sexta-feira, 1 de março de 2013

Palestra feita em agosto de 2012, em Santa Cruz do Sul

O som fica melhor com fone de ouvido, foi o que me disseram.

Sem muita novidade, repiso o óbvio. As perguntas foram ótimas, os assuntos fizeram um grande círculo. A edição não mostrou tudo, devem ter tido seus motivos. Apresentaram como "na íntegra", não sei porquê. Mas tem a maior parte, dá um caldo.

Abraço ao pessoal da UNISC.


Entrevista feita na UNISC pelo pessoal da TV Arte. Um minuto e meio apenas, uma pincelada a respeito das motivações e objetivos. 


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sociedade, fogo e mídia


Foto: Luiz Armando Vaz / Agencia RBS


Então a mídia tá explorando o sofrimento? Transformando dor em espetáculo? Discute-se a maneira de apresentar os fatos. Respeito pelas famílias, pela dor de parentes e amigos. Fala-se em sensacionalismo, insensibilidade, desumanidade. O incêndio da boate dos universitários, uma grande tragédia coletiva, ocupa enorme espaço nos noticiários, explorando as emoções com perguntas e closes em sofrimento explícito. Questiona-se a ética dos meios de comunicação. Procuro olhar além da questão ética.

Quase ao mesmo tempo desse incêndio, pouco depois, eu creio, mais uma comunidade pobre em área valorizada pegou fogo. Dessa vez em Porto Alegre – São Paulo teve uma epidemia, recentemente, que não acabou * –, queimou a Vila Liberdade, próximo ao novo estádio de futebol que foi preparado pra copa do mundo. O destaque da mídia no incêndio que matou centenas de universitários foi o biombo perfeito, o procedimento rotineiro dos meios de comunicação privados. Interessa ao lucro, às empresas, a minimização de mais essa “cauterização” social, sempre no trabalho de expulsar pobres das áreas ricas ou em vias de valorização. Nada de surpreender. O fogo tem sido utilizado como uma das formas de expulsão, controle, diminuição, avanço do interesse no lucro por cima das comunidades pobres, culturalmente desprezadas e criminalizadas pelos meios de comunicação. Se fossem contar a quantidade de mortos nesses incêndios que ocorrem em todo lado, criminosamente, seriam milhares e milhares. O número de famílias expulsas, que tem seus poucos e essenciais pertences queimados, que tomam destino ignorado, não tem conta. Há séculos essa é uma característica da nossa sociedade. Tiros, sabotagens, terrorismo, mandatos judiciais, polícias ou jagunços, enchentes, desabamentos ou fogo, qualquer recurso pode ser útil a esse procedimento desumano tão comum, tão corriqueiro nessa estrutura torta, que impõe uma aceitação quase automática pela coletividade, como fatalidade, falta de sorte ou qualquer coisa, a mídia é criativa, quando precisa. 

O incêndio da Vila Liberdade não é apenas um incêndio. É um procedimento social, uma ferramenta, um recurso usual de empresários sem caráter nem humanidade, em conluio com as mídias e usando políticos comprados nas campanhas eleitorais.

A discussão ética me parece dispersão. É sabido e conhecido o desprezo do interesse pela ética. Esse é o comportamento padrão desses meios descontrolados, tão influentes nos parlamentos, nos governos e nos tribunais. Como vou discutir a ética da mídia se não vejo nenhuma ética na mídia?

Dias atrás, numa rádio de notícias, os jornalistas falavam de uma manifestação periférica. Moradores de um bairro pobre interromperam uma importante avenida, queimando pneus e encarando a polícia local, causando enorme congestionamento. Esse era o foco da reportagem, os transtornos nas vias em plena hora de trânsito brabo, seis horas da tarde. Era preciso chamar o bope, trazer os helicópteros pra acabar com aquilo. O problema era falta d’água, que fossem reclamar na prefeitura, não tinham o direito de atrapalhar o movimento de uma via central, interrompendo o fluxo já por si tão denso nesse horário, literalmente parando vários eixos de circulação em vários municípios da grande metrópole. Os motoristas estavam nervosos, irritados.

Logo em seguida, os repórteres denunciaram o absurdo do aeroporto Santos Dumont estar sem água desde a manhã desse dia. Os passageiros eram obrigados a comprar água fora do aeroporto. Questionavam a administração, cobravam pela água, o desrespeito com os passageiros. Ainda por cima com defeito no sistema de ar condicionado, era uma situação inaceitável. Caso pra investigação e determinação de responsabilidades. A reportagem descrevia cenas de passageiros sentados, se abanando entre garrafinhas de água, entrevistava pessoas revoltadas, denunciava o absurdo. Quase dez minutos de falatório, com direito a comentários dos "especialistas".

Na periferia, aquela coletividade de milhares de famílias, com idosos e crianças (nunca é demais lembrar), estava sem água em suas casas havia mais de uma semana. É possível viver sem água? A desassistência pelo poder público chega a esses extremos. Mas na ideologia da mídia, esses são probleminhas inevitáveis de qualquer sociedade, o que não pode é interromper o fluxo das coisas. Nem desassistir as áreas onde transitam as pessoas visíveis, classes minoritárias que tem desde seus direitos garantidos até privilégios ostensivos (e ofensivos). Se os moradores do bairro pobre fossem se manifestar em frente à prefeitura periférica, longe dos holofotes da mídia, seriam expulsos dali a tiros de borracha e gás lacrimogênio. Como acabaram sendo, na via pública importante. Só que ganharam visibilidade e no dia seguinte a água chegou em suas casas, pelo temor de novos problemas que afetassem os municípios vizinhos maiores. Racionada, mas chegou. Com pouco a população se vira. E dá-lhe migalhas. Investigar as razões e as responsabilidades pela falta de água, por uma semana, numa comunidade com milhares de famílias não passou pela cabeça dos repórteres. É uma obrigação do poder público e a necessidade mais fundamental que existe. Mas para a mídia, só se fosse em outros bairros, com outra gente. Menos pobre, claro. Essa maioria não cabe nas telas de tv, nem nas ondas de rádio.

Não há que contestar a mídia, nem apontar algumas de suas falhas. Toda ela, a mídia comercial, é falha, a partir de sua origem obscura e suas relações mais obscuras ainda. A alma da mídia privada cheira a esgoto. A estrutura das comunicações do país está dominada, apesar das lutas para liberar essa área estratégica da sociedade. E joga contra o povo todas suas forças, no sentido de concentrar poderes e riquezas, de explorar a população e o patrimônio público, de impor ao Estado o roubo dos direitos da maioria e na criação de privilégios para a minoria dominante e seus servidores de luxo. Os privilégios são formados com o roubo dos direitos.

Mas essa estrutura de controle das comunicações (e social) está com furos. Cada vez mais, a mídia se desmascara, se entrega. Os vazamentos se fazem, a internet mostra o outro lado, as informações por trás das informações. Quem tem foco, quem busca saber as verdades, sem buscar as verdades convenientes, tem acesso aos fatos reais, ou mais próximo da realidade que a mídia prima por esconder ou distorcer. A maioria ainda tem a cegueira dos viciados, entorpecida pela própria mídia. Mas quem acorda chama outros. Esse é o processo. Sem esperar resultados prontos, apenas participando da caminhada. E isso dá sentido, motivação e satisfação à vida.

* http://observareabsorver.blogspot.com.br/2012/09/fogo-nas-favelas-de-sao-paulo.html





quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Assentamento Milton Santos em risco de ser "pinheirinhado" pela polícia.



A terra é pouca, perto dos sete mil hectares que a cercam e que pertencem à usina de cana. O movimento dos fazendeiros tem outro endereço.

Canudos foi a mesma coisa. Era um punhado de sertanejos que dava seu jeito pra viver, de forma comunitária e sem propriedades, pois a terra era de todos. Não incomodava à recém nascida república, nem era assunto nacional, até que os fazendeiros ricos pressionaram pra acabar com aquilo. Afinal era um tremendo "mau exemplo" pra população miserável e explorada, vivendo comunitariamente, dividindo tudo, repartindo alimentos e medicinas, independentes dos poderosos da época. Aí eles viraram uma "ameaça à segurança nacional", "monarquistas reacionários", subversivos perigosos. Bueno, eles se provaram perigosos quando o exército foi mandado pra destruir aquela comunidade, resistindo e derrotando várias incursões, pondo a "segurança pública" da época pra correr com o rabo entre as pernas e produzindo montes de mortos e feridos. Até que a última tentativa, em imensa superioridade numérica e de armamentos (até canhões foram usados), teve êxito, à custa de milhares de mortos. A resistência durou até o fim. Sobraram dois velhos, um homem e duas crianças, se bem me lembro. Canudos não representava perigo direto, mas oferecia um exemplo que os poderosos locais não suportavam, em sua ânsia de predomínio e usufruto, de controle e exploração. O que fariam se seus empregados, miseráveis, se juntassem ao grupo? Independência dos pobres assusta os ricos e os torna criminosos em seu ódio. Em sua mentalidade torta, é muito atrevimento dos pobres quererem ser independentes, autônomos, ao invés de servis, dóceis e prestadores de serviços a troco de migalhas. Esse é um dos terrores das elites, que fazem pose mas são dependentes dos pobres pra tudo.

No Assentamento Milton Santos as práticas cotidianas assustam os patrões locais. Ameaçam os padrões sociais vigentes, de acumulação de riqueza e poder para alguns e espoliação e exploração da maioria. São apenas 140 hectares, insignificantes para a usina. Uma mixaria de terra, perto dos sete mil hectares. Não é a terra o que lhes interessa, embora sempre some mais um pouco. A intenção é acabar com o "mau exemplo", dessa vez muito mais abrangente. Afinal, em 2006, quando foram assentadas as famílias, a terra estava esgotada pela contínua plantação de cana, envenenada com fertilizantes químicos e resíduos tóxicos da fumigação de venenos contra pragas e ervas daninhas, a água era poluída. Mas com muito trabalho, muito suor, esforço e sacrifício, conseguiu-se tornar a terra novamente produtiva, sem uso de químicas nocivas tanto ao meio ambiente quanto à saúde dos agricultores. Hoje essa terrinha produz mais de trezentas toneladas de alimentos por ano, consumidas na região metropolitana de Campinas e entorno, com doações para entidades de assistência (asilos, orfanatos, ...) e mantendo uma existência digna, sem fome ou miséria. Encravados no meio de latifúndio, contrastam com a miséria da população circundante, explorada pelos fazendeiros da área em seus canaviais, usinas, comércios e nos serviços da sua manutenção. Daí o ódio desses exploradores, usufrutuários da miséria e dependentes dela. Daí as manobras pra desfazer esse embrião de reforma agrária. Ricos não suportam independência de pobres, não suportam pobres que se esclarecem e entendem os porquês da miséria, desde a manipulação econômica e midiática das marionetes políticas.

O que está em jogo não é um pedaço de terra. É uma forma de vida, de resistência com base na cooperação, na solidariedade e no compartilhamento. Isso apavora os privilegiados e ameaça o sistema em que dominam e desfrutam esse poucos. Agricultura ecológica, livre de químicas nocivas, desagrada as multinacionais da transgenia e dos chamados defensivos agrícolas - que antes eram usados nas guerras químicas. O modo de vida comunitário desagrada os que exploram o trabalho dos outros. A cooperação ridiculariza a competição, torna a vida mais agradável, mais saudável e menos angustiante que o estilo de vida imposto pela força do mercado - leia-se o poder econômico dos mais ricos - e diminui a angústia de uma competição eterna criadora de derrotas no atacado, de vidas sem sentido e frustrações pessoais. A competição é usada para dividir, afastar uns dos outros, impedir a união e a cooperação. Cooperação gera autonomia, independência e dignidade, o que os "donos" do sistema social negam às multidões, usando tudo o que estiver ao seu alcance para acorrentar suas mentes e seus comportamentos. E são muitos os recursos.

O que move a tentativa de destruir o Assentamento Milton Santos é o medo. O medo que os ricos têm de pobres organizados, esclarecidos, solidários e insubmissos à sua exploração.


Vídeo com o professor Paulo Arantes:

Blogue da rapaziada: http://www.assentamentomiltonsantos.com.br/

Este mês de janeiro completa um ano do massacre, da barbárie, do crime de Pinheirinho (várias postagens neste blogue, com fartura de vídeos, de fotos, de detalhes). Pedro Rios, que na época gravou cenas do ataque e publicou com o título "eu queria matar a presidenta", junto com outros apoiadores do Assentamento Milton Santos iniciou uma greve de fome em frente à secretaria da presidência da república contra a expulsão dos agricultores das suas terras. Aí o vídeo: 
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=N7649GMv97s

"Por que ocupamos o Instituto Lula" - carta dos agricultores do Assentamento Milton Santos:

http://www.assentamentomiltonsantos.com.br/?p=40

Reportagem com mapa e detalhes do caso, no final da postagem, da agência de notícias Repórter Brasil, especializada em trabalho escravo, prostituição infantil e outras mazelas nacionais (e mundiais).

Casas Marcadas - evidência do desrespeito.

Sociedadezinha vergonhosa.

Não há outro termo. O frenesi da copa, que assanhou esse punhado de grandes empresários, enxovalha ainda mais a farsa democrática, cada vez mais descarada. A população mais pobre é tratada como papel higiênico, que se usa e joga fora. Mãos pobres plantam os alimentos desde sempre - e as favelas foram inchadas com a expulsão de camponeses das suas terras pelos interesses dos grandes fazendeiros, que tomavam as pequenas propriedades com infinitos recursos, todos espúrios, desde falsificação de documentos com a cumplicidade dos cartórios até a pura e simples expulsão a tiros - ou o assassinato -, passando por variedades de terrorismo. Mãos pobres fazem ruas e prédios, preparam alimentos, carregam caixas, transportam, limpam, lavam, consertam, desentopem, exploradas até o talo, dão lucros, servem, trabalham pra manter a sociedade funcionando.

Os profissionais da política (porque políticos somos todos, conscientes ou não) mentem, fingem, sorriem e juram lealdade à população que traem, em seu cotidiano dos gabinetes, atendendo aos ricos financiadores e enganando seus eleitores, sem pudor. Enganando o povo, já devidamente sabotado em instrução e informação, narcotizado por uma mídia criminosa, induzido ao consumo como valor social e acreditando na grande mentira de uma falsa democracia. Nunca houve democracia, o parlamento desde sua criação é um balcão de negócios para os mais ricos, os concentradores de renda exploradores do povo e ladrões das riquezas públicas. O jogo é sujo, nos gabinetes limpos, suntuosos e refrigerados. Se a pose é nobre, a conduta é de dar nojo. Os políticos profissionais demonstram clara e cotidianamente a quem servem.

As forças de segurança são impedidas de desenvolver qualquer tipo de consciência cidadã. São levadas a atacar a população em suas manifestações ou em suas casas, quando há algum interesse empresarial envolvido. Moral e consciência são reduzidas ao cumprimento de ordens, sejam quais forem. E os policiais que manifestarem qualquer incômodo de consciência são reprimidos, perseguidos, ultrajados, acusados de "fraqueza". Força moral não existe pros comandantes, só a força bruta. "Você não é pago pra pensar" é frase comum entre militares. Obediência cega, destruição da própria humanidade, com todos os problemas que isso causa nos corações e mentes de policiais honestos e bem intencionados.

O terrorismo da marcação de casas nas comunidades "juradas de morte" pelo poder público é mais um crime contra a população. Em sua arrogância, políticos desprezam o povo. Jogam pra mídia aliada, acatam seus patrões financiadores, usufruem dos favores empresariais sem constrangimento, aviões, iates, mansões, em troca dos seus serviços "público-privados".

Como se encaixar numa sociedade estruturada dessa forma? Pra mim é impossível. Recuso os valores vigentes e recrio meus próprios valores, a cada dia. As correntes da escravidão contemporânea são feitas com mentiras. E essas correntes têm força na medida em que acreditamos nelas. Elas se unem umas às outras, como elos de ferro. Quando se percebe o encadeamento das mentiras, quebram-se os elos e aí se pode pensar por conta própria. Estamos enganados, eis o princípio. As verdades não páram de aparecer, nos atos e nos acontecimentos cotidianos - é preciso ler a sociedade com olhos próprios.

Mudando a visão de mundo, muda-se o comportamento, muda-se o mundo, muda-se o sabor da vida.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O sentimento e a razão

O modelo de sociedade que nos serve de exemplo, a de consumo e competição, apresentada como democracia, é principalmente a dos Estados Unidos. Em deploráveis manifestações de subalternidade, a mídia privada, que nos domina muitos milhões de mentes, exalta aquela falsa democracia, escondendo seus podres que são conseqüência do modelo e afetam não só sua própria população, mas muitas populações do mundo - onde quer que os interesses das suas mega-empresas localizem riquezas.

O entusiasmo, a admiração e o espaço ocupado pela posse de Obama contrasta com o tratamento depreciativo e irônico das posses dos presidentes latinoamericanos que contestam esse modelo de sociedade e privilegiam os interesses de suas próprias populações em detrimento dos interesses econômicos, loucos pra sugar o sangue público. São esses interesses que a mídia representa, em todas as suas expressões - jornais, novelas, programas, comentários, formando visões de mundo distorcidas e comportamentos lucrativos e anestesiados. A mídia sabe escolher o momento e a direção de arreganhar os dentes ou de abanar o rabinho. Comportamento de capataz, cruel com os servidores e bajulador com os senhores.

Artigo de Altamiro Borges (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/01/a-posse-de-obama-e-midia-colonizada.html, o Blog do Miro) retrata bem essa realidade.

Estamos diante da opção acreditar nas mentiras ou mudar o mundo - desacreditar as mentiras cotidianas é passo fundamental pra essa mudança, embora seja apenas um dos primeiros. Sem esse passo, a caminhada pode se desviar a qualquer momento. E esse é um passo interno. Quanto de valores nos foram impostos desde o inconciente? O quanto o nosso comportamento foi condicionado? O quanto de nossas idéias estão limitadas por esses valores e comportamentos? É preciso humildade, sinceridade e criatividade. Para reconhecer em nós a existência de inúmeros condicionamentos - em diversos graus, primários ou sutis -, tratar com eles e superá-los. Bobagem desprezar a importância da forma de nos relacionarmos com as pessoas e com o mundo e da nossa lapidação interna, pois é aí que se faz o mais forte alicerce pra mudanças sociais, comportamentais e todas as outras que compõem o ser humano.

Na minha opinião, é preciso destronar a razão arrogante e valorizar o sentimento nas próprias decisões. A razão deve ser usada como assessora do sentimento, para realizar suas determinações. Por que é que, com tanto desenvolvimento tecnológico, tanta evolução acadêmica, conhecimentos profundos em todos os campos, não se resolveu o problema da miséria, da ignorância, da exclusão e tanta barbárie em que vive enorme parcela da humanidade? Porque a razão foi comprada e posta a serviço de poucos e a esses não interessa acabar com o sistema que dominam. Ouvimos mentiras escandalosas, distorções criminosas, e o sentimento oprimido nos angustia.

O sentimento repudia a miséria e o sofrimento. Mas a razão faz parecer que é inevitável, uma lamentável fatalidade, escondendo suas causas óbvias, o controle do Estado, das comunicações, das mentalidades, dos comportamentos, das instituições pelos interesses econômicos, um punhado de podres de ricos. Pouco a pouco as mentiras aparecem, cada vez mais. Luzes se acendem, enxerga-se a realidade, caminha a humanidade. Virá o dia em que o sistema estará desvendado e superado, pelo andar da geopolítica mundial com cada vez mais focos de resistência, ainda aos trancos e barrancos, mas sem que as elites consigam conter - daí a gritaria histérica e raivosa da mídia corporativa, privada, comercial, vendida, mentirosa. E o entendimento dessa estrutura social desumana, injusta, perversa e suicida causará espanto "pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio", como na canção (Índio, de Caetano Veloso).

O mesmo Miro emenda com um artigo que mostra alguns dados sobre a realidade venezuelana e o trabalho sujo da mídia. Como esses meios de comunicação conseguem se manter incólumes, impunes em seus crimes contra as populações, é um mistério. Uma ponta do pesado véu que encobre este mistério pode ser levantada se observarmos os financiamentos das campanhas políticas e os comportamentos dos políticos financiados. Estabelecidas as ligações veremos a quem eles servem - seus financiadores - e de quem eles e seus financiadores se servem - do povo. Não só a massa mais pobre, mas as classes médias e mesmo o que se considera elite (a alta classe média, que não tem helicópteros nem grandes empresas), sendo apenas a parcela mais rica dos explorados, cuja remuneração farta se deve aos serviços especializados, são pessoas condenadas ao sobressalto eterno, ao medo da pobreza e da revolta dos pobres, da violência que a miséria alimenta e o proveito que empresários do tráfico e de outros crimes dão a esses deserdados da sociedade.

http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/01/a-venezuela-que-midia-esconde.html




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Aldeia Maracanã, Casa do Índio, Museu do Índio – sua demolição será o símbolo do desrespeito, do desprezo empresarial, do genocídio físico e cultural dos povos originários.

A casa já existia, muito antes da construção do Maracanã


Corrupção explícita, programada e contumaz.

“Das 82 obras de mobilidade urbana, portos e aeroportos prometidas em 2010, por meio de um documento chamado matriz de responsabilidades, somente três permanecem com igual cronograma e orçamento. 21 empreendimentos foram retirados do compromisso, 25 tiveram o orçamento alterado e os demais 33 experimentaram ao menos mudança no prazo de conclusão. Em três anos, outras 28 obras de mobilidade urbana foram incluídas na previsão e somente sete delas chegaram a ser entregues até agora.”  (Estado de São Paulo, o Estadão)

Há alguns meses vi uma entrevista do Romário, ex-jogador de futebol e atual deputado federal, dizendo com todas as letras que as obras da copa, como de costume nas obras públicas, seriam superfaturadas e a maioria delas iria atrasar estrategicamente, porque ganhando caráter de urgência a fiscalização afrouxa, as licitações são dispensadas e se pode roubar muito mais do dinheiro público. E que a quantidade não era possível nem imaginar. É, dinheiro público, este que falta nos programas de erradicação da fome, da ignorância, da miséria e da exclusão, tão cotidianas quanto a corrupção na promiscuidade público-privada. Sou obrigado a concluir que acreditar em democracia nessa sociedade é ingenuidade, desinformação, estupidez ou mau caráter.

Os planos de demolição da Casa do Índio, antigo museu, atual Aldeia Maracanã, não são novos. Naquela casa morou uma filha de D. Pedro II, depois o marechal Rondon, criador do Serviço de Proteção ao Índio, e depois foi destinada à cultura indígena, da qual o marechal era o maior e mais engajado defensor, na época. Só isso seria o suficiente pro tombamento definitivo do imóvel como patrimônio histórico. Mas nada é definitivo pra ânsia de lucro dos "grandes" empresários, vampiros da sociedade. Pra eles, acostumados a controlar os fios do poder político, é natural usar a polícia pra remover os obstáculos aos seus interesses, aos lucros absurdos, sejam casas ou pessoas - às vezes casas com pessoas dentro -, sob pretextos descarados e mentirosos, com artimanhas sujas apoiadas pela mídia comercial privada.

Quando esses planos vieram à tona, começaram as articulações para a defesa da área – que é claramente de interesse público, apesar do privado. Próximo à data da varredura que seria feita pela polícia de choque, os jornais noticiam que o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural proibiu a demolição do prédio e a expulsão dos ocupantes. Mentira deslavada, cortina de fumaça na intenção de desmobilizar as pessoas que se dispunham a somar na resistência à barbárie dos poderes públicos constituídos por interesses privados. O tal conselho não tem poder pra proibir o ato sem antes passar pela aprovação ou veto do prefeito – que, obviamente, não aprovou. Artimanha óbvia que por sorte não deu resultado – a defesa continuou juntando mais e mais apoio, apesar dos esforços do poder público-privado e da mídia criminosa. Eles perderam a batalha que programaram pro dia 13 de janeiro. Era tanta gente, tanta câmera, tanto apoio que a batalha não ocorreu. 

Mas não se pense que perderam a guerra – eles mantêm suas armas, o controle do poder público, das armas institucionais da “segurança pública” (que, de tanto servir aos interesses privados e atacar populares que se manifestam contra os crimes do sistema, já não merece essa definição) e a aliança incondicional da mídia privada e seu avassalador poder de enganar a população.

Na esperança de acalmar os agressores, fumacinha ritual.

Tentando impedir a entrada de apoiadores, a polícia foi posta a cercar a casa.
"Ah, se não fossem essas câmeras..."
O vampiresco interesse empresarial recua, rosnando seu ódio e frustração, e trata de agir no escuro. Equipes de advogados manobram as leis, em malabarismos jurídicos, buscando formas de “legitimar” ações velhas conhecidas, para atender suas ambições desumanas acostumadas aos privilégios indevidos, ao exercício nos bastidores de manipular os poderes públicos, os dinheiros públicos e a própria população. Aguardem-se novas ações no mesmo sentido, provavelmente antes mesmo de baixar a poeira do episódio. A ganância e a prepotência dos vampiros não têm limites.

Ninguém está seguro. Tudo o que estiver no caminho do lucro está ameaçado, exceção feita a esse punhado de parasitas que dominam os poderes públicos, enquanto o povo é mantido ignorante, desinformado e narcotizado pela cultura do consumo, da competição e do egoísmo. Aliás, como de costume.

Atualmente, toma-se consciência como nunca, devido aos furos no controle das informações – antes as únicas fontes de informação passavam pela censura empresarial –, principalmente pela internet. O processo é lento, longo, palmilhado pouco a pouco, mas de forma constante e consistente. Daí a importância fundamental da luta pela pulverização das comunicações, da liberação do espaço público que é o espectro magnético por onde transitam rádios e televisões, atualmente sob controle das grandes empresas que dominam não só esse espaço como os governantes, legisladores e instituições falsamente democráticas.

A Aldeia Maracanã continua sob ameaça. O poder público, sob comando dos financiadores das campanhas, procura formas jurídicas pra justificar os crimes que pretende cometer. Como sempre, criminalizando as vítimas.
  
 “Porque os índios já disseram que vão resistir com arco e flecha contra o armamento israelense da polícia. É possível que, num gesto filantrópico, o governo do estado até dê uma ajuda de custo para a compra de novas residências, individuais e de madeira barata, com forro de cetim roxo por dentro, para os índios desafortunados no confronto com a PM.” (Bajonas Teixeira de Brito Júnior, no mesmo artigo)

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/outros-destaques/teoria-das-coincidencias-matriz-br-e-indios-no-rj/

Governo estadual agora empurra com a barriga. Parecer de desembargador dá prazo de 10 dias pro governo federal se manifestar. Caso nada ocorra, fica tudo como está, a ameaça permanece. A proposta do governo estadual ofende a inteligência. Oferece para os povos indígenas um galpão dentro de um presídio em processo de desativamento, que ainda conta com três milhares de presos à espera de serem transferidos, para o Conselho Estadual de Direitos Indígenas. As universidades públicas, os hospitais e as escolas enfrentam um estado de precariedade vergonhoso. Imagine um presídio, ainda mais sendo desativado. O governador pretende colocar os índios nesse imóvel semi-abandonado e esquecer da existência deles. Taí a reportagem:

http://pelamoradia.wordpress.com/2013/01/17/decisao-do-tribunal-regional-federal-suspende-demolicao-da-aldeia-maracana-rj/

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Manifestação maciça da população em apoio ao governo venezuelano, para a mídia, é golpe de Estado. O seqüestro do presidente, em 2002, sim, era a "volta da democracia". Mas o povo derrubou essa "democracia", botou as elites golpistas pra correr e trouxe o presidente eleito de volta. E agora o apóia, mesmo com a mídia em histeria convulsiva.

Venezolanos se concentraron en los alrededores de Miraflores para apoyar al presidente Hugo Chávez. FOTO: Alberto Corro

Nas manifestações políticas do Brasil, os fotógrafos dos movimentos sociais precisam buscar ângulos que não deixem aparecer a pouca quantidade de manifestantes, os vazios da suposta multidão, que revelariam a incapacidade de mobilização social dos tais movimentos - que ainda não aprenderam a falar a língua da população, cegos em seu fanatismo ideológico que os divide em pequenos grupos inimigos e praticamente estéreis. As "conquistas das lutas populares" tão ao gosto destes ceguetas, como a jornada de oito horas de trabalho, o 13º, as férias remuneradas e outras, foram todas obtidas durante uma ditadura, a de Vargas, no objetivo de cooptar a massa trabalhadora. Objetivo alcançado com sucesso, haja visto a eleição de Vargas anos depois, apesar da pesada campanha da parte mais reacionária das elites brasileiras. Mas os crentes da ideologia fazem parecer que são frutos da "sua" luta (um ponto comum entre esses grupelhos é se arrogarem a representação dos "legítimos interesses" da população como um todo. Pretendem-se guias das massas, conhecedores das verdades universais e dos caminhos da revolução, acusando os que não lhes comungam os dogmas de traidores do povo, de vendidos, de pelegos ou de demônios, o que dá tudo no mesmo. Sua arrogância impede a visão da sua própria esterilidade social - sempre digo que, com seu linguajar e seus preconceitos, a única maneira desses caras conduzirem as massas é ir entregar pizzas, pães, bolos e tortas).

Poucas manifestações puderam ser fotografadas de longe, como as das diretas já, densas e massivas - já com meio apoio empresarial, que pressionava pela retirada dos militares do governo. A sociedade já estava sob controle do poder econômico, As forças armadas já tinham cumprido sua função e começavam a atrapalhar os grandes lucros das multinacionais, com o nacionalismo de alguns setores militares e as trapalhadas que a repressão burra estava fazendo. A escola pública já estava destruída, as comunicações dominadas, o povo ignorantizado, desinformado e conformado havia algumas gerações, os focos de resistência dizimados. Então, saíram os militares e entraram as marionetes da falsa democracia. Não entendo pessoas instruídas e informadas falando em "redemocratização", quando o que me parece óbvio é que a ditadura apenas colocou a máscara de democracia e tirou a cara feroz dos militares, por conveniência dos poderes reais - muito acima dos institucionais. A ditadura continua, muito pior, aliás, porque travestida de democracia reconhecida até mesmo pela mais ferrenha oposição institucionalizada, que colabora, talvez inconscientemente, com a construção do cenário que simula essa falsa democracia.

As manifestações de ontem, na Venezuela, levam ao desespero e à mais aberrante histeria as elites locais, defensoras dos interesses mega empresariais, sobretudo os estrangeiros que as sustentam em seus privilégios como pagamento pelos seus serviços no saque das riquezas naturais, do patrimônio público e na exploração do povo. Fotografias puderam ser tiradas dos altos dos prédios, revelando a dimensão dessa movimentação que levou milhões a Caracas, de todas as partes do país e do mundo, aumentando o ódio explícito da mídia defensora dos mega-exploradores multinacionais.

Venezolanos se concentraron en los alrededores de Miraflores para apoyar al presidente Hugo Chávez. FOTO: AFP

Eu estava no bar aqui em frente, ontem, e assisti, estarrecido, à fala do famoso ipanemense da mídia, afirmando mentiras absurdas, com ódio incontido, contra toda a movimentação latinoamericana em favor da revolução bolivariana que trata de resgatar o Estado para sua própria população. Qualquer pessoa que busque informações além da mídia percebe as incríveis distorções e falcatruas, os arghumentos malabaristas e as mentiras explícitas daquele verme elitista. Ele não fala para esses poucos e não tem pudor diante dos que sabem. É muito bem pago pra formar opinião da massa sabotada em instrução e informação, sem condições de consciência pra se defender dessas mentiras, e da classe média anestesiada, que precisa justificar sua alienação e seu consumismo predatório com esses ataques a qualquer tentativa de diminuir os abismos sociais que transformam a sociedade nesse inferno em que vivemos, exceto nas bolhas privilegiadas, embora estas precisem se armar de defesas contra a barbárie, vítimas preferenciais da criminalidade oriunda das situações de miséria e ignorância provocadas pela ditadura financeira.

Venezolanos se concentraron en los alrededores de Miraflores para apoyar al presidente Hugo Chávez. FOTO:@tmaniglia

Na sua crônica ele minimiza a massa apoiadora do governo venezuelano, hipertrofia uma oposição elitista e desmoralizada, acusa o chanceler brasileiro de ir a Cuba "receber as ordens dos irmãos Castro", denuncia ridiculamente um golpe na Venezuela - um absurdo jurídico que ficará, como sempre, impune - e acena dramaticamente com o fim do mundo, "estamos perdidos", o que se aplica, espero, ao predomínio das elites sobre as populações da América Latina, tão sacrificadas, saqueadas, massacradas, espoliadas e exploradas durante séculos de colonização institucional, política e econômica. Fácil de entender, difícil não se revoltar com o descaramento da mídia e seus porta-vozes sem caráter. Não há o menor compromisso com a verdade, apenas com os interesses empresariais mais desumanos, mais perversos, mais covardes e criminosos. Sem o menor constrangimento, a aberração midiática fantasiada de comentarista afirma que há 60 mil guerrilheiros cubanos na Venezuela prontos pra atacar a oposição. Uma oposição anêmica, caricata, ridícula, sem força nem expressão, derrotada repetidamente e em vias de extinção, que se destrói por si mesma e está desmascarada em seu país - tratado até a chegada de Chávez à presidência como sua propriedade privada. O que Cuba tem na Venezuela são professores e médicos, cerca de 40 mil, com o que o governo fez chegar à massa da população excluída o ensino e a medicina - e condições de vida - que até então haviam sido negados. Essa é a força do governo venezuelano e da revolução bolivariana. A tomada de consciência de grandes parcelas da população que perceberam qual é o papel do Estado na sociedade e porque este não cumpria suas obrigações constitucionais.

Venezolanos se concentraron en los alrededores de Miraflores para apoyar al presidente Hugo Chávez. FOTO: Reuters


Nota da embaixada da Venezuela no Brasil:

"Além de desrespeitar os venezuelanos, povo irmão do Brasil, e de proferir acusações sem base nos fatos reais, o comentário de Arnaldo Jabor nesta quinta-feira, 10 de janeiro, no Jornal da Globo, demonstra total desconhecimento sobre a realidade de nosso país.

Existe hoje na Venezuela, graças à decisão de um povo que escolheu ser soberano, um sistema político democrático participativo com amplo respaldo popular, comprovado pela alta participação da população toda vez que é convocada a votar em candidatos a governantes ou a decidir sobre temas importantes para o país. Desde que Hugo Chávez chegou ao poder, o governo já se submeteu a 16 processos democráticos de consulta popular – entre referendos, eleições ou plebiscitos.

Não nos parece ignorante ou despolitizado um povo que opta por dar continuidade a um projeto político que diminuiu a pobreza extrema pela metade, erradicou o analfabetismo, democratizou o acesso aos meios de comunicação e que combina crescimento econômico com distribuição de renda. Esse povo consciente de seus direitos não se deixa manipular pelas mentiras veiculadas por um setor da mídia corporativa – essa que circula livremente também na Venezuela.

Considerando o alto grau de organização e conscientização da população venezuelana, não são nada menos do que absurdas as acusações feitas por Jabor da existência de um aparato repressor contra o livre pensamento. Na Venezuela, civis e militares caminham juntos no objetivo de garantir a defesa, a segurança e o desenvolvimento da nação. É importante lembrar que se trata do mesmo comentarista que em 11 de abril de 2002, quando a Venezuela sofreu um golpe de Estado que sequestrou seu presidente durante 48 horas, saudou e comemorou este ato antidemocrático, durante comentário feito na mesma emissora, a Rede Globo."

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Abujamra entrevista Mário Sérgio Cortella

Elites do país são predatórias e promovem desde sua existência um pedagocídio, um assassinato permanente das condições do ensino. Quarenta e três milhões de analfabetos totais ou funcionais, eu acho que tá subfaturado. Vi em algum lugar que são 70% da população, o que bate com o que vejo por aí. As elites são minorias instaladas no topo dos mercados financeiros, na propriedade das mega-empresas e se estendem por grupos políticos, com o apoio de uma classe média alienada, entorpecida pela mídia e anestesiada em sua consciência.

Três milhões de crianças entre 7 e 14 anos não freqüentam nem as precárias escolas públicas. Um organismo da ONU declara haver no Brasil 50 milhões de indigentes - pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza. Considerando que os analfabetos totais (18 milhões) e funcionais (25 milhões) somam 43 milhões e estão em grande parte na faixa pobre, há um montão de indigentes leitores. As contas não batem, mas a tragédia é a mesma. Domínio por poucos, seqüestro do Estado e barbárie social. Os bem intencionados (vamos supor) como Paulo Ernesto Serpa precisam ver a realidade distorcida pra continuarem a acreditar no seu trabalho.

"Qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio... Qualidade social exige quantidade total."




terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Crônica da pré-estrada


Filho de coronel

Setembro de 1980. Bairro de Laranjeiras, ao norte de Vitória, Espírito Santo. O vinho tinha acabado, Adney e eu saímos pra procurar mais. Era noite alta, talvez madrugada, a rua estava deserta. Encontramos um bar aberto numa rua escura, iluminado por luz fraca, uma mesa na calçada, dois pinguços no balcão. Resolvemos tomar uma cerveja antes de levar o vinho, sentamos ali fora. Tomávamos a segunda quando três vultos dobram a esquina, envoltos na escuridão, e se aproximam. Dois estão de farda da polícia militar, um está em roupas civis, só percebemos quando eles chegaram perto, porque os peemes estavam sem os bonés e no escuro os uniformes não apareciam. Eles vinham pelo meio da rua, nos olhando ostensivamente e andando em direção à porta do bar. Nós tínhamos os olhos vermelhos, pálpebras caídas, calças arregaçadas, descalços, túnicas coloridas, Adney trazia uma faixa na cabeça, embora os cabelos encaracolados e pretos não fossem tão compridos – os meus eram mais compridos, até perto dos ombros.

O paisano, que parecia ser o chefe, parou frente a nós, cara zangada, olhou cada um nos olhos, passeou os olhos pelas nossas figuras, dos pés às cabeças, e concluiu em voz baixa mas clara, “esses caras têm maconha”. E levantou a voz, agressivamente, “documento dos dois!” Virou pros soldados, “dá uma geral nesses caras!”

Começaram pelo Adney que, nervoso, começou a falar sem parar, “que isso, pelamordedeus, sou funcionário do governo” e era mesmo, funcionário do Banco do Brasil, apesar do aspecto e das circunstâncias. Enquanto os caras ignoravam o falatório e desdobravam as pernas das calças dele, procurando uma bagana ou qualquer coisa, ele explicava que estávamos em casa de amigos, saíramos pra comprar um vinho porque acabou, ele nunca tinha sido preso, era um cidadão de bem e tal e coisa, e o delegado (um dos soldados chamou assim) olhava os documentos. Quando viu minha carteira expedida pelo exército, franziu o cenho e prestou atenção. Abaixo do meu nome havia o nome e o posto do meu pai. “Cê é filho de coronel?”, perguntou, me olhando. Os soldados tomaram um choque, as coisas dos bolsos do meu amigo já estavam em cima da mesa, chaves, moedas, notas amarfanhadas, a geral parou na mesma hora, eu não havia dito uma única palavra, confirmei com a cabeça. De repente o delegado pareceu ouvir as falas do Adney, que tinha se calado com a mudança de atitude dos policiais. E passou a acalmá-lo, “não precisa se preocupar, isso aqui é uma ação de rotina, pra sua segurança mesmo”, os soldados parados, cada um olhando pra um lado diferente, pareciam não saber onde meter as mãos. A cena ficou engraçada, contive um sorriso, o chefe continuava, “tá tudo certo, já vimos que vocês são gente boa, podem ficar sossegados, qualquer coisa nós estamos por aí...” Dei boa noite e desejei bom serviço, até pra deixar sair o sorriso que eu tinha por dentro. Pra não dizer que não falei nada. 

E eles foram embora. Nós terminamos a cerveja, pegamos as garrafas de vinho e voltamos pra esbórnia. Com uma historinha pra contar e rir com a rapaziada, ainda mais com o apavoramento do Adney e a metralhadora de palavras. Inúteis, todas. O que valeu foi a carteirinha, que perdi com todos os documentos em Itabuna, dois anos depois, pra poder ter experiências mais... digamos... profundas com o sistema de segurança pública. Mas isso já são outras histórias.

Eduardo Marinho - 08.01.13

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Texto de natal - ou "Feliz Natal!" (republicando)

Lembrando que a data do nascimento de Jesus não é conhecida, e que 25 de dezembro foi decretado pelo Vaticano no ano de 854 para fazer frente às festas do solstício, dos povos do norte europeu, republico esse texto. No império romano o registro dos nascimentos era feito por ano. O dia não constava. Essa mentira teria caído por terra, se a invenção do papai noel não fizesse a festa dos comerciantes e dos industriais, no apelo irresistível ao consumo. A data se transformou na maior onda de consumo anual. A festa da alienação, da ignorância, do egoísmo, da indiferença com a situação de enormes parcelas da humanidade, da hipocrisia, da falsidade, momento de encontros para alguns, de ostentação e conflitos, para muitos, quando se finge ser feliz. O texto de Luiz Sepúlveda merece a republicação.

Bom proveito e abraços a todos,
                                                    Eduardo.


Por Luis Sepúlveda


Estimado Santa Claus, Papai Noel, Bom Velhinho,
ou como queira chamar-se ou ser chamado.

Confesso que sempre lhe tive simpatia porque, em geral, me agrada a Escandinávia, sua roupa vermelha me dá um sentimento premonitório e porque, por trás dessas barbas sempre acreditei reconhecer um filósofo alemão que, a cada dia, tem mais razão no que afirmou, em vários livros muito citados, mas pouco lidos.

Não tema pelo teor desta carta, não sou o menino chileno que, há muitos anos lhe escreveu: “Velho safado, no ano passado te escrevi contando que, apesar de ir descalço e em jejum à escola, consegui tirar as melhores notas e que o único presente querido era uma bicicleta, sem querer que seja nova. Não teria que ser uma mountain bike, nem para correr o Tour de France. Queria uma bicicleta simples, sem marchas, para ajudar minha mãe na condução das roupas que ela busca, lava, passa e entrega. Isso era tudo, uma humilde bicicleta. Mas chegou o natal e eu ganhei uma estúpida corneta de plástico, brinquedo que guardei e te envio com esta carta, para que enfies no cu. Desejo que pegues AIDS, velho filho da puta”.

Foram seus elfos, os responsáveis por tão monstruoso desrespeito? Pois bem, estimado Santa Claus, seguramente este ano receberá muitos pedidos de bicicletas, pois o único porvir que espera os meninos do mundo é como entregadores, mensageiros e trabalhos sem contrato de trabalho, condenados a distribuir pacotes e quinquilharias até os 67 anos de idade. No entanto, não lhe peço uma bicicleta. Peço, em troca, um esforço pedagógico, que ponha seus elfos, anões, duendes e renas para escrever milhões de cartas explicando o que são e onde estão os mercados.

Como você bem sabe, eles nos têm fodido a vida, rebaixado os salários, arrasado as pensões, retirado benefícios das aposentadorias e condenado as pessoas a trabalhar permanentemente, para tranqüilizar os mercados.

Os mercados têm nomes e rostos de pessoas. São um grupo integrado por menos de um por cento da humanidade, donos de 99% das riquezas. Os mercados são os integrantes dos conselhos de acionistas, como são acionistas, por exemplo, de um laboratório que se nega a renunciar aos royalties de uma série de medicamentos que, se fossem genéricos, salvariam milhões de vidas. Não o fazem porque essas vidas não são rentáveis. Mas a morte sim, é, e muito.

Os mercados são os acionistas das indústrias que engarrafam suco de laranja e que esperaram até que a União Européia anunciasse leis restritivas para os trabalhadores não comunitários, que serão obrigados a trabalhar na Espanha ou outro país da U.E., sob as regras de trabalho e condições salariais de seus países de origem. Logo que isto aconteceu, nas bolsas européias dispararam os preços da próxima colheita de laranja. Para os mercados, para todos e cada um destes acionistas, a justiça social não é rentável, mas a escravidão sim, e muito.

Os mercados são os acionistas de um banco que suspende o salário mínimo de uma mulher que tem o filho inválido. Para todos e cada um dos acionistas, gerentes e diretores dos departamentos, as razões humanitárias não são rentáveis. Mas os despojos, as expulsões da pobreza para a miséria sim, é. E muito. E para os ladrões de esperança, sejam de direita ou de direita – pois não há outra opção para os defensores do sistema responsável pela crise causada pelos mesmos mercados –, despojar da sua casa aquela senhora idosa foi um sinal para tranqüilizar os mercados.

Na Inglaterra, a alta criminosa das tarifas universitárias se fez para tranqüilizar os mercados. O descontentamento social levará a ações inevitáveis pela sobrevivência e os mercados pedirão sangue, mortes, para tranqüilizar seu apetite insaciável.

Que seus duendes e elfos expliquem, detalhadamente, que no meio desta crise econômica gerada pela voracidade especulativa dos mercados – e pela renúncia do Estado a controlar os vai-véns financeiros –, nenhum banco deixou de ganhar, nenhuma sociedade multinacional deixou de lucrar e até os economistas mais ortodoxos das teorias de mercado concordam em que o principal sintoma da crise é que os bancos e as empresas multinacionais lucram menos mas, em nenhum caso deixam de lucrar. Que os elfos e duendes expliquem até ficar claro que foi o mercado quem se opôs a (e conseguiu eliminar, financiando campanhas de legisladores a seu serviço - n do T) qualquer controle estatal às especulações, mas agora impõem que o Estado castigue os cidadãos com a diminuição dos seus rendimentos.

E, por último, permita-me pedir-lhe algo mais: milhares, milhões de bandeiras de combate, barricadas fortes, paralelepípedos maciços, máscaras anti-gases, e que a estrela de Belém se transforme numa série de cometas incandescentes com alvos fixos: as Bolsas, que queimem até os alicerces, pois as chamas dos formosos incêndios nos dariam, ainda que temporariamente, uma inesquecível Noite de Paz.

Muito fraternalmente


Fuente: Le Monde Diplomatique                                                                     Tradução - Eduardo Marinho

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Como a mídia manipula a opinião pública para manter sua ditadura

Segue a nojeira comunicacional das nossa sociedade. Desentorpecer é um processo necessário, que está acontecendo apesar das resistências, tanto das empresas de comunicação, quanto pela mentalidade alienada por eles imposta às coletividades.

Pra eles, é vital manter o monopólio e reduzir a comunicação popular ou independente à criminalidade mentirosa. É triste ver pessoas se acharem informadas por assistirem os pseudo-jornais dessa mídia safada, mentirosa, sem vergonha, etc, etc, etc. Mas a blindagem das comunicações está vazando, cada vez mais, já se consegue informações para além da mídia. E as artimanhas dessas empresas se desmoralizam, muito pouco a pouco pro meu gosto, mas em ritmo cada vez mais acelerado, em toda parte.



http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/12/para-entender-o-xadrez-da-politica.html

A Guerra das Empresas contra os Povos - batalhas de Porto do Açu, norte fluminense

Impossível não se comover com o sofrimento dessas pessoas com a truculência do Estado, que ataca e destrói seus direitos para beneficiar o podre de rico. Toda uma população de agricultores está sendo removida das suas terras - onde nasceram e vivem há gerações.

O desvio de função das forças de segurança é um processo instalado há muito tempo. Os pretextos ofendem a inteligência. Os motivos reais despertam os piores sentimentos (inflamam a indignação, como dizia Che Guevara).


A mídia comercial privada, chamada de "grandes meios de comunicação", é desmascarada pelo encarregado da ONU para liberdade de expressão e imprensa

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) é uma sociedade das empresas privadas de comunicação, fundada na Cuba da ditadura de Fulgêncio Batista, então um cassino dos milionários e das celebridades estadunidenses, em 1943. Vinculada à Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), tinha e tem como objetivo o monopólio das comunicações para a distorção da realidade e para o condicionamento das populações, pelo uso massacrante da psicologia do inconsciente (ver O Século do Ego, programa em cinco episódios produzido pela BBC de Londres na década de 80), para formar padrões de comportamento, valores, visões de mundo, desejos e objetivos de vida que favoreçam a gradativa concentração de poderes nas mãos dos poucos beneficiados por essa estrutura social insana.

Esses meios de comunicação são porta-vozes e servidores dos inimigos da humanidade.

No vídeo, os "jornalistas" desses meios criticam a lei de mídia criada na Argentina, que limita o poder desses conglomerados midiáticos. Liberdade de empresa, para mentir, distorcer, caluniar e incitar a opinião pública contra o que seria o próprio interesse público, na boca dessas marionetes são a "liberdade de imprensa". A hipocrisia criminosa e muito bem paga é de causar repulsa indignada. Escondendo a tradicional promiscuidade entre empresários e associações patronais com políticos, legisladores e magistrados, eles falam na promiscuidade entre líderes sindicais e o governo argentino para atacar a "liberdade" das empresas privadas. É a solidariedade entre os exploradores, entre empresas irmãs de crimes, em outros países.

A comentarista da globo é a expressão da mentalidade dos seus patrões, de um reacionarismo conservador empedrado, arrogante e raivoso. Impressionante como sua expressão se assemelha mesmo a um leitão. Quando ouço a expressão "imprensa livre" na boca desses fantoches, sinto nojo, sinto a falsidade. E a consciência do alcance das suas mentiras me causa uma enorme repulsa e o questionamento da humanidade destas pessoas, insensíveis ao sofrimento de enormes parcelas da população - perversidade em alto grau exigida e muito bem paga pela mídia comercial. Honestos ali não têm vez.

A distorção da realidade é a prática cotidiana dos "grandes meios de comunicação". Com profissionalismo cênico, ne verdade defendem o predomínio dos podres de ricos sobre as sociedades, em franca ditadura dos mais endinheirados no sacrifício de populações inteiras para manter seus privilégios e destruir direitos.

No final do vídeo, é um prazer assistir ao locutor marionete mor ser obrigado pela justiça a ler um texto do Brizola sobre o papel do "jornalismo" privado, no "horário nobre".


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Malucos de Estrada - os remanescentes do que se chamou o "movimento hippie" no Brasil

Em 1980 "peguei a estrada". Desde essa época, convivi com a repressão institucional permanente, a discriminação social e a estranheza geral. COm os anos, os filhos foram nascendo e a nossa mobilidade tinha que ser imensa, mudando de lugar - de cidade, de região - a cada vez que as dificuldades impossibilitavam uma vida digna. Para comer bem, abríamos mão da moradia e tínhamos que nos virar pra resolver os probleminhas cotidianos, viajando de carona, cidade em cidade. Uma vida dura, embora rica de experiências, vivências e aprendizados.

Perdi a conta de quantas vezes fui atacado pelas forças de segurança - indiferentes ao meu princípio de não causar prejuízo ou qualquer tipo de mal às pessoas -, tive meus trabalhos tomados violentamente, apreendidos sem condições de recuperá-los, tendo que começar novamente do zero. Injustiças cotidianas com os que tentam levar a vida de forma diferente do modo angustiante e sem sentido que nos impõem - é a estratégia de um Estado controlado por grandes empresários, onde se plantam idéias criminalizadoras contra todos os que não se submetem a esse esquema tirânico que inferniza o mundo. E que só é interessante pra os poucos ricos, que usufruem da exploração do trabalho, dos luxos e excessos que custaram os direitos da imensa maioria, roubada em instrução e em informação - pra não permitir condições de entender e reagir.

Consegui superar a revolta, mas é uma sensação estranha você estar lutando com tantas dificuldades pra ter uma vida menos vazia de significado, pra resistir às imposições convencionais, pra sobreviver, e ter o fruto do seu trabalho tomado por pessoas uniformizadas, sob a proteção de armas e da própria lei - com base nos tais "códigos de postura" dos municípios que violam a própria constituição federal. Afinal, as guardas municipais seguem antes as leis municipais que a constituição, que eles nem conhecem.

Esse filme que se propõem a realizar é um marco na história nunca contada dessa enorme e heterogênea coletividade que se lançou nas estradas, ao nomadismo, à contraposição ao esquema convencionado como o único possível. Infinitas histórias diferentes, com o denominador comum da repressão, da estranheza e da discriminação. E da resistência, da criatividade e da insubmissão, pra seguir vivendo.

Aqueles que puderem ajudar essa realização, estarão contribuindo pra lançar luz nessa parte tão obscura da nossa história cultural, nessa realidade tão desconhecida e tão marginalizada, com o trabalho da mídia e das instituições que sempre desqualificam e perseguem aqueles que não seguem os padrões impostos. Será um filme precioso. Até pra entender alguns modos de ação dessa nossa sociedade tão injusta, hipócrita, covarde, genocida e suicida.

Abraços a todos,
                           Eduardo.


O Estado contra Milton Santos - o assentamento.

A comunidade do assentamento Milton Santos está ameaçada pelo Estado de extinção. Mais um crime de Estado contra sua população, em favor de interesses empresariais no monocultivo de cana e o de soja. Perdem as 68 famílias, perde o meio ambiente, perdem escolas e casas de assistência públicas em várias cidades vizinhas, em alimentos orgânicos, isentos de agrotóxicos ou fertilizantes químicos, para beneficiar uns poucos. Um lugar comum, um procedimento cotidiano neste modo de sociedade. Só que dá tempo de pressionar pelo assentamento Milton Santos, peço a quem puder pra divulgar, mobilizar, pressionar de todas as maneiras possíveis, pra impedir mais esse absurdo. Agradeço. Abaixo, o link do vídeo, não consegui transpor pra cá.

 http://brasil.indymedia.org/media/2012/12//514586.mp4

O blogue do assentamento com informações - http://www.assentamentomiltonsantos.com.br/

 Abaixo o documentário do Milton Santos, feito por Sílvio Tendler. Eu já o tenho postado neste blogue, mas nunca é demais, porque é muito esclarecedor - perdi a conta das vezes que assisti a esse filme, é muita informação e é bom lembrar sempre. Foi fácil porque tava no iutube, o vídeo do assentamento tá em outro lugar, ou outra coisa, sei lá. Só deu pra postar o link, espero que funcione.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Aviso aos amigos do sul - Mixou a viagem.


Acabo de saber que minha participação no evento Aldeia Caiana, em Santa Cruz do Sul, foi suspensa. Segundo Joe Nunes, que tá nas cabeças do evento, a universidade suspendeu a grana das passagens e os sindicatos patrocinadores retiraram a grana prometida ao evento, em retaliação às manifestações contra a administração da cultura no município. É essa politiquinha que rege nossa sociedade e ainda tira onda de ser popular. Papo pra otário.

Lamento muito por não poder rever tanta gente boa que conheci por aí. Foi uma ducha gelada. Se eu tivesse grana pras passagens, pagaria de bom grado. Mas não é o caso.

Deixo aqui minha saudade desse povo guerreiro, essa moçada que luta por lucidez num mundo entorpecido.

Abraços a todos,
                            Eduardo.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Retalhos de pensamentos costurados

Vídeo apresentado pelo blogue pensadores compulsivos, em setembro de 2012. São trechos dos meus escritos, garimpados em várias localizações. É pra dar o que pensar, e o pensar é pra dar o que mudar. De dentro pra fora as mudanças nascem com raizes fortes. Antes de pretender mudar o mundo, é preciso mudar por dentro, limpando os condicionamentos implacáveis, meticulosamente trabalhados no inconsciente coletivo, desde cada indivíduo. Um trabalho monstruoso, constante, nas estruturas mentais, sociais, culturais, econômicas, políticas...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A Islândia como laboratório social - merece estudo (não se espere que a mídia mostre)


A Islândia é um país que pouco aparece nos noticiários. Fica ao norte da Europa e tem pouco mais de trezentos mil habitantes. Lá tá rolando uma experiência social que o mundo inteiro deveria se debruçar pra observar, mas que a imprensa mundial esconde em nome dos interesses dos poderes financeiros mundiais, que sustentam todo o aparato de comunicações e os seus barões da mídia, vassalos de primeira linha. As mudanças impostas pela população islandesa (ou islandense?) são de cair o queixo, ainda mais da forma que foram feitas, sem lideranças, sem hierarquia. Aquele nível de consciência é o terror dos grandes vampiros.

O país, sob um governo tipo neoliberal, comprado pelos poderes econômicos, tinha ido à falência diante das imposições do FMI e companhia. Empréstimos gigantescos haviam sido feitos e deveriam ser pagos com o sacrifício do povo, cortes de direitos no trabalho, de verbas na educação, na saúde, privatização comendo solta, aquela velha história que todos conhecemos na própra pele.O povo andava nas filas, até de comida. A estrutura da Islândia entrou em colapso. Os recursos se esvaíam pra pagar dívidas públicas com os bancos internacionais e como sempre, o primeiro a sofrer é o povo.

Mas a população se organizou num movimento organizado, sem lideranças e com permuta nos cargos da organização. Assim, foi às ruas, ao governo e aos parlamentos, tomou os poderes, levantou um plebiscito, pressionou os parlamentares e deu uma banana pros banqueiros. Vocês que fizeram a dívida, vocês que a paguem. No dinheiro do povo não se toca.

Então as pessoas desatrelaram os poderes financeiros, FMI e a corja toda, e tomaram conta da situação. Perceberam o quarto poder, o financeiro-midiático, o "poder da riqueza", enquadraram com leis, limitaram "doações" a partidos e estabeleceram transparência. Pararam com a destruição do meio ambiente, em nome do lucro. Os movimentos não tinham líderes, mas impuseram uma constituinte que se baseou na da Bolívia e do Equador no trato com a natureza, com um respeito muito acima dos interesses financeiros. O processo tá detalhado no filme abaixo.

Pessoas físicas não podem ser proprietárias de meios de comunicação "para não fazerem lavagem cerebral nas pessoas, como fizeram antes". Houve a preocupação de tornar as informações totalmente acessíveis, pra que todos pudessem saber o que acontece no país.

Houve a estatização dos setores estratégicos. "Se deixarmos todos os recursos em mão privadas, vamos perder todos e nunca mais os veremos."

Na reestruturação da sociedade, "não demos tanta atenção ao colapso, ou ao problema financeiro em si. Nós nos concentramos mais nos motivos que deram origem. Se deseja liberdade, tem que assumir a responsabilidade."

Os "clubes de poder" dos biliardários foram detectados, como também a tendência, caso a população não se organizasse pra exercer o poder, de haver conflitos, massacres de cidadãos em protesto contra as más condições de vida, pelas forças de segurança, perigo de "guerra civil, de sangue nas ruas".

Injetou-se sangue do povo no parlamento, com membros escolhidos aleatoreamente, sem curso superior porque eram a maioria e conheciam a realidade popular, porque perceberam que essas pessoas tinham "a tendência de se posicionar sempre a favor da população", avessos aos jogos políticos de interesses e vaidades do poder.

Esse filme devia passar nas universidades. Mas as instituições não farão isso. Alguns professores, talvez.
Na minha opinião, deveria ser dublado pra passar nas periferias, entre a população.

Tachos, Panelas e Outras Soluções

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mentiras cotidianas




O prefeito do Rio diz que as 199 comunidades pobres situadas em área de valorização imobiliária serão retiradas "porque estão em área de risco".
O governo do estado afirma que a construção da barreira feita ao longo da linha vermelha, eixo de ligação do aeroporto internacional com o centro do Rio, tampando a visão do enorme complexo de favelas da Maré, tem como intenção proteger os ouvidos dos moradores do “ruído” do trânsito da via expressa.
Israel diz que atacou 80 focos terroristas nesta noite de domingo pra segunda. Havia “terroristas” de até alguns meses de idade, mulheres, velhos, deficientes, ...
A polícia se instala nas favelas mais “visíveis” do Rio com unidades que foram denominadas “polícia pacificadora”, como se a polícia tivesse sido pacificada.
Os ataques constantes às comunidades pobres e aos camelôs do tráfico de drogas são chamados de “combate ao tráfico”.
Cuba é uma ditadura sanguinária, embora exporte professores e médicos aos lugares mais pobres do planeta, tenha o menor índice de mortalidade infantil e analfabetismo das Américas e o maior índice de escolaridade da região, sendo isenta de miséria e abandono, de desabrigados e de desatendidos na saúde pública gratuita.
Hugo Chávez é um ditador, embora tenha passado por eleições, plebiscitos e referendos, tenha renunciado à presidência depois de aprovada a constituição bolivariana pelo congresso e pelo povo, no voto direto, sendo reeleito em seguida em eleição fiscalizada por centenas de observadores internacionais. Chega a duas dezenas a quantidade de votações diretas na Venezuela desde a primeira eleição de Chávez, das quais o governo perdeu duas. Mas é uma "ditadura" pétrea, denunciada pela mídia privada que se diz democrática e se alinha com os USA.
Nos metrôs, barcas e ônibus superlotados se lê cartazes dizendo que a maior preocupação das empresas de transporte é o bem estar dos passageiros.
A prefeitura do Rio estampa a frase “contra a injustiça”, num painel enorme sobre a fachada do prédio, falando contra a divisão dos royalties do petróleo, enquanto na mesma região da cidade se vêem legiões e legiões de desabrigados, mendigos e outros abandonados da sociedade.
O agronegócio afirma produzir alimentos para o povo brasileiro, embora exporte mais de 90% da sua produção (o resto vai pra indústria alimentícia), trocada por dólares, e ataca a agricultura familiar, que produz mais de 70% do que se come no território nacional e é base de luta pela reforma agrária.
As áreas de ausência do Estado, as comunidades pobres, são chamadas de “território perigoso” para justificar seu abandono.
O mundo é apresentado aos jovens como um grande “mercado” dividido entre o trabalho e o consumo, e a razão da existência é constituir patrimônio e consumir. Todos são competidores e é cada um por si nesta vida. Não se pode confiar em ninguém.
O valor pessoal é apresentado pelo nível de propriedade e capacidade de consumo, não pelo caráter, pelos sentimentos, pela participação na coletividade, pela generosidade, pela integração humana.
Execuções são justificadas por “autos de resistência” que não são investigados.
Empresários afirmam que são bons por “darem empregos”, enquanto se servem de mão de obra farta e barata em meio ao desemprego, evitam de todas as formas assumir obrigações trabalhistas e exploram até o talo as pessoas desesperadas que conseguem uma vaga de escravo na “terceirização”, a atual escravidão, mais barata do que quando se sustentavam os escravos legalmente.
Expressões como “chegar lá”, “ser alguém”, “vencer na vida” tomam ares de objetivo de vida, como verdades incontestáveis, enquanto são fonte de angústias e sentimentos de derrota na maioria das pessoas que, segundo essa linha “filosófica”, devem se conformar com sua inferioridade.
São incontáveis as mentiras a que somos submetidos, como aos dogmas religiosos. E nós vamos aí, comendo essa farinha podre. E pior, muitos se convencem e repetem essas mentiras. 
Mas muitos não, e são cada vez mais.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.