domingo, 21 de maio de 2023

Agradar o pobre desagrada o rico, diz Paulo Guedes

Por esses dias foi divulgado um contato entre o ex-presidente e seu ministro da economia, banqueiro e financista, depois do presidente atual conseguir baixar preços que ele não havia conseguido pouco antes da tentativa de reeleição. Reclamou de ter pedido pra baixar o preço do gás de cozinha, numa jogada eleitoral atrás de votos, e ter recebido como resposta “não dá pra agradar o pobre, porque isso desagrada o rico e o rico é quem manda”. Em seguida, irritado pela interpelação do seu ex-chefe – pelo menos em teoria –, completou com “desapega” e bloqueou o ex-presidente.

Essa resposta é uma declaração esclarecedora, pra quem ainda não se deu conta. “Agradar”, no caso, é colocar o Estado a serviço dos que têm seus direitos constitucionais roubados cotidianamente, como alimentação saudável, moradia decente, educação de qualidade, entre muitos outros. Dizendo o mesmo, de outra maneira, fazer a sociedade cumprir a sua constituição, uma obrigação simples e óbvia. Isso “desagrada”, ou sendo mais exato, apavora e enfurece “o rico” – que explora o pobre, saqueia as riquezas do país e acumula terras sem conta, a maior parte improdutiva na intenção da especulação imobiliária, enquanto a parte produtiva resulta em “comodities”, matéria prima para exportação (embora se anunciem produtoras de alimentos pra matar a fome da população, uma grande mentira. Setenta por cento dos alimentos são produzidos por agricultores familiares em pequenas propriedades). Pra esses poucos, manter os pobres humilhados, inferiorizados, sem consciência da realidade, da sua importância e necessidade na produção de tudo o que a sociedade necessita, ignorantes e desinformados, entre a repressão do aparato de segurança e a chantagem da miséria explícita.

A partir dessa compreensão pode-se olhar a história recente do país e entender porquê governos que investiram na população, ainda que insuficientemente, foram odiados, difamados, perseguidos e derrubados – com apoio ou com direção estadunidense, além dos países colonizadores da Europa. No governo de Getúlio Vargas, criaram-se leis que tornavam o ensino obrigatório para todos, que regulavam as remessas de lucros das empresas estrangeiras que saqueavam o território, leis trabalhistas para conter a exploração exagerada de trabalhadores, investiu-se na criação de empresas estatais como Petrobrás, Usiminas, Eletrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Fábrica Nacional de Motores, enfim, no desenvolvimento econômico em busca de autonomia e soberania nacional. A mídia empresarial, na época tendo à frente os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com jornais impressos e rádios por todo o território, difamava o governo e o presidente, acusava o “mar de lama” da corrupção, afirmava não haver petróleo no Brasil e que tudo era para roubar o dinheiro público. Congresso e judiciário faziam parte da orquestração, em busca de motivos – ou pretextos – pra escândalos ampliados por jornalistas de consciência vendida. A pressão foi tamanha que, na iminência do golpe e num gesto político, Getúlio deu um tiro no peito e se matou.

É de se observar que os conservadores e serviçais de interesses estrangeiros se encolheram diante da fúria popular que se manifestou em toda parte. Jornais foram atacados e “empastelados”, como se dizia na época, jornalistas foram espancados ou fugiram a se esconderem, carros de entrega dessas publicações foram virados, incendiados, máquinas de impressão foram destruídas. O único jornal poupado foi o “Última Hora”, de Samuel Wainer, apoiador de Getúlio, que era amado pelo povo e conhecido como o “pai dos pobres” – e por isso mesmo odiado pelos ricos. Quando o povo se levanta, as elites colonizadas se encolhem com medo.

Outro governo que despertou esse ódio interesseiro foi o de João Goulart, o ex-ministro de Getúlio que deu um aumento histórico de 100% no salário mínimo e implementou medidas para garantir os direitos dos trabalhadores, sendo por isso atacado violentamente de todos os lados e retirado por Getúlio por razões políticas, embora as medidas tenham sido mantidas. O governo de João Goulart investiu na educação, implementou o Plano Nacional de Alfabetização, com o objetivo de erradicar o analfabetismo do território nacional, regulou mais ainda as empresas estrangeiras, sobretudo estadunidenses (que eram a maioria), criou programas de qualificação de professores e, supremo “atrevimento”, decretou a reforma agrária. A mídia empresarial, histérica, berrava contra a “ameaça comunista” e clamava pela derrubada de Jango, como era conhecido.

Na verdade, Goulart era latifundiário de São Borja, RS, como Getúlio, e jamais seria comunista, embora levantasse às quatro da manhã pra ir junto com os seus empregados pros serviços da fazenda, dividindo com eles o chimarrão em franca camaradagem. Ele simplesmente achava que os mais pobres tinham direito a uma vida digna, nada de “comunismo”, apenas humanismo, sensibilidade e solidariedade com a parte mais sacrificada de toda a sociedade, que sofria com a mentalidade ainda escravista das elites descendentes e admiradoras dos antigos “senhores de escravos” dos tempos do império e da colônia.

A frase do banqueiro ex-ministro da economia Paulo Guedes revela a mentalidade das elites dominantes, perversa, anti-social, que permite entender porquê somos obrigados a conviver com pessoas atiradas como lixo pelas ruas, entocadas nas periferias em situações escabrosas de miséria e indigência, gerando mão-de-obra farta, barata e sem direitos, alimentando a criminalidade que cadeias não resolverão, ao contrário, especializam e aumentam a violência e alimentam as organizações criminosas criadas por elementos da própria elite – tudo o que dá lucro, desperta a cobiça.  Condições materiais pra acabar com a desumanidade social há de sobra e há muito tempo. A produção de alimentos e de insumos é mais que capaz de atender a todas as necessidades de todas as pessoas. O que acontece é que não é suficiente pra atender a ambição de alguns poucos – que impõem a ignorância com a sabotagem da educação pública e, com o controle das comunicações, mantêm a desinformação, pra que o povo não tome consciência do que acontece. Da mesma forma, precisam de focos de miséria pra obrigar os trabalhadores a aceitarem qualquer condição de trabalho, abrindo mão dos seus direitos e aceitando qualquer merreca pra não cair nas condições expostas de abandono.

É tempo de revelação, é preciso ler os sinais e perceber os condicionamentos que nos aprisionam a esse modo de vida angustiante, competitivo, vazio de verdadeiro significado, frustrante. É preciso desenvolver a solidariedade e a mentalidade cooperativa, entendendo as induções que nos afastam uns dos outros, que criam competitividade e impedem a união fraterna que poria abaixo toda esta estrutura injusta, covarde e perversa.

Acordamos, pouco a pouco demais pra minha cabeça, mas acordamos, principalmente através das novas gerações – que os dominantes, com seus profissionais de alta capacidade e de consciências compradas (jornalistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etc.) tentam cooptar sistematicamente. Mas as exceções se multiplicam e a realidade vai se esclarecendo – o tempo não pára.

4 comentários:

  1. Eduardo Marinho, vejo seus vídeos a tantos anos que te considero um amigo.
    Gostaria muito de um dia conversar com você um dia todo !! Sem nenhum tipo de pretensão ou interesse !! Apenas trocar ideias e observar e absorver um pouco dos nossos mundos que são estranhamente diferentes e iguais ao mesmo tempo.
    Grande abraço

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  2. A elite, pondo em numerais 1%, os quais amam números, teriam consciência de empatia? Ou a pulsão tradicionalista/ famigerada acomete-os e gera os inúmeros abusos comandado por menos de 10 famílias mundiais?

    Obrigado.

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  3. Gratidão, Eduardo Marinho! Ouvir você é mais que observar, é absorver e aprender. Tomara possamos ser menos teóricos, então colocarmos em prática o que você nos ensina!

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observar e absorver

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