não teria coragem pra tanto, contra a elite dominante, local, nacional e internacional. O poder econômico não reconhece fronteiras, a não ser entre as pessoas menos ricas. E a mídia não disse nada a respeito.

Há dois tipos – pelo menos – de pessoas que podem contestar esses fatos. Os ingênuos, que acreditam que podem estar informados pelos jornais da mídia privada, que formam a massa jornalística brasileira e mundial, e os elitistas de má-fé, que põem acima da verdade os seus interesses e o ódio classista por qualquer movimento que defenda ou conscientize a população, por qualquer pobre que não traga em seu olhar, e comportamento, as características da subalternidade social imposta pela estratégia publicitária – numa sociedade de consumo, vale mais quem consome mais. Os ingênuos servem, inconscientes, como massa de manobra, aos interesses dos concentradores de rendas, riquezas e poder, na perpetuação do estado de barbárie em que se encontram enormes parcelas da população. Os elitistas dispensam apresentação, a não ser um sub-grupo interno, aqueles que acreditam na mídia por necessidade de acalmar a própria consciência, interferem com sua própria vontade em suas análises da realidade e chegam sempre às conclusões que lhes convêm. Se são sinceros, é assunto pra ser tratado por psicólogos, mas dos bons.


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No link abaixo, o último discurso de João Goulart, no comício da Central do Brasil, que serviu de estopim ao golpe de Estado preparado e almejado pelas elites, para combater a ascensão do povo ao papel de influenciador nas políticas públicas – o movimento golpista desenvolvido na época de Vargas, por conta do seu entrave às empresas estrangeiras e desenvolvimento de indústrias nacionais, por coronéis (vide o manifesto dos coronéis), e debelado pela morte do presidente, foi finalmente executado por generais, a maioria os mesmos coronéis, agora promovidos, dez anos depois.

O que Goulart fez e, sobretudo, o que ele disse que faria na seqüência, determinaram a data da sua queda – que aconteceria de qualquer maneira, não por ele, mas pela necessidade da classe dominante de conter a efervescência popular, a força dos sindicatos e associações, a crescente participação e consciência de parcelas da população antes mantidas sob controle, na ignorância e na alienação do seu destino. A ocasião pedia a quebra da legalidade para desmontar, violenta e ilegalmente, todas as organizações populares ou de reivindicação por justiça social e melhorias reais, em distribuição de rendas e riquezas, de direitos e oportunidades.
Observar o papel da mídia, na ocasião, destruiria qualquer ilusão de honestidade que se possa imaginar que esses veículos possuam, em compromisso com a verdade. O comportamento da mídia privada foi, e é, criminoso.


http://blogdomello.blogspot.com/2011/04/por-que-houve-o-golpe-o-que-defendia-o.html

5 comentários:

  1. Missão divulgar
    Vou passar o link por aí

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  2. Vou colaborar na divulgação, com muito prazer.
    Ci.

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  3. ouça esse discurso.......

    http://altamiroborges.blogspot.com/2011/04/o-discurso-de-jango-e-o-golpe-de-1964.html

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  4. Lembro tão bem desse episódio do tratores destruindo os pés de laranja em pleno jornal nacional...e todo mundo que estava comigo, abraçou cegamente a versão global. Condenação imediata a todo e qualquer membro do MST e apoio irrestrito ao produtor em questão.

    E eu só pude ficar de cara, cheia de revolta. Para mim, que na época sabia ainda menos do que sei hoje, estava tão claro que os bons moços cultivadores de laranja, eram sem dúvida a banda podre da história.

    Os anos passaram, mas a história não muda. Presidentes que usam vermelho, bonezinho do movimento, mas continuam a perpetuar privilégios e facilidades de latifundiários de todos os níveis de perversidade.

    E que venha Belo Monte, bilionária, que dizimará fauna, flora, índios e populações inteiras só para dar uma forcinha aos mineradores.

    E que alterem o código florestal para magnata fazendeiro derrubar árvore, assassinar irmãs Dorothys, só para criar mais gado e vender carne para gringo...
    enquanto isso 70% da comida que chega aos pratos dos brasileiros é produzida pela agricultura familiar. O que significa que para alimentar nossas bocas nacionais, não precisamos nem um pouco desses coronéis marginais...

    E infelizmente não será o Jornal Nacional que vai divulgar essas informações.

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