Expectativa

A expectativa indevida é mãe de muitas frustrações. Há expectativas devidas, quando se confia em alguém é justo se esperar lealdade. Mas a maioria das expectativas é indevida. Espera-se que o filho siga uma profissão, que seja desta ou daquela maneira, ou que nunca seja de alguma forma; espera-se disponibilidade, espera-se confiança, espera-se paciência, espera-se conivência, apoio, carinho, espera-se gratidão.
Expectativa gera frustração, que gera sofrimento, que gera mais sofrimento. Se não esperamos, não sofremos tanto. Por que, então, esperamos quando é indevido? Porque somos presos à visão estreita da nossa própria pequeneza. Quando fazemos algo por alguém, por exemplo, o objetivo não precisa ser a gratidão da pessoa, ou mesmo que ela aproveite bem o que fizemos. Se tivermos como objetivo apenas fazer o que nos for possível fazer, estaremos satisfeitos ao fazê-lo, independentemente do proveito ou do reconhecimento. Veremos ali uma pessoa grata ou ingrata, capaz ou incapaz de aproveitar as oportunidades, demonstrando o que é, sem que isso nos fira. Apenas uma lástima.
Além do mais, agir da melhor forma possível sem esperar nenhuma espécie de retorno nos permite não desistir de seguir fazendo, tentando, oferecendo, o que é uma alegria poder fazer, faz até bem à saúde. Decepções acabam nos amargurando, estragando a vida, é preciso evitá-las ou, se não for possível, superá-las. Algumas das melhores pessoas que conheci, recebi em casa como hóspedes, mal as conhecendo. Resolvi não permitir que um ou outro traiçoeiro me fizesse fechar as portas e parar de receber. Estudando bem cada caso de engano, fui aprendendo a distingüir os sinais de caráter, antes de depositar confiança.
Uma vez, quando andava a esmo pelo mundo, fui recebido por uma senhora viúva que morava com filhos, noras, genros e netos, tudo no mesmo terreno, várias casinhas e composições familiares, a maior era a da mãe, que a dividia com dois filhos ainda não casados - haviam sido 18, oito não "vingaram", morreram pequenos, dois morreram grandes. Um morava numa cidade vizinha. Cheguei no pricípio da noite, pedindo pouso na varanda, a velha estava na janela, candeeiro aceso num prego, no alto, expliquei que viajava e só queria dormir pra seguir no dia seguinte, ela mandou entrar, chamou os filhos, perguntou se eu já tinha jantado. Mandou a filha fazer um prato de comida. Fui levado pra dentro, jantei o que havia nas panelas, sobrado do jantar deles. Aos poucos foram chegando os familiares das outras casas e, em pouco tempo,me enchiam de perguntas e respondiam as que eu conseguia fazer. Soube que a mãe ficava na janela todo dia, esperando o filho que "sumiu no mundo", atrás "sabe lá Deus o de que esse menino foi atrás". Todos achavam uma perda de tempo, tentavam convencê-la a abandonar o hábito, achavam que ela ficava sofrendo à toa, mas ela se limitava a responder "ele vai voltar, que eu sei", baixo, olhar no escuro da noite. Quando tinham saído quase todos e a viúva estava tirando o lampião, eu me arrisquei a perguntar - "o que a senhora fica fazendo?" "Rezando, meu fio, pra que ele seje recebido bem, como eu lhe recebo". "E a senhora acha que ele vai voltar nessa hora que a senhora fica na janela?" Ela me olhou condescendente, sorriu. "Essa é a hora que eu dei pra ele, de todo meu dia. Deus é que sabe se ele volta, mas eu tenho que esperar aqui, todo dia". E acrescentou, quase como para si mesma, "é o jeito d'eu tá com ele, senão morria de sofrer". Aí eu entendi, senti a grandeza daquela espera, mística, interna, pacificadora. Essa mãe coloquei no alto do desenho.