terça-feira, 9 de abril de 2013

Trabalho escravo na vida de cada um

Esse texto me chegou hoje. O que diz é necessário e claro, sobre a inconsciência conivente da grande maioria das pessoas, hipnotizadas pelo massacre midiático, pelas imposições dos "mercados" de trabalho e de consumo - na verdade fachadas criadas por mega empresários e seus publicitários e marqueteiros, pelo estilo de vida criado, alimentado e usufruído por eles mesmos, infiltrados nos poderes públicos, imunes a reais mudanças na estrutura social. É um "sacode" pra muita gente que se pensa relativamente consciente. Canso de ver ativistas usando roupas de marca - assim o trabalho não é completo. Não se pode mudar o mundo sem mudar a si mesmo, sem tomar nas mãos os próprios valores, os próprios objetivos, sem olhar a sociedade em volta com os próprios olhos, sentindo a realidade com o próprio coração. Parece simples, mas é mais difícil do que parece. O texto tá repleto de referências, sugiro examinar todas elas.

Estima-se em oito mil as oficinas de costura em São Paulo, com 100 mil escravizados, a esmagadora maioria latinoamericanos, a serviço das marcas que se usa por aí. Veja um caso em http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/boliviana-que-falou-163058884.html

Foi enviado pra mim por José Rosa, amigo da Bahia. Valeu, Zé.

Abraços a todos.

Quantos escravos trabalham pra você?
01.04.2013

Anna Haddad

E se eu dissesse que um menino doce e inteligente de 12 anos, recém chegado da Bolívia, mora em uma casa de apenas 90m² no centro de São Paulo com mais 27 pessoas, entre parentes e desconhecidos? Que essa casa velha e úmida mal comporta todas as beliches cobertas com roupas de cama maltrapilhas, porque tem que ceder espaço para colunas babilônicas de tecidos e máquinas de costura?
E se eu dissesse que esses 28 trabalham cerca de 13 horas quase ininterruptas por dia, no mesmo lugar em que moram e comem e vão ao banheiro e dormem e acordam e começam tudo outra vez, por R$350,00 mensais?
E se eu dissesse ainda que todos os 28, por não terem como pagar pela casa velha e pela comida úmida, contraem dívidas absurdas e infindáveis com o indivíduo que os contratou, e, por isso, tem seus passaportes e pertences apreendidos até que o pagamento venha?
E se eu dissesse que quem financia isso tudo é você?

Link Youtube | De onde vem esse seu macacão estiloso, brother?
Em pleno século 21, enquanto alguns falam de Google Glass e discutem as questões éticas daclonagem terapêutica, os 28 costuram sem parar em instalações insalubres por 4 reais a peça.
Essa mesma jaqueta que você comprou por 150 reais ontem na liquidação de verão e correu para chegar em casa, vestir e mostrar para o namorado. Essa jaqueta que você estava procurando, deu a sorte de encontrar e que te caiu como uma luva.
Em pleno século 21, aqui, no Brasil, o trabalho escravo não está só na manufatura têxtil. Esse é só o exemplo mais próximo de mim. O trabalho escravo está em todo o país, muito provavelmente na sua cidade, no seu bairro. Nos diversos fornecedores da indústria têxtil, na pecuária, na agricultura, na indústria madeireira, na construção civil, nas carvoarias.
Mas, calma. Você não tem nada a ver com isso.
Porque você não sabe, certo? Você não sabia de nada disso. Ou ainda que soubesse, entende que não há o que possa fazer. Claro. Porque você não é o dono da GAP, Cori, da Luigi Bertolli, Emme, Collins, Gregory (…) E não é você quem contrata essas pessoas e as submete a essas condições de trabalho horríveis. E se não for lá, onde é que você vai comprar as suas roupas, não é mesmo?
E de que adianta você parar de comprar essas pechinchas incríveis que encontra nas ruas do centro, nas Lojas Marisa, Pernambucanas, C&A, se todo mundo continua comprando? Que diferença vai fazer, não é? Além do mais, aquela bota tinha um ótimo preço, e não te interessa, na verdade, de onde é que ela veio e o que é que foi preciso ser feito para que ela estivesse aí, bonita e confortável no seu pé, certo?
Alguém foi mal pago para a sua camiseta custar quinze reais na 25 de Março
O bom é que agora você sabe. Vai dormir e acordar sabendo. Vai ter de admitir que sabe, e encarar cada escolha. Sabendo. Que quatro ônibus com 235 trabalhadores em situação análoga a de escravos foram apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal do Piauí. Que imigrantes de 12 anos de idade trabalham 16 horas por dia para fazer a sua camiseta descolada de gola V da Zara. Que é você quem financia cada uma das 28 máquinas de costura.
Não precisa ser um fashionista pródigo. Muito pelo contrário. Você, que não se importa muito com o que veste, e só quando precisa recorre a alguma loja de departamento para comprar uma polo descolada a um bom preço. Você, sempre antenado nas últimas tendências ditadas pelo mundo da moda. E você, que vira e mexe vai até o centro de São Paulo atrás daquelas pechinchas no atacado. Que pega carona com a mãe até a Pernambucanas que é para ver se sai de lá com uma bermuda ou 2 camisetas básicas. Não é fácil lavar as mãos.
Se você não sabe de onde é quem vem, muito provavelmente, financia o trabalho escravo.
São dois os fatores escancarados e objetivos que mantém o trabalho escravo no país. O motor econômico (que alimenta empregadores inescrupulosos e faz com que você vá até o centro da cidade, compre aquela camiseta bacana por vintão e saia se achando esperto), e a impunidade de crimes contra os direitos humanos.
Mas há um terceiro, que penso ser o mais importante guarda-chuva dos maiores problemas da humanidade. A desconexão.
Pessoas submetem pessoas à condições de escravidão porque, como você e eu, acham que não tem nada a ver com isso.

Link Vídeo | Daniel Goleman fala da sua desconexão
Sobre esse processo de “desligamento empático”, não tem como não transcrever um trecho da fala do Daniel Goleman no TED Lateral Thinking, em 2007:
“Os objetos que compramos e usamos têm consequências ocultas. Somos todos vítimas passivas do nosso ponto cego coletivo. Nós não notamos. E não notamos que não notamos. Somos indiferentes às consequências ecológicas, de saúde pública, sociais e econômicas das coisas que compramos e usamos. De certa forma, a própria sala é o elefante branco na sala, e nós não vemos. E nos tornamos vítimas de um sistema que nos aponta para o outro lado.”
O assunto daria milhares de outros textos.
Hoje, eu só vim aqui para te fazer notar que você não nota.
Que existe trabalho escravo. Aos montes. Agora. Não há 150 anos atrás, em período escravocrata.Aqui, no Brasil, não em Zimbábue. Em Goiás, Minas, Santa Catarina. No Brás, em São Paulo – não só naquela fazenda escondida no sul do Pará.
Hoje, eu vim aqui para dizer que você tem tudo a ver com isso.
E aí? Quantos escravos trabalham para você?

Anna Haddad é advogada faz-tudo. Inventa, planeja, provoca e escreve. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de crowdlearning Cinese. Acredita em Deus, no Mário Quintana, no poder de articulação das pessoas e em uma educação livre e desestruturada. Tá por aí, mais nas ruas do que nas redes.

14 comentários:

  1. Na grande maioria dos jovens, se dermos 5.000 reais para eles gastarem como quiserem, provavelmente irão comprar bonés, camisas, calças, bebidas, óculos, etc.
    Fiz essa experiência ao conversar com alguns indivíduos que estavam saindo da fundação casa, outros de uma escola aqui perto de casa, e as mesmas repostas obtidas. Os que percebiam minhas intenções diziam que iriam dar para seus pais, ou pagar dívidas (enquanto ajustavam seu Oakley).
    A criação do consumista começa desde cedo, e o principal mecanismo, é padronizar novos Egoístas-Consumistas (o pior do que gastar desnecessariamente, é interferir indiretamente na vida dos outros)

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    1. Trata-se de garimpar esse enorme cascalho. Tá cheio de exceções às regras por aí, de todos os tipos. É preciso encontrar as pepitas, as pedras preciosas no garimpo humano, aprender, trocar, trabalhar com elas. A preciosidade humana tem a propriedade de contaminar, uma luz acesa, de vez em quando, acende outras luzes. Se a gente fica só olhando pro cascalho, o gado, aboiado pra lá e pra cá, narcotizado e angustiado, dá tristeza, a gente senta e desanima. Cabe mover o que se pode, os subterrâneos de si próprio, o resto vem por conseqüência. Desanimar deve ser um dos piores sentimentos que existem pra gente viver.

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  2. Esta postagem me fez repensar muitas coisas...embora eu ainda seja um rato na gaiola, quero, desejo mudar!!

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  3. Mudar por dentro faz as grades enfraquecerem. As atitudes, em geral, mudam junto, quase sem querer, como conseqüência das mudanças internas. O mundo muda de cores, formas, sabores e cheiros e as exceções às regras convencionais começam a aparecer. É só o início do processo de despertamento, que não tem fim, mas dá sentido à vida.

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  4. Sensacional suas idéias, voce é uma grande consciencia no mundo, eu sou professor da rede e o que a gente vê é de uma tristeza só, a pura reprodução do sistema está impregnado na mulecada, o problema é essa toda tecnologia, este movimento tecnológico, está criando uma nova safra de futuros jovens sem capacidade de interpretação, senso critico e pior capacidade de racionalização, uam geração da hiper velocidade e tudo tem que funcionar nessa velocidade, o problema é que o aprender é algo que necessita de tempo e esforço, e o pior é que voce dentro desse sistema que os donos do imperio do conhecimento, grandes corporações do saber, empurram o sistema educacional para o maior nivel de sucateamento, e a gente tendo que lidar com varias crianças vitimadas por um sistema cruel onde até o amor dos pais e a propria criação destas crianças tem sido trocada por presentes, tem os tornado vazios, necessitados de atenção, onde etá surgindo um novo nivel de ser humano, o ser humano descartavel, não mais no fisico mas no campo das ideias, e os professores tendo que suprir isso, em um local que parece um hospicio com 30 seres perdidos que não mais compreendem a necessidade da paciencia, e caio no problema que voce falou em algum dos videos de gostar de fazer o que gosta, gosto de dar aula, gosto de geografia, mas o sistema tem dificultado, nos faz querer desistir, mas o problema é a importancia ainda que a gente tem com o conhecimento e formação que possuimos, mas seu blog e seus pensamentos, tem dado umas ideias pra mim de como trabalhar, novamente grato, um grande trabalho voce tem feito, e uma grande experiencia de vida voce teve, um belo exemplo de como se pensar nossa passagem por esse mundo, até fiz uma postagem sobre voce la no meu blog tambem, novamente parabens.

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  5. http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/boliviana-que-falou-163058884.html
    falando em garimpo, reportagem no yahoo sobre a complexa situação dos bolivianos em sp, devem ter furado a "edição".

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  6. "Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos os outros."
    (Jean-Paul Sartre)

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  7. Mas também é impossível nos termos controle sobre tudo que se fábrica no mundo todo! Como vamos saber se quando compramos uma simples caneta ou peça de roupa é advindo do fruto de trabalho escravo? A justiça quando sabe de casos como esses aplicam uma irrisória multa para as grandes empresas,e a mídia que deveria ser o principal divulgador não fazem nada, tudo por causa de dinheiro!
    Tem um filme THE CORPORATION(2003) que fala sobre isso,relata o poder das grandes empresas!

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  8. E não acho que a questão seja fiscalizar, pois as multas sempre são insignificantes em relação aos valores que essas empresas conseguem levantar. Os ativos da empresa não sofrem alteração e, para as empresas, é questão de tempo arrumar novos escravos.
    Devemos assumir que a nossa estrutura social faz com que as pessoas se humilhem para ganhar um salário que não dá condições dignas de vida. Muitos escravos são conscientes da sua escravidão, talvez a maioria seja consciente.
    Olhando pelo lado bom, acho que o trabalho escravo é o último suspiro desse sistema desumano. O trabalho escravo é um tiro no pé dessas grandes empresas, pois ele desmente todas as propagandas que eles colocam na nossa casa, nas nossas ruas e nas nossas cidades.
    Eu não conheço a procedência das roupas que compro. Gostaria muito que as pessoas daqui, junto comigo, tentassem, por uns quinze dias, conhecer a procedência de cada roupa que está adquirindo, e compartilhassem a difícil experiência.

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    1. suspeito que essa questão da "escravidão" é como a do "capitalismo", não há como escapar... seja o cara que produz algodão, seja no transporte das matérias primas, seja na fabricação dos maquinários ou na fabricação das roupas como produto final. Escravos somos todos, enquanto também mantemos as escravidões. Dá pra evitar a marca tal e tal, dá pra parar de comprar desnecessariamente... mas dai você usa papel higiênico e creme dental, e lá na ponta alguém está sendo escravizado. Ter consciência disso, já deve ajudar na hora de adquirir produtos e bens de consumo em geral. Reduz bastante o volume de lixo no mundo também... :/

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    2. Complicado, é o princípio básico do capitalismo, lucro. Para que se tenha lucro alguém vai ter que ser explorado, se todos na cadeia de produção ganharem um valos justo e digno, no fim não vai ter consumidor, porque o valor do produto vai ser alto. Podemos sim, fiscalizar mais nossos consumos, mas nunca vamos deixar de ser consumidores, e em algum momento vamos estar ajudando, mesmo que indiretamente, a escravizar alguém, é como o Eduardo fala, muitos sofrem para garantir o privilégio de poucos. Pra mudar, só se mudarmos nosso modo econômico,sem um lucro individual, mas um lucro coletivo, o que seria o ideal, mas é muito difícil de se por em pratica, mas é possível, sonho com esse dia.

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  9. Texto interessante!

    Mas eu fiquei perdido.
    Sei que existe o "trabalho escravo" mas não sei como combatê-lo.
    Quais lojas que não tem essa prática? O que posso fazer?

    Ela criticou mas não propôs solução.
    =(

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    1. "consumir apenas o necessário", diz um autidor em Cuba. "Se cada um tomasse do mundo pra si o que lhe fosse realmente necessário, não haveria fome, miséria, analfabetismo e abandono", dizia Gandhi, que também disse "sejamos a mudança que desejamos no mundo". Apenas a mudança de valores e comportamentos já é suficiente pra dar gosto, cheiro, substância e sentido à vida. O resto vem na seqüência, a vida apresenta.

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    2. *autidor - outdoor, grande cartaz publicitário. Em Cuba, é proibida a propaganda comercial. Não há indução ao consumo desnecessário.

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