quarta-feira, 21 de março de 2012

Notícia da Agência Petroleira dá o que pensar

http://www.apn.org.br/apn/content/view/4208/48/

Recebi esta notícia e senti necessidade de repassar. Acabei escrevendo o texto abaixo, a partir da gravidade do que está rolando na área do petróleo, extraído com ânsia e urgência por empresas petroleiras privadas multinacionais, conscientes de que o saque pode ser percebido e contido a qualquer reviravolta política. Por enquanto, contam com políticos, legisladores e juristas domesticados e a seu serviço. Mas sabem dos movimentos contrários à sua exploração. E a cobiça exige a urgência na extração, indiferente a conseqüências nefastas ao meio ambiente e às populações locais, como sempre.


Petróleo “Brasileiro”

            Sindicalistas, revolucionários, ativistas, políticos e ideólogos que se dizem nacionalistas dão uma conotação hipócrita à palavra ‘brasileiro’, como se isto significasse ‘dos brasileiros’. A idéia é fraca e não cola, a realidade se impõe. Nas chamadas mobilizações, nas manifestações, vemos as mesmas caras, os mesmos grupos embandeirados com suas siglas e ideologias, cada um certo de que está com a verdade, como as religiões, de vez em quando se estranhando seriamente, ódios explícitos e insultos irreconciliáveis – em termos. Circunstâncias podem acontecer de vermos inimigos ferrenhos, pessoas que ontem se acusavam das piores intenções, de portadoras do pior caráter, no mesmo palanque, se afagando como se fosse um ato de nobreza, de superação das diferenças, em cenas ofensivas ao entendimento, à sensibilidade, numa hipocrisia cujo único ponto positivo é demonstrar em que nível está nossa prática política, a administração da nossa sociedade, e o quanto merece de confiança.
            Basta observar o ridículo poder de convocação, o descrédito popular às organizações ditas revolucionárias, pra perceber o isolamento destes grupos, restritos a movimentações simbólicas, sem poder de catalizar as paixões, de despertar as consciências, de provocar debates independentes, de causar, pelo menos, questionamentos. Quando acordarão pro fato de que a revolução da sociedade começa na revolução do indivíduo e, em primeiro lugar, nos que se pretendem revolucionários?
            Bueno, eu comecei a escrever na intenção de divulgar uma notícia que dá o que pensar, chegada pela Agência Petroleira de Notícias. Vazamentos de petróleo no fundo do mar. Acidentes provocados, como é freqüente, pela ganância, e que muitas vezes nem vêm à tona, não se fala, os interesses envolvidos são gigantescos, poderes econômicos esmagadores. Há uma série desses “acidentes” acontecendo, com regularidade, há bastante tempo. Regularidade acentuada depois de se descobrir o pré-sal. As empresas que já conseguiram seu quinhão, via leilões lesa-pátria que os governos se viram obrigados a fazer, pressionados pelas forças econômicas estrangeiras e, sobretudo, pelos sócios brasileiros, neo-mega-empresários e a mídia, essas empresas sabem haver disputas internas e que há luta por leis que restrinjam sua participação. Quando se intalam, tratam de retirar o máximo de petróleo, o mais rápido possível, não importam as conseqüências, antes de serem impedidas por lei – ainda que tenham grande poder de pressão interna e internacional, política e jurídicamente, somados ao poder de mídia.
            Um conhecido meu trabalha numa plataforma de petróleo, em Santos. Há alguns anos encontrei com ele, que me relatou a passagem de navios de guerra dos Estados Unidos margeando as águas territoriais brasileiras desde a divulgação do pré-sal, da descoberta de enormes quantidades de petróleo. Ele me disse que via passarem esses navios todo dia. Foi a reativação da quarta frota estadunidense, parte da polícia do planeta, em demonstrações de força. Quantidades imensas de dinheiro são necessárias pra mover essas esquadras, com seus porta-aviões, destróieres, cruzadores, aviões, helicópteros, bombas, munições e milhares de militares. Essas movimentações dão idéia do tamanho da importância desse petróleo, da quantidade inimaginável de grana que vai brotar dali e do perigo que estamos todos correndo, com a cobiça dos grandes inimigos da humanidade localizada em nossa área. Já vimos como são capazes de atacar países, matar populações civis, destruir estradas e pontes, hospitais e escolas, fábricas e toda a infra-estrutura de uma nação, em proveito de suas empresas - petroleiras, armamentistas, construtoras, etc. No Brasil, eles contam com a desinstrução e a desinformação do povo, além de terem aliados de monte - e de monta - nas elites do país, que arreganham os dentes aqui dentro e abanam o rabinho lá pra fora. 
            A população não sente o petróleo como sendo seu. Nunca viu resultado dessa riqueza em sua vida, a mixaria destinada à maior parte da população - se é que existe, não dá pra sentir, nunca deu, nem quando era estatal.. A gente vê os políticos e os especialistas falando em altas somas, valores incríveis, mas o posto de saúde é uma merda, a escola é outra, os transportes, nem se fala – e olha o preço da comida, olha quanta gente desabrigada, olha a miséria que nos cerca. As coisas não são explicadas à maioria, ao contrário, à população é sabotado o desenvolvimento racional, com uma parcela ridícula do orçamento para a educação, perpetuando a ignorância – a meu ver, intencionalmente. O povo não entende o que acontece. Intuitivamente, sente, pois a intuição se desenvolve na carência do desenvolvimento da racionalidade e o brasileiro médio tem uma intuição altamente desenvolvida. Um poder que ele mesmo não reconhece, esmagado pelo massacre publicitário e de propaganda pseudo-ideológica, que implanta sentimentos de inferioridade aos que têm pouco, que “sabem menos”, à esmagadora maioria, aos explorados, sabotados, reprimidos e desprezados da sociedade. Não se pode esperar que a população lute pelo "seu" petróleo. Ela não sabe e não acredita que essa riqueza seja sua, seu dia a dia esculacha com essa idéia, torna-a absurda, sem pé nem cabeça.
            Uma vez recuperada a auto-estima, a intuição se torna um instrumento de grande utilidade, nas escolhas pessoais, nas relações sociais, nas posições políticas. Para despertar dessa narcose, o caminho é o sentimento. O afeto é o melhor caminho para despertar as pessoas. A tolerância, a persistência com inteligência, com respeito e humildade. De outra forma, o que se encontra é rejeição, oposição e conflito. Que, aliás, é o que mais vemos no cenário político. Conflitos inúteis, inofensivos ao sistema.
            Falta quem trabalhe em conscientização, em despertamento, sem arrebanhamento, sem imposição ideológica alguma. Os cursos de formação política que vejo por aí são, na verdade, cursos de conformação ideológica, de imposição de verdades e criação de rebanhos que gastarão suas energias combatendo outros grupos, enquanto a barbárie social come solta. Esses comportamentos desmoralizam cada vez mais a palavra ‘revolução’ e o revolucionário já é costumeiramente ligado à noção de chato, de perturbação, de incômodo, à sensação de “já vi e não gosto, não”.
            Já tô saindo da linha de novo. O papo aqui é petróleo. Nada do que acontece é de se estranhar, onde há mega-empresas, há mega-falcatruas. Mas é preciso repercutir essas notícias, dentro do processo de despertamento que percebo, ainda pouco visível, mas que venho acompanhando há pelo menos trinta anos e caminha, sem parar, embora lentamente. Hoje, há muito maior número de despertos que antes. E o processo de contaminação está bem mais intenso. Conscientizemos uns aos outros.
            Não adianta, de qualquer ponto estou caindo na evolução humana, individual e coletiva. O recado está dado.

             Abraços a todos,
                                         Eduardo.

sábado, 17 de março de 2012

Cátia com "C"

Cadê você?
Cê começou a contar sua história e parou no seu pai, desescolarizado e sábio. Essa condição e seu amor por ele criaram a condição rara de obter o conhecimento acadêmico e não perder o respeito pela sabedoria dos sabotados em educação. Esperei que aparecesse no segundo dia de PUC-RS, cheguei a perguntar ao Guilherme, mas nada.
Tua história pode servir pra muita gente, que vive nos pedestais acadêmicos, se tocar do ridículo e do quanto estão perdendo, com esse condicionamento idiota de superioridade. Cê disse que lia esse blog, vez por outra. Apois, tô tentando saber o resto da história. O endereço é esse do cabeçário, mesmo, faz favor. Tem gente boa que se contamina com o condicionamento de superioridade dos cursos universitários, pelo inconsciente, e nem percebe, tão entranhado é esse condicionamento. A arrogância, a grosseria, a indiferença ou a benevolência com que se trata os mais pobres e menos escolarizados têm origem no mesmo sentimento de superioridade, as variações são pessoais, do temperamento e do caráter de cada um.
Curso superior deveria ter outro nome, se não tivesse o objetivo de formar classes "superiores", separadas do todo, da coletividade, para servir aos interesses empresariais. De todas as formas, seja com serviços profissionais específicos de cada área, seja na administração hipocritamente pública (pois está sob controle da privada), seja no comando, controle e condução da massa empobrecida, explorada e excluída dos benefícios da tecnologia, além de sabotada e roubada em seus direitos fundamentais.
Numa sociedade verdadeiramente humana, considerando a situação atual, deveria haver um pórtico na entrada das universidades, com letras garrafais, dizendo "você que entra neste estabelecimento está tendo acesso a conhecimentos negados à maioria da família humana, portanto está adquirindo uma dívida moral com essa maioria, que construiu, mantém e sustenta não só essa escola, como toda a sociedade. Trate de merecer esse privilégio, distribuindo todo o conhecimento e seus benefícios à coletividade".
Na forma atual, dominada por interesses empresariais, egoístas, a mensagem é oposta, embora subliminar na maior parte das vezes. "Guarde o conhecimento privilegiado como um capital pessoal, em seu próprio benefício e dos mais próximos, pois o mundo é uma arena de batalha onde todos são adversários e não se pode confiar em ninguém".
Interesses empresariais dominam nossa sociedade em todos os setores estratégicos. Esses poucos se prepararam pra todo tipo de contestação, manifestação, protesto. Mas não têm como permanecer no controle se houver consciência da realidade espalhada pela população. Instrução e informação são as maiores carências pra mudar a sociedade pra melhor, em benefício de todos.

Então, Cátia, dá as caras aí, preciso da tua história, que ficou pendurada na minha precária memória.

Em 12 de maio de 2012 - ...e a Cátia não apareceu.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Luzes quebram correntes

O cidadão médio, com cabeça de televisão, o político marionete,
manobrado do escuro, o ensino em ruínas, os hospitais opressivos,
as correntes de mentiras, entre outros detalhes.


          Uma sociedade injusta como a nossa precisa ser observada com muito cuidado e prevenção (contra as armadilhas, dissimulações e distorções “plantadas” no caminho do entendimento), para revelar suas realidades, a forma como está entranhada, infiltrada em nossa inconsciência, como se fosse a única estrutura social possível, como se fosse a melhor, com valores traiçoeiros, falsos, mas fortes como verdades.
            Acreditamos que a vida é uma competição desenfreada e é dividida em dois mercados, o de trabalho e o de consumo. Acreditamos ser superiores quando temos muito e inferiores quando temos pouco – seja materialmente ou em conhecimentos mas, em geral, os dois. Narcotizados pela mídia, pressionados econômica e psicologicamente, esquecemos os valores da alma, a solidariedade, a preocupação com o bem-estar coletivo e sua busca, o afeto nas relações, o prazer do bem-fazer, o sentimento de integração no todo, a cooperação, a humildade, a generosidade. Ou guardamos tudo isso num cubículo remoto da mente, para usar apenas com uns poucos, mais próximos e chegados. E o resto é guerra.
            Com o egoísmo estimulado ao máximo, vemos adversários por todo lado e deixamos de perceber a grande família humana da qual somos parte – mais que isso, somos uma família planetária e consangüínea, pois nos alimentamos todos da carne e do sangue do mesmo planeta. Somos todos conterrâneos. Mas estamos acorrentados por mentiras em que acreditamos e que nos estragam a vida e o mundo. Descobrir em nós mesmos – e desacreditar – as mentiras impostas como verdades é o primeiro passo para quebrar as correntes da escravidão contemporânea.
            Para muitos, é difícil perceber as próprias prisões. As grades são apresentadas como proteção, como garantia contra a barbárie. Por isso a barbárie – miséria, ignorância plena, abandono; e violência e repressão como conseqüência – é mantida, para criar medo, conformação, como uma chantagem irresistível. Por isso a mídia se especializou em distorcer a realidade, para não se ligarem causas e conseqüências de tanto desequilíbrio. Para que a miséria seja vista como inevitável, sem nada a ver com o predomínio empresarial, com o egoísmo estimulado, com a concentração de riquezas e privilégios.
            Desejamos riquezas e privilégios, vemos nos irmãos, adversários, transformamos qualquer discordância em discórdia e conflito, confundimos valor e preço, amor e posse, amizade e interesse, felicidade e consumo. Construímos, assim, as grades da prisão e as correntes da nossa própria escravidão. Prisioneiros de mentiras, desejamos o que nos é induzido e nos comportamos como é condicionado.
            Se rompemos ou afastamos algumas dessas grades, apenas o suficiente para colocar a cabeça lá fora, é possível perceber o infinito espaço externo, ao mesmo tempo as restrições e o sofrimento da vida engaiolada – e a inutilidade dos seus subterfúgios –, além da fragilidade das mentiras que compõem as grades e correntes que nos prendem. Se, de dentro, essas prisões parecem indestrutíveis, de fora elas se revelam ilusões e desabam ao leve toque de um olhar mais lúcido. Nesse momento, é impossível conter a vontade de abrir as asas e voar. Só o medo pode impedir o vôo, as ameaças estratégicas, planejadas e impostas pelo sistema – cobrando o preço da frustração, do vazio e da falta de sentido na vida a todos que precisam de mais do que matéria, ostentação, consumo e outras superficialidades sem alma. Mas o tempo passa, mudanças não param de acontecer e, apesar das mentiras, cada vez mais a angústia supera o medo, cada vez mais pessoas abrem suas asas e voam, apesar das ameaças, apesar das mentiras, apesar das perseguições, apesar da repressão.
            Como uma febre que se alastra, a lucidez contamina, a consciência se desenvolve e abre caminho na escuridão. Lentamente, como todo processo da natureza, e sem que nada possa impedir. As luzes se acendem, ainda poucas, mas são luzes que acendem outras luzes que, por sua vez, seguirão acendendo luzes outras.

                                                                                                                          Eduardo Marinho

sexta-feira, 9 de março de 2012

Crimes sociais de empresas, desta vez aéreas, em cooperação com os poderes "públicos", por Oberdan Barbosa.

Recebi o pedido de ajuda do Oberdan, pra divulgação da situação em que está colocado por, ele diz (e eu acredito), ter feito em seu trabalho denúncias sobre procedimentos que atentavam contra a segurança dos vôos por algumas empresas. Fucei aí na internet e encontrei várias referências ao assunto, senão verdadeiras, perfeitamente possíveis de serem verdade. Muitíssimas empresas, na busca de seu objetivo principal, dinheiro, o chamado lucro, contêm custos sonegando, demitindo, aumentando cargas de trabalho, violando legislações, comprando parlamentares, juízes, advogados, destruindo vidas, influenciando poderes públicos, difamando, perseguindo, assassinando denunciantes e testemunhas que não se vendem e inumeráveis outros procedimentos na mesma linha. Não é de se estranhar, as grandes (leia-se ricas) empresas costumam não ter nenhum compromisso moral, social, humano, nenhum compromisso além do lucro, dos ganhos possíveis a qualquer custo. Alguns podem dizer que não é bem assim, que não são todas. Eu digo que pode até haver exceções, mas essa é a regra geral - basta ver como o aparato público trata a maior parte do público, a maioria pobre. Essa mazela social não está restrita ao espaço aéreo, está espalhada e enraizada em toda sociedade, em todos os setores. A empresarização da sociedade se reflete no modo de vida, nos valores vigentes, nas disputas intermináveis, as competições cotidianas, na idéia da vida restrita ao ridículo vencer ou perder, a coletividade dividida entre vencedores, poucos, e perdedores, muitos. Absurda dualidade que inferniza a vida de toda coletividade humana, afastando, dividindo, conflitando, o egoísmo estimulado ao máximo. A desonestidade "bem-sucedida" é premiada, enquanto a honestidade que se põe no caminho do lucro é reprimida, difamada, corrompida ou destruída. Ou pelo menos reduzida a uma expressão mínima e inofensiva aos interesses vampirescos. É disso aí que fazemos parte, é nesta sociedade que a maioria tenta se ajustar, colaborando com seus valores e comportamentos, objetivos e meios de alcançá-los.

Voltando ao assunto, coloquei abaixo um vídeo do Oberdan e um texto da associação formada pelos parentes das vítimas do acidente com o avião da Gol com o Legacy dos pilotos estadunidenses ilesos enquanto os 154 ocupantes do outro avião (que voava em sua rota programada) morreram. Num comentário, Oberdan se apresenta e é apresentado por outros comentários.

O vídeo, pra mim, parece mais o ensaio que a apresentação. Há pausas desnecessárias, mistura os fatos com opiniões pessoais, analisa frações do sistema judiciário, cita os movimentos árabes, com ênfase no Egito, aconselha ações a diversas figuras envolvidas e denuncia as perseguições que sofreu e vem sofrendo. Acusa a venalidade e a traição de advogados e testemunhas. Declara sua confiança num deus, coisa que sempre me causa uma sensação estranha, embora eu respeite essas projeções por perceber sua influência nas posições morais dos mais fragilizados. Não contesto, apenas não reconheço no ser humano capacidade pra compreender tal magnitude, pois se não conhece nem uma ínfima parte da criação como pode se arvorar a conceber o criador? Aliás, criador já indica forma de gente, um "super-serumano". Mas nada disso serve pra desacreditar as denúncias, ou seu denunciante que é também vítima. Nada disso sinaliza a índole do caráter.

Acredito no Oberdan, embora reconheça sempre a possibilidade de estar errado. Ou, dito de outro modo, reconheço sempre a possibilidade de estar errado, mas acredito no Oberdan. O assunto é digno da atenção de todos.

 http://oberdanbarbosa.wordpress.com/videos/

http://nadiatimm.com/Joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=451&Itemid=35

domingo, 26 de fevereiro de 2012

QUILOMBO RIO DOS MACACOS

Mais uma demonstração de como as instituições "públicas" atacam a população mais pobre, sem respeito humano ou à lei. Nesse caso (e em muitos outros) cabe questionar que tipo de instruções são ministradas aos militares para que tenham tamanho desprezo pelos mais fragilizados, enganados, sabotados e atirados a um segundo plano de valor social e pessoal, apesar de ser a classe mais imprescindível da sociedade, os que põem as mãos na massa, erguem paredes, carregam caixas, tiram o lixo, enfim, constróem, fazem a manutenção e ainda fazem a base do sistema tributário, via taxação extorsiva dos produtos de consumo básico.
Uma sociedade tão injusta, perversa e covarde só pode produzir instituições da mesma índole. Fosse um terreno de um banco, de alguma mega-empresa ou de um desses riquíssimos empresários mancomunados com o falso poder público e a marinha ia procurar outro lugar. Ou o governo indenizaria regiamente o proprietário, com todo o respeito e consideração. Constrangedor, de envergonhar ou revoltar qualquer um - menos, parece, aos que se dispõem a ser instrumentos, como no caso, os militares, que assumem a violência, os interesses e a mentalidade perversa dos poucos que controlam o Estado, escondidos sob o manto escuro do "mercado financeiro-industrial". O ódio e o desprezo que emanam de suas ações são característicos dessa gente (gente?).
Quem puder participar, na Bahia, taí a oportunidade e a necessidade. No mínimo, de denúncia. Os que estiverem longe, é possivel sempre divulgar pra desmascarar esse simulacro safado de democracia.



Dia 27 último representantes do governo federal foram à área e garantiram aos moradores a sua permanência por, pelo menos, mais cinco meses. Duvido que investiguem o assédio moral, as ameaças, as violências praticadas contra os habitantes do lugar. Imagino que a repercussão obrigou a tal ato, com o objetivo de tirar o assunto da pauta da imprensa, para esfriar. Depois, provavelmente, farão uma ação rápida para retirada da comunidade e, quando vierem os protestos, o fato estará consumado e a justiça tratará de deixar o tempo, muito tempo, passar, até que se esqueça e fique desse jeito, terras roubadas do povo que vivia nelas. Espero estar errado, mas é o procedimento padrão quando o assunto vem à tona. O tempo dirá.

E tá dizendo, olhaí. Dia 4 de março:
http://movimentodesocupa.wordpress.com/2012/03/04/marinha-recua-mas-a-resistencia-precisa-continuar/

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Do alto da Serra da Moeda

      Do alto da serra, eu contemplava a paisagem, recortada entre várias tonalidades de verde e salpicada de casinhas solitárias ou em pequenos grupos. Descansava da subida pela estradinha sinuosa numa grande pedra, dois carros haviam passado sem me dar a carona que eu pedia, foram coisa de três horas de caminhada, até o topo. Antes de começar a descer, resolvi parar pra descansar um pouco e apreciar o panorama. Subi por umas pedras ao lado da estrada, no ponto mais alto, e alcancei a plataforma, em cima de uma pedra que se projetava, de frente pro outro lado da serra - onde eu desceria pelas curvas da mesma estrada. Sabia que elas estavam por ali. Afinal, depois de dois meses de procura e quatro de ausência, estava perto de encontrar. A fazenda Mãe D’água era uma daquelas, lá embaixo. Sentei na pedra, olhar solene sobre a paisagem até o horizonte montanhoso, o silêncio continha o murmúrio do vento frio. A expectativa do encontro me dava estranhas sensações, misturadas com as memórias da viagem. Quatro meses. Brisa devia ter crescido bastante, eu quase morria de saudades, meus olhos enchiam de lágrimas ao lembrar da falta que eu sentia, atordoante em alguns momentos. Agora as lágrimas continham alegria. Eu estava chegando. Não conhecia o lugar, nunca andara por ali, estava chegando por indicações. E se não as encontrasse? E se as informações estivessem erradas ou elas já tivessem ido embora, como em Vitória?
      Não fosse o marroquino e talvez eu as tivesse encontrado em Salvador ainda, onde elas tinham ficado quando saí pra estrada, fugindo das brigas que se agravavam a cada dia. Saí no rumo norte, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa. A ferida no pé me obrigou a parar na Paraíba. Fui até a praia, mergulhei o pé no mar, dei um tempo pra amolecer, depois esfreguei com força, pra tirar os tecidos mortos, reavivando a ferida, mas retirando o que já estava podre. Depois, deitei na varanda de uma casa aparentemente abandonada, vidros quebrados, folhas secas cobrindo o chão, muita poeira, pus o pé sobre a mochila pra esperar a dor passar. Aí o “acaso” me enviou Marisa, médica que, sem saber porquê, me vira ali, de longe, e resolvera me abordar e perguntar qual era o problema. Chamou do portão a uns trinta metros, não respondi, fechei os olhos, esperando que fosse embora. "Ei, moço!", ela insistia. Abriu o portão baixo, entrou aos poucos, "moço", "psiu". Eu demorava a responder, achando que ela viera me mandar sair da casa. Ela dentro do terreno, eu fingindo que dormia, de olhos fechados, pensando "pronto, já vieram reclamar da minha presença", esperei que fosse embora, mas ela insistia, “ei, moço, dá licença?” Não deu certo. Levantei a mão, a palma virada pra ela, “já vou sair, só entrei pra descansar um pouco”, ela entendeu e disse “não, eu não vim pedir pra sair, não tenho nada a ver com essa casa”. Levantei a cabeça, olhei, ela queria saber do meu pé. "tava inflamando mas já tô tratando". "Mas tá inchado até a perna", ela encostou a mão, "eu sou médica, tá?" Médica diferente, nem parecia. Conversamos, eu não queria ir pra hospital nenhum, ela insistia. “Eles não respeitam gente como eu”, “não, eu conheço todo mundo lá, é um hospital universitário, garanto que vão te tratar com respeito”.
      Eu demorei a acreditar, mas a situação me obrigava a ir, a ferida já tinha mais de um mês, piorava nos períodos de estrada, quando chegava ao litoral metia o pé na água salgada, e limpava a inflamação, abrindo mais o buraco no dedão. Depois, ia pra estrada, e aí piorava de novo. Inchava a perna, ficava difícil caminhar e eu mancava. Não podia ser à toa aquela médica ali, sem eu chamar. Era pra ir, senti. No hospital, eram quatro examinando, conversando entre si sem me olhar. Falaram em amputar e eu ameacei os quatro acadêmicos de morte. Se fossem cortar meu corpo, seria melhor cortar o pescoço, porque se eu ficasse vivo iria buscar um por um, “no inferno”, se precisasse. Marisa interferiu pra aliviar o ambiente, pedia por mim aos acadêmicos, dava pra ver que ela tinha uma posição de hierarquia sobre eles, que confabularam entre si e resolveram fazer uma cauterização. O cheiro de carne queimada tomou o ambiente, a dor era enorme, a anestesia não pegava, por mais que eles aplicassem. Suportei pensando que era pra não perder o dedo ou o pé. Saí com um curativo e a recomendação, "se latejar volta rápido pra não perder o pé". Quinze dias depois eu estava em Canoa Quebrada, Ceará, a quase mil quilômetros dali, com o pé pronto pra outra.
      Ali conheci o marroquino, que falava espanhol com sotaque francês e isso dificultava sua comunicação, era difícil entender o que ele falava. Mas pra mim, parecia fácil, eu entendia tudo e conversava com ele sempre, tocávamos violão juntos, improvisando com bastante harmonia. Ele pretendia chegar ao Uruguai. Vinha de Guadalupe, onde morou por um tempo, fugindo da França, onde era hostilizado como africano. Seus pais eram franceses, mas ele nascera no Marrocos. Quando houve a libertação, os pais voltaram pra França e ele foi pra uma escola, ser marginalizado, discriminado até resolver ir embora. No Caribe, produzia bongôs em cerâmica e tocava em festas. Conhecera uma uruguaia em férias, tiveram um romance e marcaram de se encontrar no Uruguai. Ela fora de avião; ele tomara um barco até Belém e seguia de carona, aos poucos. Soube que eu iria pra Salvador - a saudade estava se tornando insuportável, queria ver minha filha - e pediu pra viajar comigo, alegando dificuldade em se comunicar. Eu sabia que dois na estrada seria muito mais difícil conseguir carona, mas topei ir com ele. Pra quê...
      Foi quase um mês de viagem, de Canoa Quebrada a Salvador, dormindo nos acostamentos, nos postos, abrigados em celeiros, em garagens, pendurados em árvores, nas nossas redes. Acomodado na sua dificuldade de comunicação, ele deixava todos os problemas serem resolvidos por mim. Chegando em Salvador, fomos direto a Mar Grande, na ilha, onde deixara Brisa e a mãe na casa em que morávamos. A casa havia se tornado alojamento da Sucam, o funcionário não sabia nada sobre as duas. Procurei pela vizinhança, soube que haviam viajado duas semanas antes. Pra onde, ninguém sabia. Voltamos a Salvador, para procurar outros amigos, em busca de alguma informação que indicasse o paradeiro. No Terreiro de Jesus, a caminho do Pelourinho, de repente, Freddy – era o nome do marroquino – me pergunta “sabe onde podemos trocar uns dólares?” Olhei pra ele, estarrecido. “Dólar? Você tem dólar? Todo esse tempo perdido na estrada, eu tendo que arranjar o que comer, onde dormir, carona, tudo, e você tem dólar?!” Ele ficou sem jeito, “são poucos, tenho que guardar pra chegar no Uruguai...” Filho da puta, ele sabia de tudo, eu contava pra ele, falava da minha filha, chorava de saudade. “Cara, viajar contigo me atrasou, esse tempo todo na estrada, perdi minha família de vista muito por sua causa e agora cê vem me dizer que tem dólar?!!” Eu estava furioso.Ele recebeu minha fúria, sem responder, o olhar envergonhado.“Sei onde trocar, sim”, eu disse, finalmente, "dáme la gita", ele me deu as notas de dólar. Fomos a uma funerária, na praça da Sé, onde um cara muito gordo trocava dólares pelo preço do dia no jornal. Trocamos 50 dólares, dei as notas a ele, que me mostrou o jornal, a conta na máquina de calcular e entregou o dinheiro. Contei as notas na frente do marroquino, duas vezes. Na segunda, mostrei a ele que estava pegando a metade. Ele esboçou reação, mas fui bem decidido, tava no meu direito, fora guia, tradutor e responsável por ele. Em troca, cheguei tarde demais. Se não estivesse satisfeito, que fosse embora, aquele dinheiro era meu e ponto final. Com ele eu poderia me dedicar a procurar minha filha sem perder tempo com as coisas da sobrevivência. Ele acabou concordando e continuamos parceiros.
      A notícia mais plausível era a de que as duas tinham viajado para o Espírito Santo. Tudo na base do “eu acho”, “me parece”, “tenho a impressão”. Mas fazia sentido, a família de origem da mãe era de lá, ela dependia do meu trabalho e não soube se virar pra sobreviver em Salvador. Fora tentar uma carona de avião, era a última notícia, depois elas não foram mais vistas. “Devem ter conseguido”, imaginei. Alguém mencionou, “eu acho que ela tava grávida”, mas eu rechacei de imediato. A velha tendência em ver a realidade da forma que desejamos que ela seja. Simplesmente apaguei a informação da minha mente. E fui pra estrada, na direção de Vitória. Freddy tinha se apaixonado e resolveu ficar em Salvador – e se não resolvesse eu o teria dispensado, pra viajar sozinho. Aquela dos dólares tinha sido demais. E eu não queria mais encosto, viajar sozinho era mais rápido.
      No Espírito Santo, consegui mais notícias. Elas haviam estado por ali, mas a mãe se desentendera com o pai dela e com as irmãs e fora embora. Alguns dias depois, enviara pra irmã mais velha um número de caixa postal em Belo Horizonte, dizendo que estava numa fazenda tipo comunidade, no interior de Minas Gerais. Não disse onde – e Minas tem mais de seiscentas cidades. Escrevi para a caixa postal, esperei quinze dias e nada. O que sabia era que a fazenda, “Mãe D’água”, vendia produtos em lojas naturais da capital, mel, pão integral, essas coisas. Fui pra lá.
      Fiz uma romaria pelos naturais de BH, até encontrar indicações de onde era a tal comunidade. Vagas indicações, com muitos erros, como pude constatar na procura. Saí da cidade na madrugada, clareando o dia consegui uma carona num carro com dois casais jovens como eu. Contei minha história pra eles, ia completar dois meses procurando minha família, depois de outros dois viajando a esmo, pelo nordeste. Eles se encantaram com a história e assumiram a procura. A informação era de que a saída pra fazenda era antes do trevo de Ouro Preto, pela BR-040, à esquerda, atrás de uma churrascaria. E que havia uma grande placa indicativa. Entramos em todos os postos à esquerda da estrada e nada. Chegávamos ao trevo e me perguntaram, “e agora?” “Agora, cês me deixam aí no trevo e seguem viagem, que eu me viro”. “Ah, não, nós queremos saber o fim da história”, a resposta foi unânime. Pra eles, parecia que o fim da história era descobrir onde era a tal fazenda. “Então pára perto desse capiau aí”, o cara caminhava pelo acostamento, enxada no ombro, uma grande sacola de pano pendurada do outro lado. O carro parou ao lado dele, a moça da frente abordou, “ei, amigo, sabe onde é a fazenda Mãe D’água?”, o lavrador só balançou a cabeça, negativamente. Interferi, “compade, é uma gente colorida, de cabelo comprido, cria abelha, faz pão, várias pessoas morando juntas...” Os olhos dele foram se iluminando e ele disse “ah, é a fazenda dos hippies”, e todos riram, “fica mais pra frente meia légua, tem uma praquinha redonda ansim, do lado de uma abertura na cerca, é só seguir a estradinha morro acima”. A entrada era três quilômetros depois, à direita, pequena, longe de qualquer churrascaria ou mesmo construção. Não tinha nada além de uma plaquinha redonda "ansim", com uma flor de lótus no meio e escrito "Comunidade dos Sarvas - Fazenda Mãe d'Água". E a estradinha que sumia na direção da serra da Moeda. Ali nos despedimos, pra eles era o fim da história.
      Agora eu tava no topo da serra, olhava a paisagem e imaginava em qual grupo de casas elas estariam. Olhava até o horizonte e revivia toda a procura, estava chegando, iria ver minha filhinha, que saudade. Havia rechaçado a suspeita de gravidez com violência, “tá maluco, rapaz, a gente nem trepava mais!” Era verdade. Aliás, meia verdade. Eu lembrava de uma noite... Não, não era possível. Era, mas eu não queria que fosse. Será? A gravidez de Adhara já ia pelo quinto mês. E eu não sabia.
      O suor havia secado, vesti a camisa, levantei. Coloquei a mochila, peguei a rede enrolada, o violão, pendurei tudo nos ombros. Dei uma última olhada naquela beleza toda, voltei pra estrada e comecei a descer a serra.
      

O nascimento de Brisa

           (Esta história é um capítulo do "Crônicas e Pontos de Vista")


           Pô, cara, não dá pra botar um cobertor em cima dela, não? Ela se tremia toda na maca de metal, um lençol pequeno e finíssimo por baixo e outro por cima, saindo da sala de parto a caminho da enfermaria. O maqueiro pareceu envergonhado, não dá, indigente não tem direito a cobertor. Diante do meu olhar espantado ele fez cara de que não podia fazer nada. Eu entendi. Falei com ela, vou buscar um cobertor, e saí do hospital pra casa. Não dão cobertor pra indigente! Cambada!
            Na chegada já tinha dado problema, a gente não tinha a tal matrícula, disseram que não tinha vaga pra indigente. Depois de muita discussão eu disse que ia fazer o parto ali fora mesmo e chamar a Tribuna da Imprensa – o jornal de oposição –  pra registrar. Fui saindo com ela, cheia de dor, segurando a barriga, me olhando e falando baixinho, cê tá maluco? Baixinho também, perto do ouvido dela, eu disse vai por mim, e a vaga apareceu como por encanto.                         
            Foi o dia todo esperando, sem poder chegar perto, mandando bilhetinho pra dar força, ficamos logo amigos dos mais pobres, faxineiros, auxiliares, atendentes, enfermeiras (auxiliares de enfermagem). Eles faziam a ligação, levavam as coisas que eu trazia, maçã, iogurte, bilhetinhos. O de comer, ela não podia, ficou tudo esperando na geladeira até o dia seguinte.
            Passáramos a gravidez pelo nordeste, viemos descendo de Natal aos poucos, parando em várias cidades do litoral. Chegamos em Vitória no oitavo mês, alugamos um barraco de tábua, numa encosta cheia de barracos. Decidimos fazer o parto em casa, nenhum dos dois tinha a menor experiência, depois de uma noite inteira de contrações ela começou a apagar depois que acabava cada contração. Aí resolvemos ir pro hospital.
            Cheguei em casa, espalhei na vizinhança, nasceu, é uma menina, vim buscar um cobertor, que no hospital eles negaram. Juntei umas frutas, pão integral, cobertor, toalha, sabonete, roupa limpa, escova de dentes, revistas em quadrinhos, caderno e caneta, os vizinhos arrumaram mais coisas, mandaram pedaço de bolo, torta salgada, manga, roupinhas de recém-nascido que estavam guardadas. Ia colocando tudo numa mochila, me emprestaram uma mala preta, pequena. Como é que eu ia entrar no hospital?, me perguntaram, naquele horário estava fechado. Eu não tinha pensado nisso, mas só ia pensar quando estivesse lá.
            Eram por volta de onze e meia quando cheguei no hospital, a casa era longe do centro. Tudo fechado. Algumas janelas do andar de cima estavam abertas, poucas e de difícil acesso. Havia os postes, mas como subir com a mala? Devia ter vindo de mochila. Fui andando em volta, procurando por onde entrar. De repente, vi uma porta aberta, a luz acesa dentro, letreiro em cima, emergência. Nenhum movimento. Do outro lado da rua, subi metro e meio no poste, olhei, era um balcão em L, formando um quadrado com o canto da parede. Dentro, mesa e cadeira, com um cara sentado na cadeira inclinada, os pés em cima da mesa, lendo um gibi. Mais ninguém. É por ali, pensei.
            Cheguei sem fazer barulho, abaixando um pouco, eu não via o topo da cabeça dele e ele não me veria, se eu não fizesse barulho. Sandálias de borracha, passei em silêncio completo. Entrei num corredor, fui caminhando normalmente, esperando ser barrado a qualquer momento e pronto pra argumentar. Mas não apareceu ninguém. Subi a escadaria pra enfermaria da maternidade, pisando leve, e passei a andar entre os aposentos, cada um cheio de camas com pacientes, até que a encontrei, sentada e acordada. Ela tomou um susto quando me viu, mas nem respondi a pergunta, como é que cê entrou?, fui logo mostrando tudo o que trouxera, depois queria saber da criança, como fora o parto, a gente pensava que era menino, cadê, só vão trazer de manhã.
            Ouvimos passos e não deu tempo de nada, a enfermeira me viu, lá do corredor, e armou o circo, por mais que eu pedisse silêncio. Veio a polícia de plantão, o médico de olhos vermelho, tava dormindo, hein, dotô, o guarda riu disfarçado, vambora rapaz, pode deixar, eu saio por onde entrei, nada disso, vai sair pela porta da frente. Abriram aquela porta enorme, pesadona, e eu fui pra madrugada. Nem pensei em ir pra casa, que que eu vou fazer em casa? Vou andar por aí. De madrugada, na praça do centro, onde expunha meus artesanatos, sentei na escada do teatro Carlos Gomes, pensativo. Durante toda a gravidez nos disseram que era menino. Barriga pontuda. Videntes, místicos, todos afirmavam a macheza da criança. Não houve uma voz dizendo que era menina. Eu tinha tanta certeza que, quando a enfermeira que ajudou no parto veio me dizer, eu ri e respondi, não, é menino. Ela me olhou sem entender e eu, bem calmo, cê devia estar em outro parto, a minha mulher é aquela loura magrinha. Ela inclinou na minha direção, olhou dentro dos meus olhos, eu sei muito bem qual é a sua mulher, eu estava no parto dela, e é menina! E saiu. Fiquei sem reação.
            Sentado na escada do teatro, lembrei que não tínhamos nomes de mulher, só de homem. E agora? Pensava nisso, quando o vento aumentou e eu senti frio. Olhei o alto das árvores se inclinando, me encolhi um pouco, lembrei das praias do nordeste, é, acabou o verão, essa já é a brisa do outono. Mal acabara de pensar e como que acendeu em letras de luz na minha cabeça, Brisa do Outono. Esse é o nome!
            No dia seguinte, fui surpreendido com a recepção no hospital. Esse é o cara que invadiu de madrugada. Muitos me cumprimentavam, sorriam, os escalões mais baixos sorriam abertamente, alguns me deram tapinhas nas costas. Logo na entrada, entre os sorrisos dos servidores, uma voz de autoridade soou, acima do tom geral. Era um professor chefe, todo mundo murchou quando ele disse, então cê acha que tem o direito de invadir um hospital de madrugada, rapaz? Mais do que deixar uma mulher parida sem cobertor, tremendo de frio, tenho mesmo, respondi de pronto, no mesmo tom. E me espantei com o espanto geral, todos saíram pra cuidar do serviço, parecia uma debandada. O mestre fechou a cara, resmungou qualquer coisa sobre "esses caras" com os assistentes que estavam perto dele e saiu, depois de me olhar de cima da sua superioridade social. Os acadêmicos eram bem atenciosos, ao contrário dos professores, que me olhavam com desprezo explícito e franca condenação. Mas depois daquilo, não se arriscaram a falar comigo. Entre os subalternos, a simpatia voltou a ser a mesma, longe dos superiores.
            Subi e vi pela primeira vez a minha filha. Cor de rosa, sem cabelo, um bichinho, só acordava pra mamar. Disse o nome à mãe, ela achou ótimo. Peguei a criança no colo, olhando. Fiquei procurando a sensação de ser pai, não via diferença, a não ser aquela coisinha nova e completamente dependente. Foi com o tempo que o olhar da criança me impôs o sentimento de pai. Nem trocando as fraldas ou curando o umbigo eu tive tão clara a posição de pai.
            Naquele dia mesmo, à tarde, pudemos ir pra casa. 

(Pedidos pelo arteutil.em@gmail.com. Por aí se fala direto comigo, sem intermediários)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Livro "Crônicas e Pontos de Vista"

Durante a composição do livro, Rodrigo Rosa, o editor, me pediu pra fazer um texto homenageando alguém que eu admirasse, dedicando o livro. Eu disse que não queria fazer isso, não via porque dedicar o livro a ninguém além das pessoas que o lessem. Ele insistiu, disse que não precisava ser ninguém vivo e aí eu lembrei do meu pai, da nossa história inacabada, interrompida por sua morte inesperada. Então fiz o texto, que foi colocado na abertura do livro. 

A meu pai

Senti a dor que lhe impus. Lamentei cada fração dessa dor. Ninguém acreditou. Eu me tornei o agressor, o ingrato, aquele que desprezou todos os esforços feitos em meu próprio benefício. Um traidor da família.

Lamentei cada grão da dor que minhas atitudes provocaram. Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém acredita. Durante muito tempo, minha família de origem deixou de existir em minha vida, eu deixei de existir na vida dela. Creio que em meu pai a dor foi mais profunda, pelas projeções a meu respeito que ele viu desmoronar.

Ah, meu pai! Esperei, na certeza de um dia você entender que foi minha busca por justiça, minha inconformação com a situação absurda da nossa sociedade, o que moveu minhas atitudes, depois de várias tentativas de me enquadrar em alguma posição convencional – apenas para não ferir, pois tais conquistas já não me empolgavam, ao contrário, me pareciam uma espécie de rendição, de conformação, de injustiça.

Quando soube da sua morte, tive o sentimento de que o nosso abraço tinha sido adiado, "agora só quando eu chegar do outro lado, também”. Lá deve ser mais fácil compreender os valores que me guiaram, pois aqui os valores sem sentido são impostos e têm base na forma, no aspecto, no externo. Nosso entendimento talvez já se esboçasse, nos últimos tempos, mas não seria nesse plano. A casa onde moro foi comprada por ele, em decisão própria e para minha surpresa, três meses antes da sua partida. Agradeci pela casa e lhe desejei boa viagem e boa chegada. No vazio que senti naquele dia, diante da ausência, da carência, do amor distante e pleno, escrevi na última página de um caderno, sem pensar, apenas sentindo, muito, esse pequeno texto de despedida e esperança que exponho mais abaixo.

É preciso explicar que, quando nasci, meus pais tinham, ambos, 39 anos. Nos meus 19, quando me expus ao sol do mundo, estavam nos 59 anos. Quando tornei a encontrá-los, os sinais do tempo eram bem marcantes, quinze anos haviam se passado. Eu lhes ficara tão estranho que a distância permaneceu grande – agora menos física, mais sensorial, ideológica, vibracional. A visão de mundo desenvolvida na vivência em pleno chão da sociedade é francamente rejeitada, hostilizada, negada raivosamente não só por eles, mas por toda aquela classe, à qual eu já não pertencia.

“Tivemos tão pouco tempo...
acabei nascendo tarde
e pensando diferente.
Tivemos tão pouco tempo...
e o pouco tempo que tivemos
foi sem muita intimidade.
Cresci tão distante,
fiquei tão estranho,
estivemos tão longe
tanto tempo...
O pouco que tivemos
jamais intimidade
e, no entanto,
eu o amo, tanto, tanto...”

Amor incondicional. Lamento sua visão da minha pessoa e dos meus valores, mas respeito inteiramente, mesmo discordando. Não tenho verdades, mas impressões, opiniões, intuições. O tempo se encarrega das mudanças que não pudemos realizar e que são inevitáveis. Formar a própria visão de mundo e as opiniões é direito e responsabilidade de cada um.

Grande amor, grande respeito e vontade de encontrá-lo, quando chegar o momento.


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Noutra ocasião, Rodrigo comentou a necessidade de fazer correções, ortográficas, gramaticais, de concordância. Eu disse a ele que não devia corrigir nada, tudo estava escrito como eu queria. Ele argumentou, muita coisa estava fora das regras e eu expliquei porquê não queria correções. Compreendendo minhas razões ele pediu pra escrever o que tinha acabado de falar. Foi o segundo texto do livro, pra já prevenir os leitores do que vinha pela frente...


Tomando as rédeas das regras 
- ou Declaração -

   

No princípio era o verbo, disseram. Não acredito. No princípio, nem havia ser humano. Se é que houve algum princípio, assim como a gente entende. Eles dizem um monte de coisas, mentiras a rodo, e nós vamos acreditando na vida de gado. Ê boiada, luta, luta e não arruma nada. A língua escrita quer ditar as normas pra língua falada.

A língua que manda é a falada. A escrita veio depois e anda atrás, toda metida, dando as ordens que a gente não cumpre. A fala vai na frente, mutante, dançante, flutuante, os novos chegando e formando suas mudanças, sem levar regras em conta. A escrita vem atrás, negando, apontando erros que com o tempo vai engolir, impotente diante da força do uso, no dia a dia. O dicionário está cheio de palavras que foram desprezadas como ignorância. A prática se impõe à teoria.

Recentemente, intelectuais de vários países lusófonos se reuniram para definir regras gerais e “unificar” a língua portuguesa no mundo. Aqui da minha ignorância, eu acho um disparate essa iniciativa. Passei os olhos nas tais regras e meu coração repeliu grande parte delas. Esses caras, parece que não conhecem a realidade, não perdem a mania de querer impor de cima pra baixo o que só nasce de baixo pra cima. Deve ser a cegueira da arrogância, não sei.

Não escrevo para receber louvores acadêmicos ou qualificações literárias. Escrevo na forma comum de entendimento da maioria dos que podem entender o que lêem (o que já é minoria, embora numerosa). Pra entrar nos corações e mentes e mexer com alguma coisa lá dentro. Pra causar questionamentos e reflexões sobre a sociedade e a vida. 

Enquanto as elites intelectuais arrotam regras, em sua costumeira soberba e idiotia, nós vamos falando por aí, construindo a língua com o falar, inventando palavras e significados, sons e expressões, com os pés na realidade, não nos pedestais.

Declaro meu descompromisso com as regras gramaticais. Uso a escrita como achar melhor, meu foco é o receptor e a recepção é a parte mais importante da comunicação. Não há controle sobre a fala. Os meus escritos tentam falar na linguagem comum, usada e entendida por qualquer um. Lido em voz alta, quero soar como a fala e seu cantar.




Desenho original para a capa do Crônicas e Pontos de Vista
No alto à esquerda, a imagem do sertão, presente nos meus primeiros anos de estrada, sem casa nem paradeiro. Uma realidade forte, difícil, grandiosa, um povo resistente e solidário, duro e carinhoso ao mesmo tempo. Acima, ao centro, simbolizo as praias onde morei e vivi, a maior parte do nordeste. À direita, a cidade, a floresta e a montanha, onde vivi depois, já com filhos. No meio, à esquerda, uma feira de artesanato vista de trás das bancas, as mochilas e bolsas no chão, as pessoas olhando as bancas, a parte de trás dos painéis, imagem que vivenciei por tantos anos. A estrada infinita simboliza não só a vida, mas a própria infinidade. As palafitas são uma imagem que registrei com força no recôncavo baiano, em Maragogipe, onde fui recebido e hospedado por pouco tempo, mas que deixou marcada na memória a vida precária dessa gente sofrida e abandonada à própria sorte. Embaixo, o menino jogando bola com a arma na mão, uma reprodução livre de uma situação acontecida no Rio de Janeiro, embora eu não tenha sido fiel ao cenário. Fiz um desenho mais elaborado desta situação, "Ninguém nasce bandido", que tá no blog com a explicação da história, lá no comecinho, é uma das primeiras postagens. Situado no Rio, com o Corcovado e o Cristo ao fundo, alusão à área de Santa Teresa, onde vi a cena.


O "Crônicas...", hoje - correção feita em 31 de julho de 2020, o ano da pandemia - só existe em pdf, no saite - www.observareabsorver.com.br -, junto com outras publicações. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Ordem Criminosa do Mundo / El Orden Criminal del Mundo

Está aí a realidade que exercemos, está aí a criação dos valores que pensamos que são nossos ou mesmo que são valores naturais, convencidos desde o inconsciente por um trabalho direcionado, tramado pelos mega-conglomerados empresariais, pelos grandes banqueiros e industriais de todos os ramos e aplicado, principalmente, pela mídia de todos os tipos, com a linha de frente na televisão. Questionemos nossos valores, nossos comportamentos, nossas expectativas e, sobretudo, nossos desejos e objetivos de vida. E encontraremos, talvez surpresos, condicionamentos que exercemos sem perceber, usos e costumes que não teríamos se não fôssemos levados por uma repetição sob inúmeras formas, desde a infância ("Criança - a alma do negócio" é um documentário digno de ser visto).

Outro documentário fundamental pra quem quer se esclarecer é "O Século do Ego", que mostra como os conhecimentos a respeito do inconsciente foram usados pro condicionamento das populações. Não percebemos o quanto somos condicionados, o quantos somos impregnados de valores falsos. É preciso criar nossos valores, comportamentos, desejos, mudando tudo. Assim a vida terá sentido e assim, um dia, mudará o mundo. Pois somos nós que o fazemos da forma absurda que ele é.

Este é um documentário que fala do mundo como um só e do ser humano como uma única família. É preciso cuidamos uns dos outros e não aceitar, nunca, a existência de miseráveis, onde quer que seja. Toda miséria tem causa e a causa mais freqüente é a ganância dos controladores do mundo, dos fazedores de guerras, dos exploradores de recursos e de seres humanos. E somos todos coniventes, em maior ou menor grau.

Tá tudo no youtube. É só procurar.

Bom proveito.




Esse me chegou hoje, dia 7, enviado pelo Victor, do "Escafandristas..." e vai na mesma linha de mostrar o que acontece no mundo pra haver tanta miséria e sofrimento. É preciso entendimento, há um despertar, toma-se, aos poucos, consciência. O "Vozes contra a globalização" fala em espanhol, francês, inglês, português, vozes do mundo todo - feio e bonito, esse filme. A mídia só é citada no finalzinho. Acho que seria preciso cada um vasculhar em si mesmo os condicionamentos que nos levam a sustentar essa estrutura, desde nosso inconsciente, nos valores, nos desejos, nos objetivos de vida e, sobretudo e conseqüentemente, nos comportamentos. O filme dá uma bela pista a percorrer e no final aponta uma causa das mais importantes, criada, desenvolvida e usada pelos mais ricos do mundo - a mídia. Há décadas, gerações e gerações.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Complementando Pinheirinho...


Manifesto e abaixo assinado de juristas dirigido à Organização dos Estados Americanos (OEA)

http://www.conjur.com.br/2012-jan-30/pinheirinho-direito-propriedade-atender-funcao-social#_ftn3_8826

É preciso perdoar a confiança que os juristas têm no sistema. Eles estão enraizados, adequados a uma sociedade à qual não vêem alternativas, a não ser pelos meios do próprio sistema. A meu ver, uma ingenuidade. Mas eu não sou ninguém pra ter crédito como eles. E o que eles estão dizendo é importante demais.

http://www.conjur.com.br/2012-jan-30/pinheirinho-direito-propriedade-atender-funcao-social





O texto abaixo é grande e mostra uma enorme quantidade de crimes cometidos contra a população em Pinheirinho, em relatos recolhidos pela Justiça Global, junto com a Rede de Comunidades, o Movimento Contra a Violência e as Brigadas Populares. No mundo inteiro pessoas se solidarizam com os milhares de pessoas vítimas do ataque insano das forças de segurança, bárbara demonstração - como se não estivesse suficientemente demonstrado - do tipo de sociedade em que vivemos, totalmente dominada pelo poder da grana e desse punhado de seres desumanos que se fantasiam de finezas, ostentam excessos, luxos e desperdícios e desprezam toda a população que constrói, mantém e sustenta a sociedade. A mídia, porta-voz dos vampiros, mente, esconde, deturpa. Vivemos na sociedade da escravidão, da exploração, da mentira, da maldade.


Uma vergonha pra qualquer pessoa que se considere humana, vergonha de participar dessa coletividade, de aceitar e assumir valores, visões, objetivos e comportamentos programados pra manter tudo como está - concentrando riquezas e poderes para poucos, espalhando miséria, ignorância e sonhos de consumos impossíveis para todos. Vencer na vida, subir na vida, obter confortos, garantias e facilidades, cenouras penduradas na vara em frente ao burro para fazê-lo andar, puxando a carroça - os poucos que conseguem alcançar as cenouras não deixam de ser burros também, apesar de se sentir grosseiramente superiores aos demais e reproduzir os sentimentos de desprezo que os desumanos no poder emanam pela humanidade inteira. Na verdade, são esses estúpidos os primeiros a defender o sistema como é. Como os cães em matilha, arreganham os dentes pro lado da maioria e abanam o rabo diante dos vampiros arrogantes, os controladores do mundo. E se esforçam por servir bem aos seus senhores, assumindo seus valores nojentos e nocivos. Através de bancos, multinacionais, mega-empresas, o poder financeiro se instalou no governo do mundo, nas comunicações midiáticas, fazendo da vida geral um inferno, do mundo um campo de guerra, a finalidade da existência apenas consumir, desfrutar egoisticamente, insensível ao sofrimento da maior parte da família humana. E pra isso, foi preciso convencer coletividades inteiras, transformá-las em consumidores, em contribuintes, em competidores permanentes por "um lugar ao sol". 
Até quando permaneceremos dormindo, submissos a sonhos fabricados, induzidos a valores falsos e vivendo uma angústia, ao invés de uma vida? Isso que vivemos coletivamente não pode se chamar plenamente de vida. É uma tremenda sacanagem, uma falsidade, uma desumanidade. 


Esse documento será entregue aos foros internacionais, OEA, ONU e onde mais puder. Sem poder de interferência, ao menos se pode trazer à consciência coletiva, como um despertador pra realidade. Esse é o mundo em que vivemos. Essa é a sociedade que nós constituímos. Apesar do ódio, do rancor e do apoio a estas ações, por parte de alguns, da indiferença de tantos e do sentimento de impotência de outros, ninguém está isento de responsabilidade, assumindo ou não. Todos somos parte dessa família universal e negar apenas demonstra o grau de primitivismo espiritual, de grosseria e inconsciência. As raízes dessa estrutura social foram plantadas no inconsciente coletivo e ela, a estrutura troncha da sociedade, se mantém pelos valores e comportamentos condicionados, competitivos e consumistas que se exercem diariamente. Depende de cada um e de todos mudar isso. 


É só clicar nesse link aí. É de revirar o estômago.
http://global.org.br/wp-content/uploads/2012/01/Pinheirinho-um-Relato-Preliminar-da-Viol%C3%AAncia-Institucional.pdf


A ação do Estado
O que restou das casas
Bala de borracha
O abandono



Ora bolas, tô cansado desses caras que denunciam passando manteiga. Violação dos direitos humanos... pf. Crimes contra a humanidade. Esses caras (governantes, comandantes e magistrados que ordenam tais ações) são criminosos desumanos, tinham que estar em cana, sendo estudados pra ver como se produzem tais aberrações em nossa sociedade. Filhos da puta, isso sim, jamais poderiam chegar perto de cargos públicos. Não alcançaram o patamar que mereça o nome de humano, e comandam o aparato público de maneira assassina, a favor de uma classezinha de merda que depende inteiramente dos pobres, de serviçais, da exploração e da espoliação das coletividades. Não perdem por esperar, monstros! A humanidade começa a acordar, em meio aos narcóticos de consciência espalhados no varejo. Apesar deles. Chegará o dia em que não haverá um único pobre disposto a serví-los e vocês terão que aprender a limpar sua própria sujeira. Ah, seres desumanos, aboletados na sua falsa fineza, numa superioridade construída em cima de mentiras, controles e induções. Sua hora há de chegar, já desponta no horizonte, já há os que enxergam e a consciência é como uma peste contagiosa que se espalha sem freio. Nada pode deter o curso da história. Não a história de uma vida ou de uma geração, mas a história da humanidade que segue, no dia a dia, pelos séculos afora, em busca de harmonia. 




Olha aí quem manda... e os fantoches políticos servem. Deixemos de ingenuidade. Essa democracia é uma farsa. Nunca houve democracia. Não sabemos o que é uma democracia, nunca vimos uma. O que conhecemos é a truculência do Estado contra os pobres e seu favorecimento aos ricos. Sem falar nas classes médias, exploradas, mediocrizadas e amedrontadas, sob a pressão e a ameaça da queda no padrão de vida - as mais altas -, da pobreza - as mais baixas -, enquanto a pobreza é ameaçada com a miséria. Nessas classes estão o maior número de consumidores de anti-depressivos.O Estado foi seqüestrado pelo poder econômico e, agora, manietado, manipulado, age criminosamente contra o povo brasileiro como um todo. São os mais pobres os que levantam os tijolos, fazem as ruas, põem o asfalto, os postes, os fios, as tubulações, fazem a conservação, a manutenção, consertam os vazamentos, desentopem os esgotos, carregam as caixas, atendem nos balcões, abrem as portas, fazem a faxina, a comida, tiram o lixo, cuidam das crianças, lavam roupas, carros, prédios, fazem entregas, consertam o que estraga, pagam proporcionalmente mais impostos, ou seja, além de construírem, mantêm funcionando e ainda sustentam a sociedade via impostos. Basta dar uma estudada no sistema tributário e isso fica claro. E são explorados, sabotados em educação, saúde, na vida em geral, idiotizados por uma mídia maléfica, entorpecente, deformadora da realidade, são desprezados, iludidos, reprimidos, perseguidos, marginalizados e excluídos dos benefícios da tecnologia. Eventualmente, são massacrados, quando ocupam, como em Pinheirinho, espaços falcatruescos, que não pagam impostos, que não se sabe como chegaram à propriedade de bandidos como Naji Nahas, abandonados há anos, ocupados pela população que não vê o Estado cumprir sua constituição na garantia de moradias e condições de vida digna e toma suas atitudes na resolução dos problemas básicos. Há oito anos esse espaço foi ocupado, virou um bairro. A legislação prevê esse direito, mas o controle da coisa pública pela privada move o aparelho público contra o público. E temos que ver a polícia ser inimiga da população, atacando de forma bárbara velhos, mulheres, crianças, famílias em pânico, dispersadas, membros assassinados ou desaparecidos. O aparato do Estado atirado contra sua população mais fragilizada, mais explorada, mais enganada e sabotada, embora seja a mais imprescindível ao funcionamento do todo. Não há muito o que dizer. Tá na cara, não vê quem não quer.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Mudar por dentro, pra mudar a sociedade

Consentimos nessa barbárie social, assumindo os valores incutidos em nosso inconsciente, acreditando na realidade distorcida que nos é apresentada, desejando o que nos é condicionado desejar e nos comportando, mais ou menos explicitamente, como programado nos laboratórios de psicologia cooptada pelo poder econômico e implantado pela mídia comercial. O verdadeiro trabalho revolucionário começa dentro de si mesmo, em cada um. Quem não se dispõe a isso, por orgulho ou outra cegueira, jamais será realmente revolucionário, ao contrário, servirá inconsciente à formação de um cenário de falsa democracia e, no máximo, justificará o incremento das forças de segurança destinadas à contenção de massa, com sua atuação dezarrazoada, virulenta, esporrenta, agressiva, usando a maneira programada de protesto previsível e desejável aos poderosos do sistema. Não é preciso derrubar os opressores, apenas deixar de sustentá-los, de colaborar com eles, consciente ou inconscientemente. E eles cairão, por desamparo. 

Li no Correio do Brasil que a relatora especial da ONU sobre o direito à moradia adequada “pediu” às autoridades brasileiras pra encontrar uma “solução pacífica” e se declarou “chocada” com o “uso excessivo da força” na desocupação de Pinheirinho. Daqui da minha insignificância, eu perguntaria à doutora Raquel em que mundo ela vive. Então não é um procedimento comum e freqüente, as forças de segurança serem atiradas pra cima do povo pobre que toma atitudes de emergência por sua conta, ocupando o que é do seu direito moral ou reivindicando do Estado o que é de sua obrigação constitucional e não é cumprido, porque o poder econômico/político não permite? Porta-voz do sistema, a mídia late furiosa e histérica contra qualquer movimento realmente popular, que tenha expressão e conseqüência, como o dos sem terra, dos sem teto, dos trabalhadores desempregados, o pela reforma agrária, o dos atingidos por barragens, o dos povos indígenas que insistem em sobreviver ao genocídio e ao saque secular das suas terras e tantos outros.

 raquel-rolnik
A relatora especial das Nações Unidas sobre o direito à moradia adequada, a urbanista brasileira Raquel Rolnik diz que esta chocada com o uso da força


As pessoas sem teto sabem muito bem que, ao ocuparem prédios abandonados, correm muito menos risco de violência se forem imóveis públicos. Quando são propriedade privada, mesmo caindo aos pedaços, a desocupação pela polícia é violenta ao extremo, porque a influência raivosa dos proprietários contamina o aparato público de repressão e, como vi no documentário “Atrás da porta” (http://www.youtube.com/watch?v=NDQuRhsr8HI), no aviso de um sargento pras pessoas que se dispunham a sair, “não sai agora não, que a ordem é esculachar”, ou seja, descer a porrada. O traço de humanidade revelado pelo sargento é exceção à regra, mas revelador da disposição do comando em dar o exemplo de terror pros desabrigados, sinal de sujeição ao poder econômico. A propriedade privada é mais sagrada que o ser humano, desde que este seja parte da maioria pobre. A vida que tem valor é a de quem tem patrimônio, tanto mais valor quanto maior o patrimônio. A quem serve o comando das forças de segurança? Pelos fatos, evidentemente, aos que mandam, os grandes empresários, que os revolucionários acadêmicos chamam obscuramente de “o capital”.

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Um punhado de indivíduos cercados de empregados por todos os lados, que não sabem nem lavar suas cuecas e calcinhas, não sabem fazer nada além de ordenar, sabotar, controlar e explorar pobres. Eles morreriam à míngua se não tivessem quem os servisse. Ou teriam que aprender o serviço dos seus empregados, idéia inconcebível pra eles. Não é à toa que o ensino é sabotado (longe de ser por incompetência dos políticos), que a mídia é privada e qualquer tentativa de regulação das comunicações é violentamente rejeitada como ataque à liberdade de imprensa (liberdade pra mentir impunemente, na verdade) e qualquer proposta de democratização, liberando rádios e TVs comunitárias, sindicais, de associações, bairros, municípios e escolas é combatida. É preciso - e fundamental - que o povo seja ignorante, desinformado e mero expectador não atuante em sua própria história, para se manter tudo como está, o poder concentrado na mão desse punhado, dessa corja desumana que se acha superior.

São incontáveis os massacres, as perseguições, as agressões das forças de segurança pra cima da população mais pobre e sabotada em seus direitos constitucionais. Seria exaustivo aqui listar as violências, as ilegalidades, as agressões a movimentos sociais, as falácias jurídicas aplicadas às coletividades, as prisões e assassinatos de lideranças, mesmo depois da ditadura explícita, mesmo a contar do Eldorado dos Carajás, na época do lesa-pátria FHC. Quem vive em comunidade pobre conhece a violência cotidiana, vive sob essa realidade. É muito difícil encontrar nessas comunidades quem já não tenha sido de alguma forma desrespeitado por elementos das forças policiais, quem não tenha parentes, amigos e conhecidos agredidos ou mortos por essas forças “públicas”. A coisa pública está imersa na privada e a seu serviço, enquanto sustenta a hipocrisia de que é um estado democrático, falácia vergonhosa que não se sustenta em qualquer análise isenta e interessada na realidade.

Desgraçadamente, isso não parou aí, mas sim foi estabelecido como comportamento padrão. As forças armadas contra o povo, a favor dos grandes empresários e das classes mais ricas, minorias numericamente insignificantes que se consideram civilizadas, educadas, superiores, finas, o que demonstra sua inferioridade espiritual e disfarça sua fraqueza pessoal. Morrem de medo que a população acorde e faça com eles o que eles fariam com quem os tratasse da forma que a maioria é tratada. Como disse Josué de Castro, o mundo está dividido entre os que não dormem porque têm fome e os que não dormem com medo da revolta dos que têm fome. Os poderosos, com o poder usurpado sobre as sociedades, se armam com forças de segurança pública e privada, do mesmo jeito que dispõem das verbas públicas, do orçamento público, dos organismos públicos, do poder público, como um direito adquirido às custas da inconsciência da maioria, da engabelação e da sabotagem.

Insisto em que todos nós não só colaboramos, como sustentamos esse sistema espúrio, com nossos valores, nossos comportamentos induzidos a partir da infância pelos costumes arraigados desde os tempos do “sangue azul” e atualizados pelo poder de persuasão dos chamados “grandes meios de comunicação”, a mídia privada, e seus profissionais de psicologia do inconsciente e do comportamento. Veja “O século do eu”, ou “O século do ego” (http://www.youtube.com/watch?v=MTKFVFjUr8c), acho que são duas versões do mesmo filme, que demonstra como começou a manipulação do comportamento através do inconsciente, com os conhecimentos desenvolvidos por Freud e aplicados em publicidade por um sobrinho seu, que ficou rico nos USA, servindo às corporações em seu começo de manipulação midiática. De lá pra cá, essa prática foi desenvolvida ao extremo e nos pega a todos desprevenidos. Pensamos que formamos nossos valores, nossos padrões de comportamentos, e somos induzidos todo o tempo. Senão, como aceitar a miséria como inevitável? Como encarar a sociedade como um campo de batalha, como desejar consumos excessivos, como valorizar a forma e desprezar o conteúdo? Um pilantra bem vestido é socialmente bem tratado, uma pessoa honesta, generosa e solidária, se estiver maltrapilha, é invariavelmente maltratada. Não se olha nos olhos, não se leva em conta a alma. 

Ou retomamos o direito - e a obrigação - de formar nossos valores e padrões de comportamento, ou qualquer mudança social será cosmética, sem profundidade e inócua.


Eu gostaria muito de ver as fotos que esse cara conseguiu. Devem ter ficado o máximo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pinheirinho - exposição de um sistema social

Qual é a surpresa? Indignação, sim. Tristeza imensa. Mais uma demonstração do que é a nossa sociedade. A propriedade vale mais do que a vida. A corja dominante impõe seus interesses à esmagadora maioria. Os sinais estão em toda parte. E nós concordamos com isso e sustentamos o sistema. Com valores, pensamentos e comportamentos, sustentamos o sistema. É hora de acordar. Não há surpresa no que aconteceu em Pinheirinho. Apenas as cifras, os números. Eram seis mil pessoas. Mas isso acontece cotidianamente com a maioria esmagadora da população, desprezada, sabotada e reprimida pelas forças de segurança. Desatendida pelo sistema de saúde. Sem acesso a uma educação que mereça o nome. Maltratada no sistema de transportes. Desinformada, condicionada e narcotizada por uma mídia avassaladora. Explorada até o talo no mercado de trabalho. Diluído no tempo e no espaço, é isso o que acontece. Todo dia. Em toda parte. O tempo todo. Muito sofrimento acontecendo, todo o tempo. Em nome do lucro.

Um descaramento crescente. Deve ser confiança na ignorância plantada e nos condicionamentos da mídia, com o controle das comunicações.

Luzes estão se acendendo, há um despertar em curso. Conscientizai-vos uns aos outros. E, sobretudo, conscientizai-vos a vós mesmos. Em valores e comportamentos. Com humildade.






Wernner Lucas saiu de Minas e foi lá ver. Pra alguns, o relato pode ser estarrecedor. Aqueles que acreditam que vivem numa sociedade minimamente justa, onde os poderes constituídos existem para fazer garantir a harmonia social, o bem estar de todos, vão se horrorizar ou não acreditar. Quem está nessa luta, quem nasceu nas classes baixas, quem olha com sinceridade pra realidade, não se surpreende com essa ação do aparelho público contra o público. Revolta, sim, tristeza, sim, mas não surpresa. A situação é essa mesmo. Mudar isso requer mudanças completas. Quem não quer se modificar, que não se habilite à luta e viva sua vidinha frustrante, do nascimento à morte sem nenhum significado, em pleno vazio existencial, a não ser aparentemente, ostentando formas sem conteúdo. Taí o texto, é só clicar no link. Quem quiser emagrecer, leia antes das refeições.

http://wernnerlucas.blogspot.com/2012/01/o-que-vi-em-pinheirinho.html


A Galícia, se não me engano, é uma parte da Espanha em que o povo não se reconhece espanhol. Sua língua é o português, e esse jornal noticiou Pinheirinhos em detalhes.

http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=23644:acompanhamos-jornada-de-luta-policia-militar-ignora-sentenca-e-promove-massacre-no-pinheirinho&catid=257:repressom-e-direitos-humanos&Itemid=131

No vídeo abaixo, a denúncia e a indignação do cineasta, o militante que envolve completamente seu sentimento naquilo que está vivendo, no seu trabalho de ser humano em uma sociedade torta.

sábado, 21 de janeiro de 2012

explicação a uma consulta





Cabeça de Fósforo - óleo sobre tela, 55x46cm, 1999

Foi dada uma pequena garibada no texto original.


Olha só.

Aquela pintura foi feita e vendida em 2001, num boteco na frente da minha casa, pra um camarada que bebia comigo, ex-preso político e exilado, que se encantou com a proposta do quadro. Eu falei com ele que cruzara um "gravata", na Rio Branco (centro superlotado do Rio, cheio de "gravatas" e "taileurs"), que saía de um prédio pra calçada lotada onde eu caminhava e se jogou pra cima de mim, confiando que eu sairia da frente, por um sentimento de superioridade dele, imagino, dentro do seu paletó caro, enquanto eu vinha de cabelo comprido, roupa "largada" e mochila nas costas. Eu vi que ele havia me visto de dentro do prédio ainda, em rota de colisão, e não desviou. Eu desviaria dele, mas a mochila estava com uns 40 quilos, pesada demais pra desviar rápido, não dava, eu apenas travei os músculos e esperei a porrada. O cara foi ao chão e se levantou revoltado. Insultou minha ancestralidade, meu aspecto, minha falta de senso em passar na frente dele ("...fica no meio do caminho!!"), até minha higiene pessoal o cara desqualificou, enquanto eu apenas o olhava - imaginando seus batimentos cardíacos, a angústia da sua vida estampada no descontrole, no estado de nervos. Sem responder, apenas atento à possibilidade de agressão física, que não aconteceu. Ele cansou de berrar sem ter retorno e tomou destino; eu fiquei olhando ele ir embora, quando meu olhar cruzou com o do jornaleiro da banca ao lado, que tinha vindo de dentro pra ver o que acontecia e estava com um meio sorriso - talvez pela minha reação tranqüila, enquanto ele esperava um tumulto. No encontro dos olhares, ele sorriu e comentou, "cabeça quente, hein?" Eu respondi "uma hora dessa tem um AVC, fica todo torto e vai ter o resto da vida pra ficar pensando que era melhor não ser tão nervosinho. Cabeça de fósforo!" Ele deu uma gargalhada e voltou pra dentro da banca, falando sozinho, "cabeça de fósforo". Eu saí dali pensando na imagem de um cara de paletó e gravata com cabeça de fósforo. De noite, no bar, comentei com o camarada o acontecido e completei, "tô pensando em fazer um quadro assim..." e expliquei a idéia da pintura. Ele, na hora, bateu com a mão no balcão e disse "um quadro desse eu compro". "Compra porra nenhuma, papo de boteco, tu tá é bêbado" e ele garantiu que não, que compraria mesmo. “Tô bêbado mas sei o que tô falando, caralho”, se ofendendo por eu não acreditar. No dia seguinte, tela esboçada em carvão, levei ao bar pro cara ver. Ele quis já comprar em preto e branco, no esboço mesmo, mas eu não deixei, pintei o quadro em uns dois ou três dias e ele comprou mesmo. Em duas vezes, e pagou a conta do dia e a do dia da entrega, também. Amarradão.

Quem quiser um cabeça de fósforo vai ter que encomendar e nunca vai sair um igual ao outro. E olha que não gosto de usar essa palavra, "nunca". Mas não sai, nesse caso se aplica, a não ser que se recorra a uma copiadora. As cópias serão iguais entre si, embora não sejam como o original. E os originais são o que o nome diz, mesmo - originais. Na imagem que acompanha este texto, por exemplo, o primeiro dos "cabeças", sinto falta de mais gente na rua. E de um estilo mais impressionista, mais tinta e menos exatidão. Veremos como sai o próximo, já encomendado. Quando terminar, ponho aqui, como acréscimo à postagem. A não ser que a Flávia peça pra não colocar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

TEDxDaLuz - Eduardo Marinho - O que a razão não alcança

Magnus e as mangas - na beira da Rio-Santos -

     “Minha avó era analfabeta”, disse Magnus, explicando a perda das terras. Ela havia nascido ali, o pai fora escravo e recebeu aquelas terras do ex-dono, com a permissão de ficar ali com sua família e suas tradições. Os filhos cresceram analfabetos, todos, acostumados com o trato da terra, dos plantios e das criações. E fizeram, por sua vez, suas famílias, partiram uns, ficaram outros. Não havia escolas, muito menos para negros.  Só os netos puderam ir à escola, mesmo assim de péssima qualidade.
     Um dia chegaram caminhões e máquinas, cortaram a terra com uma estrada, derrubaram árvores e outras plantas, avisaram a avó que a área tinha dono, uma empresa construtora. “Ela era analfabeta, não sabia se defender”. E assim, o poder da empresa se impôs e a terra foi reduzida. E seria mais ainda, se filhos e netos não se unissem na defesa do que sobrou, um oásis de árvores e algumas poucas casas em meio à devastação causada pela construção da estrada, por um lado, e pelo trevo rodoviário que foi construído sobre um brejo, do outro lado, quase encostando nas casas, e que destruiu um pequeno rio “que dava até jacaré”. O último jacaré apareceu depois da construção do trevo, perdido, e foi levado pra um zoológico.
     Quando vimos aquele oásis, da estrada por onde vínhamos sob um sol de arrebentar os miolos, parecia mesmo um foco de resistência contra o deserto de capim, terra, poeira e pedras que o circundava. Paramos pra pedir água e conhecemos Magnus. Ele nos contou a história.
     Homens da prefeitura estiveram ali várias vezes, pressionaram, ameaçaram com a perda da terra, levaram a família pra conhecer o lugar pra onde queriam que fossem, um apartamento em Campo Grande, num desses bairros "populares" infernais. De longe, os prédios parecem arrumadinhos, coloridos e geometricamente arrumados. De perto, são cubículos onde se apertam as famílias, coladas umas às outras por paredes finas, com problemas de água e esgoto, falta de transportes, de escolas, de postos de saúde e comércio, enfim, o abandono que é oferecido invariavelmente pelo Estado à população mais pobre. Como ficar num lugar desse? Sem espaço, sem quintal, sem árvores, ventos ou passarinhos, “a vó ia ser a primeira a morrer, de tristeza”. Fincaram pé e não saíram.
     O administrador regional veio em pessoa, com o aparato de intimidação costumeiro, cheio de arrogância, exigindo, ameaçando. “Minha tia chamou ele de safado e botou pra correr. Ele foi embora zangado, cheio de ameaças...”
     Depois começaram a derrubar árvores. Chegavam na caminhonete da prefeitura, com motosserras, cortavam e iam embora. “Não dava tempo de fazer nada, era só ir lá pra ver o tronco no chão”. Aí arrumaram uma câmera e ficaram de sobreaviso, seguindo o conselho do patrão de uma das tias. Alguém sempre ficava com a avó e, quando a caminhonete parava, corria lá com a câmera e eles não cortavam. Eles não saberiam o que fazer com as fotos, mas os funcionários da prefeitura sim, por isso deixavam de cortar e acabaram desistindo, não voltaram mais, até aquele dia.
     A história estava nesse ponto, quando passamos de bicicleta e paramos pra pedir água. Depois de esvaziarmos duas garrafas grandes, Magnus nos deu mais uma pra levarmos, congelada. Perguntei se ele entrava na internet e, diante da confirmação, passei pra ele o endereço do Núcleo Piratininga de Comunicação, coordenado por Claudia Santiago e Vito Gianotti. “É uma rapaziada solidária, que trabalha denunciando esses crimes que o sistema comete todo dia contra a população mais pobre, pra beneficiar empresas. Eles devem saber o que cês podem fazer pra se defender.”
     Antes de sairmos pra estrada, ele foi ao fundo de sua pequena floresta e buscou, pra nos oferecer, um dos tesouros defendidos da destruição – mangas carlotinhas, maduras, doces e fresquinhas -, colocou num pacote e nos deu, com o maior dos sorrisos. 

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.