quinta-feira, 6 de junho de 2013

Na mesma linha da copa. Como participar disso, alegremente?



Ali pelos cinco minutos começa a falar nossa língua. A África do Sul é o exemplo próximo passado, como diziam os antigos. Que se repete aqui, com mais apuro, mas a mesma vampiragem perversa.

O poder público e a mídia se unem na imposição de mentiras. Sacrificado é o povo, quanto mais pobre, mais sacrificado. Mas todos somos, cada um em sua vida. É preciso tomar consciência do que acontece. Pra que deixe de acontecer dessa maneira, algum dia. Por enquanto, esse trabalho dá sentido à vida. Se não de todos, mas de muitos e que se multiplicam, porque a maioria busca mesmo um sentido na vida.

Acima do poder público e de mídia está o poder econômico, um punhado determinando o destino de milhões em função dos seus interesses, banqueiros, mega empresários, vampiros vários que tornam o Estado incapaz de cumprir sua Constituição, de garantir os direitos básicos à sua população, infiltrado e dominado por tais figuras.

Carregamos valores plantados, impostos e falsos, pelo massacre midiático, publicitário, pelos costumes, pelas imposições sociais. Precisamos escolher os próprios valores, retirar os implantados, numa luta cotidiana e interna, como base pra existência externa.

Os mega-eventos carregam uma desumanidade implacável. Como se empolgar com isso?




Aqui um pedacinho de aula do Núcleo Piratininga de Comunicação. Aborda o procedimento de remoção, desde a colônia virando império, passando por todos os períodos da história. É preciso parar com isso, tomar consciência do absurdo. Aliás, de tantos absurdos que essa estrutura social nos impõe a todos. Qualquer um pode ver o inferno que a vida sob o poder da grana, das mega-empresas, dos bancos se tornou. Competitividade massacrante, ameaças de todo tipo, um Estado ineficiente no atendimento dos direitos básicos, favorecendo interesses em prejuízo da população, expoliada do ensino e do atendimento na saúde. Estímulo estremo ao egoísmo, à disputa, à cobiça, ao sexo, às ânsias. E o medo, a criminalidade descontrolada, dentro e fora das instituições, das empresas, o desemprego, a miséria e o abandono. Solidariedade é o que falta. E respeito pelo ser humano. "Não alcançamos o patamar de humanidade. Estamos ainda nos ensaios." (Milton Santos). O NPC trabalha nesta direção, a de atingirmos o tão necessário patamar de humanidade, no melhor sentido que se dá a essa palavra. Por uma sociedade mais humana.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Copa, olimpíada, "revitalização", limpeza social, desrespeito permanente.



Essas "realizações" alardeadas pela mídia, obras faraônicas, eixos viários, construção de infra-estrutura pro show da Fifa e grupos empresariais, são uma demonstração clara do sistema em que vivemos, que nos foi imposto, incrivelmente, como "democrático" e "livre", quando é exatamente o contrário. Assistir as forças de segurança atacando populações para retirar seus direitos constitucionais, sob as ordens dos que dizem representar o povo, nos lugares onde os interesses empresariais tem sua cobiça é revelador, pros que não se deram conta, ainda, das mentiras que acorrentam a sociedade. Obviamente, isso não se assiste pela mídia, mas acompanhando a realidade pelas vias alternativas, vivenciando a realidade.

Milhares de famílias estão sendo cotidianamente expulsas dos seus lugares. O domínio dos políticos, das instituições, do poder público pela força econômica dos mais ricos inventa justificativas criminosas, preconceituosas, mentirosas, pra tirar a pobreza - que é causada pelo sistema social - do caminho, das vistas, como se lixo fossem. Minha humanidade se agita, em desespero. Como não perceber a desumanidade da sociedade humana? Como aceitar a participação nisso, como não se envergonhar de ser parte integrada nesta coletividade? Como considerar esses eventos que têm base na ganância e, em seu nome, matam, prendem, expulsam, espancam, torturam milhares de famílias tornadas invisíveis nos meios criminosos de comunicação? Como vestir uma camisa de um time, amerdalhada com os nomes das marcas hipócritas, que destróem almas e vidas em nome dos ganhos materiais astronômicos, que influenciam os poderes públicos contra o próprio público, sem nenhuma sensibilidade humana, sem nenhum respeito pela vida das populações, ao contrário, manobrando seus políticos comprados nas campanhas para fazer o roubo, a espoliação e a perseguição parecerem justas, com o apoio da mídia?

Os que se dizem revolucionários, os que desejam mudanças, o fim das injustiças sociais, como justificam o entusiasmo com esse espetáculo produzido sobre a dor, a dissolução e a morte de tanta gente? Não dói olhar no espelho, não? Quem se diz contra o sistema - e nem procura saber como colabora com ele, como sustenta os males da sociedade - devia era criar vergonha na cara e, das duas, uma: ou assume sua alienação e apoio à estrutura social - claro que desde que "se dê bem" - ou deixa de ser otário e pára de gritar de entusiasmo diante dessa aberração, esportes sem alma a serviço dos negócios perversos, indiferentes ao sofrimento de que são causa direta, indireta, transversal, diagonal, de todas as formas. Muitos destes vão, abestalhados, ostentar as marcas dos inimigos da humanidade em suas camisas, torcer por equipes patrocinadas por estes mesmo inimigos. Volumes absurdos de dinheiro, enquanto a miséria campeia à nossa volta. A postura revolucionária não admite concessões e é por isso que a palavra revolução anda desmoralizada e os tais revolucionários não passam de uns chatos sem coerência, arrogantes e estúpidos. Seus preconceitos, sua precariedade moral e suas contradições flagrantes os desacreditam.

Não pretendo participar de tal espetáculo vampiresco, não considero nenhuma "seleção" como representante dos povos de seus países e, sim, das marcas ostentadas em seus uniformes. Não vejo mais que festas macabras sobre escombros da humanidade. Como se contagiar com isso sem abrir mão da dignidade humana? Cada "alegria", ali, custa milhares de tristezas. Cada comemoração simboliza milhares de lamentações, cada prazer é fruto de incontáveis sofrimentos tornados invisíveis nas artimanhas da mídia. A energia inútil que se gasta nessas festas consumistas daria pra mudar o mundo. Mas se atira no lixo mais desprezível, na inutilidade estéril das agitações de massa em torno essa orquestração vampiresca que exerce seu demonismo nas noites de ataques às comunidades consideradas empecilhos ou simplesmente feias para as paisagens artificiais de ostentação, consumo e especulação. Sempre o lucro acima da vida humana, não tá na cara?

Ensino público destruído, o privado posto em função do "mercado"(eufemismo pra um punhado de famílias podres de ricas - ver www.proprietariosdobrasil.org), as informações distorcidas, deturpadas ou mentirosas, a favor das empresas e contra os povos, população ignorantizada e desinformada, enganada, explorada, desprezada, inferiorizada, submetida - e reprimida, quando não se submete e reivindica direitos fundamentais. Estado criminoso, alto empresariado mandante, população massacrada. Como participar disso, sem abrir mão da consciência ou da moral?

O sofrimento de um deveria incomodar a todos. Que dizer do sofrimento de milhares, provocado pelo egoísmo dos privilegiados e a indiferença geral dos que podem se informar? A tolerância que dedico aos inconscientes desaparece quando se trata de quem reivindica uma relativa consciência da realidade, quem percebe as manipulações e as falsidades dessa nossa sociedade. Estes abrem espaços na própria consciência, com justificativas ridículas e condicionadas, pra se entusiasmarem com o circo e relevarem a vampiragem que sacrifica a parte mais frágil e exposta da população, justamente quem constrói, mantém e sustenta todo o sistema, por ser a imensa maioria.

Declaro minha repulsa a tais eventos, às ações hipócritas do poder falsamente público, à participação de todas as formas. Se não me dou o direito de desprezar ninguém, desprezo o apoio, a conivência, o envolvimento, mínimo que seja, a aceitação, mesmo a indiferença a esses acontecimentos. Pra mim, estão claramente cometendo crimes contra a humanidade, a rodo, planejados nos bastidores da sociedade, da alta sociedade que se esconde atrás da realidade mentirosa apresentada pela mídia, esta porta voz dos vampiros e defensora incondicional dos interesses econômicos que dominam a sociedade.

Abaixo republico o documentário "Domínio Público", onde se mostram com toda a clareza a utilização das forças públicas contra os abandonados pelo Estado, reforçando os crimes de lesa-humanidade, tratando as vítimas como criminosos, como lixo - produzido pelas mesmas disposições desumanas, pela concentração de riquezas, pelo desprezo pelo ser humano. O filme teve que ser feito através de colaborações, como se vê logo no início. Ou deve ser feito um bem maior, não sei bem. O que tem nele basta. Mas se vier mais, ótimo.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Alerta! Povos originários sob ameaça em Belo Monte!

Força Nacional na área. Até pouco tempo atrás, essa força federal só podia atuar nos estados a pedido do governador. Enfiaram mais uma emenda em nossa tão estuprada constituição e incluíram "ou ministro de estado" na frase da lei, e o governo federal adquiriu o direito de intervir em qualquer estado da federação com essa força armada especial. Uma irresponsabilidade, já posso imaginar situações de confronto entre as PMs estaduais e essa peême federal. Se os governos forem opositores ferrenhos ao governo central...

Belo Monte é uma preocupação - e uma obsessão - do governo federal porque é compromisso de campanha, em troca do "apoio" dessas mega-empresas multinacionais "brasileiras". O "consórcio" das empresas construtoras é constituído pelos que financiam as campanhas eleitorais, daí determinarem as políticas "públicas". São os encontros a portas fechadas, ou na calada da noite, em lugares distantes dos olhos e das lentes, entre financiadores e financiados, a hora de fazer os acertos. A velha falcatrua da "democracia", mantendo o povo na ignorância, na desinformação, enquanto o engana e tiraniza.

Assistir o vídeo mostra que os povos indígenas daquela área estão ameaçados de morte pelo Estado. É preciso divulgar, se manifestar, apoiar os povos originários e ribeirinhos, os povos das florestas.

Neste blogue há informações sobre Belo Monte, desde quando o desastre havia apenas começado, sob nebulosa divulgação da mídia dominante que o apoiava, contra os povos locais. Coloca Belo Monte na procura que aparece.

No mais, no mínimo, divulgar esse desdobramento, vai que se consegue impedir. Isso seria o ideal, no momento.


Belo Monte: Indignados, indígenas rasgam mandado de reintegração de posse

terça-feira, 28 de maio de 2013

Expondo em Porto Alegre

Aviso aos amigos e aos que se interessarem. Estou expondo na rua Lima e Silva, à noite, em frente ao bar Pingüim, hoje e amanhã (28 e 29). Dia trinta, quinta, volto pra casa. Abraços a todos.

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Hoje, 29, chove. Ontem choveu, não deu pra expor. Que merda. Resta o bar do Branco, na rua Laurindo. O Branco é músico, doido completamente varrido e ótima pessoa. Exageradamente solidário e preocupado em excesso com o bem estar dos amigos. Quem for lá vai entender o que eu estou dizendo. Sei que posso expor os desenhos lá, mesmo sem ter falado nada com ele. E aproveito pra constituir meu espaço com uma mesa e uma cerveja em cima, pra papear relaxado e rir das desgraças que nos assolam a existência. As melhores soluções brotam no bom humor, ainda que humor negro.

A partir das quatro horas estarei com os trabaios* e os pensamentos expostos. Como sempre digo, não é preciso comprar nada pra levar alguma coisa, no meu trabalho. Basta observar e absorver - o que não dispensa um bom papo, um assunto qualquer, uma visão das coisas a se considerar, ainda que se descarte depois, em caso de discordância - que deve ser sempre respeitada com tranqüilidade. Mas é difícil discordar do que é óbvio e há muitas obviedades passando despercebidas.

Talvez essa chuva tenha vindo a calhar. Veremos o que rola.

O bar do Branco fica quase na esquina da Laurindo com a João Pessoa, ali onde tem uma estátua do Bento Gonçalves sobre um cavalo. O colégio Julio de Castilhos é ali junto, a rua Laurindo faz esquina com a praça em frente ao colégio, antes de acabar na João Pessoa. É fácil ver o toldo amarelo sobre a calçada, o bar tem aspecto de armazém. Bueno, é um armazém, embora se use como um bar.

Estaremos papeando lá, quem vier será bem vindo.

* Preferi escrever dessa forma porque com a palavra escrita corretamente, ficou em vermelho e sublinhado, pra clicar em cima e aparecer um vídeo de publicidade. Ô coisa insidiosa, que repulsa tenho dessa invasão.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O cinco estrelas e a periferia




Tristeza profunda.  Três dias num hotel cinco estrelas, convidado pra um evento no centro de convenções do próprio hotel. O desjejum é tão farto e variado que fico sem saber por onde começar. Começo pelo café, como sempre – quase sempre fico no café, mas aqui não dá. Melão e mamão, dois pães com queijo, café antes e depois, pra arrematar. Olho a fartura ostensiva, funcionários preparam coisas na chapa, fazem sucos, garçons passam entre as mesas, tiram as coisas de quem já foi, atendem pedidos. Os invisíveis são chamados quando se derrama alguma coisa no chão, pra tirar rapidamente a sujeira, vestidos de cinza, entram e saem rápido, percebo que não são vistos pelos hóspedes além do mínimo necessário, sua passagem é em silêncio. Se cumprimento algum, o olhar é de estranheza. Afinal,  sou um hóspede e entre eles e os hóspedes há uma barreira invisível, mas intransponível. A naturalidade em usufruir dos privilégios sem perceber sua existência me incomoda. Não julgo, nem condeno, apenas me incomoda.

A exploração está explícita em toda parte neste ambiente, em cada centímetro que me cerca, mas ninguém percebe, ou não leva em conta. O fato é que parece natural e é isso o que mais me afeta. Os sentimentos de superioridade e inferioridade são palpáveis, embora artificiais e falsos. Os trabalhadores que tornam possível tanto luxo, privilégio e ostentação são em número muito maior do que os que estão no serviço. Vejo-os nas paredes, nas cadeiras e mesas, nas madeiras, metais e vidros, no enorme lustre de cristal pendurado no teto altíssimo do salão, nos sofás e almofadas caprichosamente distribuídos nos ambientes, na limpeza impecável e permanente, na comida que se come, desde o plantio e a colheita até o seu preparo, nas roupas de marca que se vestem, nos sapatos que se calçam. Tudo é feito por pobres, os inferiorizados são indispensáveis.

Piscina, sauna, hidromassagem, campo de minigolfe, academia de ginástica, quadras de esportes, tudo à disposição – enquanto a população é sabotada nos direitos básicos, roubada e enganada pela estrutura da sociedade. Não usei nada, nos três dias em que fiquei. A maior parte do tempo, fiquei no quarto, no evento e fora do hotel. À noite, quando saía sozinho atrás de uma cerveja pra arejar o coração olhando o mar, fui aconselhado a ir para a direita, mais “seguro” e preparado pra atender os turistas, evitando o lado esquerdo, “perigoso”, próximo a favelas. Não sou turista, não gosto de hipocrisia nem de atendimento "qualificado", interesseiro e caro. Tomo o rumo da esquerda. Perigoso pra eles quer dizer pobre. E eu estava precisando tratar com gente pobre – como eu –, sem a subalternidade forçada dos ambientes de luxo. Os pobres de grana são inegavelmente mais transparentes, mais espontâneos.

Encontro uma birosca a uns quinhentos metros, a cerveja é de menor qualidade, mais barata, mas todos respondem quando chego dando um boa noite geral. Era desse conforto que eu precisava. “Madame, dá uma cerveja bem geladinha?” Ela sorri do “madame”, enquanto traz a garrafa. Levo a cerveja pra uma mesa fora, “vou sentar ali, viu, que vou fumar”. À distância, fico observando aquelas pessoas, umas dez, gesticulando, falando alto, trocando gozações, acho graça das gargalhadas, das piadas picantes. Do outro lado da rua, na parede de uma casa demolida, entre outras coisas, havia a frase “a miséria não acaba porque dá lucro”. Levanto pra pegar a segunda, levo a garrafa vazia, “pode deixar na mesa”, ela diz, respondo “melhor não, posso esbarrar na mesa, acaba caindo tudo, “tá, vou deixar aqui”, e encosta no canto do balcão. Põe outra e pergunta “tá geladinha, meu filho?” “Tá ótima, mãinha”, ela solta uma risada alta e me olha com simpatia. Sou mais velho que ela, mas não parece.

Pouco depois eu estava fumando, quando aparece um caboclo forte, atarracado, sem camisa e me pede um cigarro, com o olhar cenicamente suplicante. Estendo um na sua direção, sinto seus olhos bons, pergunto se toma uma cerveja comigo. Ele abre um sorriso sem dentes, “claro”, eu tiro a garrafa do isopor e vejo dois dedos de cerveja, entrego a ele. Ele vira no ato e toma de um gole. “Pega outra e um copo”, ele segura a garrafa vazia e me olha desconfiado, “eu, pegar outra?” “É, parceiro, eu pago e tu pega, mas se achar abuso, deixa que eu pego”, faço menção de levantar, ele se adianta, “não, podeixar”. No balcão, a dona estranha, “quequié, Jonas, já veio perturbar o freguês...” Eu interfiro à distância, “tranqüilo, madame, ele não tá perturbando não, eu que pedi, com mais um copo prele me ajudar aqui!” Ela entrega a cerveja e o copo, com a advertência, “olha lá, hein, Jonas!”, ele volta reclamando, “a senhora parece que não me conhece...”
“Então tu é o Jonas que morava dentro da baleia?” “Foi, mas lá era muito molhado”. Rimos e começamos uma conversa divertida. Em certa altura ele diz “minha inteligência não dá pra competir com a sua, não”, a fisionomia reflexiva, ele falava de informações, não de inteligência, mas pra ele era a mesma coisa. “Inteligência a gente não põe pra brigar, não, parceiro, melhor somar, que o inimigo de verdade tá do outro lado, é burrice a gente ficar brigando aqui em baixo”. Vejo identificação e afeto nos seus olhos, um entendimento intuitivo, “tem muita gente burra”, ele diz, “tem muita gente burra”, eu repito. E rimos. 

Em pouco tempo eu já sabia onde tinha maconha, cocaína, crack, mulher, “o que tu quiser tem, se quiser eu vou buscar agora”, “agora não, só trouxe a grana da cerveja, mas amanhã, se eu vender...” Uma mentira estratégica, mudou o rumo da conversa. “Tu vende o quê?” “Os desenhos que eu faço, olha aqui”, e mostrei a multidão estampada na minha camisa. Ele apertou os olhos, “tu que desenhou?”, “foi, olha meu nome aqui”. Ele se esforça, e-du-ar-do ma-ri-nho, com dificuldade. Um sentimento ruim passa por mim, lembro da sabotagem deliberada do ensino público, mas volto ao assunto, “quer ver a identidade?” Ele faz cara de ofendido, “tá pensando que não acredito em tu?” “Tu não me conhece, não acreditar é direito seu. É bom a gente respeitar o direito dos outros, né não?” “Ah, isso é”, e rimos de novo. Depois ele completou, “mas eu já sei que tu é um homem direito”. Foi como um afago na alma. Intuição, sentimento.

Voltei pro hotel, depois de cinco cervejas. Eu pretendia três, mas apareceu o Jonas...  Entrei no ambiente luxuoso, novamente a polidez distante dos funcionários, abismos entre pessoas. Subo ao quarto, questiono a tristeza que me invade nestes ambientes. Vejo as mãos que construíram isso tudo em cada centímetro e que, depois, foram expulsas pra bem longe e proibidas de voltar, mesmo pra apreciar o que fizeram. Os poucos pobres que se permite são o número suficiente pra servir os hóspedes e fazer a manutenção, com regras rígidas, sob um manto de invisibilidade social e ameaça de demissão a qualquer vacilada. Não é o fato de não poderem usufruir o que me incomoda, mas o de serem completamente esquecidas, ignoradas, como se nunca tivessem existido, como se tudo se construísse por si, como os castelos dos contos de fadas. Em geral, essas pessoas não desejam tais luxos e privilégios – até por acharem impossível –, mas apenas o suficiente pra viverem em paz, sem faltar nada do básico. Desejam o desenvolvimento dos filhos e uma vida digna. E isso lhes é negado. O modelo de sociedade imposto pelas influências irresistíveis de mega-empresas, de interesses empresariais, não permite que no centro da estrutura esteja o ser humano. Milhões de pessoas se encontram em condições de exclusão, miséria, ignorância e abandono, outros milhões são explorados impiedosamente em empregos precários, sem direitos ou garantias, apertados em transportes superlotados, sem tempo pra viver de verdade. Bilhões, a nível planetário. A estrutura da nossa sociedade tem nos seus alicerces não só o consumo e a propriedade, mas principalmente os desejos de consumo e posse induzidos nos que não podem consumir nem possuir. Estes são levados a desejar, a sonhar com bens e desfrutes, sonhos entorpecentes que imobilizam, aprisionam e anestesiam a consciência – contando com a ignorância planejada – provocando e estimulando movimentos que colaboram na manutenção desse sistema injusto, covarde, perverso e suicida. O planeta sendo destruído e as pessoas sonhando com novelas.

Tudo isto eu vejo nos requintes, nos luxos, nas pessoas, nos olhares e comportamentos, em tudo neste hotel, uma caricatura da realidade social. Exponho no seu centro de convenções, enquanto espero o momento de palestrar a essa audiência formada por futuros administradores de empresas e futuros empresários que se preparam pra administrar a(s) empresa(s) da família. Não sei bem o que dizer, mas sei mais ou menos. Acho que vai espantar. Pessoas que vêem a realidade da forma que lhes convém não gostam da maneira que eu vejo a sociedade em que vivemos todos. Mas fui chamado e vou jogar minhas sementes. Algumas exceções hão de se fertilizar. Não trago verdades, mas opiniões, não pretendo impor, mas acenar.

Por Eduardo Marinho

(Este texto foi um descarrego. Melhorou o meu estado interno, por sentir alguma utilidade na situação.)

Antes de ir embora escrevi, no quarto, a saída do cinco estrelas. Segue.

Jornal Comunitário que merece apoio

Notícias de dentro da comunidade, dadas por gente boa que mora por ali e vê uma realidade que passa longe dos "grandes meios de comunicação", a quem interessa o silêncio das comunidades. No pequeno vídeo, dá pra entrever as histórias das remoções desde sempre. O Estado dispõe da população de acordo com os interesses dos financiadores de campanhas, grandes empresários que têm total apoio da mídia. A realidade que este jornal mostra é escondida do mundo, daí a sua importância.

Qualquer participação, encomendas pra distribuição, quem quiser ver com os olhos de quem vive conseqüências da estrutura da nossa sociedade, taí. Estão precisando porque remam contra a maré, a única direção digna de se viver - a contra-corrente. Quedas fazem parte da caminhada. É levantar e seguir adiante, essa é uma prática cotidiana nas periferias. O jornal é "A notícia por quem vive", da Cidade de Deus.

http://catarse.me/pt/anoticiaporquemvive# - aí uma amostra das pessoas.

O texto conta a história - http://catarse.me/pt/anoticiaporquemvive#


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A respeito da redução na idade penal


Geralmente leio antes de postar. Nesse artigo passei apenas uma vista - estou saindo pro aeroporto, em cima da hora - mas o tema é de tamanha importância, a meu ver, e está abordado tão de acordo com o que penso, que vai assim mesmo. Depois olho melhor. A fonte é confiável, Tita Ferreira manda bem. Agradeço à Mariana.
17th abr. 2013 | 

Porque nós temos que ser contra a redução da idade penal

“A reflexão que temos de fazer é: por que não se respeita o mínimo que está previsto na lei, nem mesmo o mínimo de políticas básicas (saúde, educação, assistência, moradia, cultura, esporte e lazer), e se introduz tão terrível mudança na vida dos meninos e meninas filhos dos trabalhadores e trabalhadoras?”
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Escrito por Givanildo Manoel
16 de Abril 2013, Correio da Cidadania
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O Estado burguês nunca assumiu o compromisso com os filhos do povo e sim com os da burguesia. Desse modo, a universalização da política não foi uma convicção e sim uma concessão em momento de ascenso da classe trabalhadora, ou seja, esse não é um projeto da burguesia brasileira e combatê-lo parece-lhe natural. Aqui diria que se a burguesia tivesse uma insígnia, essa seria a de -nenhum direito a mais!-
Ivan Karamazov diz que, acima de tudo o mais, a morte de uma criança lhe dá ganas de devolver ao universo o seu bilhete de entrada. Mas ele não o faz. Ele continua a lutar e a amar; ele continua a continuar”. Marshall Berman
Em 1993, três anos após a aprovação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990), numa das leis complementares reformistas, pós-Constituição, foi apresentada PEC (Projeto de Lei de Emenda Constitucional), com o sugestivo número 171. Essa PEC foi proposta só três anos depois de aprovado o ECA. A justificativa da PEC: redução da idade para responsabilidade penal. Depois dessa, em quase todos os anos (1995, 96, 97, 99, 2000, 01, 02, 03, 04, 05, 07, 08, 09, 11, 12), foram apresentadas 30 PECs e PLs (Projeto de Lei), em apenas 23 anos de ECA, com igual ou pior teor.
Como a lei (ECA) nunca teve tema tão exaustivamente debatido como o da redução da idade para a responsabilidade penal, infelizmente, como podemos acompanhar mais uma vez, os sucessivos debates nunca foram feitos pra melhorar a lei. Sempre foram no nível da desqualificação, ou seja, por que uma lei, depois de três anos de aprovada, já sofria ataques e desde sempre sofre?
Esse é o elemento fundamental para que a esquerda possa fazer a defesa dos princípios que fizeram gestar o ECA. Aspectos que precisamos compreender.
Até o ECA, a infanto-adolescência filha da classe trabalhadora era tratada como caso de polícia ou de justiça. Havia uma diferenciação clara e uma separação entre como a justiça tratava os filhos da burguesia e os filhos da classe trabalhadora.
Os filhos da burguesia já conceitualmente eram reconhecidos como crianças e adolescentes e qualquer problema legal que tivessem era atendido pela Vara da Família.
Já os filhos da classe trabalhadora eram controlados pelo Juizado de Menores, que, pela sua concepção de quem eram os seus atendidos, conceituou a chamar os filhos dos trabalhadores de “di menor”, categorizando a infância e adolescência em duas: os filhos da burguesia e os filhos dos trabalhadores.
Esses últimos eram perseguidos, as políticas públicas não os alcançavam (aliás, políticas públicas eram para os filhos da burguesia), eram criminalizados, institucionalizados e tinham os seus passos controlados permanentemente pela polícia e os auxiliares dos Juízes de Menores, que eram os famosos Comissários de Menores, que controlavam a vida dos petizes “desajustados” do sistema.
Com a aprovação do ECA, foi rompida essa categorização de infâncias e passou-se a tratar universalmente como crianças quem tem até 12 anos de idade e, como adolescente, quem tem até 18 anos incompletos.
É importante que prestemos atenção que os poucos direitos dos filhos da classe trabalhadora foram conquistados com muita luta – e lentamente. Um deles, por exemplo, foi em relação à proteção contra a exploração no trabalho. No processo de “industrialização” no Brasil, que se deu principalmente pelo setor têxtil, a mão de obra usualmente utilizada era a das crianças e adolescentes, que comumente começavam a trabalhar entre os 8 e 10 anos e encaravam uma carga horária de 14 a 18 horas por dia. Essa foi uma pauta de reivindicação das greves de 1916 a 1921 e, mesmo assim, nunca foram cumpridas.
Para exemplificar com um caso muito debatido hoje, a PEC do trabalho doméstico, em 2011, constatou-se que existem 250 mil crianças e adolescentes exploradas pelo trabalho doméstico (dados do IBGE). Aqui não façamos confusão: atividades domésticas com exploração de trabalho doméstico, confusão que a direita adora criar para desqualificar a denúncia dessa exploração. E sabemos que 95% são meninas e cerca de 75% delas são negras. E esse é somente um pequeno recorte da real situação.
Se esse direito de não ter a força de trabalho explorada, que foi uma conquista da classe no começo do século passado, não é respeitado, é de se imaginar que os outros, que só recentemente foram assegurados pelo ECA, em um momento de retrocesso conservador e que duramente têm sido atacados, dificilmente serão efetivados.
Uma questão para refletirmos: normalmente temos o discurso de que a categoria infância e adolescência é uma categoria burguesa, talhada pela burguesia para inserir esse segmento no mercado consumidor. Essa premissa pode até ser correta, mas, por outro lado, não se pode esquecer que os direitos da infância estão associados diretamente às conquistas dos direitos das mulheres, já que a conquista dos seus direitos impunha uma nova conjuntura. Tal conjuntura colocava em sua agenda políticas públicas como saúde, educação, creche, entre outras, pressionando para que essas tivessem tratamentos adequados, uma vez que o privado passou a ser público, impondo a necessidade de um olhar público e coletivo, diferente do que havia até então.
Esse talvez tenha sido o momento mais importante do reconhecimento da criança e adolescente, visto que precisavam ser reconhecidos por suas especificidades e, ao mesmo tempo, respeitados por seu momento de vida.
Os direitos sociais que incluem a infância, em sua maioria, são conquistas recentes, principalmente no período da constituição, advindas do reconhecimento da fragilidade no cuidado com as meninas e meninos; uma vitória marcante foi considerá-los prioridade absoluta em todo o processo de organização e estruturação da sociedade.
Claro que nessa decisão havia uma lógica reformista, mas, mesmo dentro dessa lógica reformista, os principais beneficiários pela universalização da política pública foram os filhos da classe trabalhadora, que passaram a ter acesso aos serviços públicos.
Também é importante compreender que os ataques aos direitos conquistados vieram dentro do bojo da resistência à garantia de serviços públicos para o povo; portanto, o ECA e os direitos dos meninos e meninas estavam na contramão daquele momento histórico que apresentava diversas contradições em relação à lei, já que o presidente (Fernando Collor), que sancionou o estatuto, era o principal arauto do Estado mínimo e o responsável pela introdução do neoliberalismo no Brasil.
Logo, o ECA foi aprovado pelas mãos erradas e, poder-se-ia dizer, pelos motivos errados, já que era a única iniciativa voltada à infância e adolescência durante o governo Collor e, vale lembrar, nem sua foi. Ao contrário, sofria resistência da sua parte, pois havia sido construído pelos movimentos que atuavam com a pauta da defesa dos direitos humanos das crianças e adolescentes.
Collor tomou a iniciativa de sancionar a lei que estava engavetada devido à proximidade da realização da Cúpula Mundial para a Infância (1990), na qual o Brasil iria sofrer duras críticas que fragilizariam ainda mais a sua débil condição interna. Sua decisão, portanto, não foi por convicção, mas sim pela pressão que sofria naquele momento.
Desse modo, o centro do debate não é a redução da idade para a responsabilidade. Essa é a fumaça que a burguesia joga para esconder o debate real, e que, infelizmente, encontra um enorme espaço na sociedade. Infelizmente, hoje os trabalhadores são vítimas da indústria do consenso, aproveitando-se do baixo nível de consciência de classe, que não se entende como classe em si e, portanto, que adere à cultura burguesa retribuitiva, cujo objetivo é manter o controle sobre os filhos dos trabalhadores.
Um dos exemplos mais visíveis é um dos crimes mais bárbaros e chocantes que aconteceram no último período: o assassinato do índio Galdino, o líder pataxó Galdino Jesus dos Santos, como era conhecido, queimado cruelmente enquanto dormia. Passados exatos 16 anos, se fizermos uma pesquisa despretensiosa, veremos que os envolvidos (alguns adolescentes) estão bem, empregados e paira um silêncio sepulcral da mídia. Por que isso? Porque esses jovens eram filhos da burguesia brasiliense. Como esses, iremos verificar muitos outros, como o mais escandaloso e recente deles, Thor Baptista (filho de Eike Baptista), que atropelou e matou um ciclista, fugiu e a única penalidade que sofreu foi ter retirada a sua carteira de motorista.
A justificativa dos juízes sempre é mais adequada à sua origem social, que os adolescentes burgueses têm famílias estruturadas e os da classe trabalhadora não!
Voltemos então para o cerne do debate: o primeiro é sobre a farsa do aumento da violência, o total dos crimes graves cometidos pelos adolescentes. Nunca chegaram a traço se comparados aos adultos, mas existe toda uma mídia em torno de atos praticados por adolescentes. Desde a década de 90, o jornalista José Arbex, professor da PUC São Paulo, tem denunciado um complô nas redações contra os adolescentes, definindo que, em qualquer ato que os envolva, a pauta tem de aumentar. No jargão do jornalismo, aumentar a pauta é dar mais destaque para essas situações, logo, tal destaque aumenta a sensação de insegurança provocada pelos adolescentes.
Segundo ponto importante: o ECA nunca foi implantado no Brasil, legislação que, efetivada, garantiria políticas preventivas que respondessem às necessidades da infanto-adolescência. Ao contrário, a lei, além de não ser implantada, foi sendo mudada para pior, não cumprindo o seu papel. As vítimas reais foram as crianças e adolescentes. Por exemplo, o Brasil é o 4º país do mundo quando o assunto é violência contra as crianças e adolescentes. Entre 1980 e 2010, aumentou em 346% o número de mortes de crianças e adolescentes, segundo o Mapa da Violência 2012.
Em terceiro, vem a farsa da redução da idade para que um adolescente possa ser criminalizado: segundo o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), em 2011, 56% dos encarcerados estavam na faixa de 18 a 29 anos. Na prática, a redução já está em vigor – e nem precisamos aqui debater qual a classe social e a etnia dessa população carcerária. O Brasil é hoje o 4º país que mais encarcera no mundo. São mais de meio milhão de encarcerados
O que deseja essa redução? Por que isso não é claramente debatido?
Constatado quem são as vítimas desse processo violento de criminalização de todas as ordens, é necessário discutir aquilo que ninguém discute: qual intencionalidade por trás desse debate? Por que é importante não efetivar o ECA ou o que ainda resta dele? Por que é importante encarcerar os filhos dos trabalhadores, cada vez mais cedo? Por que as centenas e milhares de mortes dos filhos da classe trabalhadora não provocam tanta comoção para pedir a prisão dos governantes por não garantirem as condições de dignidade de vida previstas no ECA?
O Estado burguês nunca assumiu o compromisso com os filhos do povo, somente com os da burguesia. Desse modo, a universalização da política não foi uma convicção, mas uma concessão em momento de ascensão da classe trabalhadora, ou seja, não é um projeto da burguesia brasileira e combatê-lo parece-lhe natural. Aqui diria que, se a burguesia tivesse uma insígnia, essa seria a de “nenhum direito a mais!”.
Se não pensarmos esse processo de encarceramento dentro da lógica do capital, sua necessidade de exploração e reprodução, também não entenderemos por que se encarcera em massa. O encarceramento em massa se insere dentro de tal lógica, pois, ao ter um enorme contingente de encarcerados, é possível explorar a sua mão de obra da forma mais precarizada possível, instituindo assim um Estado penal como o dos EUA. Por isso, encarcerar jovens é um objetivo, já que se trata do período da vida mais produtivo do indivíduo. Isso sem contar com a não responsabilidade de cumprir os demais direitos sociais do trabalhador (saúde, educação, moradia etc.).
Hoje, nas grandes e médias cidades do Brasil, as periferias estão sitiadas. A imprensa burguesa não faz nenhuma questão de esconder: apresenta em horário nobre a população periférica, em especial a juventude, sendo achacada e morta pelo aparato de segurança pública do Estado. É visível que se trata de uma propaganda da lógica do encarceramento em massa, visto que a imprensa não pauta a necessidade de resolver os problemas relacionados à forma de coerção, contenção e morte da juventude trabalhadora e nem promove minimamente debates com a mesma proporção que a morte de um filho da pequena burguesia provoca.
Esses são alguns dos argumentos que têm que fortalecer nossa convicção socialista de que a redução da idade (que na prática já ocorre) não resolverá os problemas de segurança pública pelos quais passamos, já que qualquer política de segurança exitosa reforçaria as políticas sociais e não recrudesceria a relação com a juventude. Entretanto, como as políticas sociais alcançariam os filhos do povo, essas não são reforçadas e passamos por um processo de desmonte desastroso.
Outro aspecto importante é que o debate tem sido colocado com muita intensidade pelo PSDB e, em especial (não eximindo a responsabilidade do governo federal petista), pelo governador Geraldo Alckmin. Algo não sem sentido, já que o estado de São Paulo é o maior violador dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes e o principal ideólogo dessa política de segurança que massifica e recrudesce a relação com a juventude. Não nos esqueçamos de que há seis meses, na posse de quase 200 delegados de polícia, Alckmin afirmou em discurso que o principal objetivo daqueles recém-empossados deveria ser o recrudescimento contra a juventude. Não esqueçamos que Geraldo Alckmin foi o introdutor da política da tolerância zero, que levou à explosão do sistema penitenciário e possibilitou a criação de diversos grupos criminosos, inclusive no próprio aparato de segurança do Estado.
A reflexão que temos de fazer é: por que não se respeita o mínimo que está previsto na lei, nem mesmo o mínimo de políticas básicas (saúde, educação, assistência, moradia, cultura, esporte e lazer), e se introduz tão terrível mudança na vida dos meninos e meninas filhos dos trabalhadores e trabalhadoras?
Não vou discutir as mudanças que foram introduzidas na lei (ECA), pois precisaria de espaço igual ou maior para tais reflexões, mas é forçoso dizer que rebaixaram a interpretação e a sua força inicial. Reduzir a idade, no entanto, seria a autorização para agravar ainda mais a já agravada e incerta vida dessa juventude.
Nenhum socialista pode ter dúvida de que lado deverá estar no debate, porque somos depositários do legado humanista, sonhamos um dia vir a ser este o projeto vencedor. Projeto que inclui um olhar diferenciado sobre os meninos e meninas, que criará todas as condições para que possam ser atendidos, cuidados e olhados em todas as suas necessidades.
Essa sociedade não permitirá que nós, os adultos, nos confrontemos com a infanto-adolescência ou muito menos nos omitamos das nossas responsabilidades para com os nossos filhos e filhas, que serão os herdeiros e perpetuadores desse legado de liberdade, igualdade e generosidade.
Nós não podemos ter dúvida de colocar em todas as lutas em que estamos inseridos, principalmente nas lutas por direitos sociais, a luta contra a redução da idade penal dos filhos da classe trabalhadora. Não podemos esperar que a burguesia assuma esse papel. Essa tarefa nos pertence, na medida em que serão nossos filhos e filhas que pagarão o preço das consequências do que tem sido provocado pelo capitalismo.
Não à redução da idade para a responsabilidade penal! Sim à saúde, moradia, educação, cultura, lazer e assistência social!
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“o fascismo consegue atrair as massas porque faz apelo, de forma demagógica, às suas necessidades e aspirações mais sentidas” [Dimitrov, 1935]

domingo, 14 de abril de 2013

Cícero Garcez e a ordem pós moderna

Eu estava em Porto Alegre, ele apareceu na noite, cara de moleque e olhar de alma antiga, inconformação estampada, inteligência aguçada, personalidade leonina. Circulamos juntos, falamos muito, tomamos várias. Agora ele me envia esse trampo, duvido que tenha espaço na mídia. O que presta ao coletivo não aparece na mídia privada. Valeu o encontro, ficou a identificação. Quem achar que deve, divulgue. Foi o que eu fiz.

Por figuras como essa é que eu não aceito afirmações depreciativas sobre "a juventude de hoje", porque as juventudes através dos tempos midiáticos tiveram predominância de alienação e consumismo, muito mais forma que conteúdo. E tiveram suas exceções, que são o que vale a pena em todas as faixas etárias. A humanidade é um garimpo, como disse um velho garimpeiro na Amazônia, em 1980, eu tinha 19 anos e tava na estrada. É preciso garimpar pra achar as pepitas de ouro humanas. Naquela época, eram muito raras, hoje encontro com muito mais freqüência. Sinal dos tempos. Luzes andam se acendendo, apesar da propagação midiática massiva de trevas, de alienação, de inconsciência, de consumismo e competição entre irmãos. Somos todos a mesma família, ainda que não tenhamos tomado consciência disso. Os poderosos de plantão fazem de tudo pra impedir a real informação, a real instrução, a solidariedade, a união das pessoas e dos povos. Seu medo é um mundo menos injusto, perverso, covarde, hipócrita, concentrador de riquezas pra poucos e espalhador de sofrimentos pra maioria explorada, sabotada, enganada, roubada e excluída dos benefícios do desenvolvimento tecnológico - em grande parte a serviço do controle e da repressão a qualquer tipo de organização popular, solidária, esclarecedora e reivindicadora. Os privilégios desse punhado custam o sangue, a saúde, a vida e os direitos de enormes parcelas da humanidade. Mas a realidade é cada vez mais conhecida, toma-se consciência e esse é o pavor dos privilegiados. Luzes que acendem outras luzes, se multiplicam, se propagam. Nada vai deter a caminhada. Muitos não acreditam e se acomodam. Muitos se tornam em agentes desse processo e, no mínimo, ganham um sentido na vida menos vazio que os sentidos apresentados pelas convenções.

Somos muitos trabalhando no serviço de conscientização, na contra-corrente desse modelo absurdo de sociedade que nos enfiam güela abaixo, como se fosse não apenas a melhor, mas a única forma de existência coletiva - descarada, deslavada mentira ricamente ornamentada pra enganar os trouxas.

Tamo junto, parceiro, eu, tu e muitos outros. Podem nos matar, mas não podem nos controlar. E se for pra viver uma vida controlada, medíocre, conformada e sem sentido, é melhor mesmo nem viver.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Trabalho escravo na vida de cada um

Esse texto me chegou hoje. O que diz é necessário e claro, sobre a inconsciência conivente da grande maioria das pessoas, hipnotizadas pelo massacre midiático, pelas imposições dos "mercados" de trabalho e de consumo - na verdade fachadas criadas por mega empresários e seus publicitários e marqueteiros, pelo estilo de vida criado, alimentado e usufruído por eles mesmos, infiltrados nos poderes públicos, imunes a reais mudanças na estrutura social. É um "sacode" pra muita gente que se pensa relativamente consciente. Canso de ver ativistas usando roupas de marca - assim o trabalho não é completo. Não se pode mudar o mundo sem mudar a si mesmo, sem tomar nas mãos os próprios valores, os próprios objetivos, sem olhar a sociedade em volta com os próprios olhos, sentindo a realidade com o próprio coração. Parece simples, mas é mais difícil do que parece. O texto tá repleto de referências, sugiro examinar todas elas.

Estima-se em oito mil as oficinas de costura em São Paulo, com 100 mil escravizados, a esmagadora maioria latinoamericanos, a serviço das marcas que se usa por aí. Veja um caso em http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/boliviana-que-falou-163058884.html

Foi enviado pra mim por José Rosa, amigo da Bahia. Valeu, Zé.

Abraços a todos.

Quantos escravos trabalham pra você?
01.04.2013

Anna Haddad

E se eu dissesse que um menino doce e inteligente de 12 anos, recém chegado da Bolívia, mora em uma casa de apenas 90m² no centro de São Paulo com mais 27 pessoas, entre parentes e desconhecidos? Que essa casa velha e úmida mal comporta todas as beliches cobertas com roupas de cama maltrapilhas, porque tem que ceder espaço para colunas babilônicas de tecidos e máquinas de costura?
E se eu dissesse que esses 28 trabalham cerca de 13 horas quase ininterruptas por dia, no mesmo lugar em que moram e comem e vão ao banheiro e dormem e acordam e começam tudo outra vez, por R$350,00 mensais?
E se eu dissesse ainda que todos os 28, por não terem como pagar pela casa velha e pela comida úmida, contraem dívidas absurdas e infindáveis com o indivíduo que os contratou, e, por isso, tem seus passaportes e pertences apreendidos até que o pagamento venha?
E se eu dissesse que quem financia isso tudo é você?

Link Youtube | De onde vem esse seu macacão estiloso, brother?
Em pleno século 21, enquanto alguns falam de Google Glass e discutem as questões éticas daclonagem terapêutica, os 28 costuram sem parar em instalações insalubres por 4 reais a peça.
Essa mesma jaqueta que você comprou por 150 reais ontem na liquidação de verão e correu para chegar em casa, vestir e mostrar para o namorado. Essa jaqueta que você estava procurando, deu a sorte de encontrar e que te caiu como uma luva.
Em pleno século 21, aqui, no Brasil, o trabalho escravo não está só na manufatura têxtil. Esse é só o exemplo mais próximo de mim. O trabalho escravo está em todo o país, muito provavelmente na sua cidade, no seu bairro. Nos diversos fornecedores da indústria têxtil, na pecuária, na agricultura, na indústria madeireira, na construção civil, nas carvoarias.
Mas, calma. Você não tem nada a ver com isso.
Porque você não sabe, certo? Você não sabia de nada disso. Ou ainda que soubesse, entende que não há o que possa fazer. Claro. Porque você não é o dono da GAP, Cori, da Luigi Bertolli, Emme, Collins, Gregory (…) E não é você quem contrata essas pessoas e as submete a essas condições de trabalho horríveis. E se não for lá, onde é que você vai comprar as suas roupas, não é mesmo?
E de que adianta você parar de comprar essas pechinchas incríveis que encontra nas ruas do centro, nas Lojas Marisa, Pernambucanas, C&A, se todo mundo continua comprando? Que diferença vai fazer, não é? Além do mais, aquela bota tinha um ótimo preço, e não te interessa, na verdade, de onde é que ela veio e o que é que foi preciso ser feito para que ela estivesse aí, bonita e confortável no seu pé, certo?
Alguém foi mal pago para a sua camiseta custar quinze reais na 25 de Março
O bom é que agora você sabe. Vai dormir e acordar sabendo. Vai ter de admitir que sabe, e encarar cada escolha. Sabendo. Que quatro ônibus com 235 trabalhadores em situação análoga a de escravos foram apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal do Piauí. Que imigrantes de 12 anos de idade trabalham 16 horas por dia para fazer a sua camiseta descolada de gola V da Zara. Que é você quem financia cada uma das 28 máquinas de costura.
Não precisa ser um fashionista pródigo. Muito pelo contrário. Você, que não se importa muito com o que veste, e só quando precisa recorre a alguma loja de departamento para comprar uma polo descolada a um bom preço. Você, sempre antenado nas últimas tendências ditadas pelo mundo da moda. E você, que vira e mexe vai até o centro de São Paulo atrás daquelas pechinchas no atacado. Que pega carona com a mãe até a Pernambucanas que é para ver se sai de lá com uma bermuda ou 2 camisetas básicas. Não é fácil lavar as mãos.
Se você não sabe de onde é quem vem, muito provavelmente, financia o trabalho escravo.
São dois os fatores escancarados e objetivos que mantém o trabalho escravo no país. O motor econômico (que alimenta empregadores inescrupulosos e faz com que você vá até o centro da cidade, compre aquela camiseta bacana por vintão e saia se achando esperto), e a impunidade de crimes contra os direitos humanos.
Mas há um terceiro, que penso ser o mais importante guarda-chuva dos maiores problemas da humanidade. A desconexão.
Pessoas submetem pessoas à condições de escravidão porque, como você e eu, acham que não tem nada a ver com isso.

Link Vídeo | Daniel Goleman fala da sua desconexão
Sobre esse processo de “desligamento empático”, não tem como não transcrever um trecho da fala do Daniel Goleman no TED Lateral Thinking, em 2007:
“Os objetos que compramos e usamos têm consequências ocultas. Somos todos vítimas passivas do nosso ponto cego coletivo. Nós não notamos. E não notamos que não notamos. Somos indiferentes às consequências ecológicas, de saúde pública, sociais e econômicas das coisas que compramos e usamos. De certa forma, a própria sala é o elefante branco na sala, e nós não vemos. E nos tornamos vítimas de um sistema que nos aponta para o outro lado.”
O assunto daria milhares de outros textos.
Hoje, eu só vim aqui para te fazer notar que você não nota.
Que existe trabalho escravo. Aos montes. Agora. Não há 150 anos atrás, em período escravocrata.Aqui, no Brasil, não em Zimbábue. Em Goiás, Minas, Santa Catarina. No Brás, em São Paulo – não só naquela fazenda escondida no sul do Pará.
Hoje, eu vim aqui para dizer que você tem tudo a ver com isso.
E aí? Quantos escravos trabalham para você?

Anna Haddad é advogada faz-tudo. Inventa, planeja, provoca e escreve. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de crowdlearning Cinese. Acredita em Deus, no Mário Quintana, no poder de articulação das pessoas e em uma educação livre e desestruturada. Tá por aí, mais nas ruas do que nas redes.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Liberdade de expressão, pela liberdade de consciência.




Praça Saenz Peña, Tijuca. Eu expunha junto com os camelôs, na calçada da Conde de Bonfim, meus brochinhos feitos a mão, gravados em relevo no metal. Frases, símbolos, desenhos, dizia o que achava necessário, no estímulo à reflexão. Alguns brincos, pulseiras e colares, mas basicamente brochinhos, em grande quantidade.

No meio daquele monte de gente passando, reparei no casal que vinha olhando, de banca em banca, sem dar muita atenção a eles. Até que pararam na minha, examinando atentamente os broches. Ela era mais escura, com uma bolsa pendurada no braço, ele trazia uma pochete grande atravessada no ombro, tinha os cabelos louros e encaracolados, apesar de ser moreno, e uns óculos redondos, que davam um ar meio alternativo. Ele então fala, apontando um brochinho redondo, com a folha da cannabis verde e letras em vermelho, usuário não é bandido, “aaah, você que tá vendendo maconha...”

Primeiro sinal, vinham de banca em banca, independente da mercadoria, olhando demoradamente. Segundo sinal, o “aaah...”, mostrando que haviam encontrado o que procuravam. Os dois sinais passaram despercebidos.

Retruquei, tranqüilo, maconha, não, isso é só um desenho gravado no metal. “Vai me dizer que essa folha não é de maconha?”, ele perguntou, incisivo – mais um sinal despercebido, o tom de voz. Respondi que sim, representava a maconha, um assunto que deveria ser debatido na sociedade e por isso constava no meu trabalho, entre tantos outros assuntos. “Mas isso é apologia, é crime” ele estava meio hostil, mas minha tranqüilidade não permitia que ele subisse o tom. Disse que não havia nenhum dizendo que maconha era bom, nenhum incentivando o consumo – havia vários – bastava ler os escritos. Usuário não é bandido, pela liberdade de consciência, proibição gera tráfico, consciência e liberdade, descriminalização, fui apontando e lendo, tinha até um com letras grandes em cima da folha, NÃO USE, e em baixo, com letras pequenas, à toa. Ele argumentava na linha da criminalidade, eu falava da liberdade de expressão artística, consegui manter uma conversa amigável, até que ele não teve mais argumentos e apelou. “Tudo bem, já vi que tu é bom de idéia, mas se passar um policial por aqui, pode dar problema, ele não vai querer saber do teu papo, vai te levar pra entorpecentes (a delegacia, mais um sinal, a intimidade dos termos), tu pode ser processado, no mínimo vai perder o dia de trabalho...” e nessa eu me quebrei, quando respondi “ah, não tem esse perigo, não, amigo, isso aqui é arte. Um policial é um ser tão embrutecido, tão animalizado, tão tosco e ignorante que ele passa por aqui e nem me vê, é igual bicho,” apontei uma enorme banca de laranja na esquina, “vai parar lá nas laranjas, tá vendo aquela banca de laranjas lá? Ali ele para, que laranja ele pode comer, arte não vale nada pra ele, não tem sensibilidade, é igual bicho...”

Senti o impacto nos olhos dele, um brilho de raiva passou rápido, ele deu um passo atrás, meteu a mão no bolso e puxou uma carteira, “polícia, rapaz, cê tá preso!” Deu um frio na barriga, me toquei de repente do meu enorme vacilo, tentei desenrolar. “Peraí, irmão, se tu parou aqui, tá olhando meu trabalho, deve ser uma exceção à regra, tem mais sensibilidade que o geral, não vai prender um trabalhador...” Ele riu, “tu é bom, mesmo, mas não adianta”, fez um sinal e do meio do trânsito apareceu um carro da polícia civil e parou junto à calçada. Ainda tentei, “pô, cara, cê tá prendendo um pai de família, não vai fazer isso na frente da sua noiva...” Ambos riram, ela abriu a bolsa, tirou uma carteirinha – polícia –, eu vi a arma dentro da bolsa. “Era atrás de você, mesmo, que a gente estava” – minha cabeça formigava, eu começava a me sentir um idiota de não ter percebido antes os sinais que agora se acumulavam na memória, de repente. Tentei ainda conversar, mas ele cortou, “vai levar suas coisas, ou vai deixar aí?”

continua

terça-feira, 2 de abril de 2013

Postagem de emergência: ataque do estado aos moradores (pobres, claro) do Horto, no Rio de Janeiro.



Comp@
Está marcado para amanhã, dia 03/04, o início do cumprimento da ação de despejo de algumas casas do bairro do Horto, a despeito das negociações entre a União e representantes da comunidade apontarem soluções para o impasse.
O pessoal da Manoel Congo solicita apoio militante, jurídico e de divulgação na imprensa popular, além do comparecimento de todos(as) que puderem ir para o local, às 7h30 da manhã. É possível contar com sua contribuição, ajudando a mobilizar imprensa?

Abs,
Rodrigo Marcelino da Silva



Há tempos acompanho o movimento de retirada dos pobres, mais uma vez, de áreas valorizadas, para expansão da classe média e "limpeza" dos bairros "nobres", no Horto do Jardim Botânico. A limpeza social está acontecendo em ritmo acelerado com as obras da copa, das olimpíadas, do tal porto maravilha. A povo do Horto já é assediado há tempos. Agora estão aproveitando o embalo das desocupações, desapropriações e remoções pra se consumar mais esse crime contra a humanidade. Centenas, milhares de famílias que se alojaram como puderam, próximo ao trabalho na construção, manutenção e serviços dos bairros das classes médias. Ali construíram suas vidas, há gerações. Agora, no comportamento típico do pensamento empresarial imposto ao dia a dia, na vida de todo mundo, essas pessoas se tornaram indesejáveis, por vários motivos, além de exporem em suas existências as injustiças e diferenças criadas por um sistema social direcionado a concentrar riquezas, patrimônio e poder nas mãos de pequenas minorias, tão menores quanto maior for o poder. Incomodam as consciências.

Mas, sobretudo, estão no caminho dos lucros. A especulação imobiliária flutua pela cidade e suas áreas valorizadas, por qualquer motivo. Sabotados em instrução, em informação, em cidadania, são facilmente varridos dos seus lares, com o uso do aparato de segurança pública, escorado por malabarismos jurídicos que não levam em conta vidas, mas sim interesses. Em nossa propriedade sua vida vale o seu patrimônio. Tendo pouco, se é pouco e se vale pouco. Valor foi confundido com preço. A maioria, anestesiada em sua consciência, não percebe a formatação estatal contra a população e a favor dos interesses mega-empresariais.

Mas há pessoas, e cada vez mais, tomando consciência. Movimentos se formam como nunca, informações vazam como antes não era possível, associações, cooperativas, coletivos e indivíduos caminham na direção da luz, enxergando e atuando na mudança do modelo de sociedade atual. O trabalho é árduo, difícil e perigoso, mas sem ele cada vez mais vidas perderiam o sentido. "...esses são os imprescindíveis." A resistência cada vez aumenta, se faz presente. A divulgação é fundamental, o apoio dos movimentos e das pessoas que puderem é fundamental, como nunca se consegue bloquear, ainda que poucas vezes, a ação criminosa do Estado regido por gerentes que, afinal de contas, recuam quando movimentos populares se aglomeram de tamanho considerável. Aí essas marionetes dos poderes econômicos peidam na farofa. Se borram de medo do povo. Por isso tanto esforço em estragar a educação pública e narcotizar as consciências com uma mídia feita pra isso. Narcotizar as consciências, induzir ao consumo, fabricar valores de competição pra nos atirar uns contra os outros e impedir a solidariedade e o entendimento sobre o que acontece em nossa sociedade.

Recebi esse apelo e pedi informações complementares. Não sei quem é Rodrigo Marcelino da Silva, o que ele está representando, escrevi a ele perguntando. Mas sei que muita gente envolvida nos movimentos sociais não pode estar à beira de um computador, a não ser esporadicamente. Como a ameaça de despejo é pra amanhã - ela vem pesando há tempos sobre as cabeças dos moradores, muitos nascidos e criados ali, muitos se criando, muitos no final do caminho da vida - eu resolvi postar logo. Depois, com a resposta provável, acrescento aqui mais informações.

Por enquanto fica o apelo a quem puder ajudar, a quem quiser participar, somando pra impedir essa injustiça, no apoio, em respeito e solidariedade às gerações familiares que passaram, passam e devem continuar passando nessa área tradicional e histórica da cidade, estendendo a essa comunidade a inclusão devida a todas as estruturas da nossa sociedade, explicitadas na Constituição Federal.








Do Comitê Popular :

Ação de despejo no Horto está marcada para esta quarta-feira, dia 3

Após a truculenta ação da polícia militar na desocupação da Aldeia Maracanã, outra polêmica reintegração de posse está marcada para amanhã, dia 3 de abril, na comunidade do Horto, no Jardim Botânico. A ação poderá ocorrer a qualquer momento a partir das 6h. A Justiça Federal pretende despejar sete famílias. Entre eles, um casal de idosos de 71 e 68 anos, com seus filhos, netos e bisnetos. Porém, moradores e movimentos sociais prometem resistir.

Veja neste vídeo a história do Horto e de moradores idosos que nasceram lá: http://youtu.be/Mr0fHavvOVg

A juíza da 23ª Vara Federal ignorou os direitos das 621 famílias que vivem na região há mais de um século com autorização do Jardim Botânico, desrespeitando também a vontade da própria dona da terra, a União Federal, que já tem projeto de regularização fundiária que mantém as famílias na área e ao mesmo tempo preserva o meio ambiente. Um estudo da UFRJ mostra que basta o remanejamento de 10% das residências dentro da própria comunidade para que quaisquer questões de segurança e possíveis problemas ambientais sejam resolvidos. Além disso, os próprios moradores vêm atuando há décadas na preservação da vegetação e no controle do crescimento urbano da região. 

A aposentada Celeste Dias, de 75 anos, que também pode perder sua casa, confia no apoio dos demais moradores do Horto, assim como de todos os cariocas:  "A nossa vida inteira foi aqui. Se você olhar essas mansões pelo Jardim Botânico, não vai encontrar nenhuma mais velha do que o Horto, mas ninguém fala em tirar elas. Agora, querem acabar com a nossas casas, as nossas vidas". 

Serviço: Local - Casa do Sr. Delton: Rua Pacheco Leão 1235, Grotão, ao lado da sede do SERPRO 
Assessoria de Comunicação: Mario Campagnani (21) 9849-2025
Mais informações: Mariana Medeiros (21) 9106-9181 e Clara Silveira (21) 9618-7351
Associação de Moradores do Horto: Emília Souza (21) 9384-5125 e Wilson Resende (21) 8231-1173


O vídeo abaixo conta um pouco da história do Horto e das famílias que moram lá. Não consegui incluir como vídeo, então ponho o link pra quem quiser ver.

http://www.youtube.com/watch?v=Mr0fHavvOVg&feature=youtu.be


Em 3 de abril, às 3 horas da tarde:
http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/no-rio-moradores-da-comunidade-do-horto-mantem-vigilancia-para-impedir


5 de abril, quinta de manhã:


Polícia Federal faz reintegração de posse no Horto do RJ

04 de abril de 2013 | 11h 57


CLARISSA THOMÉ - Agência Estado
Agentes da Polícia Federal e um oficial de Justiça chegaram na manhã desta quinta-feira ao Horto, no Jardim Botânico, zona sul do Rio para uma reintegração de posse. Eles cumprem decisão da 23ª Vara Federal, que determinou a reintegração de quatro casas na área do Jardim Botânico. Ali vivem sete famílias.
A desocupação das quatro casas está dentro de contexto maior - 620 famílias vivem no terreno do Horto Florestal, em casas doadas ao longo dos anos por sucessivas administrações do parque e também pelo Ministério da Agricultura.
O presidente do Jardim Botânico, Lizt Vieira, que já apresentou seu pedido de demissão, defende "alternativa digna de moradia" para as famílias, mas sustenta que as casas no terreno do parque contrariam interesses científicos e ambientais.
Os moradores se recusam a sair. Eles aguardam a regularização das famílias no local, defendida pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Os moradores têm o apoio do deputado federal Edson Santos (PT), ex-morador do local.
Entre os moradores que estão para ser despejados está o senhor Delton, de 71 anos, que vive no Horto desde que nasceu. "Ele não tem para onde ir. Simplesmente vai ficar na rua. A juíza está irredutível, não quer reconhecer que essas casas fazem parte do projeto de regularização fundiária que já está em curso em Brasília", afirmou Emília Souza, da associação de moradores. 

“Eternos” desabrigados




Há tempos fui convocado no meio da noite pra participar da construção de uma favela cênica, na praia de Icaraí, por Raymundo Araújo Filho*. A ação era um protesto pelo desprezo do poder público com a situação dos desabrigados das chuvas de 2010, em Niterói, principalmente dos moradores do Bumba, onde ocorreu o maior desabamento, com o maior número de mortos e desabrigados. Os números foram minimizados nas estatísticas oficiais e na mídia privada.

Fui e passei a madrugada na atividade, quando amanheceu pudemos perceber o impacto da imagem, na cara dos que iam pro trabalho ou se exercitavam de manhã na praia. E assim conheci parte dessas pessoas, gente boa e solidária, do tipo que tem amor no olhar, sofrendo o desdém de políticos e mandatários – a prefeitura chegou a entrar com uma ação na justiça, pedindo isenção do dever de fornecer alimentos aos desabrigados, proposta “felizmente” rechaçada por alguma instância jurídica, mas claro sintoma da omissão intencional desses eleitos de araque.



O efeito da manifestação foi tamanho que despertou o interesse de entidades políticas pra cima da associação, os mesmos que tinham se recusado a apoiar a iniciativa, com o batido argumento estratégico de que “não era o momento” – pois que a atividade não fora planejada por aquela entidade, que não tolera independência ideológica. Logo surgiu o “gentil” convite para reuniões no DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFF (Universidade Federal Fluminense). Desconfiado, participei de três reuniões, confirmando minhas suspeitas de que tal “apoio” visava a infiltração e o aparelhamento político do grupo. Depois de vários atritos desses cooptadores partidários com um Raymundo feroz e algumas cabeças independentes e seguras de si, apesar da sabotagem instrucional da maioria, o comitê foi integrado ao balaio das siglas da tal entidade, devidamente esterilizado das resistências.

Raymundo continuou com o grupo, correndo por fora, até o dia em que foi embora, abandonando o mundo físico. O comitê dos desabrigados, desde então, parou, segundo Adriana. Cheguei a ver seu nome em faixas, nas manifestações do tal partido, como um "capital político" a ser exibido, pra ficar bem na foto, como aglutinador de movimentos populares. Fachada cobrada pela estrutura política e um "capital" sem o que não se sobrevive na estrutura político-partidária.

Estive com Francisco e Adriana, que foram “abrigados” nas ruínas de um batalhão abandonado pelo exército, sem condições de receber ou abrigar ninguém. Eles estavam comparecendo num debate na Câmara Municipal a respeito dos prédios construídos para abrigar as famílias que ainda não dispersaram, por falta de opções (a estratégia de dispersão é procedimento comum e cruel, da parte do poder dito “público” pra com os mais pobres). Antes de serem terminados, eles estavam desabando.

Adriana me contou que um vizinho de bloco, no batalhão, também desabrigado do Bumba, conseguiu um emprego de ajudante de pedreiro nesses prédios. Depois de certo tempo, pediu demissão. Era muito ofensivo pra ele conviver com os “critérios” da construção. O terreno era um brejo aterrado, mas as construções não tinham fundações suficientes. Quando comentava que a mistura do concreto tinha areia demais, ou quando reparava algum erro de esquadro, de nível ou qualquer outro, recebia respostas de desprezo, “faz de qualquer jeito, isso aqui é pra pobre”. Ele não suportou conviver com aquilo e, mesmo sem outro emprego, saiu.

“Depois que o Raymundo morreu, não aconteceu mais nada”, disse Adriana, que na época estava grávida. Ela mostrou foto do banheiro comum do bloco dela, um buraco no chão, sem vaso. Os encanamentos, destruídos sob a terra pelas raízes das árvores, estão sempre entupindo e o fato de ter que retirar e recolocar o vaso sanitário pra desentupir ou, pelo menos, esvaziar os canos, acabou quebrando o vaso. Nos primeiros três meses (três meses!) a prefeitura contratou uma empresa de alimentação. O cardápio era arroz, feijão, salsicha e batata palha, todos os dias, sem mudança. Dia sim, dia não, vinha estragado, o cheiro de azedo causando repulsa. Fogões eram proibidos, ninguém podia fazer sua comida. Adriana estava em gravidez de risco, tinha alimentação controlada, levou ao responsável da prefeitura as recomendações médicas, mas nada adiantou, a proibição foi mantida, até que a liberação veio, acredito que pra livrar a prefeitura da responsabilidade pela alimentação que, apesar de porca e precária, consumia um dinheiro público que se desejava em outros setores que não os pobres. Mas a empresa continuou contratada e mandando as quentinhas, estragadas com freqüência revoltante. Até o vereador Renatinho, em visita, presenciou a chegada dessa comida, com uma parte das refeições azeda.

O desrespeito, o modo criminoso como são tratadas essas pessoas, em situação de fragilidade extrema, mostra bem o tipo de sociedade em que vivemos, que se utiliza e depende do trabalho dos mais pobres, os explora e os abandona à própria sorte, exceção feita às ações de fachada, pra “ficar bem na foto”. Numa cultura que valoriza a forma acima do conteúdo, fica bem aos eleitos fazerem cara de bonzinhos, escondendo os enormes dentes caninos.

Já havia pessoas se recusando a morar ali, a localização desfavorecida, as dificuldades de acesso agora se somam à insegurança das estruturas. Francisco e Adriana disseram que, quando os prédios começaram a rachar, foram colocados tapumes novos e fizeram uma pintura na ruína do quartel, consertando algumas coisas antes de virem representantes da prefeitura comunicar que os prédios não vão sair no tempo previsto.

Ninguém falou em levar mostras do cimento a estudos pra determinar sua composição, em analisar as estruturas subterrâneas de tais construções, em examinar os contratos feitos entre a empresa construtora e o dinheiro público aplicado na falcatrua.

Aliás, conversando com Francisco, soube que ele foi com um amigo ver a obra e foi impedido. Perguntei pelo nome da empresa, ele não sabia. Disse que não há uma placa sequer, com nome de engenheiro responsável, com dados técnicos sobre a construção, nada, nenhum indicativo. Isso não é exigido em lei? A mim, parece o sinal da índole dessa empreitada. Por que ninguém falou em auditoria na tal sessão da câmara?

Ouvi conversas entre as famílias desabrigadas. Segundo eles, uma tal dona Cléia administra a área desde o mandato anterior. Uma empresa de segurança que, dizem, é do filho dela, faz o cerco na área, alegando fazer a função de portaria, mas impedindo jornalistas e ativistas de entrar, fotografar ou filmar na área – mais um sintoma do procedimento criminoso praticado com a anuência ou cumplicidade do poder público local. Há no ministério público, ainda segundo os desabrigados, diversas denúncias sobre tais pessoas, desde intimidações, roubo de material enviado aos desabrigados, até olheiros entre os próprios desabrigados, que recebem salário dessa empresa de “segurança” para serem informantes.

O novo mandato municipal prometeu averiguar as condições da construção dos prédios e, se for o caso, já existe um terreno no Caramujo para a construção de novos prédios. Mais dinheiro público, mais demora, mais tempo em condições de vida miseráveis, mais desrespeito dessa nossa “democracia” contra a parcela mais pobre e mais imprescindível da sociedade. São crimes contra a humanidade que passam batido no cotidiano do exercício “democrático”, nessa democracia fajuta, feita de forma sem conteúdo, claramente a serviço dos interesses empresariais infiltrados e dominantes nas política públicas, através de fortunas aplicadas em campanhas eleitorais, o investimento mais rendoso para esses grandes empresários, pelo retorno em gigantescos lucros em obras e dinheiros públicos. Ao menos agora, depois da entrada do novo prefeito, assistentes sociais apareceram e estão frequentando a área. Mas como a administração continua, inexplicavelmente, nas mãos das mesmas pessoas, há notícias de ameaças a essas assistentes, no intuito de esterilizar sua atuação.

É de causar revolta, repulsa, nojo da atuação dos poderes que se dizem falsamente “públicos”. É de se desejar todo o apoio aos desabrigados “eternos”, desrespeitados em seus direitos fundamentais pelo próprio Estado, em todas as instâncias. É clara a formação dos poderes públicos contra os interesses públicos e a favor das minorias ricas de sempre. As instituições estão podres de falsidades, mentiras e interesses econômicos. O ser humano foi reduzido à desimportância de um segundo plano,  diante dos lucros, dos ganhos e do controle dos poderes políticos pelos poderes econômicos perversos, covardes e egoístas

Eduardo Marinho

* Raimundo Araújo Filho era veterinário homeopata e ferrenho defensor dos sabotados da sociedade. Quem quiser conhecer, no gúgol tem farta informação, tanto dele mesmo quanto de amigos e inimigos. Ele só fazia isso com profundidade, tanto amigos quanto inimigos. Eu me coloco entre os amigos. Morreu de tanto amar, ou seja, do coração. Amor e ódio eram seu coquetel alucinógeno, o Ray era um hippie na atualidade. De alma. Por isso continua sendo.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.