quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"feliz" natal...

Os povos nórdicos não conseguiam acreditar num deus que se deixou matar por um bando de soldados na cruz da humilhação romana. O império ganhou as guerras, os territórios, os romanos venceram os guerreiros e seus líderes foram submetidos e convertidos à fé cristã, a religião do império. Mas o povo continuava com seus deuses e deusas guerreiros, comemoravam no dia do solstício, 25 de dezembro, a fertilidade dos campos, ao mesmo tempo em que pediam e ritualizavam por nova fertilidade na próxima colheita. As atividades varavam a noite, em cultos pagãos, sacrifícios e sexo ritual, pra horror dos padres. Patrulhas foram enviadas pra acabar com aquilo, sem muito sucesso, em algumas ocasiões houve levantes e patrulhas foram destroçadas pela fúria da multidão. Era preciso outra estratégia. Depois de muita discussão, muito pensar, ficou decretado que naquele dia seria comemorado o nascimento de Jesus, a festa máxima da cristandade - que até então se confundia com a páscoa dos judeus e marcava a "paixão e morte". Os líderes locais foram instruídos a abrir os seus castelos, oferecer presentes e comida e bebida ao povo, armar presépios e exaltar a cristandade. Os mais antigos desconfiaram daquela novidade, mas os jovens viam a oportunidade de comer e beber à farta, dançar e ganhar presentes. E começou a enfraquecer a comemoração do solstício, da fertilidade. Com o tempo, ficaram só os mais velhos e mais preocupados em preservar sua tradição independente da influência romana. Poucos, foi fácil criminalizar, perseguir, prender, matar os seguidores dos deuses e deusas nórdicos, ainda mais que era tempo de inquisição, de acusações de bruxarias, pactos com o demônio, torturas e fogueiras.

Assim foi decretado o dia do nascimento de Jesus, nascido numa época em que o império não registrava o dia do nascimento das crianças, mas sim o ano. Quando nem o ano é consenso, como marcar o dia? Só levando em conta as razões. É uma festa socialmente cruel, injusta, exclusiva. O que se prega neste dia é o que deveria ser todos os dias. Não é a afirmação de um dia, é a negação de todo o tempo. Ainda por cima, boçal. Reconheço, óbvio, a existência de pessoas de boa vontade, realmente comovidas com esta data. Mas isso não a justifica.

Abaixo, um texto que já compartilhei duas vezes. É de ocasião, merece uma terceira investida.


"Estimado Santa Claus, Papai Noel, Bom Velhinho,
ou como queira chamar-se ou ser chamado.

Confesso que sempre lhe tive simpatia porque, em geral, me agrada a Escandinávia, sua roupa vermelha me dá um sentimento premonitório e porque, por trás dessas barbas sempre acreditei reconhecer um filósofo alemão que, a cada dia, tem mais razão no que afirmou, em vários livros muito citados, mas pouco lidos.

Não tema pelo teor desta carta, não sou o menino chileno que, há muitos anos lhe escreveu: “Velho safado, no ano passado te escrevi contando que, apesar de ir descalço e em jejum à escola, consegui tirar as melhores notas e que o único presente querido era uma bicicleta, sem querer que seja nova. Não teria que ser uma mountain bike, nem para correr o Tour de France. Queria uma bicicleta simples, sem marchas, para ajudar minha mãe na condução das roupas que ela busca, lava, passa e entrega. Isso era tudo, uma humilde bicicleta. Mas chegou o natal e eu ganhei uma estúpida corneta de plástico, brinquedo que guardei e te envio com esta carta, para que enfies no cu. Desejo que pegues AIDS, velho filho da puta”.

Foram seus elfos, os responsáveis por tão monstruoso desrespeito? Pois bem, estimado Santa Claus, seguramente este ano receberá muitos pedidos de bicicletas, pois o único porvir que espera os meninos do mundo é como entregadores, mensageiros e trabalhos sem contrato de trabalho, condenados a distribuir pacotes e quinquilharias até os 67 anos de idade. No entanto, não lhe peço uma bicicleta. Peço, em troca, um esforço pedagógico, que ponha seus elfos, anões, duendes e renas para escrever milhões de cartas explicando o que são e onde estão os mercados.

Como você bem sabe, eles nos têm fodido a vida, rebaixado os salários, arrasado as pensões, retirado benefícios das aposentadorias e condenado as pessoas a trabalhar permanentemente, para tranqüilizar os mercados.

Os mercados têm nomes e rostos de pessoas. São um grupo integrado por menos de um por cento da humanidade, donos de 99% das riquezas. Os mercados são os integrantes dos conselhos de acionistas, como são acionistas, por exemplo, de um laboratório que se nega a renunciar aos royalties de uma série de medicamentos que, se fossem genéricos, salvariam milhões de vidas. Não o fazem porque essas vidas não são rentáveis. Mas a morte sim, é, e muito.

Os mercados são os acionistas das indústrias que engarrafam suco de laranja e que esperaram até que a União Européia anunciasse leis restritivas para os trabalhadores não comunitários, que serão obrigados a trabalhar na Espanha ou outro país da U.E., sob as regras de trabalho e condições salariais de seus países de origem. Logo que isto aconteceu, nas bolsas européias dispararam os preços da próxima colheita de laranja. Para os mercados, para todos e cada um destes acionistas, a justiça social não é rentável, mas a escravidão sim, e muito.

Os mercados são os acionistas de um banco que suspende o salário mínimo de uma mulher que tem o filho inválido. Para todos e cada um dos acionistas, gerentes e diretores dos departamentos, as razões humanitárias não são rentáveis. Mas os despojos, as expulsões da pobreza para a miséria sim, é. E muito. E para os ladrões de esperança, sejam de direita ou de direita – pois não há outra opção para os defensores do sistema responsável pela crise causada pelos mesmos mercados –, despojar da sua casa aquela senhora idosa foi um sinal para tranqüilizar os mercados.

Na Inglaterra, a alta criminosa das tarifas universitárias se fez para tranqüilizar os mercados. O descontentamento social levará a ações inevitáveis pela sobrevivência e os mercados pedirão sangue, mortes, para tranqüilizar seu apetite insaciável.

Que seus duendes e elfos expliquem, detalhadamente, que no meio desta crise econômica gerada pela voracidade especulativa dos mercados – e pela renúncia do Estado a controlar os vai-véns financeiros –, nenhum banco deixou de ganhar, nenhuma sociedade multinacional deixou de lucrar e até os economistas mais ortodoxos das teorias de mercado concordam em que o principal sintoma da crise é que os bancos e as empresas multinacionais lucram menos mas, em nenhum caso deixam de lucrar. Que os elfos e duendes expliquem até ficar claro que foi o mercado quem se opôs a (e conseguiu eliminar, financiando campanhas de legisladores a seu serviço - n do T) qualquer controle estatal às especulações, mas agora impõem que o Estado castigue os cidadãos com a diminuição dos seus rendimentos.

E, por último, permita-me pedir-lhe algo mais: milhares, milhões de bandeiras de combate, barricadas fortes, paralelepípedos maciços, máscaras anti-gases, e que a estrela de Belém se transforme numa série de cometas incandescentes com alvos fixos: as Bolsas, que queimem até os alicerces, pois as chamas dos formosos incêndios nos dariam, ainda que temporariamente, uma inesquecível Noite de Paz.

Muito fraternalmente,"


Luís Sepúlveda

Fuente: Le Monde Diplomatique                                            
Tradução - Eduardo Marinho


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A verdadeira seqüência do mito da caverna



Então o cara que saiu da caverna voltou lá e avisou os outros, 'aí, rapaziada, aqui fora o mundo é outro, aberto, arejado, chega pra ver". Pensava que haveria entusiasmo, alegria, mas houve estranheza e rejeição, seguidos de negação e revolta, “que nada, calaboca!”, “sai fora, babaca!”, “não enche o saco!”, “não vem perturbar aqui não”!, “tu não sabe de nada!”, “vai pra Cuba!”. A rejeição foi grande, agressiva, raivosa. Diziam que ele trazia a discórdia, a mentira, davam sinais de violência, reafirmavam suas ilusões como verdades. O cara viu que não dava em nada além de problemas e saiu fora pro mundão, 'então ficaí, cambada de mané, tô vazando', e antes que os otários se dessem conta, ele tinha sumido. Ficou o silêncio, o vazio, a ausência, pra onde ele foi... e o medo. Nesse momento a semente foi lançada . Uma vibração no escuro da caverna, as imagens mostrando a “realidade” projetada na parede e um enorme incômodo no ar. Junto com a consciência, o rancor - de um canto escuro alguém falou baixo, como quem pensa alto, “a gente devia ter matado ele”. 

Lá fora o cara andou, olhando a realidade que desconhecia, conheceu cores, sons, cheiros, paisagens, em profundas admirações, sem entender por que havia quem projetava aquelas imagens ilusórias na parede da caverna, mas mergulhado nas novidades que descobria. E descobriu que haviam outras pessoas como ele, outras cavernas como a dele e muitas, muitas pessoas presas às mesmas ilusões impostas por enganadores. Conheceu essa gente saída de outras cavernas que se atraíam, amistosas, livres das induções à rivalidade e à competição. Conquistaram o acesso ao mundo fora das cavernas e agora dividiam a intenção de acordar os outros, mostrar os limites impostos, causar o rompimento desses limites. Mas encontravam a hostilidade dos condicionados e, sem desistir definitivamente, viviam suas vidas, sempre alertas às oportunidades de provocar reflexão, questionar as mentiras cotidianas, mostrar que as imagens nas paredes são projetadas e que a realidade é muito outra, muito melhor e mais rica. E o cara dividiu experiências, conheceu outras maneiras, conversou, aprendeu, plantou, colheu, cooperou, ganhou vivência,  conhecimento, sabedoria.

Nas conversas coletivas, que eram muitas e sobre muitos assuntos - desde as estrelas, os modos de plantio, remédios naturais, até as relações entre as pessoas e a forma de organização da coletividade, sempre mutante - um assunto freqüente era a alienação geral, os prisioneiros das cavernas, acorrentados em ilusões fabricadas. Idéias eram apresentadas, discutidas e postas em prática. Diante da hostilidade comum e dos perigos do contato direto, entrando nas cavernas, um dia alguém sugeriu chegar do lado de fora, bem na porta, e fazer um barulho, demonstrar a liberdade sendo exercida, em vez de tentar conversar, convencer, argumentar, apelar à razão, à inteligência racional. Esta já estava tomada pela prática rotineira, pelo medo induzido e todos os recursos de mídia pra paralizar o pensamento e conduzir às ilusões. Era preciso atingir a alma, conversar com a intuição, o sentimento, o sentir é mais que o saber, mais profundo, mais forte que a razão. E a idéia brotou: “bora fazer uma charanga?” 

Na porta das cavernas eles botam a boca no trombone. Cantores, palhaços, malabaristas, desenhistas, músicos, pintores, dançarinos, atores foram surgindo de todos os lados. Os que faziam as sombras, projetando da forma que convinha à hipnose, ao entorpecimento, à formação da opinião pública não gostaram nada disso. E começaram a atacar os denunciadores, os reveladores das mentiras cotidianas, de todas as maneiras, difamando, atacando, perseguindo,  sabotando. Mas quase sempre saía alguém da caverna, ofuscado, maravilhado, e era acolhido no grupo, com cuidado, carinho e alegria. Às vezes, mais de um. De vez em quando, grupos vinham pra fora e era uma festa.

A história não acabou.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Empresas dos trabalhadores, sem patrão.

Até onde sei, cada fábrica ocupada e administrada pelos trabalhadores tem sua forma de organização. Há caso de todos os trabalhadores, do diretor geral ao faxineiro, todos ganharem o mesmo salário. As experiências estão em aberto. Tudo resolvido em assembléias onde todos podem se manifestar, e se manifestam. E tudo funciona muito melhor do que com o patrão. (https://www.youtube.com/watch?v=k07f70kDrqw - filme de Naomi Klein sobre as fábricas ocupadas da Argentina) O modelo explorador está com os dias contados. Gostaria de dizer que agoniza, mas seria ingênuo, ele domina os meios políticos, econômicos, culturais... Mas as sementes germinam, se espalham, contaminam. Estamos trabalhando e somos muitos, embora espalhados como é preciso ser. E cada vez mais nos encontramos, cada vez mais nos juntamos, cada vez menos competimos, cada vez mais espalhamos que não é preciso se adequar, não é preciso ser como nos mandam. Não é preciso aceitar uma vida angustiante e sem sentido. Já não queremos vencer na vida. Preferimos viver.

Mais um exemplo, desta vez no Uruguai. Na Argentina há o "Movimento das Fábricas Ocupadas", no Brasil, em Sumaré, São Paulo, existe a Flaskô, há mais de dez anos funcionando sob controle dos trabalhadores e há mais de dez anos escondida pela mídia empresarial, resistindo a todas as investidas de um Estado que serve aos interesses empresariais - invasão da polícia federal, nomeação de um interventor, tentativa da justiça de leiloar a máquina mais importante da fábrica, todas superadas pelos trabalhadores. Os salários aumentaram, a carga horária baixou pra 30 horas semanais, a produção aumentou, as dívidas dos patrões foram e estão sendo pagas, galpões abandonados foram transformados em centros culturais abertos à comunidade em volta.
Estes movimentos demonstram, sem engano, que a figura do patrão é dispensável - e muitas vezes nociva. É isso que apavora os empresários e a mentalidade empresarial implantada em toda sociedade. A ganância, a sede de lucro, a ambição desmedida e desumana causam sofrimento geral, pressões perversas, indiferença com a dor alheia - sintomas de psicopatia.
As comunicações são empresariais, dominadas, submetidas, e por isso mentirosas, deformadoras da realidade e inimigas da verdade, da justiça, do equilíbrio social, enfim, da humanidade. Em nome de um punhado desumano de vampiros que tiraniza as coletividades e cria o inferno na Terra.
Pessoas com visão além do que nos é mostrado, por pouco que seja, podem enxergar a mídia privada como o esgoto moral que na realidade é.
Necessária a divulgação da existência desses movimentos de trabalhadores e a comparação com o modo de ação e com os resultados superiores dessas empresas, apesar da sabotagem intensiva, constante e raivosa dos representantes dos interesses empresariais. Este é um movimento anti-parasitismo, anti-exploração, que revela a malignidade da figura do patrão.
Daí o ódio dos poderes vigentes, dominados por estes interesses desumanos, como normalmente são os interesses patronais.
:: EMPRESA DE ÔNIBUS AUTOGERIDA NO URUGUAI
Na cidade de Colônia do Sacramento, no Uruguai, os trabalhadores assumiram eles próprios a gestão de uma empresa de ônibus após o patrão falir em 2001. Desde então, a "ABC Cooperativa", operando sob "controle operário", é a única companhia de ônibus da cidade que não demitiu seus cobradores e impede sistematicamente todas as tentativas de aumento da tarifa.

https://www.facebook.com/passelivresp/photos/a.176327119090214.45137.176309402425319/778667755522811/?type=1&theater

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sentimentos Falsos - texto do fanzine Pençá, nº 5

Favela Santa Marta, Rio de Janeiro.
Casa por cima de casa, becos, escadas, passagens pra todo lado. Nas partes mais inclinadas, uma floresta de vigas de concreto lembra árvores, com a folhagem de tijolos. Lages, casas, puxadinhos, quartos, degraus irregulares entre calçadas e valas. Aqui nunca veio um engenheiro, foi tudo feito e construído por operários, peões, gente pobre de todos os tipos que constrói por conta própria. O peão não depende do engenheiro pra fazer sua casa. Já o engenheiro não constrói sem o peão, sem o operário. Depende dos "menos qualificados". Mas ele se sente superior, enquanto o peão se sente inferior. Sentimentos fabricados, artificiais, sem razão real de ser. ("Não há saber mais ou saber menos; há saberes diferentes" - Paulo Freire)

Tudo o que se come é plantado e cuidado por mãos pobres. Colhem, trazem, preparam. Mãos pobres costuram tudo o que se veste, fazem os sapatos, as calçadas, põem o asfalto nas ruas, constróem tudo o que se vê, casas, hospitais, escolas, clubes, mansões, parques, praças, barracos,... Mãos pobres põem a sociedade pra funcionar, ligam as máquinas, limpam, preparam, carregam. São mãos pobres que buscam doentes e feridos pra serem atendidos e cuidados em primeiro lugar por mãos pobres. Elas enterram os mortos. Os pobres são a base de toda a sociedade. Sem eles, nada funciona.

Apesar disso, o mais pobre é levado a se sentir inferior. E o rico, que depende de pobre pra tudo, se sente superior. Sentimentos falsos, implantados pela mídia, pela cultura do consumo, pra que a gente se submeta conformada a uma vida massacrante, à exploração, sem perceber sua importância na estrutura social, acreditando valer pouco ou nada. Impotência planejada.

O medo dos poucos "de cima" é os muitos "de baixo" começarem a pensar por conta própria e verem, com olhos próprios, a realidade além do que é mostrado. A estrutura social, pra se manter como está, precisa de ignorância e desinformação, de miséria e abandono - pra que se aceite, por medo, a exploração e a vida sem sentido, ou com o sentido vazio do consumo. Precisa do medo que paralisa, dos entretenimentos que ocupam o tempo e o pensamento e dos desejos de consumo que desviam a atenção.

A união, a cooperação e a consciência das populações é o pesadelo das elites e a libertação dos povos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Reportagem inesperada na tevê inimiga do ser humano comum.

A medicina cubana é a mais humana do mundo. Pra alguns, essa afirmação é uma heresia sem perdão. A rejeição plantada pela mídia, a mando principalmente dos laboratórios farmacêuticos e da indústria médica, resulta em disparates absurdos gritados raivosa e estupidamente pelas mentalidades conduzidas e pelas elitistas. A Escola Latinoamericana de Medicina, em Cuba, tem 60% de alunos estrangeiros, inclusive estadunidenses, exige alguns requisitos pra admitir os alunos. Primeiro, é preciso não ter condições de pagar o curso. É preciso ter algum engajamento em movimentos populares. E também o compromisso de atender os que não podem pagar, em primeiro lugar - lá é proibido cobrar consulta, o Estado paga os salários. Que não fazem ninguém rico.



Numa entrevista que vi de uma médica brasileira formada em Cuba, a repórter questionava o baixo salário, a casa simples, o bairro pobre onde ela morava, um enorme contraste com a situação dos médicos brasileiros, as respostas foram exemplares. Ela disse que morava entre as pessoas que ela atendia, que era preciso estar perto delas e conviver, que sua casa era melhor do que a de todos os vizinhos e que - tapa na cara - não havia feito medicina pra ganhar dinheiro, mas pra atender as pessoas que precisam e não têm como pagar.  Que sua vida estava muito bem, obrigada, e ela tinha tudo o que precisava pra viver e exercer sua função, tinha até mais que isso, ela ressaltou. E que achava justo parte do seu salário ser destinado ao governo cubano, pois assim como ela não teria condições de fazer medicina se tivesse que pagar, outros estavam estudando financiados, entre outras fontes, pelos médicos formados. "Se eu não tiver uma relação afetiva com meus pacientes, então eu não sou médica", ela disse.



Outra entrevista (que ouvi na Voz do Brasil), de uma senhora que pela primeira vez tinha sido atendida na sua cidade, em Tocantins - era preciso se deslocar pra uma cidade vizinha pra isso -, perguntava a opinião dela a respeito da médica cubana. A resposta era esclarecedora a respeito do atendimento pelos médicos formados no Brasil. "Ela é ótima, nunca está de mau humor. Nunca grita com a gente, põe a gente sentada do lado dela, pega na mão da gente, trata a gente com amor, olha a gente nos olhos..." Tapa na cara.



Vi envergonhado a reação dos médicos brasileiros à chegada dos cubanos enviados pra atender as pessoas que não tinham atendimento médico, nos grotões do país ou nas periferias e favelas onde eles se recusavam a ir. Ridículo, pra falar o mínimo. Aquela recepção no aeroporto em que um grupo de médicos, de branco, com faixas e cartazes de protesto, gritava, entre outros insultos, "escravos", na chegada dos cubanos, foi especialmente constrangedora. O ódio induzido alega pretextos inacreditáveis pra esconder os reais motivos - a medicina cubana atende com amor os de baixo, é preventiva e não curativa, ou seja, não usa remédios compulsivamente como a medicina do lucro, corrige hábitos pra preservar a saúde e não adoecer e tem como base o exame clínico e a conversa pra chegar ao diagnóstico.



A humildade é visível na medicina cubana, um contraste aberrante com a medicina empresarial, que mal olha o paciente e o manda pras máquinas de exames e pras farmácia a consumir remédios. A arrogância bloqueia a inteligência e a quantidade de erros médicos é enorme. Este sentimento de superioridade é induzido nas faculdades de medicina, assim como a insegurança, que precisa da arrogância pra ser escondida. São inseguros, portanto arrogantes. A humildade permite a existência da sabedoria, da humanidade, do amor ao ser humano. Não é à toa que a medicina cubana é considerada a melhor do mundo - aqui a mídia faz o seu trabalho de deformação da realidade em defesa de interesses empresariais, financiada que é por laboratórios, pela indústria farmacêutica e pelos planos de "saúde".



As idéias que se têm sobre Cuba são inteiramente deturpadas, são fabricadas em laboratórios de pensamento e implantadas no inconsciente coletivo pela mídia. Cuba é o terror dos podres de ricos, dos mega-empresários, porque lá a vida humana vale mais que o patrimônio, que o lucro, que a economia ditada pelo "mercado financeiro", ao contrário daqui (e quem conseguir não acreditar, compare as delegacias de crimes contra o patrimônio com as de homicídios). Fora os privilegiados que odeiam Cuba e a difamam em interesse próprio, em seu egoísmo extremo, veias saltadas em fúria plena e mentiras prontas, repetitivas e descaradas, qualquer um que se interesse e pesquise os dados da ONU, da OMS (Organização Mundial de Saúde), da UNESCO (educação e cultura da ONU) e outros organismos internacionais verá que ali existe o que talvez seja a primeira democracia de verdade no planeta, um Estado dedicado em primeiro lugar ao seu povo - o que está longe da realidade brasileira. E é exatamente por isso que o ódio, a difamação, as mentiras midiáticas capricham em relação a Cuba.



Na ilha caribenha, é proibida a publicidade comercial, a indução ao consumo compulsivo que adoece todo o mundo capitalista. É de se esperar o cerco, o ataque e a rejeição fabricada pelos interesses empresariais contra a sociedade cubana e as que tentam se humanizar pra serem menos injustas, como a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua, justamente os países da ALBA (Aliança Bolivariana das Américas), justamente os que se levantaram contra o predomínio dos bancos e corporações euroamericanos, os monstros anti-humanos que prevalecem sobre tantos países e povos, infernizando a vida e causando tanto estrago e sofrimento a bilhões de pessoas em todo o mundo.



Esta reportagem na globoníus é surpreendente e inesperada. Talvez um momento de distração de alguém por lá, não duvido que tenha havido esporro, retaliação, punições e que cabeças tenham rolado. Ou se deram conta do óbvio e perceberam que sua credibilidade está caindo em queda livre e resolveram dar uma pitada de verdade pra tentar conter ou recuperar um pouco. Não sei. Mas sei que merece divulgação e aí está.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Eduardo Marinho - forças armadas, psicologia do inconsciente e democracia

Vídeo feito por Aline Campbell, que veio à minha casa pra isso. Em agosto.

O tema forças de segurança não costuma ser visto pelo lado humano da coisa. As polícias são como a sociedade, principalmente a militar. A maioria é de classes baixas, soldados, cabos e sargentos, e há a minoria formada nas academias, as universidades policiais, que são os oficiais, a minoria de elite, superior, que comanda os praças, subalternos com menos estudo - não menos vida -, mas que são quem põe a cara pro povo, quem põe a mão na massa, quem cumpre as ordens dos de cima, enfim, quem faz as coisas funcionarem. Como em toda parte.

Não entendo por que não se questionam as instruções recebidas pelos agentes da segurança pública. Que instruções são essas? Quem as planeja e qual o seu real objetivo? Como são dadas, em que consistem, quais as matérias, o que aprendem os policiais? Quais as reais intenções do tipo de instruções recebidas pelas forças de segurança pública? Não estou falando da balela retórica sobre funções sociais. Como e por que se forjam pessoas tão insensíveis ao sofrimento alheio, capazes de atacar quem quer que seja, sob qualquer pretexto? Qual visão da realidade é implantada nessas pessoas sem defesa crítica, sem formação de cidadania, sem instrução nem informação verdadeiras, oriundos que são do sistema de educação pública e alienados como são pelos meios de comunicação? Pra quê eles são realmente preparados? Sob que tipo de pressões? Que tipo de ideologia é passada nas instruções, que formação ideológica é imposta nas forças de segurança? Por que as instruções não são públicas ou publicadas? Pelo comportamento que se vê, é clara a disposição antipopular dos policiais, é clara a compulsão à violência, à agressão gratuita, ao desrespeito à lei e à cidadania, a indiferença com a dor alheia e com a legislação. As polícias são colocadas fora e acima da lei - e isso atrai os mais nocivos, as piores pessoas, com tendências sádicas, caráter corrupto, arrogantes, violentas, criminosas. E os que não são assim são discriminados e evitam o trabalho nas ruas, preferem o interno, na burocracia, na mecânica, na saúde, em qualquer dos setores que não estejam em contato com a barbárie rotineira das ruas. Aí pesam as garantias trabalhistas - plano de carreira, atendimento médico, escolas pros filhos, treinamento, armamento, fardamento, moral social numa estrutura que desmonta os direitos trabalhistas, onde ninguém tem garantia de nada e a flutuação de trabalhadores é cada vez maior. O Estado garante tudo aos seus mais importantes servidores, encarregados de conter a população roubada em seus direitos fundamentais, revoltada contra uma estrutura que os sacrifica pra privilegiar minorias ricas. Quando os excessos vêm a público, pune os elementos envolvidos - se não há alternativas pra aliviar - pra "demonstrar" que "não admite" criminosos numa estrutura feita pra ser criminosa.

Idiotas são os que atacam as forças de segurança - elas foram preparadas pra isso mesmo. Estes, com isso, apenas confirmam as instruções que são diariamente recebidas pelos policiais e, geralmente, provocam o seu ataque a quem não tem nada com isso e está apenas se manifestando. Uma burrice covarde e contraproducente, que joga a favor do sistema fazendo pose de contra.

Ressalva aqui aos blequibloques que entram na defesa, depois que a polícia ataca. Aliás, essa foi a origem, na minha visão, dos blequibloques brasileiros. Depois de uns dias em que a polícia atacava barbaramente os manifestantes, eles começaram a aparecer. Em bloco e pra encarar. Mas, na mídia, a polícia sempre "revida", "reage", "é obrigada a intervir".



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Olhamos pro outro lado, sem querer ver...

A inconsciência não nos protege, é uma ilusão isso. Ao contrário, nos martiriza, nos angustia, enquanto procuramos paliativos, válvulas de escape, ou apontamos "culpas" pra todo lado. Tomar consciência pode causar algum desconforto externo, por um momento, mas traz um conforto interno sem comparação. Quando mudamos, o mundo muda.

Os profissionais se orgulham em produzir desejos, consumos, comportamentos. Subliminarmente, valores, objetivos de vida, visões de mundo distorcidos de acordo com interesses de poucos. É a perversidade institucionalizada.

Esse vídeo dá um sacode na visão sobre nós mesmos, fundamento pro trabalho na coletividade. O trabalho interno possibilita o externo. E o externo é estéril se não tem por base o interno. Assista-se e eu continuo depois.




Quantas coisas olhamos pro outro lado... não queremos ver, ou vemos da forma que nos convém. Sempre que se analisa algum assunto com interferência da própria vontade, chega-se a conclusões convenientes, não necessariamente próximas à realidade.

Fácil é entender a origem da miséria, do abandono, da precariedade dos serviços públicos, do não atendimento pelo Estado aos direitos da população estabelecidos na "carta magna", a Constituição Federal. Como aceitar o não cumprimento da lei máxima do país pelo próprio Estado brasileiro? Não pensamos nisso, olhamos pro outro lado. Empresas e bancos comandam a tragédia "democrática" e as pessoas continuam vivendo suas rotinas, conformadas e impotentes conforme dita o pacote de condicionamentos pelo inconsciente desse exército de publicitários, marqueteiros e todas as profissões que tenham utilidade neste serviço nefasto à maioria. Conjugado, sempre, com a sabotagem do ensino público fundamental e médio, com a criação de ignorância, com o enquadramento aos padrões vigentes nas escolas particulares, "de qualidade".

O que a mina fala no vídeo, com relação aos animais, se aplica num sem número de situações no dia a dia de cada um de nós. Ao invés de apontar "culpas" pra todo lado, seria mais útil, mais proveitoso e menos conflituoso se olhássemos pra dentro de nós mesmos e trabalhássemos em nossas próprias mudanças.

sábado, 27 de setembro de 2014

A Lenda do Beija-Flor e o Incêndio na Floresta (ou Vai Fazer a Sua Parte, Seu Babaca)

Fogo na floresta, dos grandes. Do lado das fazendas dos humanos, vinham labaredas enormes, de dar medo. Antes, os bichos tinham conseguido afugentar os serradores de árvores que vinham de lá destruindo as matas, sujando as nascentes de água. Mas agora o que vinha era fogo alto, queimando tudo. Os bichos fugiam pelas trilhas, leões e zebras, onças e antas (é uma fábula, eu ponho os bichos que quiser), cobras e preás e pássaros se juntavam em trégua diante do perigo comum. As fêmeas com filhotes iam no meio dos grupos, protegidas e caminhando o mais rápido que podiam.

Perto de um pequeno riacho, o leão que liderava um grupo de vários bichos avistou um beija-flor em atividade. Enchia o pequeno bico de água, voava até uma árvore em chamas e despejava o pequeno conteúdo - que evaporava na hora, em contato com a brasa. Ele voltava ao riacho, enchia de novo e nova carga inútil era lançada. "Ô, beija-flor, se nós, muito maiores, não podemos apagar o fogo e estamos fugindo, cê acha que pode apagar com esse respingo?" E o beija-flor respondeu, com uma cara de quem dá lição de moral, "isso eu não sei, só sei que tô fazendo a minha parte". Os bichos que acompanhavam o leão haviam parado pra olhar a cena e, diante da resposta do passarinho, houve um murmúrio de comentários, "ai, meu deus", "era só o que faltava", "coitado, vai morrer esturricado". Mas o leão definiu tudo, "tá maluco", e foi embora, seguido pelos outros. A hiena ficou por último, olhando sem acreditar, "vai ficar por aí, mesmo?" Mas o beija-flor nem respondeu, ocupado com sua tarefa. Ela deu a risadinha típica das hienas e gritou, enquanto corria, "amanhã eu venho aqui comer churrasquinho de beija-flor!", e completou com uma gargalhada.

O incêndio aumentava e estava quase cercando o passarinho, quando passou um macaco apavorado. Surpreendido dormindo em meio ao fogaréu, quase fora engolido pelas chamas. Queimara alguns pelos mas conseguira escapar. Agora via, pra sua surpresa, a situação na beira do riacho que já ia secando. Gritou espantado, "vão bora, rapaz, que que cê tá fazendo...", e o beija-flor, obstinado, "tô fazendo a minha parte". "Deixa de ser otário, passarinho, o fogo tá te cercando e tu achando que vai apagar. Já viu o que tá botando fogo na floresta?" Aí o beija-flor parou. Em sua ânsia de "fazer sua parte", não pensara nas causas do incêndio. O macaco não perdeu tempo, "olha lá, sua besta!" Vários homens carregavam tochas e ateavam fogo em capins, galhos e troncos secos, fazendo se alastrar cada vez mais o fogo na floresta. "Fica aí pra ver", disse o macaco, já pulando de galho em galho o mais rápido que podia pra longe dali. O beija-flor se sentiu um idiota e voou o mais rápido que pôde, buscando o primeiro grupo, pensara rápido e queria falar com o leão. Em seu vôo ligeiro, alcançou logo o bando que, distante do fogo, já caminhava devagar, mas sem parar. Pairou no ar, em frente ao nariz do leão que estacou, surpreso. O bichinho lhe contou, então, que eram os homens que tinham tentado derrubar a floresta que agora estavam queimando e que se eles não impedissem iriam ficar sem floresta. O leão convocou a bicharada e, numa assembléia rápida, resolveram defender as matas, até porque não viveriam sem elas. Voltaram pela trilha, tendo o cuidado de fazer uma volta pra chegar no grupo de humanos por trás. O plano era atacarem todos ao mesmo tempo, cada um com suas armas, garras, dentes, coices, pauladas e pedradas. O inimigo tinha espingardas, mas eles eram muitos e contavam com a surpresa.

E assim foi. No espanto do ataque inesperado, os homens mal tiveram tempo de reagir. Vários tiveram suas armas quebradas a patadas, os que conseguiram atirar não acertaram em nada e os bichos prevaleceram na batalha, botaram pra correr os incendiários, muitos feridos sendo carregados pelos outros. Fugiram, pra alegria dos bichos, que então se dedicaram a apagar o fogo na floresta. Depois de muita trabalheira, o incêndio estava apagado. No por do sol era uma festa na mata, os bichos comemorando e confraternizando como nunca. Comemoraram até tarde da noite, contando as façanhas do combate, cada um com suas histórias pra contar. Aos poucos, todos foram dormindo, cansados, e naquela noite a paz se fez entre todos os bichos.

Amanhecia quando um zumbido distante começou a soar no silêncio do dia novo. Os passarinhos, cansados, não faziam sua algazarra de cantos e trinados, quando o zumbido começou, distante. Os coelhos, com suas longas orelhas, foram os primeiros a acordar. "Que barulho é esse?" O som ia aumentando aos poucos, os bichos foram acordando, cada um acordava e chamava os outros. Olhares intrigados, pro céu, entre si, "o que será isso?" e o barulho cada vez mais perto. Começava a ficar assustador, os mais tímidos já se mandavam pro meio do mato, na clareira rolava uma expectativa espantada, os bichos inquietos. O dia estava claro quando eles apareceram, por trás e por cima das copas das árvores. Helicópteros, pra espanto geral, voaram baixo sobre a clareira queimada, levantando poeira e cinzas, enchendo os olhos dos bichos e fazendo um enorme barulho. Com lança-chamas e metralhadoras.




domingo, 21 de setembro de 2014

São José do Rio Preto - amanhã e depois (22 e 23 de setembro)

Por razões familiares, vou a São José do Rio Preto amanhã, levando desenhos, zines e meu livro, o Crônicas e Pontos de Vista. A previsão é descer no aeroporto às 20:10 h, vou pra um hotel chamado Confort, na rua Ondina, 360. Na terça tenho uma função a cumprir, devo me liberar à tarde e tomo o avião de volta aí pela seis da tarde.

Se houver alguém na área a fim de algum desenho, zine ou livro, ou mesmo de uma cerveja - devo estar no hotel por volta de nove horas da noite e tomar uma cerveja nas redondezas até umas onze, ou mais se rolar papo - é só chegar.

Não creio que apareça ninguém, mas tô avisando pra caso eu estiver enganado.


A ver o que rola em São José do Rio Preto.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Dívida Pública, uma dívida que o público não fez e é obrigado a pagar sem entender.

Sem entender que o orçamento nacional é roubado por banqueiros que, mancomunados com a elite nacional, inclusive a política, impedem deliberadamente o investimento nas necessidades e nos direitos constitucionais da população.

O filme diz que a dívida começou com a "ditadura militar". Não confere de todo. O governo de Getúlio Vargas já havia feito uma auditoria - limitada, mas auditoria - que a tinha reduzido a 40% do seu valor - o que foi um dos motivos pras pressões que se fizeram em cima dele e que, no seu auge, o levaram ao suicídio pra evitar o golpe, que atrasou dez anos. No governo João Goulart a dívida era em torno de seis bilhões de dólares, a tal "ditadura" a ampliou pra mais de cem bilhões, o que faz parecer que a dívida não era nada antes dos militares. Mas já era um fator de pressão e foi ampliado pra ficar irresistível, aumentando a força das pressões internacionais com todo o apoio subserviente das elites locais.

Do jeito que se fala no filme, parece que a responsabilidade recai sobre os governos. Não se fala da apropriação das instituições pelo poder privado, do controle da política - governo e parlamentos - e do judiciário, verdadeiro seqüestro do Estado, com o apoio da mídia, da desinstrução e da desinformação impostas à população que facilita o controle e a indução da opinião pública, alienando e anestesiando as consciências. Não é um punhado de intelectuais, economistas e outros estudiosos, que vai modificar esse quadro, mas a instrução e a informação do povo. Mas parece que essa é uma tarefa a que poucos se dedicam, condicionados que são em inferiorizar a importância e a capacidade da população. O trabalho deve ser profundo, a partir das raízes sociais, e deveria estar sendo feito geração após geração. Exatamente por não estar sendo feito é que não se encontra respaldo pras denúncias escandalosas que aqui são feitas.

Enquanto a mídia bradava histérica contra o "mensalão", essa "dívida" imoral levava o equivalente a mais de quinze mensalões POR DIA. Mas disso a mídia não fala, traidora compulsiva da população em benefício dos bancos, sobretudo os internacionais.

"O Sarney chegou a instaurar a CPI dos bancos. Não durou mais do que algumas horas." Assinaturas de parlamentares foram retiradas, inviabilizando a comissão. Isso demonstra mais que claramente o controle (e não apenas o poder) dos bancos sobre os parlamentares, sobre a "política" (que nunca foi política, apesar da aproximação tentada por João Goulart e destruída pela convocação dos militares) e sobre o Estado. O filme parece não destacar o óbvio. De onde vem esse apego à visão de que aqui há qualquer coisa além de uma tremenda farsa? Não se vê que não existe e nunca existiu democracia por aqui além das palavras e da simulação cênica? Qual é a dificuldade desses intelectuais, sindicalistas e demais ativistas? Que democracia é o cacete, rapaziada! É preciso deixar isso claro, antes de pensar em promover mudanças reais. Não se muda como se deve, quando não se vê a realidade como ela é.

Constituição fraudada no seu artigo 166, favorecendo o pagamento da dívida pública pelo orçamento nacional, sem votação. Como diz no filme, uma falsificação grosseira, cuja contestação por ação ajuizada pelo presidende da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e arquivada pelo Supremo Tribunal Federal, outra prova do controle das instituições pelos interesses financeiros dos vampiros da humanidade que sujeitam países e sacrificam seus povos com a cumplicidade das suas elites locais, sempre traidoras da nação e das populações.

O Brasil, no ano passado, teve o 7º maior PIB (produto interno bruto) do mundo. No índice de desenvolvimento humano (IDH), foi o 85º do mundo. Essa diferença brutal se deve ao saque do orçamento pro pagamento dessa dívida, que nunca se investigou como foi feita e como se desenvolveu - todas as tentativas foram sabotadas e frustradas. O Estado brasileiro está impedido de investir na sua própria população, o que seria bom para todos em todas as classes, menos pra esse punhado que anda de helicópteros e jatinhos, nas suas bolhas de opulência e luxo cercadas de forte segurança, de onde controlam seus fantoches "públicos" e determinam, sem serem eleitos, as "políticas públicas". Crimes contra a humanidade cometidos dentro de uma apregoada e falsa legalidade.

Essas informações teriam que ser passadas à população, num trabalho capilar, profundo e persistente, na língua geral - e não em academês ou politiquês. Parece que os contestadores sucumbem ao mito da incapacidade do povo em entender o que acontece e esse trabalho, fundamental pra ter força perante as instituições dominadas, não é feito. Na minha opinião, os condicionamentos a uma ridícula hierarquia social impedem a integração verdadeira entre os teóricos e os viventes que fazem a esmagadora maioria da população. Já existem focos de comunicação nas periferias, falta o respeito devido, o reconhecimento de que estes são os melhores tradutores pra língua falada pelo povo da base. Com um pouco de humildade, os acadêmicos poderiam aprender com eles - ou reaprender -, rendidos que estão à língua restrita de minorias intelectualizadas, verdadeira barreira pro entendimento geral.

Bueno, sem querer alongar demais, eis o filme, precioso pelas informações e denúncias. Taí uma das raízes da nossa pobreza, da exploração em que vive a maioria, da ignorância, da desinformação, da miséria, da violência e da maior parte da criminalidade. O Estado está proibido de investir nas suas obrigações constitucionais pra com os brasileiros todos, seqüestrado como está pelos poderes vampirescos dos bancos internacionais - e de quebra pelas mega-empresas de todos os setores.

Dado importante no filme, que a mídia jamais divulgaria. A Islândia não só suspendeu o pagamento da dívida pública como também prendeu os banqueiros. Ninguém falou nada, no mundo inteiro.


domingo, 31 de agosto de 2014

Importância escondida (Pençá nº5)

Escuto falar que, no dia em que o morro descer pro asfalto - ou a periferia "invadir" o centro, será o caos. Concordo. Mas um caos de violência, de saques, destruições e repressão armada, com gases, fuzis, helicópteros, bombas, choques, espancamentos, prisões, feridos e mortos.

Imagino um caos bem melhor - e revelador - no dia em que o morro não descer pro asfalto - ou a periferia não vier pro centro. Porque aí, nada funciona. Ninguém pra ligar as máquinas, acionar os motores, fazer os transportes; ninguém pra abrir as portas e os portões, ninguém pra trazer a comida, nem pra fazer, nem pra servir. Ninguém pra limpar, nem pra tirar o lixo, arrumar as prateleiras e as coisas, ninguém pra atender, pra fazer as entregas, ninguém nas portarias. Nem secretários, nem acensoristas, nem operários, nem serventes, nem balconistas, nenhum engraxate, ninguém nas recepções. Ninguém pra carregar os doentes e feridos, ninguém pra cuidar.

Aí, sim, se perceberia a classe de pessoas mais indispensável de toda a sociedade. E se veria sua real importância na coletividade.

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As pessoas que têm os seus direitos respeitados, acesso à instrução, à informação, à moradia decente, a esporte e lazer, à boa alimentação e saúde, e que reconhecem a injustiça social com a imensa maioria roubada em seus direitos, muitas vezes se penalizam e desejam fazer alguma coisa pra "ajudar os mais pobres". A esses eu digo - os mais pobres precisam é de respeito. Que a sociedade respeite seus direitos e invista realmente nas obrigações do Estado com sua população em primeiríssimo lugar e o desenvolvimento será acelerado grandemente, pra todo mundo, sem miséria a nos constranger a todos. A capacidade de superação da miséria e da ignorância existe, tá na cara, conhecimentos, produção, grana, tudo existe pra mudar essa realidade. Menos consciência.

Que se perceba o trabalho intenso, extenso e profundo no sentido de criar ignorância e alienação, pra favorecer um punhado em prejuízo de todos. Instrução, informação e consciência espalhados são tudo o que "deve ser evitado".

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Bagé e Porto Alegre

Amanhã vou a Bagé pra VI Semana Acadêmica de Letras: Sons e Palavras são Navalhas. Amanhã, não, hoje. Ainda preciso dormir e acordar daqui a quatro horas, pegar um avião pra Guarulhos, depois pra Porto Alegre, um carro até Bagé, palestra, boteco prometido na seqüência, manhã de sábado pra Porto de carro, exposição na Lima e Silva à noite no sábado, à tarde e noite do domingo, volto segunda pra casa.

Adicionar legenda



Essa ida ao Rio Grande do Sul vai ser uma rapidinha. Tá tudo muito corrido. Quem quiser desenhos, apareça. Não levo livros, a editora tá fechando e faltam ainda trinta livros, mas não recebi ainda. Levo só desenhos, mesmo. Levo idéias, também. Os que quiserem desenhos, agora é a hora. Tô sempre precisando vender... vivo disso. E de mais nada.

Devo encontrar muitos amigos, pena que é tão pouco tempo.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Alerta, Minas, alerta, Belorizonte. Mas alerta, Brasil inteiro. Desmascara-se o sistema, no dia a dia, de toda forma.

Estado anuncia despejo das Ocupações do Isidoro

Recebo isso como quem recebe um tapa na cara. Um tapa dado por esse Estado cooptado por interesses empresariais e descaradamente contra seu povo, especialmente sua parte mais frágil, mais desatendida, vítima desse mesmo Estado que descumpre sua própria constituição nos quesitos básicos, alimentação, moradia, educação que mereça o nome, atendimento médico de qualidade, transporte sem tortura, outros tantos.

Oito mil famílias, um novo Pinheirinho se anuncia. Estado criminoso, as instituições públicas viradas contra o público, o povo. Descara-se a ditadura empresarial, o que chamamos governo é mera gerência, pronta a atacar a população em nome de interesses empresariais.

Só a manifestação geral é que põe um freio nessas ações. São muitas famílias, é preciso que as pessoas se manifestem, falem no assunto, pressionem os poderes de fachada que, ainda que sejam de fachada - e por isso mesmo - se borram de medo de manifestações, de multidões se pronunciando, fazendo ouvir sua vontade, se comunicando e se solidarizando.

Nesse caso, solidariedade é a palavra e o sentimento chave. Vamo nessa, moçada. Sobretudo os mineiros, sobretudo os de belorizonte, mas vale pra todo mundo, pro Brasil inteiro, que a força que nos ataca é a mesma em todo o país. Só muda o sotaque, as expressões, os costumes, mas o arroxo é o mesmo, com a mesma origem e da mesma forma. Vale pro mundo, que essa forma social se impõe no planeta.

Quem de Beagá puder fechar com eles, tão precisando e agora é a hora.

domingo, 27 de julho de 2014

Entrevista à tv Gambiarra

Eu tava nas Brigadas Populares, em Belzonte, ele me ligou. Queria gravar uma entrevista, minhas opiniões sobre a copa. Tá, vamo lá. Era o Fernando da tv Gambiarra, canal na net, nos encontramos no fim da tarde, fomos presse boteco de esquina, próximo à praça grande de Santa Teresa, não lembro o nome agora. A interferência veio a calhar. O miserável catador de latinhas, como um representante dos sabotados sociais, que não tinha como chegar em casa sem levar o que comer, tomou o centro da história e encheu de sentimento, mexeu com a alma. A alegria por um pacote de feijão... A presença dele acrescentou muito, me pergunto o que o trouxe até ali. Acaso, coincidência? Sinto que aí tem coisa, mas não permito à minha razão o atrevimento de entender, de explicar, de se meter onde não é capaz. À razão é permitido criar hipóteses, em equilíbrio com a intuição, sem a pretensão de chegar a conclusões. Fora disso acaba caindo no ridículo.


Algumas cervejas depois o papo já rolava pro lado do desenvolvimento pessoal como base pro desenvolvimento coletivo. Não consegui colocar aqui, fica repetindo o mesmo vídeo e não entra o seguinte. Então publico primeiro o segundo, depois este, que é o primeiro. Estéticamente fica melhor.



Tv Gambiarra - 2ª parte - Realidade, sentimento e a falsa inferioridade dos pobres

Esta é a raspa do tacho, o final de um papo que começa no vídeo da próxima postagem.

O cara da TV Gambiarra é o Fernando Fonseca, grande cara.

sábado, 26 de julho de 2014

Assistindo um jogo em Mauá


No primeiro jogo, Brasil e Croácia, desci da casa de Brisa pra expor os desenhos e, depois de armar a exposição, comecei a observar os preparativos. Os poucos bares em verdeamarelo, fitas, bandeiras e bandeirinhas, decorações nas paredes e tetos, bastante gente, camisas amarelas da seleção, com a marca da cbf, uma empresa privada denunciada por incontáveis falcatruas. Resolvi subir até o Pretinho, ninguém ia ver desenhos por enquanto. Fui passando e olhando a expectativa, as expansões de euforia, as expressões, os gritos, apitos, vuvuzelas, poucas mas barulhentas, achando tudo muito idiota e ao mesmo tempo me sentindo arrogante com esse pensamento. Cheguei lá, peguei uma cerveja e sentei em frente. Havia uma televisão em cima do telhado do bar, na parede do segundo andar. Resolvi escrever o que viesse na cabeça, abri o caderno, ponhei a caneta do lado e comecei a apreciar os acontecimentos. O tempo andou e achei que o texto ficou velho pro momento, ia deixando pra um dia mais longe, talvez, mas uns amigos leram em Beagá e acharam que teria proveito publicar. Bueno, taí.
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Catarse coletiva, produzida e conduzida, gera lucros gigantes.
À custa de muito sofrimento da população mais pobre, maioria.

Assim vi o jogo...
Eduardo Marinho

Fui andando por Maringá, do muro onde exponho até o Pretinho. Ele colocou uma televisão no alto da parede acima do bar, no outro lado da rua construiu umas mesas anos atrás e deu uma garibada, cadeiras e bancos, improvisando uma minúscula pracinha. Sentei ali, peguei uma cerveja e abri o caderno.

Pelo caminho vinha observando. Camisas amarelas, muitas, os poucos bares lotados, fitas verdeamarelas penduradas, bandeirinhas, falas entusiasmadas, bonés e expectativas, tudo soa falso. Não hostilizo, não tenho nenhum sentimento de condenação, de reprovação, de repulsa, observo com respeito, um pouco de tristeza, só um pouco. Não é novidade. Falar em direito à alienação seria forçar a barra, mas não me dou o direito de julgar, não tenho. É preciso reconhecer a eficácia do trabalho de distorção, de alienação, feito por exércitos de marqueteiros, publicitários, animadores, comentaristas e todo o aparato midiático. Transformam um evento criminoso, que tem no Estado seu principal cúmplice e apoiador, numa festa de cores, sons e emoções, de entusiasmo e estupidez, de consumo e lucros gigantes pros patrocinadores e empresas agregadas. Tranformam tragédias em alegria - só podia ficar falso.

"De arrepiar", "momento histórico", "emoção à flor da pele", disparam a cada momento os chamados jornalistas esportivos. Ridículo, infantil, primário. Momento histórico foi o encontro de comunicadores periféricos, meses atrás na Rocinha. Fala-se em emoção, em alegria, e não se lembra que duzentos e cinqüenta mil famílias (duzentos e cinqüenta MIL famílias) foram expulsas das suas casas em nome da copa pra favorecer a especulação imobiliária, construtoras e outras empresas, além de "varrer" a pobreza que a sociedade produz pra longe dos olhos abastados, a tal "limpeza social", tão repulsiva quanto vergonhosa. "Dia de festa", grita o apresentador na televisão, inúmeras vezes. "Momento histórico" também é repetido à exaustão - pobres historiadores, pobre história.

Cenas coloridas, limpas, nítidas, muitas câmeras em todos os ângulos, alta tecnologia. Torcidas uniformizadas cantando e pulando sem parar. "Festa na arena esportiva!"

"Vem aí o Brasil!" E entra a seleção dos milionários do futebol, porta-bandeiras das multinacionais. Uma copa de mentiras e perversidades sem conta nos seus bastidores, sob o silêncio criminoso da mídia. O jogador famoso, agora comentarista, carrega o filho nos braços e diz que está "feliz e contente". Um paraplégico chuta a bola, amparado por um equipamento de última geração, do qual a população não vai sentir nem o cheiro. A televisão repete o chute chôcho vezes sem conta. Os comentaristas falam sem parar, não podem parar, fofocam, falam merda em cima de merda, incansáveis. Da responsabilidade dos jogadores com seus países - não se fala em patrocinadores -, de "união dos povos"- coexistência de torcidas no mesmo espaço geográfico, nada além disso, obviamente, "momento especial", "significativo", "simbólico", a fanfarra não tem limites.

Rolam os hinos. Olhos fechados, mãos nos corações, parecem acreditar nessa presepada toda. São muito bem pagos pra isso, embora a ilusão acabe nos contratos. O hino brasileiro é interrompido na primeira parte, regras da fifa, é muito grande. Mas a população canta a segunda parte por conta própria, os jogadores acompanham. Lágrimas, comoção, locutores embargados, "é muita emoção!"

Dada a partida, foguetório, gritaria, cachorros se escondem, apavorados, ovos goram nos ninhos, nos galinheiros, com as explosões. "O Brasil fica com a posse da bola!" e o país que eu conheço não possui nem a si mesmo. Publicidade explícita, implícita, subliminar, insinuada, a psicologia como crime contra a humanidade. Em inglês, croata, português. Nas imagens e à minha volta, olhares hipnotizados. Incômodo suave, nada novo, apenas um lamento cotidiano.

Gol contra. Simbólico. É o que se faz com o povo, autoridades mancomunadas com empresas, gol contra em cima de gol contra, em nome do lucro de bancos e grandes empresas.

Falta de frente pro gol, o jogador mais caro bate e erra. E o blablablá continua, babaca, falastrão.

Gol do Brasil! Gritaria no povoado, foguetório, pavor canino, tragédia aviária. Melhora a qualidade do jogo. A publicidade, frenética, sacode as marcas onde as câmeras acompanham o jogo. Ao fundo de cada jogada, logotipos dançam, aparecem, piscam, se movimentam, penetram no inconsciente coletivo, em inglês, croata, português...

No intervalo se intensifica o festival de falação de besteiras, a publicidade intensiva e ostensiva, o desrespeito à inteligência. O inimigo mostra a cara deformada pela mídia, bonita e falsa. Noticiam manifestações, sempre "baderneiros" que "obrigam" a polícia a "reagir". Inconformados com a putaria da copa, com a promiscuidade político-empresarial, com a entrega da soberania não existem pra mídia. São todos mal intencionados, no mínimo ingênuos que se deixam levar. Bem intencionada é a copa.

Pênalti no segundo tempo. Neimar beijou a bola. Neimar beijou a bola, repetem os locutores. Gol do Brasil. Quase que o goleiro pega,"o desespero do goleiro" é exibido várias vezes. Gritaria ao longe, poucos fogos, mais uns sustos na fauna local. Dois a um. "Jogo difícil, jogo sofrido" dramatiza o narrador. "Brasil prende a bola", "jogo complicado" diz o idiota, digo, o jornalista mais bem pago do Brasil - e se não for, tá nas cabeças. "Haaaaaja coração!!", grita ele. Haja estômago, digo eu, pouta quel pariu, "não é fácil controlar os nervos nessa altura!"

Gol de novo, chute de bico no sufoco dentro da área. Tres a um pro "Brasil". Gritaria de novo, acho que acabaram os rojões, não pipocou, ainda bem. "Uma vitória sofrida", diz o imbecil. Mais sofrida que a expulsão da própria casa, aos milhares, centenas de milhares? Mais que os feridos, espancados e presos por uma polícia treinada e preparada pra atacar a própria população, violar leis, agredir, machucar pessoas que nada têm a ver com nenhum tipo de crime?

Acaba o jogo, vitória do "Brasil". Não sinto a menor euforia, nem mesmo alegria. Nessa copa, cada vitória, cada jogo já começa com gosto de derrota.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Por fora da medicina comercial - além do controle empresarial.

Postei em 2004, aqui neste blogue, esse precioso documentário. No iutube, a descrição do vídeo passa muito mais informações, inclusive de outros filmes a respeito da terapia e contatos a respeito.



Não dá pra confiar na medicina. As faculdades, o ensino, a prática de rotina, o sistema é totalmente moldado e poucos têm intuição, sensibilidade e personalidade pra exercer a medicina com propriedade, com amor ao ser humano, com respeito e humildade, delicadeza e atenção. A medicina, atividade sagrada - como a do ensino, a da alimentação... - foi invadida e saqueada no que possui de melhor, em nome do lucro, dos interesses empresariais. A esmagadora maioria dos médicos não tem condição de alma pra ser médico, foi dessensibilizado na escola e é embrutecido no sistema público de saúde. Poucos escapam e é preciso reconhecer, são remadores contra a maré.



Impressionante o filme, merece pesquisa, atenção e divulgação.



terça-feira, 24 de junho de 2014

Uruguaiana, Santa Maria, Porto Alegre e desculpas ao Branco

Mês passado estive em Uruguaiana, convidado por Franck Peçanha, fisioterapeuta que dá aulas na Unipampa. Fui recebido pelo Patrick no aeroporto de Santa Maria e ele me levou pra jantar na casa dos seus avós. Com um acolhimento de familia, provei do vinho delicioso feito pelo avô - que comentou espantado eu ter bebido dois grandes copos. Prometeu uma garrafa quando eu passasse na volta, mas não acertei o endereço e deixei de trazer aquela delícia pra casa. Dia seguinte partimos pra Uruguaiana e perdi a conta de quanta gente com brilho nos olhos encontrei por lá, a partir do próprio Franck. O frio era de freezer e meus agasalhos cariocas não davam conta. Fomos a Paso de Los Libres, na fronteira argentina, pra comprar um casaco, mas só comprei pra Alice Luz, minha neta que mora no frio da montanha de Visconde de Mauá. Pra mim tava caro. O Franck acabou me dando o melhor casaco que já tive, penalizado com minha situação.

Dali fui a Santa Maria, a palestrar no evento Direito e Política, e conheci outros tantos olhares brilhantes, dessa vez com o paletó e a gravata indefectíveis no meio jurídico. O mundo está sendo revelado aos poucos. A angústia da vida sem sentido que nos forçam a engolir e viver ajuda a recepção de visões mais reais desta sociedade mentirosa que existe em função dos interesses nos lucros por parte de grandes bancos e empresas, ou seja, uma sociedade centrada nos podres de ricos. Que, em sua ganância insaciável, precisam manter a maior parcela da população na miséria, na ignorância, na pobreza, pra poderem explorar os trabalhadores até o talo, em condições precárias e sem reclamação - por medo. E pra isso compraram a política, se infiltraram nas instituições e implantaram a ditadura empresarial disfarçada de democracia, sabotando os serviços públicos, mesmo os constitucionais, e controlando as informações com a mídia privada.

Então fui pra Porto Alegre, passar uns dias e rever os amigos, além de expor na Lima e Silva. O Fabio, meu ex-vizinho em Niterói que está no patamar de irmão, e o Branco de Oliveira, compositor, cantor e botequeiro no Azenha, onde baixei com mochila e tudo, vindo da rodoviária. Entrei e me aproximei do Branco, ocupado com as coisas do caixa. Ele nem tinha me visto quando eu falei "tem pão velho aí, parceiro?" junto dele. Levantou os olhos e deu um grito, "aaaahh, carioca!", surpreso. Me deu aquele abraço apertado e, não contente com isso, tentou beijar minha boca de novo. Escaldado com a experiência anterior, que me deixou enjoado uma semana, consegui virar a cara e ele acertou a bochecha. Ali fiquei até a chegada do Fabio. O papo rolou alcoólico, com vários amigos no bar, até que fui dormir na casa do Fabio.

Seria demais descrever os acontecimentos dos dias que passei em Porto Alegre. Mas registro um vacilo meu. O Branco, na sua afeição superlativa, fez questão de bancar uma noite comigo, Fábio e mais um camarada, Cássio, que apareceu no dia e nos acompanhou na noite. Tomamos todas, jantamos, tomamos mais, abrimos o bar do Branco na madrugada e depois fomos pra casa - o Branco foi pra um cabaré, como ele mesmo diz. No dia seguinte, Fabio me aconselhou a procurar o Branco e dar alguma explicação a ele, pois eu o tinha esculachado a noite toda, a partir de um certo grau alcoólico. Tive dificuldade em me lembrar e ele me ajudou, enquanto eu ia me constrangendo. Saí dali direto pro bar do Branco, mas ele tava fechado. As memórias iam voltando e eu engasgando pra falar com o Branco, pra me desculpar as grosserias. Sem poder descarregar essa angústia, fui pra Redenção e ali, debaixo das árvores, escrevi o que diria, pra aliviar. Depois, antes de ir pra Lima e Silva, passei de novo pelo bar. Tava aberto e eu entrei. Dei de cara com o Branco na porta e ele me olhou sério. Disse que vinha me desculpar, que tinha sido injusto e estava envergonhado. Vi seu rosto relaxar e sorrir, que nada, tudo bem, não tem nada, pega uma cerveja aí. Então li o que escrevi pra ele. Emotivo, ele me abraçou e tentou, de novo, beijar minha boca. Sem conseguir, claro, virei de novo a bochecha. Avisei que publicaria e aí está.

"Porra, Branco vacilei contigo. Tô aqui envergonhado, mas tô aqui pra te dar essa explicação. Tu não merecia a perseguição que eu te fiz ontem à noite. Vi tua cara triste no fim da noite, mas tava por demais bêbado pra enxergar, só enxerguei hoje, lembrando aos poucos. O Fabio me ajudou. Tu, só querendo me agradar, e eu te espancando as idéias. Foi injusto, foi sem noção. Depois de me lembrar, arrependido e com vergonha, refleti procurando os motivos da minha grosseria. E se os motivos não estão em ti, é porque estão em mim. Então refiz o roteiro desde o começo, pra tentar entender.

Tu sabes que não gosto de elogios pra cima de mim, já te disse várias vezes. O Fabio também já te falou, também várias vezes. E tu nem aí. Não cabe aqui explicar de novo as razões, tô só levantando o porquê do meu procedimento - que não é o meu normal, não gosto de ser assim, de maltratar ninguém, de ser grosseiro e muito menos injusto como fui contigo.

Ontem tu tava me exaltando, me presenteando, me homenageando. Eu sempre me incomodo um pouco mas, como já tinha falado várias vezes e não adiantava nada, aceitei como o que não tem jeito. Pra não criar caso, não ser chato, não ficar te cortando, até pra não te magoar. Mas, com o tempo e a cerveja, o freio foi afrouxando, afrouxando... e o controle foi embora. Incomodado com tanta deferência, tanto elogio e homenagem, acho que inconscientemente eu quis te expor um lado bem ruim pra mostrar que não era essas coisas todas, que não merecia tanta exaltação. Não vejo outra hipótese, a meu ver só pode ter sido isso.

Preciso me educar pra não reagir desse jeito. Me estudar melhor pra compreender essa minha aversão e minha capacidade de me irritar. Um problema psicológico, psiquiátrico ou espiritual, sei lá. Rejeitar elogios é uma característica (ou compulsão) minha, mas não quero reagir da forma que usei contigo, não tenho esse direito.

Por sorte - ou azar - tu és pinguço como eu e pode entender. E se pode entender, pode perdoar. É só o que eu preciso. Desculpaí, parceiro."


Galeanas


Essas foram pescadas no livro "De pernas pro ar - a escola do mundo ao avesso", de Eduardo Galeano. Presente do amigo Franck Peçanha, capixaba de Uruguaiana, que além do livro me deu o melhor casaco que eu já tive, ao me ver tiritar no frio de congelador com meus agasalhos cariocas, de papel crepom praquelas temperaturas. Segue o garimpo, ainda que não tenha retirado todas as pedras preciosas que esse livro contém. Não são cópias literais dos escritos, uso muitas palavras minhas - daí não haver tantas aspas.


Em 1960, os 20% mais ricos possuíam trinta vezes mais que os 20% mais pobres. Em 1990 a diferença tinha aumentado pra noventa vezes mais.

Os produtos pra animais de estimação movimentam, por ano, mais dinheiro que toda a produção da Etiópia.

As vendas da Ford e da General Motors somam uma quantia maior que toda a produção da África negra.

Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico declara que "dez pessoas, os dez mais ricos do planeta, têm uma riqueza equivalente à produção total de cinqüenta países. E 447 milionários somam uma fortuna maior que o ganho anual de metade da humanidade."

Nos finais dos anos 90, numa assembléia do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em que se celebrava a boa marcha do controle mundial pelos dois organismos, James Wolfenson, presidente do BM, lançou a advertência: se as coisas continuarem nesse caminho, em trinta anos haverá cinco bilhões de pessoas pobres no mundo "e a desigualdade explodirá, como uma bomba relógio, na cara das próximas gerações". Parece catastrófico mas, se por um lado isso aprisionará a parcela gerencial da humanidade nas correntes do pânico, justificando o aumento do sistema repressivo, por outro se planeja, de várias formas, o extermínio em massa, até a redução dos pobres a níveis "controláveis".

"A delinqüência do poder é a mãe de todas as delinqüências". Chamo a atenção pro fato de que não se deve confundir, como é comum demais, o poder com os governos. Governos são marionetes do poder, meras gerências sob o comando dos interesses empresariais, banqueiros, vampirescos. Democracia é farsa e tem sido assim desde o seu nascedouro - o do cenário, porque democracia nunca existiu por estas plagas.

"São muitos os cidadãos que perdem a opinião por falta de uso".

terça-feira, 17 de junho de 2014

Reação a uma dispensada

Esse texto foi escrito há um tempo, não é a situação em que me encontro agora. Ninguém precisa se solidarizar com meu "sofrimento", porque ele já foi digerido. Publico porque achei que, diante das reações raivosas, magoadas, acusadoras e cobrativas, comuns nos momentos de separação, seria uma fonte de reflexão pra muita gente. A inconformação com a realidade estende e aumenta o sofrimento, em vez de superar - que é o mais necessário nesses momentos. Bons sentimentos permitem enxergar melhor a realidade e as possibilidades que o tempo e a vida apresentam. Maus sentimentos fazem o contrário. Se não for possível ter bons sentimentos nessa hora, pelo menos é preferível a tristeza natural, a dor de uma ferida recém aberta, que a destrutividade. Feridas recentes sabemos que doem por um tempo, mas passam. Serenidade na tristeza é sinal de maturidade espiritual. O tempo é o melhor cicatrizante, a não ser que o rancor, a inconformação, a raiva mantenham a ferida sempre aberta, impedindo a cicatrização. 

Se vemos a vida como uma caminhada, é como se a gente desse uma canelada dessas fortes, que fazem a gente dar uma parada, esfregando o lugar da pancada, e logo andar de novo, pela necessidade do viver, mancando no princípio, enquanto a dor vai passando. Mais na frente, dor passada, estaremos mais atentos, mais sensíveis, mais perceptivos aos sinais que a vida nos dá. Há sinais, vê quem é capaz - e temos muitas capacidades a serem desenvolvidas, se favorecemos os sentimentos. A raiva, a mágoa, o rancor nos cegam a visão sobre a vida e nos prendem a atitudes destrutivas. Seguindo adiante e aceitando os acontecimentos, os fatos, superamos com proveito as situações, nos melhorando por dentro e nos preparando melhor pras coisas que a vida apresenta todo o tempo. 

É preciso tomar a vida com suas alegrias e dores, tirar dela o melhor proveito na construção interna, serenando o espírito pra ter clareza de visão. A revolta e a depressão turvam a visão e impedem as percepções necessárias ao crescimento inevitável - quem se recusa, é empurrado com a dor que se impõe, soberana e implacável, muitas vezes na forma de "inexplicáveis" angústias, outras vezes em atitudes pequenas de forra, tentativas inúteis e nocivas de "devolver" o sofrimento. Primário.

Com calma se pode ter melhor proveito dos percalços no caminho.

Prelúdio de um pé na bunda

Acho que já falamos, né...
Tô me desenrolando de você. Tá difícil, doído, mas se sobrevive, eu acho.
O cara se apavorou quando te viu comigo, ele te conhece, sabe como te tocar, viu que cê tava arrumando um lance sério. Imagino que tenha tocado seus pontos sensíveis, te mexeu, tu tem uma filha com ele, uma ligação forte. "Fiquei mexida", você disse. Sobrei nessa.
Fico pensando se não vai ser tarde quando você perceber que ele é a mesma pessoa que te fez desistir da relação.
Foi muito bom ficar contigo, imaginei que era pro resto da vida. Mas não foi, não era. Dói, pessoa, eu tenho amor por você, queria você comigo e era questão de tempo pra gente colar.
Mas não posso insistir, não posso interferir nessa história que não é minha.
Preciso seguir adiante, não posso ficar me lamentando.
Carrego uma dor comigo e não te responsabilizo por isso.
Vai em frente, linda.
Espero que você se realize.
Que faça tua vida ter sentido.
Admiro você, por sua disposição. Cê é uma guerreira.
Boa sorte, irmãzinha.

Não se preocupe comigo.

Toda dor passa. Tudo passa.

Depois disso, houve ainda uma continuação, à distância, até o primeiro encontro. E aí a relação gorou, por outros motivos. Fora de controle. Coisa da vida, sem ranço nem mágoa.

Continuo lhe desejando o bem, como de resto a todo mundo.


observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.