quarta-feira, 9 de outubro de 2013

É pública minha posição apartidária - não confundir com "apolítica", que é uma posição impossível -, pela idéia de que a estrutura política, assim como todas as estruturas da sociedade, estão infestadas de interesses empresariais, que se infiltram por todas as brechas dos poderes e das instituições. A luta por espaço nas comunicações é crucial, a luta por uma educação verdadeira, por uma tributação justa, por uma sociedade mais solidária passa pela conscientização geral. A partir de dentro de cada um, nos seus próprios condicionamentos em valores e comportamentos, o trabalho externo se torna mais eficiente. Esta é a minha opinião, há quem discorde.

Dentro das instituições, porém, há gente decente trabalhando. Convivendo dentro da estrutura corrompida e sofrendo a angústia da própria diferença com o ambiente rotineiro. Não é à toa que vazam informações, denúncias, se tomam ações que resolvem problemas pontuais. Pessoalmente, estamos do mesmo lado, desejosos de uma sociedade em nome de todos, não de uns poucos e em prejuízo da maioria.

É preciso lembrar que NÃO INTERESSA a esses poucos vampiros encastelados em palácios, luxos e ostentações uma educação verdadeira. A ignorância da população é fundamental pra manter esse Estado corrupto que não cumpre nem mesmo sua própria constituição, pomposa e ironicamente chamada de "carta magna". A pompa impressiona a ignorância, a mídia a conduz. É preciso saber contra o que lutamos.

A Sônia fez um pronunciamento que traduz o que sinto diante desse quadro. Ela é parlamentar. Vereadora. Eu acho. Não me ligo muito porque não acredito que a política partidária possa ir muito além da cosmética e de ações pontuais. Válido, mas já tem gente trabalhando aí e eu tenho outras vertentes no mesmo trabalho.

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"Assistimos nesta terça-feira, dia 1, a um dos mais degradantes episódios de submissão de decisão parlamentar à vontade do Poder Executivo, através da aprovação do Plano de Cargos e Salários dos profissionais da Educação, contra a vontade de seus funcionários e sem qualquer discussão com a sociedade civil.
Uma votação feita sob regime de urgência e a portas fechadas pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar do Plenário da Câmara de Vereadores!  Nada pior poderia ficar registrado nos anais da história da Casa Parlamentar e da Educação no Rio. 
Lá dentro, 36 vereadores da base do prefeito, absolutamente fiéis não ao que acreditam como valores educacionais, mas ao que creem como lógica política. Ou seja, a troca constante de favores e benesses em seus bairros – não diretamente “mensalões, – mas empregos, cargos, asfaltos, licenças, internações, obras, entre outros. Enfim, verdadeiros xerifes das áreas.
Em algum momento sentiu-se neles qualquer preocupação, ainda que vaga ou genérica, de que talvez fosse prudente e necessário ouvir as pessoas para  poder debater esse importante Plano de Cargos de Salários dos professores e dos profissionais da Educação que cuidam por décadas de mais de 750 mil crianças do nosso Município e que comprometem o nosso futuro no mínimo pelos próximos vinte anos?
Estavam eles preocupados em saber o que se tinha a dizer a respeito das proposta dos membros do Conselho Municipal de Educação? Por algum momento seu entes foram ouvidos pelos vereadores?
E os notáveis do Conselho da Cidade foram ouvidos?  Ou os notáveis também nada tinham a dizer sobre esta questão “menor”, que é o Plano de Cargos e Salários a Educação?
Por que nem os vereadores, nem mesmo os membros das Comissões de Educação, fizeram audiência pública para escutá-los?  Por que não ouviram os inúmeros e excelentes especialistas em Educação que desenvolvem, há anos, magníficos trabalhos na cidade do Rio de Janeiro?

Plano de Carreira do pessoal da Educação na Cidade do Rio não é, definitivamente, assunto nem de palpiteiro, de novato ou de twitteiro. Não temos mais tempo a perder neste assunto. Não basta somente a informação maniqueísta do que diz o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação em confronto do que diz o prefeito ou a sua secretária.
Queremos o debate com os pais, professores, pedagogos, alunos e técnicos. Uma politica de estado na educação básica no Rio que atraia jovens para esta profissão, que exige sempre uma doação espiritual e social.
Por isso, digo e repito, me envergonho do que vi acontecer no Plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com professores da rede publica apanhando da polícia do lado de fora na rua e vereadores escarrapachados em suas cadeiras, com ares de absoluta indiferença, “cumprindo o determinado”.
Hoje, o Rio não amanheceu como sendo a nossa Cidade Maravilhosa. Mas, esta história ainda não chegou ao seu final, definitivamente, pois quem faz a Cidade ser maravilhosa somos nós e não eles…"
 Confira como votaram os vereadores:
Votaram SIM os vereadores Alexandre Isquierdo, Átila A. Nunes, Carlos Bolsonaro, Chiquinho Brazão, Dr. Carlos Eduardo, Dr. Eduardo Moura, Dr. Gilberto, Dr. Jairinho, Dr. João Ricardo, Dr. Jorge Manaia, Edson Zanata, Eduardão, Eliseu Kessler, Elton Babú, Guaraná, Jimmy Pereira, João Mendes de Jesus, Jorge Braz, Jorginho da S.O.S, Junior da Lucinha, Laura Carneiro, Leila do Flamengo, Luiz Carlos Ramos, Marcelino D’Almeida, Marcelo Arar, Paulo Messina, Prof. Uoston, Rafael Aloísio Freitas, Renato Moura, Rosa Fernandes, S. Ferraz, Tânia Bastos, Thiago K. Ribeiro, Vera Lins, Willian Coelho e Zico.
Votaram NÃO os vereadores Carlo Caiado, Cesar Maia e Tio Carlos.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Papo com Ricardo

Esse papo rolou em 2011, de lá pra cá o Ricardo teve um casal de filhos, Fernando e Eduarda. Sempre pensei em publicar nossas conversas, mas a intenção era colocar no papel, fazer livrinhos manuais, por serem curtos, pequenos e fáceis de vender. Além de serem bons de ler, na minha opinião, claro. 

Ricardo é meu amigo há anos, dessas amizades raras que duram a vida inteira. É como se a gente fosse formando uma família com base na afinidade, não na consangüinidade. Se a reação for boa, publico outros.

Sei que o blogue tá meio abandonado de novo, por isso vim dar uma capinada no mato. Logo devo recomeçar as publicações. Espero. A vida não anda fácil, não, e o que me banca é o trampo de rua, os desenhos, as pinturas. Daí a ausência. Abraços a todos e bom proveito.

Eduardo. 

A Lua de mel e o pastor de Jesus

- Falaí, Edu... já voltou ou não?
- Tô em casa.
- Quando chegou?
- Quinta-feira antes do carnaval.
- Ah, tem tempo, então. Fez alguma coisa no carnaval? Viajou?
- Passei o último fim de semana num sítio em Parati.
- Que beleza, hein, foi acompanhado?
- Fui. Com aquela dona que te falei, tava em banho maria.
- Que dona é essa... a cantora?
- É.
- Ah, tá. E foi legal, lá? Levou os trampos?
- Demais, o sítio é lindo, cheio de cachoeiras, longe pra raio, isoladão. Não tinha porque levar trampo. Mas ela me pagou pra ir. Motorista. A motorista dela, amigona – a mina é motorista de ônibus, cara –, faz um bico dirigindo pra ela, que precisa ter carro, mas não dirige. Ofereceu o que pagaria a ela, pra ir no sítio. Até porque, quando me chamou, eu disse que não iria a lugar nenhum, sem trabalhar.
- rsrsrs... gigolô!!!!
- Tu não podia deixar passar essa, né?
- kkkkkkkk... Não podia mesmo. Aqui... tá sabendo a novidade? Tô casando em outubro... eu acho. Rsrs
- Eu acho? Que é, pressão?
- rsrs Não... é que eu não sei se vou conseguir arrumar tudo, até lá. Vamos fazer uma coisa simples, pra poucos convidados.
- Arrumar o quê?
- É muito detalhe. Cartório... local da festa... casa... mobília... lua de mel... etc, etc, etc...
- Bobagens... Lua de mel?
- Lua de mel, sim. Bobagens que custam dinheiro, tempo... e disponibilidade, claro.
- Seria melhor ‘festival inicial de sexo”.
- huahuahuahuahuahuau... tem que ter um lugar legal pra esse festival.
- Lua de mel é xaropada. Careta.
- Tudo bem, concordo com a expressão “festival continual de muito sexo”. Continual porque não vou iniciar nada, né?
- Não. Mas serão dias dedicados, principalmente, ao sexo comemorativo da união estabelecida.
- Ah, entendi.
Estamos escolhendo entre o Morro de São Paulo, na Bahia – minha irmã foi pra lá no carnaval, disse que é uma coisa maravilhosa – ou então um desses navios de cruzeiro.
- Morro de São Paulo é Argentina...
- Que Argentina o quê, ô maconha, é na Bahia. Pelo menos esse que eu tô falando.
- É na Bahia, mas é Argentina.
- Ah, entendi.
- Cê falou em cruzeiro?
- Falei. A Faby quer ir nessa merda de qualquer jeito.
- Navio de cruzeiro?!
- É, transatlântico. Desses que passam por Fernando de Noronha.
- Tem vergonha na cara, não, ô pequeno burguês?
- kkkkkkkkkkk... é a vontade dela.
- Putz, que deprimente... quer ir pra ilha da fantasia...
- Eu vou fazer o quê? Prefiro essa parada na Bahia, mas se ela bater o pé, eu vou.
- Que triste.
- Obrigado. Também estou muito feliz.
- Lamento sua sorte, companheiro. Em pouco tempo, vai ter uma barriga nesse teu corpo magro.
- Dispenso seus lamentos e lamúrias. E eu já estou com barriga. Ela vai muito bem, obrigado.
- Daqui a pouco cê vai estar contando como foi feliz a sua juventude.
- Ah, que bom que você acha isso. Realmente é tudo o que espero, que suas palavras se transformem na mais pura realidade.
- Alienado, flácido, acomodado e “feliz”. Cada um com sua sina...
- De pau ereto, fazendo muito sexo e aproveitando a vida. Muito “feliz”. Eu adoro a minha sina. Kkkkkk
- Questão de tempo. Com 35 vai estar mais velho que eu.
- Questão de tempo, eu vou dizer como você está errado.
- Ah, eu já vou ter morrido.
- Mas discutir com você é impossível. Então vou deixar que o tempo revele quais são realmente meus planos.
- Seus planos são bem planos, mesmo, hein?
- É, cara, meus planos são muito maiores do que um simples julgamento de como será a minha vida, baseado numa lua de mel... que nem decidi ainda pra onde vai ser.
- Há sinais, vê quem é capaz.
- E você é o capaz na história, né?
- Questão de prática, bundão. Reconhecimento, precisa não. Crédito, precisa não. Vai aí, boi. Passarinho de gaiola.
- Você não sabe de nada, seu babaca. Agora eu sou um novo homem. Parei de fumar maconha e de beber. Entrei pra Igreja Internacional.
- Tu gosta mesmo é de alpiste.
- E o pastor me disse que eu vou me dar muito bem na vida, terei todo o dinheiro que eu quiser e o mais importante...
- Cê vai é dar muito na vida.
- ... se eu der um pouco pra ele... não vou para o inferno.
- Tá vendo aí?
- Ou seja, estou no caminho certo.
- São os parâmetros de felicidade. Vai aí, boi. Ou vaca.
- Eu vou passar aí, Edu. Vou levar umas revistas que o pastor me deu. É muito importante que você leia e aceite Jesus.
- É bom, acabou o papel higiênico aqui em casa.
- Não queira conhecer o inferno... se você pedir perdão pelos seus pecados eu vou lhe conceder a luz divina.
- Sua luz divina você pode enfiar no olho cego.
- Oh!!!!!!! Não quero mais ouvir essas blasfêmias... que Ele te perdoe. Você não sabe o que diz... acho que está possuído. Tô ligando pro pastor e dando seu endereço... ele vai passar aí pra tirar o capeta do seu corpo... calma, amigo, eu vou te salvar.
- Vem, viado, que eu vou te mostrar o tamanho do que tu vai salvar.
- huahuauhuahuauhuahuauhauah Deixa eu trabalhar, cara. Tô rindo aqui, sozinho, e neguinho já tá me olhando estranho. Kkkkkkkkkkkk
- Eu também tenho mais o que fazer. Aparece depois.
- O recado tá dado. Vou casar. E mesmo você estando possuído, está convidado. Será um prazer contar com a sua presença na comemoração. Vou dar uma passada aí essa semana.
- Me lembra quando chegar mais perto. Daqui pra lá, eu esqueço.
- Beleza.
- Abraço, compade.
- A gente ainda se fala, antes. Abração.

- Inté.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Brutos em Belo Horizonte, de 3 a 6 de setembro

Em 8 de setembro, eis a primeira parte da palestra na mostra - depois dos vídeos, claro.

http://www.ustream.tv/recorded/38206163

Essa é a segunda parte:

http://www.ustream.tv/channel/os-brutos

Não consegui postar o vídeo em si, mas o link leva a ele, sem problema.




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Estou em Belo Horizonte no evento Brutos, convidado por meu amigo da antiga, Daniel Carneiro. Cheguei agora há pouco, virado, e já estou na av. Brasil, 75, sala 3, segundo andar, no antro do Brutos. Aos que se interessarem, hoje à noite devo expor e palestrar junto com o Rafael, do doc Malucos de Estrada. Não pude avisar antes, sei que tá em cima da hora, mas dá tempo ainda.



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Florianópolis


 Chegando em Floripa, a primeira parada foi na tv Floripa, uma emissora nada comercial, alternativa, fora do padrão - não fosse assim e acredito que jamais eu seria entrevistado com tanta liberdade. Juliana, que me encontrou no aeroporto, me passou ao Guido, um arquiteto que dá pinta de mau humorado, quando discorda de alguma coisa, mas que tem um coração do tamanho dele mesmo, que me levou à tv Floripa, pra essa entrevista aí. Eu não sabia, nem esperava. Mas foi como uma recepção de boas vindas a Florianópolis. Como sempre, foi no improviso. O Sílvio tem o pique, não tinha pauta nem nada, foi levando na criatividade e na percepção. Num clima fantástico de humanidade e descontração, em alguns minutos começamos a gravar. O que vi de problema foi o pouco tempo, característica desse tipo de comunicação. Televisão tem sempre o tempo contado, tudo programado, alguns minutos de excesso, além do previsto, e atrapalha toda a programação. Tanta coisa pra dizer, tanto assunto pra tratar, acabei atrasando o Sílvio em alguns poucos minutos, na minha compulsão palavrória. E ele foi tolerante, sereno e não reclamou. Assisti depois e gostaria de ter acrescentado muitas coisas, colocado melhor tantas outras, mas o improviso é isso, sai do jeito que vem. Que tevê maneira essa, gostei muito do ambiente, da freqüência, do clima humano e ligado.





A palestra na UFSC foi gravada por uma figuraça com quem não pude conversar porque ele foi embora antes do final, tinha um compromisso e não previu a extensa duração - em volta de três horas -, mas cuja vibração me era muito simpática. Falei um pouco e depois as pessoas participaram, com perguntas, colocações, opiniões, abordagens de vários assuntos, isso faz o papo seguir sem previsão de final, a Juliana foi quem teve que dar por encerrado, ela foi quem tratou o auditório com a administração e sabia das limitações. Pela expressão dela, quando expôs a necessidade de finalizar, já havia extrapolado em muito o tempo previsto, ou combinado com os burocra da universidade - e já tinha sido um sufoco pra arrumar, doze assinaturas, professores, departamentos, a burrocracia planejada pra dificultar ao máximo a autonomia das pessoas em usar os aparelhos que deveriam ser e carregam o nome de públicos. A Ju imagina que em dez a quinze dias o cara edita - comé mesmo o nome dele, Ju? - e aí ela manda. E eu publico na seqüência, aqui nesta mesma postagem.

Bueno, em 27 de agosto, Juliana manda sua arrumação do que foi feito com a câmera cinematográfica do João e o que ela gravou na câmera fotográfica, depois de acabar o filme. Enorme.

Parece tanto tempo e foi tão rápido...






quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Medicina oferecida por Cuba ao mundo e dedicada aos pobres

Esse é um filme feito por estudantes de medicina. Nâo se pode esperar qualidade técnica. Apenas cansaram de passar por mentirosos, quando falavam da medicina cubana, e resolveram documentar a parada. Essa é a medicina do futuro, uma medicina humana, solidária, sem condições pra atender além da necessidade de qualquer pessoa. Qualquer um que precise, sem distinção, recebe o melhor atendimento possível, com todos os recursos disponíveis. Em Cuba, não existe medicina particular - tremam, gananciosos. Não há laboratório farmacêutico privado, nem planos de saúde.

O ódio à medicina cubana tem essa raiz. A ganância, o egoísmo, a indiferença com o sofrimento de milhões. Por isso a repulsa a essa medicina humanitária. Mas o trabalho da mídia, profundo, constante, faz a maioria rejeitar essa realidade e acreditar que a ilha é um presídio dominado pelos milionários irmãos Castro, ditadores sangüinários que escravizam o povo cubano. 

Na verdade é um Estado não dominado por interesses empresariais, como o nosso, e que se coloca a serviço de sua população. Daí a fúria da mídia empresarial, porta voz dos interesses daqueles que são o pior que a humanidade tem, os vampiros da humanidade, mega-banqueiros e empresários das transnacionais. Esses impérios dependem da existência da miséria, da pobreza, do conflito, da competição desenfreada, da desunião, da angústia e do sofrimento, da exploração e do controle de parcelas imensas da humanidade. 

Não é à toa que os jornalistas e comentaristas repetem com tremor de indignação palavras pra causarem sentimentos ruins, terroristas, comunistas, ditadura, guerrilheiros, anarquia, violência, decadência, estamos perdidos, estamos fritos, o mundo vai desabar, vai faltar comida, seremos todos escravizados pela ideologia esquerdista neo pentecostal e é o apocalipse.

O pânico e o ódio lhes tira o senso de ridículo e eu acho ótimo. São muitas máscaras pra cair.

A solidariedade irrestrita é uma potência revolucionária. Há outras. E o trabalho interno, profundo, sincero e humilde é a primeira de todas as potências revolucionárias que possamos ter.



domingo, 30 de junho de 2013

Não tinha ninguém com medo ali - O registro de um dia eterno

Esse vídeo foi feito por Victor Belart, do Escafandro. Ele foi um dos autores do documentário "Escafandristas - cifrões, padrões e exceções", já publicado neste blogue.

Eu estava lá. Vi a "juntada" covarde no policial que caiu com uma pedrada. Era o último da fila, quando caiu os outros não viram. Desacordado, foi espancado por um monte de possessos, pelo menos dois insufladores à frente, convocando os demais. Infiltrados catalisando o ódio de grupos violentos, uns por ideologia, outros pelo massacre cotidiano, outros por índole violenta estimulada pela cultura midiática... não há como procurar culpas, numa análise ampla que procura profundidade. Culpar é ficar na superfície. Vergonha, sim, isso senti, ao ver a covardia insana, praticada nos moldes que o próprio sistema fabrica. Mas isso não ofusca a grandeza da movimentação, impressionante por si, rios e mares de gente que não acabava mais. Não é nenhum gigante acordando, como a globo criou até um personagem. É uma manifestação, um sacode de insatisfação com alguma tomada de consciência e muito descarrego de pressão.

Não dá pra concluir. As manifestações, desde então, continuam. Nos ataques do dia 20, sobre o milhão de pessoas que se manifestavam, nas perseguições movidas em todo o centro do Rio, com a polícia colocada em todos os pontos estratégicos e atacando com gases e balas de borracha qualquer ajuntamento de pessoas, que era só o que havia, grupos tentando fugir. Ataques policiais por todo lado, até no largo da Glória. Na Lapa, na Cinelândia, na Marechal Floriano, Presidente Vargas nem se fala, Campo de Santana, rua do Lavradio, Rio Branco, cheio de destacamentos policiais postados pra pegar todas as saídas da manifestação. Como disse um policial, era a vingança da polícia pelo espancamento do policial no dia 17. Estavam todos com aquilo atravessado na garganta.

Chamei os espancadores de possessos, mas pelo menos dois eu vi que estavam ali por encomenda, eles partiam pra cima dos policiais e voltavam conclamando os outros, que iam. Esses possessos não têm a menor consciência de que estão servindo aos interesses do sistema, em jogar uns contra os outros, em criar clima de conflito, espalhar o medo e justificar os ataques indiscriminados das forças de segurança às multidões que manifestam a inconformação com esse sistema que sacrifica a população pra beneficiar bancos e mega-empresários. Sistema muito bem montado nas costas do Estado.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Se eu pudesse falar com a esquerda...

 O texto abaixo se deve aos últimos acontecimentos, a rejeição dos partidos e bandeiras nas últimas manifestações, as infiltrações sujas nos movimentos, o "apoio" cooptador da mídia, esvaziando as propostas reais com uma quantidade enorme de propostas vazias. Enfim, velhas táticas de dispersão.


Confesso que estou pegando antipatia pela palavra fascista. É o insulto mais utilizado no momento pelos meus camaradas de esquerda, de todos os tipos e variantes que podem ser classificados assim – embora alguns poucos tenham a mesma postura intolerante, arrogante e agressiva dos fascistas. Agora qualquer um que esteja envolvido na bandeira do país é taxado de fascista. Qualquer rejeição aos partidos políticos é fascismo. Isso é uma redução simplória e capenga. Não é porque os fascistas se apegam neste e em outros símbolos “pátrios” que qualquer um com a bandeira faça parte desse grupo tão insignificante no meio da população tão vasta. Há quem use a bandeira por amor, os siglescos e partidários parecem não perceber a desideologização e os condicionamentos dominantes. Inclusive a rejeição à política e aos políticos.

Desde há muito tempo percebi a arrogância das esquerdas doutrinárias. Estava ainda na faculdade, em 1980 – ao entrar me encantei com as teorias esquerdistas, com os estudos que revelavam os porquês da pobreza, da miséria e apontavam caminhos pra superar essas condições –, participando dos debates, das discussões e de algumas ações de rua, meio espantado com a rivalidade entre grupos que discordavam, violentamente, se insultando por pensarem diferente, insultos pesados, morais. Sempre estranhei isso. Depois percebi a falta de penetração nas classes periféricas, o isolamento em que essas pessoas se colocavam, restritas às academias e às suas agremiações, o que fazia que manifestações de rua fossem vazias de gente comum, a esmagadora maioria, e me parecessem melancólicas, infrutíferas, sem nenhum resultado real de contaminação e mobilização do que chamavam de “as massas”. Aquele monte de bandeiras, palavras de ordem repetitivas, punhos erguidos – e as pessoas atravessavam a rua pra evitar o contato. Eram como clubes fechados, barulhentos e chatos. Os militares já agonizavam na gerência da ditadura e a mudança de fachada era iminente.

Eu aproveitava qualquer oportunidade pra viajar de carona, pras aldeias e povoados bonitos, cachoeiras e matas e praias, a descarregar e pensar minhas angústias da vida, num momento tão decisivo quanto o final da adolescência e o início da juventude – havia servido o exército dos 16 aos 17 anos. Não sabia o que fazer da vida e o que me ligava à universidade – estudava direito, mas não tinha o menor pendor nem pretendia ser advogado – era muito mais o sentimento de dívida com a família e o movimento estudantil efervescente, que já começava a me desencantar. Nos momentos de convívio com os mais pobres, percebia a distância entre aqueles “revolucionários” e a população. E o que tinha me parecido solução pras injustiças sociais foi se diluindo aos meus olhos. O grupo dominante na política estudantil, na época, era o PC do B, stalinista – na época. Mas havia uma constelação de agremiações e fui pulando de uma pra outra, sem nunca me filiar, encontrando sempre uma arrogância, uma intolerância, uma certeza religiosa de saber o caminho certo (o “único”), que me causava certa repulsa. Eu não tinha certeza de nada e me sentia desrespeitado a cada vez que não me deixava convencer por aquelas certezas e mantinha minhas dúvidas – as acusações e os insultos eram inevitáveis. Por fim, me refugiei entre os anarquistas, me sentindo mais respeitado, mas percebi que eles não respeitavam os outros grupos e os ridicularizavam e provocavam por sua vez, da mesma maneira ácida e insultuosa.

Com o esboço de consciência que já tinha da existência da enorme maioria despolitizada nas periferias, na pobreza, nas classes baixas e médias, constatei a esterilidade social dos universitários, sua distância da realidade popular – “por aí não vai”, concluí. Por esse e muitos outros motivos pessoais, larguei a escola, pus uma mochila nas costas e “sumi no mundo”, peguei a estrada. Aprendi artesanato e passei a viver nas periferias, vivendo nas ruas e estradas, morando em casebres de taipa, de palha, em pardieiros e puteiros, expondo meus trabalhos nas calçadas, nos bares da noite. Nestes, às vezes, encontrava pessoas daquele tipo engajado, com suas crenças, mas já não os levava a sério, onde eu vivia não se sentia seu cheiro, eram ausentes no meio do povo, restritos ao meio acadêmico, ao meio partidário, aos auditórios. Sentia agora, neles, preconceito, ingenuidade e a mesma arrogância de sempre, o que confirmava minha impressão de que, por ali, jamais viria uma revolução de verdade. Em minha própria arrogância, achava que se eles fizessem como eu e fossem viver em meio à pobreza, as “massas”, com humildade e espírito de serviço, haveria mais chance de conscientizar partes mais significativas da população e espalhar uma visão mais clara da nossa sociedade. Mas não, fechados em seus grupinhos socialmente insignificantes, discutiam e esbravejavam disputando qual o caminho pra “conduzir as massas”, numa ilusão a meu ver absurda e ingênua. Em seu sentimento de superioridade intelectual, não aprendiam as linguagens da população e esperavam que esta os seguisse, por algum motivo que não entendo até hoje. Com o tempo, percebi que eles também eram condicionados a terem medo das áreas pobres, das favelas, das periferias, por não as compreenderem, por não conhecerem seus códigos e costumes e pelo sentimento de superioridade intelectual, que também fragiliza. Como disse Darcy Ribeiro, em Confissões, há grandes e excelentes intelectuais analfabetos ou semi-alfabetizados - em outras palavras, mas isso mesmo (Confissões, pp 169).

Vivendo no meio dos despossuídos, sentindo em minha própria vivência as precariedades materiais, aprendendo, ávido, os valores espontâneos que brotam ali, os códigos de comunicação, o desenvolvimento intuitivo, percebi a profundidade da penetração do sistema com a força da mídia, alienando, distorcendo a visão de mundo, provocando sentimentos de inferioridade diante dos “ricos”, os mais bem vestidos, os de curso “superior”, que moravam em casas “boas” e tinham carro – um abismo intransponível. Apesar disso, fui crescendo em respeito pela força que eu via na sobrevivência, no dia a dia, na capacidade de superação de imensas dificuldades cotidianas, pelos saberes que passam despercebidos dos revolucionários de auditório e academia. Peguei antipatia daquelas bandeiras partidárias, dos gritos de ordem, dos punhos fechados, dos grupelhos intelectualizados cheios de soberba e sem nenhuma penetração no meio popular, afora algumas exceções insignificantes. Não era uma antipatia pessoal. A identidade da motivação - a inconformação diante da miséria, da exploração, das injustiças sociais - mantinha o afeto. Mas lamentava sua distância da maioria, achava um desperdício tanto conhecimento da realidade tão incapaz de se comunicar. E percebia, à minha volta, o sentimento de estranheza e repulsa com relação a esses mesmos grupos, que “falam uma língua que a gente não entende e chegam querendo mandar”. As raras vezes que via tentativas deles em se comunicar, era evidente a impossibilidade. Seu linguajar rebuscado – e creio que essa é a melhor forma de manter o conhecimento restrito a pequenos grupos, sem uma proibição formal – causavam imediato desinteresse na audiência já escassa. E eles se retiravam irritados com a falta de interesse da população, “muito ignorante e alienada”, voltando a se restringir às bolhas acadêmicas, sem questionar a própria incapacidade de serem entendidos. Estavam ali pra ensinar, como quem faz um favor. O orgulho cega.

Continua...

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Demonstrações e agonia de um Estado cooptado que trai sua população


Olha essa chamada no feicebuque:
ATENÇÃO: Somos pacifistas, mas estamos unidos em solidariedade ao Passe Livre São Paulo. Dada a proximidade do nosso espaço ao centro da cidade, organizamos aqui na MATILHA CULTURAL um pequeno posto de atendimento de primeiros socorros, com enfermeiros voluntários, vinagre, curativos e água. Quem participar da manifestação e precisar de abrigo para se recuperar ou chamar ajuda, pode contar com a gente: Rua Rêgo Freitas, 542, pertinho da Igreja da Consolação/Praça Roosevelt. TAMO JUNTO! R$ 3,20 É UM ASSALTO! PEI!!!!”

A situação é clara, quando é preciso montar uma enfermaria de emergência antes de começar o movimento de protesto contra o aumento das passagens. O Estado está claramente contra a população, obediente aos seus sequestradores podres de ricos, os mesmos que, pra garantir seus privilégios, traem o povo brasileiro e o entregam como escravo à exploração do mesmo punhado de sempre, há dinastias. As forças de segurança, garras afiadas, cérebros lavados e enxaguados, “desarmava” os manifestantes que chegavam ou os prendia, se encontravam armas de defesa – vinagre, máscaras contra gases – ou de ataque – megafones, latas de tinta. Ninguém podia se defender dos ataques que eles programaram, das suas armas de gases e balas de borracha. Nada de manifestar o pensamento nos muros, nas paredes, em qualquer parte, já que nos negam o direito à voz.

A criminalização pela mídia, pelos poderes vigentes e pelos “gerentes” institucionais beiram o ridículo – seria cômico, não fosse criminosamente trágico o resultado dessas mentiras descaradas.

A mentalidade conservadora encontra respaldo nas tendências facistas da elite paulistana e seus admiradores, que demonstram seu ódio contra as mais que justas manifestações.

Notícias no mundo a respeito das manifestações em várias capitais brasileiras. Não se espere nada de bom da mídia nacional – exceção para as mídias alternativas, de pequeno porém crescente alcance.

A BBC Mundo, Brasil, destrincha o sistema de transporte coletivo brasileiro pra entender as manifestações populares. Não é mais contra o aumento, mas a favor da cidadania que o Estado nega à sua população. Está em español, não tenho tempo pra traduzir. Mas é língua irmã, fácil de ler e entender.

Abaixo a cobertura do Brasil de Fato, jornal independente dos poderes econômicos que tomaram o Estado e impõem a mídia comercial traidora do povo a serviço dos grandes vampiros.

São Paulo:
http://www.brasildefato.com.br/node/13233
Um passante relata o que viu e viveu. Atribui a responsa toda a Geraldo Alkmin. Eu já acho que se trata de uma marionete de luxo, funcionando a serviço do pequeno grupo de elite em Sampa - tá, vá lá, ele é um integrante. Mas o poder não está no governo, está bem acima, nos bastidores se vê o rabo.
http://ronaldobressane.com/2013/06/14/por-gentileza-tirem-geraldo-alckmin-do-poder/

Porto Alegre:

No Rio, a polícia disse que haviam 2 mil manifestantes. A foto demonstra a mentira.

Leonardo Sakamoto descreve bem os acontecimentos, suas raízes e suas consequências possíveis:

Mais barbárie e truculência. Já que os manifestantes não tomavam iniciativas que justificassem a agressão da polícia, ela mesma tomou a iniciativa e iniciou os tumultos, pra não perder a viagem. Minha solidariedade aos poucos policiais com humanidade e escrúpulos, esses que são desprezados e traídos pela própria corporação. Em geral sofrem tremendas angústias e acabam somatizando em problemas de saúde física ou psicológica, às vezes psiquiátrica. Seria preciso desfazer essa e construir outro tipo de polícia, que em suas instruções e formação tenham a base na cidadania, na inteligência, no respeito aos direitos do indivíduo e do povo como um todo, com base na Constituição Federal – que também precisa ser refeita, depois de tantos remendos (emendas) que a transformaram num livro de piadas de mau gosto, um franquestein constitucional. 

As forças de segurança são um elemento de base pra que a sociedade dominada por interesses empresariais cometa crimes continuados e progressivos contra a maioria da população. Olhaí:

O provocador vê um efeito colateral importantíssimo. Agora a luta é por uma pátria livre para todos:

A postagem do blogue Solidários, que merece ser conhecido e tem o meu respeito:

Controle biguebrodiano mundial
O controle se intensifica, a polícia fotografa, filma e marca as pessoas que se destacam nas manifestações – e não apenas os quebradores, os pequenos grupos que se divertem quebrando coisas e tocando fogo pelos caminhos. Essa é a cara atual das “políticas de segurança”, uma segurança contra o povo, procurando cabeças pra cortar, contando com o apoio judiciário na ridícula criminalização das pessoas que não se conformam com a barbárie imposta pelos bancos e mega-empresas através do Estado e das suas instituições infestadas pela influência das elites egoístas que desprezam a maioria apesar de viver às suas custas – aliás, por isso mesmo. O desprezo é o disfarce da sua fraqueza pessoal e dependência. Armados com o aparato “público” que roubaram ao público, sentem-se falsamente fortes ao fazer com que o povo seja brutalmente atacado por esse simulacro safado de democracia.
Os vazamentos de informações que denunciam as estratégias de infiltração, controle e repressão continuam acontecendo. Agentes a serviço da tirania que conseguiram preservar sua humanidade, quando descobrem os crimes a que estão servindo, iludidos por distorções da realidade, denunciam, apesar de saber das perseguições implacáveis de que serão alvos. Bradley Manning, soldado da inteligência estadunidense, confiante na mentira de que seu país defendia os povos que atacava, ao descobrir os inúmeros crimes de guerra e contra a humanidade ao que servia, divulgou as informações sobre esses crimes a Julian Assange, jornalista australiano criador do Wikileaks, que já publicou milhões de informações demonstrando o comportamento criminoso das potências ocidentais. Os dois são odiados pelo sistema, Manning há três anos preso entrou em julgamento agora, como traidor da pátria, passível de prisão perpétua ou mesmo pena de morte. Assange está asilado há dois anos na embaixada londrina do Equador, país pequeno e valente de Rafael Correa. E é ele quem denuncia o julgamento de Manning – no segundo link abaixo.

Mais recente, Edward Snowden, funcionário do sistema de informações estadunidense, denuncia o processo de espionagem irrestrito em implantação no planeta como um todo, vigiando como na profecia de George Orwell cada um e todo mundo, em seus telefonemas e comunicações em geral, na vida particular e em toda parte. Denunciou, largou tudo e foi pra China, literalmente, na esperança de durar mais tempo, ou mesmo conseguir viver. Abriu mão da própria vida, sabe que provavelmente nunca mais vai poder voltar ao convívio dos parentes e amigos, mas fez uma opção de consciência, diante da situação aterradora que viu sendo criada pra dominar e controlar os povos, por parte daquele punhado de vampiros planetários e seus cúmplices regionais, as elites locais.

O blogue anti-nova ordem mundial publica sobre a instalação do PRISM, denunciado por Edward Snowden:

No parlamento dominado pelos poucos podres de ricos, trama-se o enquadramento de manifestantes na lei anti-terrorismo que o império vem forçando pra impor aqui, com o apoio dos vampiros locais, cachorrinhos de estimação das corporações internacionais que tiranizam o mundo, seja massacrando com seu poderio militar, seja se infiltrando com sua falsa diplomacia e seu financiamento dos “políticos” e das políticas favoráveis aos seus interesses, sempre lesando os povos, saqueando recursos naturais e dinheiros públicos em claros crimes contra a humanidade, com pretextos claramente demagógicos e mentiras midiáticas. O projeto de lei está em pauta no parlamento que finge representar o povo brasileiro.
PL contra o “terrorismo”:

Remoções
Se houvesse alguma dúvida quanto à farsa dessa democracia fajuta em que se sabota, engana, rouba e reprime qualquer manifestação de defesa ou descontentamento da população, aqui está mais um procedimento onde fica bem clara a função imposta ao Estado, de servir aos ricos os sacrifícios do povo brasileiro. A hipocrisia é descarada. Mas estamos acordando, aos poucos. As manifestações são um sinal e a conscientização, o enraizamento das mudanças que não só são necessárias desde sempre, como estão se aproximando a olhos vistos. Daí o desespero e a violência induzida nas forças repressivas – não têm merecido a definição de “segurança pública”, pois defendem os interesses dos exploradores e atacam sua própria população –, mentes lavadas, brutalizadas, transformadas em usinas de ódio e brutalidade.

Junto com a copa das confederações, deprimente espetáculo de ostentação, consumo e alienação, começa a copa da cidadania, do esclarecimento, da contestação no estilo da alegria que não se deixa abater, debaixo das mais incríveis violências e injustiças. É a resistência sem limites que a maioria tem, debaixo dos condicionamentos de inferioridade imposta pela publicidade criminosa, como criminosas são as mensagens sub-liminares de todas as novelas, filmes e programas apresentados pela mídia privada, ainda esmagadora mas que perde espaço e crédito, em seu desespero raivoso com o andar das coisas. Os que pregavam o fim da história tentam bloquear, impotentes, as mudanças que vêm, inevitáveis, caminhando através da própria história. Estamos escrevendo, cada vez mais, com nossas próprias mãos.
Copa das comunidades ameaçadas de remoção:

terça-feira, 11 de junho de 2013

Recado dado ao governo de agora, pra posteridade.

Não pude deixar de publicar isso.

Belo Monte e a ocupação: "Vocês não evitam tragédias, vocês executam."

Foto: Campanha Munduruku 


Carta número 9: tragédias e barragens (a luta não acaba nem lá nem aqui)

Nós saímos da ocupação da usina Belo Monte e viemos dialogar com o governo. (Atraídos, mais uma vez, com mentiras.)
Nós não fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em Brasília porque, quanto mais nós dizíamos que não sairíamos de lá, mais policiais vocês mandavam para o canteiro de obras ( e isso significava violências, mais risco pra todos, muitos pais de família, todas as pessoas dos povos originários, os parentes). E no mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua polícia, vocês mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós decidimos que não queríamos outro morto (por isso aceitamos vir falar com vocês, de novo, apesar das traições permantentes, como via de regra). Nós evitamos uma tragédia, vocês não. Vocês não evitam tragédias, vocês executam.

Viemos aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de barragens que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram demais, faz 513 anos.

Não viemos conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês estão falando na imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a suspensão dos estudos e das obras de barragem nos rios Xingu, rio Tapajós e rio Teles Pires. Vocês não estão falando apenas com o povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara, Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque essa é uma luta grande e de todos.

Nós não trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens. Exigimos o compromisso do governo federal em consultar e garantir o direito a veto a projetos que destroem a gente.

Mas não. Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês fazem de tudo para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui dizer para vocês pararem, porque nós vamos resistir juntos e unidos. Estamos reunidos há 35 dias em Altamira, e por 17 dias nós ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão construindo. Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender nosso movimento. E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até hoje.

O desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.

Na região da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e virado de cabeça para baixo, desde que vocês liberaram a construção da barragem Belo Monte. Todos estão muito tristes e apenas os ricos ficaram bem. Os parentes brigaram muito. Até os trabalhadores da obra sofrem.

No Tapajós e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos desrespeitaram muito.

Em agosto de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas terras e pegar nossos animais e plantas e contar hectares e medir a água e furar nossa terra.

Em outubro, a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as barragens iriam sair de qualquer jeito, com nós querendo ou não querendo. E que colocariam força policial na nossa terra se fosse necessário.

Em novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires, onde somos todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi assassinado com três tiros e outros 19 indígenas foram feridos. No final do mês nós fomos a Brasília denunciar a operação da polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria Geral da Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público Federal.

Em janeiro de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza, onde foi entregue ao funcionário da Secretaria Geral da Presidência da República um documento com 33 pontos de reivindicação.

No mês seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma resposta da Secretaria Geral da Presidência sobre os 33 pontos. Conseguimos encontrar o ministro, mas ele ignorou nossas reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.

Para garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013 o governo baixa um decreto que autoriza a entrada das tropas policiais em nossas terras. Um dia depois nossas aldeias foram invadidas por pelotões de policiais.

No Teles Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos. Vocês estão destruindo um lugar sagrado. Nós não pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro trazendo nossa reivindicação, exigindo do governo o compromisso em respeitar os povos originários desse país, em respeitar nosso direito à terra e à vida. Ou, pelo menos, respeitar a sua própria lei – a Constituição e os tratados internacionais que vocês assinam. Mas vocês querem destruir as leis que protegem nós, povos indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem legalizar destruição.

E agora chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos ouçam, ao invés de ouvir aqueles que pagam suas campanhas. Ainda que vocês não estejam dispostos a aprender a ouvir, nós estamos dispostos a ensinar.

Canteiro de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 4 de junho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Na mesma linha da copa. Como participar disso, alegremente?



Ali pelos cinco minutos começa a falar nossa língua. A África do Sul é o exemplo próximo passado, como diziam os antigos. Que se repete aqui, com mais apuro, mas a mesma vampiragem perversa.

O poder público e a mídia se unem na imposição de mentiras. Sacrificado é o povo, quanto mais pobre, mais sacrificado. Mas todos somos, cada um em sua vida. É preciso tomar consciência do que acontece. Pra que deixe de acontecer dessa maneira, algum dia. Por enquanto, esse trabalho dá sentido à vida. Se não de todos, mas de muitos e que se multiplicam, porque a maioria busca mesmo um sentido na vida.

Acima do poder público e de mídia está o poder econômico, um punhado determinando o destino de milhões em função dos seus interesses, banqueiros, mega empresários, vampiros vários que tornam o Estado incapaz de cumprir sua Constituição, de garantir os direitos básicos à sua população, infiltrado e dominado por tais figuras.

Carregamos valores plantados, impostos e falsos, pelo massacre midiático, publicitário, pelos costumes, pelas imposições sociais. Precisamos escolher os próprios valores, retirar os implantados, numa luta cotidiana e interna, como base pra existência externa.

Os mega-eventos carregam uma desumanidade implacável. Como se empolgar com isso?




Aqui um pedacinho de aula do Núcleo Piratininga de Comunicação. Aborda o procedimento de remoção, desde a colônia virando império, passando por todos os períodos da história. É preciso parar com isso, tomar consciência do absurdo. Aliás, de tantos absurdos que essa estrutura social nos impõe a todos. Qualquer um pode ver o inferno que a vida sob o poder da grana, das mega-empresas, dos bancos se tornou. Competitividade massacrante, ameaças de todo tipo, um Estado ineficiente no atendimento dos direitos básicos, favorecendo interesses em prejuízo da população, expoliada do ensino e do atendimento na saúde. Estímulo estremo ao egoísmo, à disputa, à cobiça, ao sexo, às ânsias. E o medo, a criminalidade descontrolada, dentro e fora das instituições, das empresas, o desemprego, a miséria e o abandono. Solidariedade é o que falta. E respeito pelo ser humano. "Não alcançamos o patamar de humanidade. Estamos ainda nos ensaios." (Milton Santos). O NPC trabalha nesta direção, a de atingirmos o tão necessário patamar de humanidade, no melhor sentido que se dá a essa palavra. Por uma sociedade mais humana.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Copa, olimpíada, "revitalização", limpeza social, desrespeito permanente.



Essas "realizações" alardeadas pela mídia, obras faraônicas, eixos viários, construção de infra-estrutura pro show da Fifa e grupos empresariais, são uma demonstração clara do sistema em que vivemos, que nos foi imposto, incrivelmente, como "democrático" e "livre", quando é exatamente o contrário. Assistir as forças de segurança atacando populações para retirar seus direitos constitucionais, sob as ordens dos que dizem representar o povo, nos lugares onde os interesses empresariais tem sua cobiça é revelador, pros que não se deram conta, ainda, das mentiras que acorrentam a sociedade. Obviamente, isso não se assiste pela mídia, mas acompanhando a realidade pelas vias alternativas, vivenciando a realidade.

Milhares de famílias estão sendo cotidianamente expulsas dos seus lugares. O domínio dos políticos, das instituições, do poder público pela força econômica dos mais ricos inventa justificativas criminosas, preconceituosas, mentirosas, pra tirar a pobreza - que é causada pelo sistema social - do caminho, das vistas, como se lixo fossem. Minha humanidade se agita, em desespero. Como não perceber a desumanidade da sociedade humana? Como aceitar a participação nisso, como não se envergonhar de ser parte integrada nesta coletividade? Como considerar esses eventos que têm base na ganância e, em seu nome, matam, prendem, expulsam, espancam, torturam milhares de famílias tornadas invisíveis nos meios criminosos de comunicação? Como vestir uma camisa de um time, amerdalhada com os nomes das marcas hipócritas, que destróem almas e vidas em nome dos ganhos materiais astronômicos, que influenciam os poderes públicos contra o próprio público, sem nenhuma sensibilidade humana, sem nenhum respeito pela vida das populações, ao contrário, manobrando seus políticos comprados nas campanhas para fazer o roubo, a espoliação e a perseguição parecerem justas, com o apoio da mídia?

Os que se dizem revolucionários, os que desejam mudanças, o fim das injustiças sociais, como justificam o entusiasmo com esse espetáculo produzido sobre a dor, a dissolução e a morte de tanta gente? Não dói olhar no espelho, não? Quem se diz contra o sistema - e nem procura saber como colabora com ele, como sustenta os males da sociedade - devia era criar vergonha na cara e, das duas, uma: ou assume sua alienação e apoio à estrutura social - claro que desde que "se dê bem" - ou deixa de ser otário e pára de gritar de entusiasmo diante dessa aberração, esportes sem alma a serviço dos negócios perversos, indiferentes ao sofrimento de que são causa direta, indireta, transversal, diagonal, de todas as formas. Muitos destes vão, abestalhados, ostentar as marcas dos inimigos da humanidade em suas camisas, torcer por equipes patrocinadas por estes mesmo inimigos. Volumes absurdos de dinheiro, enquanto a miséria campeia à nossa volta. A postura revolucionária não admite concessões e é por isso que a palavra revolução anda desmoralizada e os tais revolucionários não passam de uns chatos sem coerência, arrogantes e estúpidos. Seus preconceitos, sua precariedade moral e suas contradições flagrantes os desacreditam.

Não pretendo participar de tal espetáculo vampiresco, não considero nenhuma "seleção" como representante dos povos de seus países e, sim, das marcas ostentadas em seus uniformes. Não vejo mais que festas macabras sobre escombros da humanidade. Como se contagiar com isso sem abrir mão da dignidade humana? Cada "alegria", ali, custa milhares de tristezas. Cada comemoração simboliza milhares de lamentações, cada prazer é fruto de incontáveis sofrimentos tornados invisíveis nas artimanhas da mídia. A energia inútil que se gasta nessas festas consumistas daria pra mudar o mundo. Mas se atira no lixo mais desprezível, na inutilidade estéril das agitações de massa em torno essa orquestração vampiresca que exerce seu demonismo nas noites de ataques às comunidades consideradas empecilhos ou simplesmente feias para as paisagens artificiais de ostentação, consumo e especulação. Sempre o lucro acima da vida humana, não tá na cara?

Ensino público destruído, o privado posto em função do "mercado"(eufemismo pra um punhado de famílias podres de ricas - ver www.proprietariosdobrasil.org), as informações distorcidas, deturpadas ou mentirosas, a favor das empresas e contra os povos, população ignorantizada e desinformada, enganada, explorada, desprezada, inferiorizada, submetida - e reprimida, quando não se submete e reivindica direitos fundamentais. Estado criminoso, alto empresariado mandante, população massacrada. Como participar disso, sem abrir mão da consciência ou da moral?

O sofrimento de um deveria incomodar a todos. Que dizer do sofrimento de milhares, provocado pelo egoísmo dos privilegiados e a indiferença geral dos que podem se informar? A tolerância que dedico aos inconscientes desaparece quando se trata de quem reivindica uma relativa consciência da realidade, quem percebe as manipulações e as falsidades dessa nossa sociedade. Estes abrem espaços na própria consciência, com justificativas ridículas e condicionadas, pra se entusiasmarem com o circo e relevarem a vampiragem que sacrifica a parte mais frágil e exposta da população, justamente quem constrói, mantém e sustenta todo o sistema, por ser a imensa maioria.

Declaro minha repulsa a tais eventos, às ações hipócritas do poder falsamente público, à participação de todas as formas. Se não me dou o direito de desprezar ninguém, desprezo o apoio, a conivência, o envolvimento, mínimo que seja, a aceitação, mesmo a indiferença a esses acontecimentos. Pra mim, estão claramente cometendo crimes contra a humanidade, a rodo, planejados nos bastidores da sociedade, da alta sociedade que se esconde atrás da realidade mentirosa apresentada pela mídia, esta porta voz dos vampiros e defensora incondicional dos interesses econômicos que dominam a sociedade.

Abaixo republico o documentário "Domínio Público", onde se mostram com toda a clareza a utilização das forças públicas contra os abandonados pelo Estado, reforçando os crimes de lesa-humanidade, tratando as vítimas como criminosos, como lixo - produzido pelas mesmas disposições desumanas, pela concentração de riquezas, pelo desprezo pelo ser humano. O filme teve que ser feito através de colaborações, como se vê logo no início. Ou deve ser feito um bem maior, não sei bem. O que tem nele basta. Mas se vier mais, ótimo.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Alerta! Povos originários sob ameaça em Belo Monte!

Força Nacional na área. Até pouco tempo atrás, essa força federal só podia atuar nos estados a pedido do governador. Enfiaram mais uma emenda em nossa tão estuprada constituição e incluíram "ou ministro de estado" na frase da lei, e o governo federal adquiriu o direito de intervir em qualquer estado da federação com essa força armada especial. Uma irresponsabilidade, já posso imaginar situações de confronto entre as PMs estaduais e essa peême federal. Se os governos forem opositores ferrenhos ao governo central...

Belo Monte é uma preocupação - e uma obsessão - do governo federal porque é compromisso de campanha, em troca do "apoio" dessas mega-empresas multinacionais "brasileiras". O "consórcio" das empresas construtoras é constituído pelos que financiam as campanhas eleitorais, daí determinarem as políticas "públicas". São os encontros a portas fechadas, ou na calada da noite, em lugares distantes dos olhos e das lentes, entre financiadores e financiados, a hora de fazer os acertos. A velha falcatrua da "democracia", mantendo o povo na ignorância, na desinformação, enquanto o engana e tiraniza.

Assistir o vídeo mostra que os povos indígenas daquela área estão ameaçados de morte pelo Estado. É preciso divulgar, se manifestar, apoiar os povos originários e ribeirinhos, os povos das florestas.

Neste blogue há informações sobre Belo Monte, desde quando o desastre havia apenas começado, sob nebulosa divulgação da mídia dominante que o apoiava, contra os povos locais. Coloca Belo Monte na procura que aparece.

No mais, no mínimo, divulgar esse desdobramento, vai que se consegue impedir. Isso seria o ideal, no momento.


Belo Monte: Indignados, indígenas rasgam mandado de reintegração de posse

terça-feira, 28 de maio de 2013

Expondo em Porto Alegre

Aviso aos amigos e aos que se interessarem. Estou expondo na rua Lima e Silva, à noite, em frente ao bar Pingüim, hoje e amanhã (28 e 29). Dia trinta, quinta, volto pra casa. Abraços a todos.

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Hoje, 29, chove. Ontem choveu, não deu pra expor. Que merda. Resta o bar do Branco, na rua Laurindo. O Branco é músico, doido completamente varrido e ótima pessoa. Exageradamente solidário e preocupado em excesso com o bem estar dos amigos. Quem for lá vai entender o que eu estou dizendo. Sei que posso expor os desenhos lá, mesmo sem ter falado nada com ele. E aproveito pra constituir meu espaço com uma mesa e uma cerveja em cima, pra papear relaxado e rir das desgraças que nos assolam a existência. As melhores soluções brotam no bom humor, ainda que humor negro.

A partir das quatro horas estarei com os trabaios* e os pensamentos expostos. Como sempre digo, não é preciso comprar nada pra levar alguma coisa, no meu trabalho. Basta observar e absorver - o que não dispensa um bom papo, um assunto qualquer, uma visão das coisas a se considerar, ainda que se descarte depois, em caso de discordância - que deve ser sempre respeitada com tranqüilidade. Mas é difícil discordar do que é óbvio e há muitas obviedades passando despercebidas.

Talvez essa chuva tenha vindo a calhar. Veremos o que rola.

O bar do Branco fica quase na esquina da Laurindo com a João Pessoa, ali onde tem uma estátua do Bento Gonçalves sobre um cavalo. O colégio Julio de Castilhos é ali junto, a rua Laurindo faz esquina com a praça em frente ao colégio, antes de acabar na João Pessoa. É fácil ver o toldo amarelo sobre a calçada, o bar tem aspecto de armazém. Bueno, é um armazém, embora se use como um bar.

Estaremos papeando lá, quem vier será bem vindo.

* Preferi escrever dessa forma porque com a palavra escrita corretamente, ficou em vermelho e sublinhado, pra clicar em cima e aparecer um vídeo de publicidade. Ô coisa insidiosa, que repulsa tenho dessa invasão.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O cinco estrelas e a periferia




Tristeza profunda.  Três dias num hotel cinco estrelas, convidado pra um evento no centro de convenções do próprio hotel. O desjejum é tão farto e variado que fico sem saber por onde começar. Começo pelo café, como sempre – quase sempre fico no café, mas aqui não dá. Melão e mamão, dois pães com queijo, café antes e depois, pra arrematar. Olho a fartura ostensiva, funcionários preparam coisas na chapa, fazem sucos, garçons passam entre as mesas, tiram as coisas de quem já foi, atendem pedidos. Os invisíveis são chamados quando se derrama alguma coisa no chão, pra tirar rapidamente a sujeira, vestidos de cinza, entram e saem rápido, percebo que não são vistos pelos hóspedes além do mínimo necessário, sua passagem é em silêncio. Se cumprimento algum, o olhar é de estranheza. Afinal,  sou um hóspede e entre eles e os hóspedes há uma barreira invisível, mas intransponível. A naturalidade em usufruir dos privilégios sem perceber sua existência me incomoda. Não julgo, nem condeno, apenas me incomoda.

A exploração está explícita em toda parte neste ambiente, em cada centímetro que me cerca, mas ninguém percebe, ou não leva em conta. O fato é que parece natural e é isso o que mais me afeta. Os sentimentos de superioridade e inferioridade são palpáveis, embora artificiais e falsos. Os trabalhadores que tornam possível tanto luxo, privilégio e ostentação são em número muito maior do que os que estão no serviço. Vejo-os nas paredes, nas cadeiras e mesas, nas madeiras, metais e vidros, no enorme lustre de cristal pendurado no teto altíssimo do salão, nos sofás e almofadas caprichosamente distribuídos nos ambientes, na limpeza impecável e permanente, na comida que se come, desde o plantio e a colheita até o seu preparo, nas roupas de marca que se vestem, nos sapatos que se calçam. Tudo é feito por pobres, os inferiorizados são indispensáveis.

Piscina, sauna, hidromassagem, campo de minigolfe, academia de ginástica, quadras de esportes, tudo à disposição – enquanto a população é sabotada nos direitos básicos, roubada e enganada pela estrutura da sociedade. Não usei nada, nos três dias em que fiquei. A maior parte do tempo, fiquei no quarto, no evento e fora do hotel. À noite, quando saía sozinho atrás de uma cerveja pra arejar o coração olhando o mar, fui aconselhado a ir para a direita, mais “seguro” e preparado pra atender os turistas, evitando o lado esquerdo, “perigoso”, próximo a favelas. Não sou turista, não gosto de hipocrisia nem de atendimento "qualificado", interesseiro e caro. Tomo o rumo da esquerda. Perigoso pra eles quer dizer pobre. E eu estava precisando tratar com gente pobre – como eu –, sem a subalternidade forçada dos ambientes de luxo. Os pobres de grana são inegavelmente mais transparentes, mais espontâneos.

Encontro uma birosca a uns quinhentos metros, a cerveja é de menor qualidade, mais barata, mas todos respondem quando chego dando um boa noite geral. Era desse conforto que eu precisava. “Madame, dá uma cerveja bem geladinha?” Ela sorri do “madame”, enquanto traz a garrafa. Levo a cerveja pra uma mesa fora, “vou sentar ali, viu, que vou fumar”. À distância, fico observando aquelas pessoas, umas dez, gesticulando, falando alto, trocando gozações, acho graça das gargalhadas, das piadas picantes. Do outro lado da rua, na parede de uma casa demolida, entre outras coisas, havia a frase “a miséria não acaba porque dá lucro”. Levanto pra pegar a segunda, levo a garrafa vazia, “pode deixar na mesa”, ela diz, respondo “melhor não, posso esbarrar na mesa, acaba caindo tudo, “tá, vou deixar aqui”, e encosta no canto do balcão. Põe outra e pergunta “tá geladinha, meu filho?” “Tá ótima, mãinha”, ela solta uma risada alta e me olha com simpatia. Sou mais velho que ela, mas não parece.

Pouco depois eu estava fumando, quando aparece um caboclo forte, atarracado, sem camisa e me pede um cigarro, com o olhar cenicamente suplicante. Estendo um na sua direção, sinto seus olhos bons, pergunto se toma uma cerveja comigo. Ele abre um sorriso sem dentes, “claro”, eu tiro a garrafa do isopor e vejo dois dedos de cerveja, entrego a ele. Ele vira no ato e toma de um gole. “Pega outra e um copo”, ele segura a garrafa vazia e me olha desconfiado, “eu, pegar outra?” “É, parceiro, eu pago e tu pega, mas se achar abuso, deixa que eu pego”, faço menção de levantar, ele se adianta, “não, podeixar”. No balcão, a dona estranha, “quequié, Jonas, já veio perturbar o freguês...” Eu interfiro à distância, “tranqüilo, madame, ele não tá perturbando não, eu que pedi, com mais um copo prele me ajudar aqui!” Ela entrega a cerveja e o copo, com a advertência, “olha lá, hein, Jonas!”, ele volta reclamando, “a senhora parece que não me conhece...”
“Então tu é o Jonas que morava dentro da baleia?” “Foi, mas lá era muito molhado”. Rimos e começamos uma conversa divertida. Em certa altura ele diz “minha inteligência não dá pra competir com a sua, não”, a fisionomia reflexiva, ele falava de informações, não de inteligência, mas pra ele era a mesma coisa. “Inteligência a gente não põe pra brigar, não, parceiro, melhor somar, que o inimigo de verdade tá do outro lado, é burrice a gente ficar brigando aqui em baixo”. Vejo identificação e afeto nos seus olhos, um entendimento intuitivo, “tem muita gente burra”, ele diz, “tem muita gente burra”, eu repito. E rimos. 

Em pouco tempo eu já sabia onde tinha maconha, cocaína, crack, mulher, “o que tu quiser tem, se quiser eu vou buscar agora”, “agora não, só trouxe a grana da cerveja, mas amanhã, se eu vender...” Uma mentira estratégica, mudou o rumo da conversa. “Tu vende o quê?” “Os desenhos que eu faço, olha aqui”, e mostrei a multidão estampada na minha camisa. Ele apertou os olhos, “tu que desenhou?”, “foi, olha meu nome aqui”. Ele se esforça, e-du-ar-do ma-ri-nho, com dificuldade. Um sentimento ruim passa por mim, lembro da sabotagem deliberada do ensino público, mas volto ao assunto, “quer ver a identidade?” Ele faz cara de ofendido, “tá pensando que não acredito em tu?” “Tu não me conhece, não acreditar é direito seu. É bom a gente respeitar o direito dos outros, né não?” “Ah, isso é”, e rimos de novo. Depois ele completou, “mas eu já sei que tu é um homem direito”. Foi como um afago na alma. Intuição, sentimento.

Voltei pro hotel, depois de cinco cervejas. Eu pretendia três, mas apareceu o Jonas...  Entrei no ambiente luxuoso, novamente a polidez distante dos funcionários, abismos entre pessoas. Subo ao quarto, questiono a tristeza que me invade nestes ambientes. Vejo as mãos que construíram isso tudo em cada centímetro e que, depois, foram expulsas pra bem longe e proibidas de voltar, mesmo pra apreciar o que fizeram. Os poucos pobres que se permite são o número suficiente pra servir os hóspedes e fazer a manutenção, com regras rígidas, sob um manto de invisibilidade social e ameaça de demissão a qualquer vacilada. Não é o fato de não poderem usufruir o que me incomoda, mas o de serem completamente esquecidas, ignoradas, como se nunca tivessem existido, como se tudo se construísse por si, como os castelos dos contos de fadas. Em geral, essas pessoas não desejam tais luxos e privilégios – até por acharem impossível –, mas apenas o suficiente pra viverem em paz, sem faltar nada do básico. Desejam o desenvolvimento dos filhos e uma vida digna. E isso lhes é negado. O modelo de sociedade imposto pelas influências irresistíveis de mega-empresas, de interesses empresariais, não permite que no centro da estrutura esteja o ser humano. Milhões de pessoas se encontram em condições de exclusão, miséria, ignorância e abandono, outros milhões são explorados impiedosamente em empregos precários, sem direitos ou garantias, apertados em transportes superlotados, sem tempo pra viver de verdade. Bilhões, a nível planetário. A estrutura da nossa sociedade tem nos seus alicerces não só o consumo e a propriedade, mas principalmente os desejos de consumo e posse induzidos nos que não podem consumir nem possuir. Estes são levados a desejar, a sonhar com bens e desfrutes, sonhos entorpecentes que imobilizam, aprisionam e anestesiam a consciência – contando com a ignorância planejada – provocando e estimulando movimentos que colaboram na manutenção desse sistema injusto, covarde, perverso e suicida. O planeta sendo destruído e as pessoas sonhando com novelas.

Tudo isto eu vejo nos requintes, nos luxos, nas pessoas, nos olhares e comportamentos, em tudo neste hotel, uma caricatura da realidade social. Exponho no seu centro de convenções, enquanto espero o momento de palestrar a essa audiência formada por futuros administradores de empresas e futuros empresários que se preparam pra administrar a(s) empresa(s) da família. Não sei bem o que dizer, mas sei mais ou menos. Acho que vai espantar. Pessoas que vêem a realidade da forma que lhes convém não gostam da maneira que eu vejo a sociedade em que vivemos todos. Mas fui chamado e vou jogar minhas sementes. Algumas exceções hão de se fertilizar. Não trago verdades, mas opiniões, não pretendo impor, mas acenar.

Por Eduardo Marinho

(Este texto foi um descarrego. Melhorou o meu estado interno, por sentir alguma utilidade na situação.)

Antes de ir embora escrevi, no quarto, a saída do cinco estrelas. Segue.

Jornal Comunitário que merece apoio

Notícias de dentro da comunidade, dadas por gente boa que mora por ali e vê uma realidade que passa longe dos "grandes meios de comunicação", a quem interessa o silêncio das comunidades. No pequeno vídeo, dá pra entrever as histórias das remoções desde sempre. O Estado dispõe da população de acordo com os interesses dos financiadores de campanhas, grandes empresários que têm total apoio da mídia. A realidade que este jornal mostra é escondida do mundo, daí a sua importância.

Qualquer participação, encomendas pra distribuição, quem quiser ver com os olhos de quem vive conseqüências da estrutura da nossa sociedade, taí. Estão precisando porque remam contra a maré, a única direção digna de se viver - a contra-corrente. Quedas fazem parte da caminhada. É levantar e seguir adiante, essa é uma prática cotidiana nas periferias. O jornal é "A notícia por quem vive", da Cidade de Deus.

http://catarse.me/pt/anoticiaporquemvive# - aí uma amostra das pessoas.

O texto conta a história - http://catarse.me/pt/anoticiaporquemvive#


observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.