terça-feira, 22 de março de 2011

Paz em casa e pensamentos

            Louça suja. De novo, a pia lotada. Antigamente isso não acontecia. Mas eles eram pequenos. Eu mandava, eles faziam. Depois, durante a adolescência, eu já tinha que pressionar, e quem fazia ficava de cara feia. Com o tempo, veio a resistência, deixa lá que depois a gente lava, e era um depois que nunca chegava. O estado natural da pia da cozinha, na maior parte do tempo, era entulhada. A não ser depois de discussões, de palavras ásperas, de acusações e cobranças, gritos e brigas. E não era só a louça, era a limpeza da casa, a balbúrdia dos quartos, eu tentava arrumar o meu e brigava pra que todos se esforçassem pra isso. Eu brigava com eles, eles brigavam entre si, e a casa, às vezes, era uma orquestra de gritos, bater de portas, barulhos de coisas caindo ou até batendo nas paredes. Pelo que percebi, quando eu não estava aconteciam brigas homéricas, há marcas pela casa toda. Bem, ninguém rolava pelo chão, se engalfinhando, não havia troca de sopapos, pelo menos isso. Ou isso era o que eu pensava. Mas era um inferno de discussões, ressentimentos, e foi assim, até que eles saíram, foram cuidar da vida e o clima aqui tava impossível. Dois anos passaram, e dois estão aqui (a do meio mora no império, aparece menos de uma vez por ano, o “racha” aconteceu depois que ela foi), de novo, agora um pouco mais amadurecidos, a casa tem ficado outra, e em paz, sem gritos ou insultos. O convívio está muito melhor. No início, estava impecável. Agora, já se bagunça um pouco, são roupas esquecidas na sala, brinquedos que não se recolhem (ah, não tinha contado com a neta), aparelhos ligados em vão, luzes acesas. E louça suja na pia da cozinha. Preciso fazer um chá de alho. Eu podia reclamar, mas só ia arrumar mal estar. O que eu quero? A pia da cozinha limpa e arrumada, o fogão limpo e a comida na geladeira. O que eu não quero? Raiva, grosserias e mal estar. Quando cheguei na cozinha, o Ravi tava perto e eu disse, pô não sei que dificuldade tem em lavar a louça. Deixa aí, depois eu lavo, ele diz, em voz baixa e casual, como se nunca tivesse falado isso, e sai, tranqüilo, na direção da sala. Eu dou uma risadinha mais interna que externa e chego na pia. Afasto as coisas, pego a tábua, escolho uns dentes de alho roxo pra amassar. Ponho água numa panela, depois de abrir espaço entre a louça, acendo o fogo pra ferver a água. Descasco o alho e faço virar quase uma pasta, na tábua. E vou pensando, como eles estão melhores agora, embora ainda relaxados demais, ela muito menos, mas ser mãe amadurece mais, e ainda não foi o suficiente. Mas isso se pode dizer que é uma necessidade de todo mundo. Não tô a fim de culpar ninguém. Se quero limpo, eu lavo. Não é tanta coisa assim. Antigamente era muito pior, cobria até a torneira, se esbarrasse caía coisa, essa de hoje, rapidinho, enquanto preparo o chá, fica tudo limpo. A água ferve, eu abaixo o fogo e levo a tábua até a panela, empurrando o alho com a colher. Percebo que se tivesse virado a tábua, o alho ficaria a três centímetros da beirada e seria muito mais fácil jogar na panela. Mas havia um desenho com duas retas levando, como um corredor, pra beira oposta ao cabo, e eu conduzi o alho por ali. Lembrei de como a gente se deixa conduzir pelo lado mais difícil, apenas por encontrar induções, criadas nessa intenção, mesmo. É só olhar em volta e perceber a infinidade de induções plantadas em nosso caminho e em todos os lugares e que, se analisarmos direitinho, nos trazem, e à sociedade, um monte de problemas. É muito bom percebermos essas induções e como tantas já não nos levam, quantos valores induzidos já não nos fazem o menor sentido. E descobrir a profundidade desses condicionamentos, como podem ser sutis a ponto de não percebermos o quanto há deles em nós, nas opiniões e visão de mundo que formamos. É preciso questionar nossas próprias idéias. Eu me deixei conduzir por dois traços feitos em cima da tábua, indicando a “saída”, e fiz o caminho mais difícil. Apago o fogo, cubro a panela com um pano dobrado e coloco a tampa por cima. O calor vai extrair do alho o que eu preciso. Enquanto isso, lavo a louça. Não é melhor que passar raiva? O ruim é que toda hora se deixa coisa suja. Mas é melhor lavar ou bater boca? Lavo, tranqüilo, enquanto o alho curte na água quente. Se eu insistisse em pressionar pra eles arrumarem as coisas, estaria incorrendo num velho erro. Eles têm senso de justiça latente. Acho que é só questão de tempo. Têm solidariedade, também. Às vezes tardia, mas têm – e quem não erra? Lavando, não estou só fazendo ficar limpo, como também mantendo o clima bom. Eles estão fazendo mais que antes, bem mais. Não podem é ser pressionados, nisso parecem comigo. Pressão, só de circunstâncias, não de circunstantes. A força das coisas, dos acontecimentos, não de pessoas. Exemplos, não palavras. As coisas vão ficar limpas. E o clima, tranqüilo. A vida ensina suavemente, quando a gente se dispõe a aprender. Ou asperamente, quando a gente não se dispõe.

12 comentários:

  1. Sempre me questionei sobre isso...
    Muitas vezes arrumei o quarto do meu filho porque parecia tão mais doloroso brigar e, principalmente, pelo fato de sentir que ele não via o mesmo que eu... Ele não via aquela bagunça e nem se incomodava com ela.

    Hoje, ele tem 18 anos, está morando com o pai e, me parece, as bagunças de ambos se harmonizam...rs Vem me visitar todo mês e, então, fica ainda mais tranquilo dar conta de uma bagunça de um final de semana...rs

    Diz ele (ele admite!) que é folgado e que não arruma porque sabe que eu vou arrumar. Espero que sim. Espero que consiga arrumar sua própria bagunça quando tiver sua própria casa. Acho que uma das coisas mais importantes dessa vida é sabermos arrumar nossas próprias bagunças, sejam elas quais forem.

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  2. Oi Eduardo,

    Percebo ao ler que você não é apenas um ser consciente e cheio de ideais, é também um ótimo pai e homem, parabéns querido.

    Induzir/Conduzir é algo perigoso - faz lembrar até eletricidade (condução) - o ruim é que ao induzir alguns conceitos ou idéias primitivas em alguém realmente se torna eletricidade, pois o cérebro e consciência do individuo ficam eletrocutados. E se você tenta socorrer essa possível vítima de alienação ou fanatismo religioso você se queima com palavras ácidas; e assim a vida conduz no ensaio que os "poderosos" escreveram: esse lado tem mais (Burguês), esse lado tem de menos (Pobres), esse lado fica de fora (Reclusos), esse lado morre (Pessoas que não aceitam o ensaio da morte).

    Obrigado por compartilhar essa maravilha de texto, irmão de luta.

    Aquele abraço!

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  3. OI gostaria que me add no msn

    alexandrespop@gmail.com


    gostaria de conversar com vc ...

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  4. A poesia que existe nas coisas banais é maravilhosa! É como se o segredo da vida não tivesse na religião, nem na ciência, e nem na filosofia, mas nos pormenores da vida...

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  5. To vendo que terei de dar uma visitada aí para fazer uma daquelas lavadas terápicas de louça
    hahahahahahahaha

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  6. podeixar que eu dou uma lavadinha na louca qndo chegar ai, ta? so compra luvas, pq eu nao quero quebrar minhas unhas!!! hahahhahaha

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  7. opa aqui é o wolverine, estou dando uma olhada aqui em teu blog com a galera de op, como anda tudo por ai??
    em pouco tempo nos encotramos de um lado ou do outro da poça de agua!!!
    abraço ate!!!
    força

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  8. a beleza da poesia no não dito...

    vida vivida...

    muito bom o texto...

    abraço

    Ed.

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  9. Somente uma visão é posta aí. Considerando que parece apenas ''Limpeza de imediato''. Organização é algo maravilhoso, é algo que aponta para o progresso, entretanto, têm pessoas que nascem com este senso e adquirem rápidamente o costume. Ser desorganizado não tem lógica. Mas, observando por outros lados, existe uma consideração de tempo e valores. Se a pessoa não se importa em deixar suas roupas amarrotadas no guarda-roupas, não dobram-as, e ao invés de passar o tempo fazendo isso, fazem outras coisas úteis como estudar,e não se importam de vestir aquela roupa amarrotada, que no fim só um pequeno símbolo para sociedade, ela estaria sendo desorganizada e fora do padrão aceitável para a maioria esmagadora da população, porém, aponta para um progresso maior do que o comum esperado. :}

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  10. Eu concordo com você, Eros. Mas aí entram tantos elementos, tantas características e necessidades pessoais e únicas que a comparação é impossível.

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  11. muito bom isso,me ajudou demais pra relaxar e entender a bagunça do meu filho e a minha tbm,sem cobranças fica mais facil levar,srsrsrs

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  12. Lendo esse texto eu vi como as coisas se repetem em lugares e tempos diferentes. Tem coisas ai que poderiam ter sido escritas por mim a respeito lá de casa. Somos dez ao todo. Cinco gatos e cinco humanos. A diferença é que não somos uma família com ligação sanguínea. Quando resolvemos que moraríamos juntos, alugamos a baia e tratamos de algumas questões pertinentes, inclusive sobre a limpeza dos ambientes coletivos. No início as coisas fluíam muito bem, todo o final de semana cada um limpava uma peça e tudo fica brilhando em poucos minutos, porém a coisa desandou depois de um tempo. São todos meus muito amigos, me alegra demais quando escuto o barulho das chaves na porta e sei que algum deles está chegando.
    A descrição da pia é a mesma lá de casa, a prática ao se lidar com ela tbm. A sujeira me incomoda bastante, atrapalha o bom funcionamento do meu estado de espírito, mas não vou ficar atormentando a galera pra entrar no meu ritmo. É claro que às vezes o individualismo me deixa bem chateada, mais triste do que irritada, pois o discurso de todos é sobre a colaboração coletiva, no entanto, no nosso espaço isso não é feito. Eu tentei também a psicologia do exemplo, mas não deu muito certo.
    Conclusão: eu não quero morar sozinha, não quero ter o MEU fogão limpo, não quero ver a MINHA pia brilhando, quero estar com eles, vê-los chegarem com suas cara amigas e queridas. Tô num processo de desapego a essas questões domésticas e às vezes faço um apelo pra que limpemos todos juntos a casa, pois às vezes fica de assustar!

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