sexta-feira, 8 de junho de 2012

A mídia, a Síria e uma outra visão.




Recebido em 13 de junho, denúncia de interferência de guerra na Síria, via midiática, devido ao veto da Rússia e China aos ataques da OTAN:
http://resistir.info/moriente/siria_golpe_iminente.html






Estamos diante de mais uma campanha preparatória para a guerra, com a mídia preparando a opinião pública, em todo o mundo, para a - já anunciada aos quatro ventos - invasão da Síria. Vizinha e aliada do Irã, o mais forte opositor da política internacional ditada por banqueiros e corporações euro-estadunidenses aos seus governos fantoches.


A mídia acusa o governo sírio por ataques e massacres que não param de acontecer, revoltando a opinião pública e preparando o apoio às intenções dos seus patrões e financiadores. Repetem o que fizeram com a Líbia, e dirão que a destruição do país e de toda a sua infra-estrutura foi necessária, foi por uma causa nobre, uma guerra humanitária. Dá pra uma gargalhada sinistra, essa expressão absurda, enquanto passam na mente as imagens de casas explodindo, famílias mutiladas, morte e sofrimento de muitos milhares, por decisão de poucos que nem ali estão, mas têm ali seus interesses nos recursos, nas riquezas e/ou na localização geo-estratégica. 

A Líbia ostentava um Índice de Desenvolvimento Humano maior que o Brasil e o maior da África. Em todos os sentidos. Mas o Kadhafi era uma pedra no sapato desde 79, travava a entrada das mega petroleiras do "Primeiro Mundo" e aplicava o dinheiro, pelo menos grande parte, no próprio país. Encarou bombardeios da OTAN e resistiu, com enorme apoio da população. Os senhores das guerras de saque perceberam que entrar por terra seria a maior roubada, o povo líbio resistiria como um bloco. O líder virou um herói, não só na Líbia, mas em muitos movimentos de resistência ao redor do mundo. Só depois que viu o exército branco barbarizando no Iraque e as empresas ocupando todos os poços de petróleo, Annuar Kadafi deu entrada às mega-petroleiras ocidentais, ainda sob seu controle, com lucros e obrigações definidos em lei. As empresas rosnavam, mas sabiam não haver condições de simplesmente derrubar o cara. Quando ele surpreendeu o mundo apresentando a proposta de criar uma moeda panafricana e quase conseguindo - a diplomacia ocidental teve que rebolar, e rápido. Ameaças, chantagens e barganhas convenceram os governantes que apoiavam a idéia do coronel a voltar atrás, mas os banqueiros não esqueceram a afronta. No ano seguinte explodiram a primavera árabe, Tunísia, Yêmen, Egito - contra o ditador Mubarak  que havia 34 anos tomara o poder (não se falava de ditadura no Egito, a mídia não denuncia ditaduras "amigas"), em nome dos aliados eurostadunidenses que sustentavam seu exército. Aliás, continuam sustentando enquanto Mubarak passa mal na cadeia, tranqüilos com os generais aliados que ocupam o mando no país. Bom, voltando ao assunto, com o pipocar de rebeliões nos países os banqueiros internacionais, aliados às petroleiras, às construtoras e à industria armamentista, entre outras, moveram suas marionetes políticas e focaram suas máquinas midiáticas na criação do clima de guerra necessário aos seus planos. Investiram em armas e treinamento de grupos dissidentes e criaram conflitos internos, causando vítimas para culpar o governo. Suas televisões, seus jornais, rádios e revistas distorceram a realidade. E o país foi inteiramente destruído, sem um plano de reconstrução além dos poços de petróleo que ocupam uma parte do território da Líbia. Grupos de saqueadores, grupos armados, tribos se enfrentam em qualquer parte, grande parte da população apoiava Kadafi, agora a perseguição, o extermínio, a vingança come solta e a mídia não fala nada. 

Aliás, fala sim, prepara outro cenário de guerra, desta vez contra a Síria. E é a mídia em peso e a mais pesada. A todo momento os jornais falam nos "massacres do governo sírio contra seu povo", da mesma forma que falavam de Kadafi. As pessoas falam na rua como o governo sírio deve cair, o trabalho de convencimento é de cair o queixo, funciona geral. Mas comigo não, violão. 

Eu sou escaldado demais com essa mídia privada, repetidamente mentirosa, flagrada tantas vezes em mentiras criminosas. Não precisa ir longe pra conseguir a extensa relação, fora as mentiras cotidianas em jornais, "informativos", entretenimentos, publicidades e sub-liminares em novelas e programas. É de dar nojo tanta desumanidade em defesa do sofrimento e da miséria para enorme parte da sociedade e do luxo, da opulência e do desperdício das celebridades e dos seus patrões, pouquíssima gente servida pela (e dependente da) maioria. Aí, no México http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/06/televisa-manipula-eleicoes-no-mexico.html,   na Argentina - http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/06/direita-bate-panelas-na-argentina.html  e no Brasil - http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/06/inflacao-despenca-cade-os-urubologos.html, só pra três exemplos recentes, pra degustar depois do almoço. Mas a batata deles tá assando, cada vez se desmoralizam mais, cada vez mais e mais gente se toca, é o processo de despertamento, na parte do desgaste da mídia vigente.


Não canso de me espantar com gente relativamente instruída acreditar que está informada por assistir os jornais da mídia comercial. Chegará o tempo em que só os de mau caráter sustentarão o que diz a mídia comercial, hoje grande e forte, mas que mostra o caminho que trilha, rumo ao descrédito. Não dá pra servir ao lucro e à verdade. São óleo e água.

A Síria é mais um genocídio planejado pela ambição do predomínio. E nós, de boiada, assistindo e aprovando, estupidificados pelo sistema. 

Esse texto me foi passado pelo blog Somos Todos Palestinos, escrito por um jornalista independente russo, Marat Musin, e traduzido para o português de Portugal, pelo que me parece. É só clicar aí em "mais informações".

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Invasão Policial À Moradia de Estudantes da Unila


A UNILA é uma universidade para a integração dos povos latinoamericanos. A união entre os povos explorados da América Latina não interessa aos poderes dominantes, acostumados a explorar, roubar o patrimônio público, a produzir a miséria e a ignorância, sabotando o investimento dos Estados na educação pública e dominando as comunicações, produzindo alienação, consumismo, desinformação, narcotizando as consciências.

O ataque das forças de segurança pública revolta, mas não surpreende. Por trás desse ataque, há o pensamento condicionado de criminalização de tudo o que defende, reivindica ou conscientiza as populações. A ideologia deformada das ditaduras e das elites é representada e posta em prática pelas polícias e forças armadas, a mando último dos poderes econômicos concentrados em mãos de poucos, sempre atacando com fúria os mais pobres, sob qualquer pretexto - ou sem nenhum. Há o pavor do despertamento na consciência coletiva, processo em curso atualmente e cada vez mais acelerado, apesar dos esforços da mídia e das ações da chamada "segurança pública", que ainda não fez por merecer o próprio nome.

Todo o apoio à UNILA e aos seus pioneiros alunos, parte de uma proposta linda e lúcida onde somos todos irmãos e podemos nos unir contra o saque e o predomínio constante da minoria mais rica, que controla as intituições e os Estados, com seus grandes bancos e empresas multinacionais. Os problemas dos países da América Latina são os mesmos ou muito parecidos. Vêm todos da mesma fonte, a mentalidade colonizadora da elite mundial e a mentalidade colonizada das elites locais. Estas últimas, como os cães em matilha, mostram os dentes pra dentro e abanam o rabo pra fora, pros seus patrões internacionais, a quem entregam as riquezas, os recursos e o próprio povo dos seus países.

Trocar as experiências vividas, compartilhar as soluções e apoiarmo-nos entre todos é fundamental para a mudança estrutural que precisamos para chegarmos a uma forma de sociedade mais humana e solidária, onde não se admita o abandono de pessoas, onde não se aceite a pobreza e a miséria como inevitáveis nem o privilégio como superioridade.


"A América Latina não se encontra dividida por ser subdesenvolvida mas, sim, permanece subdesenvolvida porque está dividida."
                                                                                                            Jorge Abelardo Ramos


http://quebradadoguevara.blogspot.com.br/

terça-feira, 5 de junho de 2012

Não quero ser "feliz"



       

         A voz se fazia ouvir no avião pra Juazeiro do Norte. Repetia, quero ser feliz, tenho o direito de ser feliz, insistia na afirmação idiota. Fui ficando impaciente, deu vontade de interferir, perguntar que felicidade era aquela. Prudentemente, puxei meu caderno e minha caneta e passei a refletir por escrito o que causaria, provavelmente, mal estar, constrangimento e, talvez, alguma grosseria.
         Impõe-se a necessidade de ser feliz. “Todo mundo” corre atrás da felicidade, até leis consagram o direito à felicidade ou a busca permanente dessa condição. Eu olho em volta e pergunto, como assim? Vejo crianças, velhos, homens, mulheres em estado de barbárie, de miséria, comendo lixo, ao desabrigo, abandonados da sociedade. Como posso pensar em ser feliz no meio disso? Esquecer? Não quero e não dá.
         Não pretendo a felicidade do egoísmo, da ignorância, da ingenuidade, da maldade ou da indiferença. Pra mim, felicidade é uma sociedade sem vítimas, sem famintos, sem ignorância, sem desabrigados, sem exploração e com igualdade de direitos e oportunidades. Impossível imaginar a felicidade em sua forma plena. Nem me interessa.
         Satisfação, encontro no trabalho por uma sociedade melhorzinha, inconformado com essa falcatrua generalizada, essa ditadura econômica de poucos que mandam, gerenciada por falsos governantes e travestida com um cenário democracilóide, que se desmancha ao olhar mais atento, ao primeiro golpe de consciência. Luxos de um lado pra poucos, agonia no meio, pobreza e miséria pra grande maioria. E predomínio privado sobre o público.
         Eu tive e teria vergonha de usufruir dos privilégios da riqueza num mundo tão cheio de miséria. Ainda que houvesse um só miserável, abandonado pela sociedade, e toda riqueza seria vergonhosa. Ter orgulho de luxos apenas demonstra pequeneza de espírito. Os anestésicos de consciência, do tipo “sempre foi assim”, “não se pode fazer nada” e outros não funcionam comigo. Não posso olhar pro outro lado e fingir que não tenho nada com isso, porque tenho, sim. Azar meu, dirão alguns. E eu penso que é sorte. Preserva minha humanidade. Os mais superficiais verão nisso a apologia da infelicidade. Vão de um extremo ao outro sem enxergar as infinitas nuances, as inúmeras variações e combinações de sentimentos.
         Há momentos em que a tristeza é necessária, outros em que a alegria é fundamental. Situações que impõem a necessidade da calma, ou que a raiva nos impulsiona ao que precisa ser feito. Momentos de ternura, sentimentos de acolhimento, ou de repulsa, de compreensão ou de intolerância. O medo pode nos fazer cuidadosos, evitando riscos desnecessários, ou pode nos acovardar e nos impedir – ou impelir – ações que vão resultar, muitas vezes, em conflitos de consciência e vergonha.
         São tantos e tantos sentimentos – variando em significados, causas e conseqüências –, infinitas possibilidades de combinações entre eles, que a própria expressão ou a intenção de “ser feliz” toma um aspecto pobre, superficial e primário. Uma pretensão infantil e egoísta, cega à realidade de sermos todos o mesmo grupo, todos a mesma imensa família humana e responsáveis uns pelos outros, assumindo isso ou não, consciente ou inconscientemente.
         Não sinto atração por felicidade, não pretendo ser feliz enquanto tantos sofrem. Muitos tipos de felicidade nesse mundo torto chegam a depender da infelicidade de outros. A mim basta a satisfação de viver descontente com a estrutura social que me cerca e dedicar meu trabalho – e minha vida – à contra-corrente dos valores vigentes. Ao levantamento de reflexões ligadas à prática cotidiana, que é o que faz a realidade. Ao questionamento dos valores implantados, dos comportamentos induzidos que nos levam ao sofrimento inútil e ao evidente desequilíbrio social, entre o luxo pouco e a miséria geral.
           Acredito que o principal trabalho é interno, precisa começar dentro de cada um. Assim, meu trabalho maior é dentro de mim mesmo, metabolizando, corrigindo, atentando, refletindo, aprendendo. O trabalho externo, os desenhos, as pinturas, pelo menos a maior parte dele, é extravasamento do trabalho interno, é a exposição do que rola dentro, resultado de reflexões, de vivências, de escolha de temas, conforme a mim parece necessário, possível e assimilável. Quando vejo pessoas refletindo com base no meu trabalho, eis aí minha "felicidade", apenas participar do processo e ter esse sentido na vida. Felicidade maior é pra um mundo melhor e, se não o temos, devemos construí-lo. Sempre a partir de nós mesmos, reconhecendo erros, mudando atitudes, observando a si mesmo, desejando melhorar, sempre. Absurda a idéia de que não muda, é muita miopia, não se consegue olhar ao longe. Está tudo em mudança, até os minerais. Com o tempo, emanamos as mudanças que fizemos em nós mesmos. Aí podemos servir ao mundo, com humildade e sendo a mudança, antes de tudo.

sábado, 12 de maio de 2012

Promiscuidade Público-Privada (ou Cachoeira de Evidências)

Fico observando as revelações do caso "Cachoeira", desmoralizando defensores da moralidade, como se fosse possível haver moral nas relações de poder em nossa sociedade - reflexo da "civilização" ocidental -, totalmente dominada pelas grandes empresas e seus insaciáveis interesses. Financiamentos bilionários de campanhas, espaços na mídia, ocultação dos podres, trocas de favores com o dinheiro público, anistias fiscais (ou anulação de multas e dívidas por impostos), relações promíscuas e no escuro das coxias na macabra dança das marionetes políticas, enquanto a população morre nas filas dos hospitais, por erros médicos, falta de condições para o atendimento, extermínio disfarçado de "guerra ao tráfico" (que não existe, pelo simples fato dos verdadeiros donos do tráfico, empresários de grande porte com empresas legais para a lavagem das fortunas que o tráfico gera, serem também financiadores de campanhas e exaltados pela mídia como "cidadãos exemplares", decidindo políticas públicas para serem implantadas por seus financiados e evitando, no legislativo, a descriminalização que mataria a galinha dos ovos de ouro). Matam jovens - pobres, negros na maioria - nessa falsa "guerra", e idosos - para eliminar aposentadorias e pensões - na "saúde" pública, de forma grotesca, hedionda, perversa. É o "trabalho" de controle populacional, feito por um Estado criminoso, refém dos poderes econômico-financeiros desumanos.

Durante a cara militar da nossa permanente ditadura foi possível agir abertamente fora da lei, sem possibilidade de contestação ou interpelação judiciária, desmantelando violentamente, à força das armas, todas as organizações operárias, trabalhistas, camponesas e estudantis, ao mesmo tempo em que se destruía a capacidade de ensino da educação pública produzindo, desde então, gerações e gerações de analfabetos funcionais (aqueles que lêem com tanta dificuldade que não conseguem interpretar um texto, chegando a 70% da população, segundo as últimas pesquisas, em 2010). O selo de ouro dessa estratégia foi a expansão da mídia privada, a televisão à frente, no controle das comunicações. Estava pronto o cenário para encenar a peça "redemocratização", apresentada como um "conquista do povo brasileiro". Mentiras deslavadas, confirmadas pelos opositores ao regime, numa cegueira egocêntrica - freqüentemente eurocêntrica -e burra, talvez bloqueados em sua visão por uma espécie de lealdade aos que caíram, na ilusão da luta armada. Parecem não se dar conta das armadilhas institucionais. Campo minado. É pasteurização ou morte. Como temos visto por aí.

Agora a mídia fará parecer que o caso Demóstenes/Cachoeira/Policarpo/Civita é pontual, que foi descoberta uma falcatrua dentro do sistema "democrático", por instituições "democráticas", e que tudo será "democraticamente" resolvido, com a punição aos culpados (que não conseguirem escapar da grossa malha jurídica). Alguns cães maiores serão sacrificados, em nome da manutenção do sistema. Com um cuidado cirúrgico pra não espirrar, porque senão pega em todo mundo ou quase. 

Isto não é um caso à parte, mas situação permanente. São grupos de grande poder econômico e predomínio na mídia privada - televisão principalmente, mas seguida das outras mídias, como se vê nesse caso o envolvimento da revista de "maior tiragem do mundo", o veículo mais reacionário, mentiroso, deturpador de realidades a favor do punhado mais rico da população, subalterno aos mega-empresários das corporações mundiais. Gigantescos vampiros do sangue público, contabilizam seus lucros e obrigam os "representantes do povo" a pagar as contas com o dinheiro dessa população espezinhada, em detrimento dos seus direitos mais básicos. 

O grupo revelado e em estudo para queda calculada é uma casquinha, uma ponta pequena de enorme iceberg submerso. Deve ruir sem afetar as raízes da corrupção endêmica, inerente ao sistema empresarista que se impôs desde o antigo capitalismo, mudando de nome, de roupa e de cara - agilidade que as esquerdas não têm, imobilizadas em sua rigidez ideológica e obrigadas a pasteurizações para compor suas instituições partidárias e já desmoralizadas na mentalidade popular, incapazes de mudanças substanciais e sem poder de convocação ou mobilização, em sua arrogante pretensão de conduzir as massas. Não posso acreditar em "eleitos" que não denunciam o predomínio do poder econômico sobre o político, que não revelam os nomes das empresas que colocam a coisa pública a seu serviço, cada vez mais descaradamente. Que não reconheça o poder aonde se controlam os fios, muito acima do teatro político encenado em ambientação "democrática". Predomina a conivência, a cooptação, a sintonia do mal.

Dois exemplos recentes demonstram bem a promiscuidade público-privada. A construção da represa de Belo Monte (de mentiras) teve oposição generalizada, dos povos originários, da população local, da prefeitura da cidade mais próxima (Altamira), da Organização dos Estados Americanos, da Comissão Internacional para Direitos Humanos, da ONU, de movimentos sociais os mais diversos. Nada adiantou, o governo brasileiro chegou ao cúmulo de responder à CIDH, da ONU, que "o Brasil" sabia muito bem cuidar de si, disparate vergonhoso. Por quê? Porque as construtoras milionárias interessadas e as indústrias beneficiárias da produção de energia a baixo custo são as mesmas que financiaram as campanhas eleitorais.  O caso do massacre de Pinheirinho, em São José dos Campos, é outra demonstração de a quem serve o poder dito "público". Terreno de empresa falida, que nunca pagou impostos, ocupado havia oito anos por uma população desatendida pelo Estado em seus direitos constitucionais, em bairro construído com esforço próprio, com ruas, postes, saneamento sem participação da prefeitura local, foi atacado violentamente pelas forças de segurança "pública", com cenas de barbárie, espancamentos e mortes, seguidas da estratégia municipal de expulsar as famílias da cidade, de maneira espúria e cruel. Surpresa? Não, são obviedades. Sobre esses dois exemplos há várias postagens neste blog (há infinitos outros exemplos, cotidianos, repetitivos - ontem mesmo foi atacada a ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte, de onde vieram as fotos abaixo), "Documentários sobre Belo Monte", "Pinheirinho - exposição de um sistema social", "Complementando Pinheirinho..." e "Relato de um defensor público de São José dos Camp...". 
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O documentário abaixo não é novidade, foi produzido pela BBC de Londres e exibido em 1993, chegando ao Brasil no ano seguinte. A emissora entrou na justiça e, pelo uso não autorizado da sua marca, conseguiu proibir sua exibição pública em todo território nacional. Achei interessante postar aqui para quem ainda não conhece perceber parte fundamental da estratégia de controle e manipulação de corações e mentes, através da publicidade e das mensagens subliminares, das informações distorcidas de um pseudo-jornalismo mau caráter, na defesa dos interesses empresariais acima dos interesses públicos, transformando a vida, como disse Eduardo Galeano, num manicômio e num matadouro, para a esmagadora maioria da população. Isso deveria ser exibido e discutido nas salas de aula, nas associações de moradores, nos sindicatos, em cada quarteirão. O controle da sociedade não é uma obra acabada, a construção nefasta é permanentemente retocada, reciclada, os cenários estão sempre se adaptando aos acontecimentos, mudando tudo pra permanecer tudo como está, um  predomínio desumano dos interesses empresariais sobre a sociedade, sobre a estrutura do falso poder político, o teatro das marionetes legitimando os crimes contra a humanidade. 

Se não é possível mudar o mundo em pouco tempo, é possível mudar a própria vida, percebendo os valores falsos implantados em nosso inconsciente e assumindo a construção dos nossos valores a partir da própria consciência, mais humanos, mas solidários, menos competitivos e egoístas como nos são impostos. A visão de mundo é direito e responsabilidade de cada um, mas é dificultado ao extremo pelo trabalho intenso e extenso de uma publicidade e propaganda que se utiliza da psicologia do inconsciente, da imposição sub-liminar, do controle das comunicações e da criação deliberada de ignorância e superficialidade (com a sabotagem da educação e controle curricular). Vivemos num mundo de mentiras, é preciso desacreditá-lo para romper as correntes que nos prendem e transformam a sociedade nesse inferno de ameaças, cooptação e medo, necessários ao predomínio das empresas sobre os povos - ignorantizados, explorados, roubados, enganados, controlados, inferiorizados e reprimidos em qualquer manifestação de inconformidade. Mudando a nós mesmos, caçando a verdade hoje acessível, embora ocultada pelo estabelecimento, abandonando os valores falsos e determinando nossos comportamentos para além dos condicionamentos, contaminando as consciências à nossa volta, despertando para a realidade além das mentiras apresentadas, mudamos o mundo, em primeiro lugar, dando sentido à nossa própria existência, criando sabores e cheiros desconhecidos pelos "normais". Além de exemplo, isso dá força à fala.

"Muito Além do Cidadão Keyne" peca por imprecisões e informações truncadas que se esclarecem com a última revelação de documentos secretos referentes ao golpe de 64, nos Estados Unidos, publicados de acordo com a lei de quarenta anos para documentos "classificados", ou secretos. Com base nesses documentos em áudio, vídeo e escritos, foi feito o programa "O dia que durou 21 anos", no Canal Brasil, de baixa audiência mas de qualidade incomparável com a mídia privada, em todos os sentidos. São três episódios de 20 minutos cada, ótimos pra exibir e discutir em salas de aula, em associações, em toda parte. É preciso cultivar a memória para formar uma visão do presente o mais próximo possível da realidade e o mais longe possível das distorções impostas pela grande mídia, pelos "donos das informações" no Brasil, interessados em manter essa sociedade vergonhosa onde se abandona seres humanos como lixo.

"Não é sinal de saúde ser bem ajustado numa sociedade tão profundamente doente". (Krisnamurti)

A "Pequi Filmes" reivindicou direitos autorais e mandou retirar o doc. do youtube. Seus lucros são mais importantes do que informar a realidade histórica ao povo brasileiro. Fica o meu protesto. Merda.



Achei impressionante a existência de estudantes universitários que, ao serem questionados qual a ditadura mais recente do Brasil, demonstraram dúvidas ou sugeriram o Estado Novo, de Getúlio Vargas. Foi uma professora quem me falou - de uma sala onde ela dá aulas -, entre o espanto e a revolta. Taí, Suame, passa pros teus alunos. Quantos mais haverá, sem noção da história recente?


sexta-feira, 27 de abril de 2012

Comunidade Mauá, o anúncio de um novo Pinheirinho.

Prepara-se o aparato de segurança pública para cometer mais um crime social, mais um crime moral, mais um crime do Estado contra a nação brasileira, contra a população mais pobre desta nação, sua maioria. Mais uma vez se vê claro, a coisa pública imersa na privada, governos, legislaturas e magistraturas defendem os interesses econômicos de minorias ricas, empresários gananciosos e desumanos. Não preciso dizer muita coisa, os fatos falam por si. As campanhas eleitorais, financiadas por grandes empresários, são funcionários dos seus financiadores, em acertos feitos durante as campanhas, por exigência óbvia dos patrões.

Como acreditar em democracia? Nunca tivemos uma democracia, não sabemos o que é uma democracia. E esse papo de "redemocratização" é uma grande mentira. Os militares foram removidos do poder aparente para a construção de um cenário fajuto de democracia, que se desmente a cada ato do Estado e das suas instituições, a cada ano na sangria orçamentária para os cofres dos bancos internacionais de metade do orçamento que tem o destino desviado da sua função, os serviços públicos, para os tesouros acumulados dos verdadeiros ditadores das políticas públicas, um punhado de magnatas sub-humanos que se apropriaram de todos os meios que poderiam resolver os problemas da humanidade, para manter o controle sobre as sociedades e concentrar mais e mais poder, às custas do sofrimento das massas.

Está rolando um lento despertar, espalhado por aí, sob inúmeras formas. As mentiras, pouco a pouco, vão sendo reveladas, vão sendo percebidas, no ritmo do tempo, em evolução permanente. Que não se espere resultados plenos e rápidos. Participar do processo, de forma lúcida e persistente, já dá satisfação e sentido à vida. A caminhada se faz passo a passo. E, na minha opinião, começa dentro de cada um, pra depois se espalhar, com base no exemplo, nos valores, nos comportamentos - e não na posse da verdade, na definição de um único caminho, no arrebanhamento ideológico. Por aí, não vai e, quando foi, deu merda.

A arrogância dos revolucionários europeístas, seguidores invariáveis de pensamentos alheios, inutiliza ou, no mínimo, enfraquece suas ações, isola-os da população e os restringe a inexpressivas minorias, embora barulhentas - servindo apenas à composição do cenário falsamente democrático.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dia do índio é o cacete




Ontem, dia 19 de abril, chamado o “dia do índio”, não escrevi nada sobre o tema porque não existe dia do índio, desde que chegou aqui a civilização européia. Antes, como diz a música, todo dia era dia de índio.

Imagino o assombro com que a rapaziada viu surgirem as caravelas no horizonte, como enormes águas vivas, velas estufadas pelo vento, vindo em direção à praia, cada vez maiores, diante dos olhos espantados da tribo. Relatos escritos pelos europeus dão conta do espanto de índios e civilizados. Uns com a chegada daquelas enormes borboletas marinhas, cheias de brancos fedorentos e cobertos de panos, coisa incompreensível pra eles, naquele calor, outros com a existência de habitantes naquelas paragens desconhecidas, despidos homens e mulheres, uma vegetação nunca vista, com animais e frutos novos, costumes e línguas estranhas de parte a parte.

Os nativos não imaginavam a capacidade destrutiva dos europeus. Ali começavam os cinco séculos de violência, escravização, saque, expulsão e morte. Setenta milhões de habitantes das Américas foram sistematicamente exterminados e seus descendentes ainda são perseguidos até hoje, discriminados, difamados, saqueados, expulsos das terras que lhes restam.



Além da cobiça dos ricos latifundiários, mineradores e outros, os povos originários são perseguidos, a meu ver, por razões ideológicas. Numa sociedade centralizada no consumo e na produção, controlada por uns poucos e impregnada por valores falsos que transformam a vida num inferno, eles incomodam por evidenciar as mentiras nas quais estamos todos imersos. O indígena não vive para trabalhar, mas trabalha para viver e no que gosta. Quando chega da mata, trazendo caça, peixe ou frutos, não dá pra dizer se estava trabalhando ou se divertindo, porque para o índio, trabalho e diversão se misturam. Nós, civilizados, nos acostumamos à idéia do trabalho como um sacrifício a que todos estão obrigados. Assim fomos condicionados e poucos conseguem reagir a isso. Para nós, o mundo é uma competição desenfreada, um inferno de todos contra todos, conforme convém ao pequeno grupo dominante. O objetivo de acumular e de consumir, motor do inferno social, não existe para o índio. O que ele precisa, em seu estado natural, ele faz, não precisa comprar. Se ele precisa de uma casa, ele sabe fazer. Uma canoa, ele faz. Uma panela, uma rede, suas armas de caça, tudo ele sabe fazer, agasalho, remédios, tudo. Produz seu artesanato e pode muito bem viver de trocas, nos poucos produtos civilizados que lhe são úteis, como facões, machados e pouca coisa mais. O objetivo de vida dos índios não é juntar patrimônio, consumir à farta, disputar com seus irmãos quem pode usufruir de mais bens, dinheiro e poder. O objetivo da vida é viver.

Lembro de uma história, da época da vinda dos franceses (invasão francesa, nos livros de história) para disputar o pau-brasil com os portugueses, pois era uma mercadoria altamente lucrativa na Europa, sobre o diálogo entre um ancião tupinambá com um oficial francês, onde ele questionava tantos esforços, riscos e sofrimentos dos europeus para levar aquela madeira pelo mar afora. “Não há madeira lá pra vocês se aquecerem?” O oficial esclareceu que não era pra queimar, mas fazer tinta. “E pra quê é preciso tanta tinta?” O francês explicou que havia homens riquíssimos, que produziam mais tecidos, contas, espelhos e outras coisas em tamanha quantidade que o velho índio não poderia imaginar. E que um só comerciante riquíssimo desses poderia comprar vários navios cheios de pau-brasil. O índio não compreendia. “Mas esse homem riquíssimo de que você fala... ele não morre?” Morria, claro, como todos os outros. “E quando ele morre, o que se faz com o que ele juntou?” Fica para os descendentes dele, como herança, para que possam viver e estar garantidos. Então o índio balançou a cabeça, em reprovação, e afirmou que agora entendia que os europeus eram mesmo loucos. Se submeterem a tanto esforço, tanto risco, tanto sofrimento, a uma vida de sacrifício e dor, por um motivo daquele... não fazia sentido. “Nós também temos parentes de quem gostamos, as crianças nascem e crescem e nós sabemos que a mesma terra que nos alimentou, também os alimentará. Então, vivemos a vida com gosto, sem nos preocupar com coisas inúteis como essa e sem precisar sofrer tanto sem necessidade”.

Então, os povos originários são um péssimo exemplo para a população desinstruída e condicionada aos valores falsos que a sociedade nos impõe de forma tão tirânica, e ao mesmo tempo, insidiosa, que impede o questionamento. Por repelirem o sistema de trabalho empregado e rejeitarem a forma de vida civilizada, são chamados de vagabundos. Por suas áreas demarcadas ficarem fora do mercado de terras e do alcance da cobiça empresarial e latifundiária, execra-se e se impede de todas as maneiras a reparação aos crimes cometidos cotidianamente contra esses povos desde o nascimento do Brasil como o conhecemos, reconhecendo e demarcando suas terras de acordo com suas necessidades. O extermínio prossegue, massacre após massacre, enquanto a mídia defende os agressores e ataca as vítimas. Os patrões os odeiam, os grandes e ricos patrões que os vêem como obstáculos para seus lucros exagerados.

Deveríamos ver o tal “dia do índio” como o dia da vergonha. Não há progresso que se justifique com o sangue, o saque e a dor de tanta gente. O Estado e a nação brasileira, na pessoa de cada brasileiro, sobretudo nas autoridades, deve reparação aos descendentes atuais de inúmeras gerações, por mais de quinhentos anos, que foram escravizadas, perseguidas, dizimadas e saqueadas, com detalhada e esmerada crueldade. Descendentes que conservam, heroicamente, tradições e sabedorias ancestrais, depuradas ainda com sofrimentos atrozes no cotidiano, fruto do preconceito, da discriminação e da exclusão, que poderiam perfeitamente melhorar nossa sociedade, nossos costumes e nossas relações, tanto sociais quanto com a natureza.


25 de abril de 2012

Desumanidade e injustiça nos crimes do sul da Bahia contra os originários índios pataxós.


Nota de denuncia da comunidade Pataxó Hã-Hã-Hãe contra as policias Federal, Militar, Civil e fazendeiros.


É preciso fazer barulho, passar adiante, se manifestar, denunciar. Está acontecendo agora, a qualquer momento, enquanto comemos, enquanto dormimos, isso está acontecendo. Relatos documentados da covardia criminosa contra comunidades inteiras, famílias como as nossas famílias. O sentimento preconceituoso contra os índios - como qualquer preconceito contra qualquer coisa ou pessoa - só revela o nível primário de consciência. O sentimento de superioridade revela a inferioridade. A busca da igualdade plena - em direitos e deveres - é uma das mais nobres, difíceis e valiosas buscas da humanidade, no caminho da sabedoria e do conhecimento pleno, infinita estrada por onde todos nós andamos, a família humana entre tantas vidas universo afora.
Esse caminho passa pela consciência de que somos uma única família e existimos como tal.


terça-feira, 17 de abril de 2012

Argentina retoma o controle do seu petróleo - exemplo para o Brasil

O governo argentino enviou ao Congresso o projeto de reestatização da YPF, a Petrobrás da Argentina, que foi entregue por Carlos Menem, o FHC de lá, à REPSOL, petroleira privada espanhola, de graça e de bandeja, como foi a Vale do Rio Doce, a Usiminas, a Eletrobrás e todas as regionais, as empresas de telefonia, de água e esgoto e tantas outras. Assisti a leitura do projeto, emocionado e com um nó na garganta, orgulhoso de los hermanos.

Os lucros do petróleo estavam sendo exportados para uma Espanha, em franco naufrágio econômico, ocupada com as convulsões sociais provocadas pela tal austeridade imposta pelos agentes financeiros internacionais, com o sacrifícios de aposentadorias, pensões, empregos, serviços públicos em geral. Como sempre, o povo tem que pagar a conta desses demônios. Na Argentina, agora, 51% da petroleira pertence ao governo federal e 49% são divididos entre as províncias, que são como os nossos estados. (Há um engano aqui: foram reestatizados 51%, divididos entre o governo federal e os estados ou províncias. O resto continua com empresas privadas, que perderam o poder de mando.)

Cristina Kirschner, mulher corajosa, duramente perseguida, difamada e atacada pelo sistema Clarín (o sistema Globo da Argentina), colocou freios na mídia privada com a ley de medios, apesar da gritaria dos comentaristas e jornalistas mercenários de lá (como vemos aqui todos os dias). Aliás, a mídia daqui tá descendo o malho na presidente argentina, de todas as formas. Insinuações, comparações maldosas - Hugo Chávez de saias, disse uma voz suína -, a mesma nojeira de sempre.

E professores, como o coordenador do curso de jornalismo de São Borja, que me fez ouvir pérolas como "os grandes meios são, sim, o sustentáculo da democracia", numa palestra em que eu denunciava o jornalismo mercenário, desonesto, deformador da realidade que essas empresas praticam, aprovam esse jornalismo e o sonho dos alunos em ser parte desses esquemas cruéis e desonestos. Os gritos, assovios e aplausos, depois da minha resposta, o fizeram se retirar do auditório, furioso. Depois, submeteu o vice dele ao vexame de me esculhambar pelo tuíter, apesar do tal vice-coordenador nem ter ido lá, violando princípios jornalísticos e demonstrando que a defesa de interesses está acima da ética, do profissionalismo e até de regras básicas do jornalismo. Professores que encorajam seus alunos a ambicionar um lugar nessas empresas mau-caráter são elementos de manutenção dessa estrutura injusta, perversa, covarde e desumana. Estimulam o conflito e a competitividade egoísta, atiram uns contra os outros e deixam a verdade em segundo plano, pra ser usada apenas quando for conveniente - caso contrário, mente-se, tranqüilamente. O que vale é a grana, a fama, o "sucesso", não importa o custo moral.

Para esses criminosos morais, a Argentina cometeu pecados imperdoáveis. Estabeleceu o controle legal das empresas de comunicação - coisa que aqui não há, ou não funciona - e reestatizou o que as grandes empresas tinham levado de graça, com pagamento em falácias, papéis podres, títulos de dívidas e outras enrolações econômicas. Deles não se pode esperar outra coisa que reações raivosas, histéricas, ameaças e previsões catastróficas. Como aqui. Farinha do mesmo saco, mercenários da palavra, gente sem pátria ou nação em que se integrem, além dos privilégios obtidos na venda das suas consciências, servindo aos poderosos interesses desses menos de 1% que concentram os reais poderes sobre a sociedade, atacando tudo o que serve à coletividade, indiferentes ao sofrimento da maioria e hostis a qualquer tipo de solidariedade sem restrições, a qualquer tipo de sentimento de família humana.

Parabéns aos hermanos argentinos. Que seu exemplo nos sirva.


Está em espanhol e eu não sei colocar legendas.


Reações (20.04.12)
      Já era de se esperar as reações indignadas da legião defensora (e regiamente paga pra isso) dos interesses empresariais. Entidades representantes da população européia falam em retaliações e defendem explicitamente os interesses mega-empresariais da multinacional expropriada. Jornalistas e comentaristas do mundo todo caem sobre o assunto com mordacidade, com fúria, ironias e deboches pesados, Cristina La Loca, Hugo Chávez de saias (aproveitando o trabalho midiático bem-sucedido de demonização do presidente venezuelano, apresentado descaradamente como ditador, em contradição com os mais de dez pleitos passados por ele, entre eleições, reeleições, referendos e plebiscitos - pelos mesmos motivos, ou seja, conter as grandes empresas no avanço sobre os direitos das populações e colocar o Estado a serviço do seu povo como um todo) e por aí vai, contando com retaliações contra a Argentina.
      A Argentina tem um histórico interessante neste sentido. Até o ano 2000 sua política econômica era apontada como exemplo pro resto da América Latina, privatizando tudo o que era público, desmontando a rede ferroviária, destruindo os direitos trabalhistas, atrelando o país numa dívida externa (que, depois dos processos "globalizantes", mudou o nome pra dívida pública - estratégia marqueteira) e se pondo de joelhos, a pagar juros que só aumentam e uma dívida que não diminui. Então, o país quebrou, o povo foi à miséria generalizada, como era de se esperar, e se levantou, que argentino zangado é brigão, mesmo. Em duas semanas foram derrubados vários presidentes pelo movimento "que se vayan todos" (ver o filme Memória do Saque - Memoria del Saqueo -, de Fernando Solanas, produção franco-suiça-argentina) e foi eleito, pela primeira vez, Néstor Kirshner. Com o povo nas ruas, em levante permanente, as grandes empresas foram acuadas e reduziram seu espaço de manobra, mantendo o poder sobre as comunicações, com a mídia privada já meio desmoralizada - o Clarín é a Globo de lá. E o governo pôde começar a fazer mudanças a favor da população, bem aos poucos. Néstor foi eleito, reeleito e, depois, Cristina Kirshner continuou o processo, firme e feminina, na direção de uma sociedade que não abandone nenhuma parcela da sua população.
      Os privilegiados se revoltam, se agitam, a mídia esbraveja, difama, distorce, conclama à revolta e à derrubada da presidente. Mas ela, com movimentos corajosos de mestre, praticamente anula o poder das minorias ricas que controlavam as políticas públicas, a serviço dos exploradores estrangeiros. Investe na tv pública e esta se torna referência para a população, desfazendo as mentiras das tvs privadas, que urram contra o ataque à "liberdade de imprensa", termo sempre usado pela mídia pra defender sua liberdade de mentir sem ser desmentida. Une seu país ao movimento de união dos países latinoamericanos, fortalecendo a resistência aos abusos das grandes multinacionais representadas por seus governos dos países do chamado primeiro mundo - primeiro, claro, às nossas custas históricas. Seus governos melhoram as condições de vida do povo e, enquanto pela mídia privada internacional a presidente Cristina é difamada, o povo argentino a apóia em massa - fórmula infalível para a continuidade do processo.
      Eu fico até constrangido com esses pseudo-brasileiros privilegiados da mídia, os tais jornalistas e comentaristas e suas expressões fisionômicas sempre falseadas, aos meus olhos, combatendo os hermanos latinoamericanos, bolivianos, venezuelanos, nicaragüenses, equatorianos, que passam por processos de descolonização política e econômica e levantam sua cabeça diante dos impérios corporativos mundiais. Em sua subalternidade ideológica, cultural, moral e quantas outras abjeções, esses profissionais da mentira e da distorção trabalham para difamar, desvalorizar e ridicularizar os processos de libertação dessas amarras seculares, em favor dos que consideram as divindades do mundo, os donos das corporações estadunidenses e européias, acostumados a escravizar, explorar e saquear povos no mundo inteiro, como que por direito de nascimento, como os reis da antigüidade.
      Segue o processo.

Recebi interessante reportagem de Eduardo Febbro, de Paris, em boletim de notícias da Carta Maior, em 20.04.12, nesse link - http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19996&boletim_id=1172&componente_id=18772

Ricos e Pobres




        A falsificação da realidade, trabalho feito com sucesso pela mídia privada, desde sempre, é cada vez mais descarada. A prática política se utiliza dessa mesma estratégia, criando títulos bonitos para ações horrorosas. Um desrespeito à inteligência, um cinismo criminoso.
     O prefeito recém empossado que teve sua campanha eleitoral patrocinada, em grande parte, por empresas imobiliárias, anuncia a remoção de “comunidades pobres”, segundo ele, para livrá-las dos riscos de desabamentos. A lista, provavelmente feita pelas empresas como condição de patrocínio à campanha, inclui as áreas valorizadas pelo mercado imobiliário cobiçada pelos olhos grandes dos empresários.
        Uma barreira visual é construída ao longo da Linha Vermelha para esconder o complexo de favelas da Maré dos olhos dos gringos e visitantes que vão do aeroporto internacional para o centro e zona sul da cidade. O motivo alegado é proteger as frágeis orelhinhas dos moradores do ruído produzido pela via expressa. A ironia é automática, a raiva, inevitável. Até as palavras são torcidas, deformadas, torturadas.
       Como diz Gizele Martins, moradora da Maré, chamar favela de comunidade pobre é o mesmo que chamar um negro de moreninho.
      Favela é comunidade roubada. Em direitos, em cidadania, em humanidade.
         Morador de rua não existe, o que existe são desabrigados.
      Flexibilização é destruição de direitos trabalhistas, é violação de leis.
       Revitalização é expulsão de pobres que se abrigaram em prédios abandonados - devolvendo-os à situação de desabrigados - para ceder os espaços valorizados pela especulação imobiliária a meia dúzia de empresários ricos.
        Segurança pública é repressão e contenção do público.
        Emprego, em geral, é exploração até o talo, é destruição de qualquer qualidade de vida.
        Transporte público é tortura e aviltamento.
       Pessoas que se manifestam para conseguir respeito aos seus direitos constitucionais, permanentemente negados por um Estado que não cumpre sua própria constituição, são classificadas de baderneiras. As ordeiras são as que se conformam, se calam e sofrem sem reclamar, numa depressão silenciosa. “Morram quietos, pobres, mesmo vivos”, é o que nos diz o sistema social dominado pelos ricos mega-empresários, os que têm os políticos no bolso.
        O Estado tem sido um robinhude ao contrário, rouba dos pobres pra dar aos ricos.
Democracia é um cenário fajuto, cada vez mais esfarrapado – democracia de verdade é um povo alimentado, instruído, informado e consciente, tomando decisões a seu próprio respeito. Senão, é a “cracia do demo” e nada mais. Nunca tivemos democracia, só fachada e ilusão.
        Os pobres constróem, mantêm, fazem funcionar e ainda sustentam, via impostos, toda a sociedade. E são desprezados, sabotados, enganados, roubados, explorados, controlados, reprimidos e violentados, cotidianamente. O sentimento de inferioridade e impotência plantado há gerações, pela ideologia midiática e sua máquina de fazer opinião e distorcer a realidade, não deixam perceber a força enorme que a maioria possui. Afinal, quem planta o que se come? Quem carrega as caixas, faz o transporte e prepara a comida? Quem abre as portas, prepara os ambientes, faz a limpeza, tira o lixo? Quem cuida das crianças, dos carros, das casas, dos animais? Quem conserta vazamentos, fiações, quem instala os canos, levanta as paredes? Quem está na linha de montagem do que quer que seja que se fabrique? Quem corta os tecidos e costura as roupas? Quem desce aos subsolos dos gases, fiações e tubos, desentope os entupimentos, conserta os vazamentos? Quem instala as torres de transmissão, seja de comunicações, seja de transmissão de energia? Quem se pendura nas alturas pra todo tipo de risco? Quem viabiliza a existência da sociedade são os pobres.

        O empresário rico diz que “dá empregos” quando, na verdade, tira sua riqueza, seus privilégios, seu luxo e ostentação da exploração dos seus empregados, pagando o mínimo possível e violando direitos trabalhistas. Um rico é uma ilha de arrogância cercada de pobres por todos os lados. Um pobre é a base inconsciente de toda a estrutura. Um pobre pode viver sem ricos. Um rico não pode viver sem pobres.

Muito fácil perceber que sem os ricos a sociedade seria menos injusta e perversa. E que, sem os pobres, ela seria simplesmente impossível.

Alguns dizem ser restrita e preconceituosa a visão da sociedade dividida entre ricos e pobres. É certo, há muitos patamares, tanto na pobreza, quanto na riqueza, inclusive com a importante classe média dividida em degraus – costumo falar no plural, classes médias, que vão do gerente de loja, do sargento ou do mestre de obras ao diretor de grande empresa, ao general ou ao engenheiro-chefe. Mas é impossível não considerar o contraste brutal entre a parte de baixo e a parte de cima. Embaixo, carências, desrespeitos, dificuldades de sobrevivência assolam mais da metade das pessoas. Em cima, luxos, desperdícios, ostentações e usufrutos que ofendem a sensibilidade de quem a tem. Quem está na parte de baixo, como eu, vê a parte de cima como um bloco homogêneo, arrogante e privilegiado, digno do respeito e consideração pelo poder público, muito ao contrário de nós. As diferenças internas de classe, dessa forma, são irrelevantes. Ricos são os que têm mais do que precisam pra viver, pobres são os que têm menos. Simplifico porque no fim das complexidades, a coisa é bem simples. Não há uma fronteira clara entre as classes, mas os extremos contrastam dolorosamente. É aí que a sociedade se apresenta dividida entre ricos e pobres, apesar dos intermediários que podem chegar a 30% da população, variando a quantidade e a qualidade dos privilégios, mas tendo em comum os direitos respeitados, pelo menos os básicos. Só a informação foge a esta regra, pois é distorcida sem preconceito, para todos.
Afinal de contas, pior que a pobreza de grana é a pobreza de espírito. E essa não depende da classe social, embora prevaleça entre os mais ricos. Para usufruir de privilégios sem incômodos de consciência, é preciso empobrecer a alma, acreditar em mentiras crassas e criar indiferença ao sofrimento cotidiano de milhões.
        Para haver respeito aos direitos fundamentais desses milhões, é preciso exterminar esses privilégios materiais, instrucionais e informacionais, privilégios grosseiros e desumanos, apresentados com orgulho quando, na verdade, são uma vergonha.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A coisa anda a passo de tartaruga


Polícia grega a serviço dos bancos, ataca a população em protesto, começando pelos jornalistas.
Polícia grega ataca jornalistas, manifestantes e a população em protesto contra as leis impostas pelos bancos ao país, sacrificando aposentadorias, ensino, saúde e direitos trabalhistas. É a demonstração do controle dos Estados pelos poderes econômicos mundiais, que além de financeiros são, em último caso, militares e sanguinários.


      Para dar aspecto de adesão aos três tratados “anti-corrupção” internacionais assinados pelo governo brasileiro, este enviou ao congresso uma lei que, agora, está sob exame de uma comissão especial na câmara dos deputados.
      Mais uma lei de fachada, mais um instrumento pra ser utilizado em “brigas de cachorro grande”, as disputas entre elementos das elites, única maneira de ver podres vindo à tona e privilégios sendo retirados, em uma dança das cadeiras falcatruesco que não modifica as estruturas altamente corruptas que sustentam o cenário “democrático”.


      De minha parte, não tenho como acreditar na eficiência de tal lei – que ainda não foi aprovada e talvez não seja –, enquanto à minha volta empresas são constantemente favorecidas em prejuízo do público. Quando vejo a situação dos transportes, aqui no Rio de Janeiro – esfregada em nossa cara pelo menos duas vezes por dia –, ônibus superlotados, parados nos congestionamentos, metrôs apinhados, abafados, quebrando no meio do caminho, gente passando mal, sem ar, empurra-empurras, lotações esgotadas em trens, nas barcas, os serviços rotineiramente desrespeitosos, como o deboche das tarifas absurdas – onde, no mundo, trens, metrôs e barcas têm passagens mais caras que os ônibus? – e dos cartazes publicitários afirmando o cuidado e o amor aos passageiros, como se o serviço fosse a principal preocupação desses empresários do setor, e não o lucro a qualquer custo.
      O financiamento das campanhas é o foco e a manutenção dos bonecos políticos sob o controle empresarial. Pelo menos o foco principal e mais perceptível. A promiscuidade escancarada entre os políticos e os empresários deixa bem claro a quem serve a chamada “representação pública”, que de pública só tem o nome e o poder sobre o aparato estatal onde quem menos apita é o próprio público.
      O “avanço” que vejo é o fato de se estar falando em corruptor. Sempre me incomodou demais os ataques aos corruptos políticos, sem menção aos seus patrões, os mega-empresários que determinam políticas públicas, sem serem eleitos. Há muito tempo as decisões são tomadas de um círculo acima da política, no escuro dos bastidores. Manifestações “contra a corrupção” que terminam em acusações ao congresso ou a elementos de câmaras legislativas me parecem superficiais, cosméticas, infantis e passam longe das causas da corrupção tradicionalíssima nos poderes públicos das falsas democracias do empresarismo neo-liberal – o “capitalismo” sem cabeça nem nome de que falam as “esquerdas revolucionárias” arrogantes e elitistas.
      Pouco a pouco (e, meu deus, como é pouquíssimo!) se percebe que as causas da barbárie social que se alastra pelo mundo – atualmente “terceiromundizando” a Europa, começando, como sempre, pelos mais pobres – têm suas causas mais acima que a política das marionetes, no escuro dos mercados financeiros, no alto da pirâmide social, entre os riquíssimos a quem interessa manter a população ignorante e desinformada para seguir controlando seus fantoches e determinando as ações e omissões dos poderes públicos – que, de públicos, só têm o nome.
      Não sei quantos passos falta nessa direção, pra se começar a perceber que essa preponderância do poder privado se infiltrou na mentalidade, nos valores sociais e pessoais, produzindo opiniões, objetivos, desejos, modos de vida, comportamentos que sustentam, alimentam e mantêm essa estrutura social. O atrelamento do ensino aos interesses empresariais infestou as escolas e academias, aumentando o abismo entre as classes e desenvolvendo o egoísmo, a arrogância e a competitividade ao extremo, criando indiferença com relação à miséria, à pobreza e à exploração como se fossem mazelas inevitáveis, ao invés de vergonhas inaceitáveis.

      Os acontecimentos na Grécia deixam escancarado os mecanismos de ação e servidão dos governos “democráticos” submetidos à ditadura do “mercado financeiro”- representado hoje pelo que os gregos chamam “tróika”, a trinca Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Mercado Comum Europeu. Quem determina realmente as políticas públicas passa longe de eleições.


      O poder empresarial é desumano e não poderia ser de outra forma, pois seus objetivos se reduzem ao maior lucro e ao menor custo, como uma lei imutável e natural do nosso sistema social, o sistema que aceitamos como único possível e sem possibilidade de mudanças além da superfície e que sustentamos com nossos valores e comportamentos – que foram criados em laboratórios multinacionais e impostos, basicamente, pela mídia, como demonstrou Milton Santos no filme do Silvio Tendler, “Conversas com Milton Santos – a globalização vista pelo lado de cá”.


      Ainda nas palavras do brilhante negão, as empresas não têm nenhuma responsabilidade social, nenhuma responsabilidade moral, nem mesmo territorial, pois o centro do seu interesse é o lucro – a qualquer custo.
      Não consegui colocar o nome de nenhuma dessas marcas famosas, acompanhado das palavras “trabalho escravo”, no gúgol, sem obter resultados. Todos o nomes, náique, adidas, zara, marisa, etc, deram resultados, flagrantes ou denúncias de trabalho escravo, de exploração de crianças, em qualquer parte do mundo. E nós, boçais e ignorantes, vendo as marcas como nos foi programando, como símbolos de qualidade e até de afirmação de valor social. “Estupidezes” alienadas, condicionadas, como se vê em qualquer pesquisa em saites como o do Repórter Brasil.


      Precisamos deixar de ser otários e parar de colaborar com esse estado de coisas, precisamos levantar quais são realmente os nossos valores e quais foram implantados pela competência da publicidade, sobretudo depois do advento da psicologia do inconsciente aplicada à criação de valores e comportamentos sociais. Um processo criminoso e desumano que se vê no documentário “O século do ego”, produzido pela BBC de Londres e já divulgado neste blogue. Estamos todos impregnados, em maior ou menor grau. Quem se pretender isento passa atestado de ingenuidade, pra dizer o mínimo. E é por isso que os trabalhos de mudanças na estrutura social para colocar finalmente o Estado a serviço do seu povo precisam começar internamente pra adquirir consistência externa, poder de contágio e propagação. Não é uma figura de linguagem a afirmação de que mudando a si mesmo é que se muda o mundo. É uma necessidade.
      Sem isso, qualquer papo sobre revolução é inconsistente, não passa de teoria ou simples conversa fiada.

domingo, 1 de abril de 2012

Quando 31 de março foi 1º de abril

Por volta das quatro da madrugada as tropas do exército, com tanques, armamentos, caminhões lotados de soldados, jipes, caminhonetes, canhões e todo o aparato de guerra, partiram de Minas com direção ao Rio. Era o dia 1º de abril e um golpe era iniciado contra o governo eleito de João Goulart, golpe gestado desde a época de Getúlio, inclusive com um “manifesto dos coronéis”, e abortado –ou adiado – pelo suicídio estratégico do próprio Getúlio. Dez anos depois, quando os coronéis já estavam generais, deu-se o golpe. Tinha a cara, as mãos e as armas militares, mas – 1º de abril! – a cabeça era empresarial – mega-empresarial multinacional, pra ser mais exato. Um embaixador estadunidense era a mola propulsora e a correia de transmissão.
João Goulart seguia a linha de Getúlio que, em seu governo nacionalista, contrariou determinações dos “patrões” estrangeiros. Gegê estabeleceu o ensino obrigatório, criou leis trabalhistas, fez investigar a dívida externa, que caiu em 40%, entre outras coisas, ameaçou simpatias ao regime nazista e conseguiu, com muito jogo de cintura, fundar a Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobrás e outras estatais que os industriais do crescente império estadunidense proibiam por vias tortas. Claro, ele era um latifundiário populista, membro da elite, que conquistou o povo com seu paternalismo, mas suas atitudes criaram condições pra que a população mais pobre começasse a entender como funcionava a sociedade. As associações, sindicatos, federações de trabalhadores ganharam uma força nunca vista e, quando Jango chegou à presidência, encontrou apoio suficiente pra encarar as elites e começar as tais “reformas de base”. Apoiou os movimentos dos trabalhadores, aumentou em 100% o salário mínimo, enfurecendo os patrões e as elites nacionais e assustando os internacionais, em plena época de guerra fria, onde o comunismo era uma ameaça terrificante. Sacrilégio dos sacrilégios, desapropriou as terras em torno das rodovias e ferrovias federais, até dez quilômetros de distância de cada lado, e decretou a reforma agrária. Essa foi a gota d’água e o golpe foi dado. Ou eles perderiam o Brasil do seu controle, como haviam perdido Cuba, poucos anos antes, e temiam perder seus “quintais” na América Latina, entre os quais o Brasil era o mais rico e importante.


Para continuar o texto, clique no link abaixo. No final, documentário.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Anistia



Com a criação da Comissão da Verdade, fala-se que os torturadores e assassinos do período de destruição das brechas do sistema são anistiados e não podem ser acusados, processados ou presos.

Eu penso aqui na minha ignorância. Anistia não é o que se dá a uma pessoa que foi presa, julgada e condenada? Anistia não é uma espécie de perdão? Como é que se anistia quem não foi acusado, nem é condenado? Prender, julgar e condenar não é condição pra se anistiar? Mesmo os exilados foram presos e condenados.

Posso estar enganado, mas me parece muito esquisito isso. Se eles querem ser anistiados, que se apresentem como criminosos. Senão, como obter uma anistia? O que acontece é cumplicidade com os crimes, isso sim, é o que me parece. Proteção devido aos “serviços prestados”. Mais uma mentira, mais um deboche. Mais uma falta de dignidade.

Nós todos feitos de otários, mais uma vez. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Difícil de entender




              Tenho dificuldade em compreender certas situações e sua permanência.
            Em Pinheirinho foi documentada a expulsão de mais de mil e seiscentas famílias, cerca de nove mil pessoas, idosos, crianças, deficientes, mulheres e homens – e a destruição de suas casas, muitas com os poucos pertences dentro, lançando essa multidão ao desabrigo. Crianças confiscadas de seus pais pelo conselho tutelar da cidade, por estarem desabrigados, não terem aceitado passagens pra fora da cidade e ocupado os abrigos improvisados pela prefeitura – que sofreram e sofrem uma pressão estúpida, com bombas de gás lançadas dentro desses abrigos durante a noite, explosões de efeito moral e assédio ininterrupto, sem banheiros suficientes, sem higiene e com a alimentação precária. O proprietário do terreno desocupado pela polícia, um mega-especulador já denunciado há anos, responsável pela quebra na bolsa do Rio de Janeiro, nunca pagou impostos devidos ao município, a área estava abandonada e se tornou um bairro – não uma favela – com ruas, postes e saneamento, pelo esforço da própria comunidade, há oito anos. Na omissão do Estado, o povo deu seu jeito. O usucapião urbano é de dois anos, a comunidade, repito, tinha oito. Mas o Estado e seu aparato de segurança foram usados pra defender a propriedade do especulador milionário – denunciado até pela veja, a revista mais reaça do país, na época da quebra da bolsa –, atacando a população, massacrando, espancando, matando cachorros e pessoas, em cenas de barbárie explícita. Algo mais claro?
            Na Grécia, considerada o “berço da democracia” nos meios acadêmicos (apesar de ter sido um sistema escravagista e de o voto ser restrito aos poucos “cidadãos de bens”, os homens ricos), vimos no mês passado a polícia de choque circundar o parlamento para protegê-lo da fúria da população, enquanto seus “representantes” votavam mudanças na legislação impostas pelos bancos internacionais, suprimindo direitos, cortando salários e empregos, aposentadorias e pensões – covardia cada vez mais comum –, privatizando coisas públicas e destruindo a economia do país enquanto, na cidade inteira, o resto da polícia combatia focos de levantes populares, sem conseguir. Foi o caos durante dias, controlado com muito sangue, pancadaria, quebra-quebras e prisões, numa guerra generalizada onde o Estado ataca, contém e controla a população roubada, que se debate em protesto. Inutilmente. Algo mais claro?
            No Rio, os empresários do ramo imobiliário estão esgotando as áreas da Barra e zona oeste litorânea e voltam os olhos para o centro da cidade. Abandonado há décadas e com milhares de prédios sem uso, deteriorando, o centro foi tendo vários desses prédios ocupados pela população desabrigada. Na ausência do Estado, que não cumpre sua “lei máxima”, a constituição, que garante moradia, alimentação, etc., o povo sem teto toma suas iniciativas e se apropria do que é seu direito, violado pela própria estrutura social. Com a cobiça dos grandes empresários, a prefeitura apareceu com um projeto de “revitalização”, denominação mentirosa que mal encobre o processo de expulsão dos mais pobres pra longe dali, de investimento de dinheiro público na reestruturação da infra-estrutura do centro, agora transformado em patrimônio histórico, preparando a área pra chegada dos empresários. É o que eles chamam, na encolha, de “limpeza”. Pra eles, os pobres são lixo e devem ser removidos. Comunidades inteiras têm sido removidas no interesse dos financiadores de campanhas de legisladores e governantes, tornando-os seus agentes, travestidos de representantes do povo. Algo mais claro?
            Em São Paulo, favelas em locais valorizados são assediadas de todas as formas, legais e ilegais, físicas e psicológicas. Os incêndios nessas comunidades se tornaram comuns, a ponto de surgirem métodos de combate ao fogo pelos próprios moradores. Eles perceberam não poder contar com o poder público. Apesar dos chamados insistentes aos bombeiros, quando começa um desses incêndios, quem chega primeiro é a polícia, cercando a comunidade, enquanto empresários e seus políticos esfregam as mãos, repetindo o jargão dos fanáticos religiosos diante do que acreditam ser o demônio – “queeiima!” Num desses, que por acaso contou com a presença de algumas equipes de imprensa, foi mandado um caminhão dos bombeiros, pra não ficar tão mal na foto. A polícia teve que abrir passagem pra entrada do veículo. Era um caminhão velho, estava com meia carga de água e a mangueira tinha tantos furos que os moradores amarravam plásticos e camisas pra conter os vazamentos, sem sucesso. A água não chegava com a pressão necessária. A cena da mangueira jorrando água pra todos os lados, menos no fogo, era de revirar os intestinos. Algo mais claro?
              O Estado está seqüestrado pelos poderes econômicos e em preparação constante para a guerra e o massacre contra suas próprias populações. Exemplos temos de sobra, falta assumir a realidade. A coisa pública está imersa na privada.
            E nós, boiada conduzida, vemos o mundo restrito a dois “mercados” básicos, o de trabalho e o de consumo; vemos a vida como uma competição permanente e cada irmão como um adversário; sonhamos com consumos impossíveis para todos e aceitamos trabalhos que odiamos, transformando o prazer de trabalhar em sacrifício insuportável; assistimos os jornais da mídia privada mesmo depois de provas à exaustão da desonestidade dessa mídia, das distorções da realidade e da defesa histérica e irrestrita dos interesses empresariais, em prejuízo da maioria. Não nos revolucionamos por dentro, mas pretendemos revolucionar a sociedade, numa ingenuidade desanimadora. Os protestos e mobilizações são cada vez mais inúteis e ignorados pelas autoridades – ou atacados pelas forças de segurança, pondo em risco a integridade física e mesmo a vida dos que se manifestam. Em vez de conscientizar a população, a proposta é conduzir as massas, liderar, numa arrogância planejada e produzida nos laboratórios transnacionais de psicologia do inconsciente – na criação de valores falsos, desejos superficiais e comportamentos condicionados – e imposta pela mídia. As contestações não escapam ao condicionamento, por isso são inócuas, inofensivas ao sistema empresarista estabelecido sobre os poderes públicos. Se mudanças acontecem, no mais das vezes são mudanças cosméticas, na aparência, superficiais demais pra provocar mudanças profundas e reais na estrutura social.
            Começo a achar que o movimento hippie era muito mais revolucionário que esses europeístas cheios de arrogância, condicionados de todas as formas, subalternos ideológicos ao pensamento europeu, incapazes de criar e de revolucionar o próprio comportamento, incapazes de olhar dentro de si mesmos e encontrar aí o trabalho a ser feito, em primeiro lugar. Os hippies começavam mudando seu comportamento, seus valores, sua vida. Por isso contaminavam daquela maneira avassaladora, conquistando a juventude em massa e obrigando o sistema ao trabalho intensivo de criminalização daquela onda, de perseguição implacável, de dispersão e extermínio que eu vi, ninguém me contou. Eles pregavam a vida com o mínimo necessário de material, a abolição da alimentação industrial, o uso da medicina não comercial, natural, na maior parte dos casos, o desenvolvimento das artes e das relações fraternas, o igualitarismo, a generosidade, a solidariedade irrestrita, o pacifismo e a resistência às imposições de valores e comportamentos. Mais que isso, eles praticavam e viviam essas coisas. Sua revolução partia da alma, de dentro, era preciso vivenciar os novos valores.
            Não estou dizendo que eles revolucionariam a sociedade, que por ali seria possível. Apenas que era um movimento muito mais inteiro, muito mais contagiante, por ser impossível apregoar sem vivenciar no dia a dia, sem assumir o que se propõe e viver de acordo, independente se a sociedade é assim ou não, não importam as conseqüências. Um revolucionário sem amor, arrogante e cheio de verdades não é um revolucionário. Ao contrário, esse tipo de postura desmoraliza a palavra revolução. São os revolucionários dos rebanhos, esporrentos, raivosos e inofensivos ao sistema, recusados pela população, ridicularizados pela mídia e cansativamente repetitivos, incapazes que são de mudanças reais. Dizem querer mudanças, mas não conseguem ser essas mudanças – esta é sua limitação, sua contradição, sua precariedade.
            Não há meio termo, não há como negar. A sociedade está sob controle dos poderes econômicos, dos bancos, das grandes empresas, e o povo é traído permanentemente, sabotado, enganado, explorado e excluído dos benefícios do desenvolvimento. Difícil entender como pessoas informadas, instruídas e desejosas de mudanças não enxergam essa realidade e ainda falam em democracia, na pseudo “democratização pós-ditadura”, numa ditadura que mudou de cara, mas não de essência. Estamos envolvidos por mentiras descaradas que não resistem a uma análise simples. O problema é que não analisamos sem partir de premissas falsas. Na sociedade atual, o patrimônio vale mais do que a vida, o privilégio vale mais que o direito, o rico vale muito, o pobre não vale nada. O Estado, amarrado, seqüestrado, dominado, toma dos pobres pra dar aos ricos e está cercado por vampiros, morcegos, sanguessugas, carrapatos, pulgas, piolhos, bactérias, que o enfraquecem. O remédio contra essa anemia está na instrução, na informação, na conscientização – por isso se sabota o ensino, se controla tão ferrenhamente as comunicações e se ataca todo movimento popular que defenda os direitos da maioria, reivindique, denuncie ou conscientize. É a estratégia dos zero vírgula alguma coisa por cento da população pra impedir mudanças reais e garantir seu vampirismo sobre o poder público e as riquezas do país.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.