quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Os resistentes

  • Os índios da Amazônia
Eles são hoje 306 mil, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. No sempre difícil e desvantajoso contato com os selvagens do asfalto, tentam fazer com que lhes respeitem a cultura milenar e o modo de vida, baseados na pesca, caça e agricultura. Na Amazônia, perduram seis famílias linguísticas: tupi, aruaque, tukano, jê, karib e pano. A Constituição assegura a eles a posse e o uso da terra, mas, com o aval dos Três Poderes, que fizeram da Carta de 1988 letra morta, têm se repetido na floresta emboscadas, ataques e morticínio por parte de grileiros, garimpeiros e madeireiros contra os nativos da Amazônia. Como os xerifes do capital consideram os índios vagabundos e improdutivos, delegaram a seus capitães do mato a responsabilidade do – por mais que escondam o nome – genocídio. 
  • Raoni Metuktire

JEFF PACHOUD/AFP
Líder dos Kayapo do Xingu, tornou-se 30 anos atrás embaixador da causa dos indígenas ameaçados da Amazônia. Usou de cara o prestígio e o palco do cantor Sting e, aos 89 anos, continua ativo nas suas missões de conversão. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

O último de um povo massacrado

A fuga era desde criança, desde que se lembrava. Seus pais, avós, os ancestrais, muitas aldeias foram deixadas pra trás, muitos lugares, sempre mudando quando se aproximavam os civilizados, com suas armas de fogo e máquinas de derrubar as florestas. Enquanto viviam sossegados, caçavam, pescavam, faziam suas coisas, canoas, casas, redes, comidas, festas, danças, cultuavam os espíritos da floresta, do céu, da terra, da água, do dia e da noite. Até chegar de novo o povo das armas, da destruição e da morte, das doenças e do sofrimento. Aí era pegar o que dava pra levar e sair fora mais uma vez, os velhos na frente pra dar o ritmo, mulheres e crianças logo depois e os guerreiros atrás, dando proteção. O cacique ia na frente com os velhos pra ouvir os conselhos. Mas essa decisão e organização se deu depois de muitas mortes, os civilizados traziam presentes, o povo adoecia e morria. Chegaram os garimpeiros, os madeireiros, os jagunços dos fazendeiros. Trouxeram a água ardente e muita arma. Os civilizados atiravam, tocavam fogo na aldeia, matavam os homens, escravizavam as mulheres, abandonavam os curumins nos matos, foram muitos tempos, foi perdida a esperança de pacificar os civilizados, agora é só fugir e fugir, a cada aproximação. A tribo diminuía, poucas crianças, muitos mortos. Então fugiam em canoas, de noite pra não ser visto, de dia se escondia as canoas com folhas, comer, dormir, esperar a noite pra continuar viagem, sempre em busca de floresta ainda não atingida, de terras sem civilizados. Onde os mais velhos diziam, se fazia a nova aldeia.
Depois chegaram máquinas que voam. Umas de asas abertas, soltando veneno que queimava a gente por dentro. Outras eram como besouros, paravam no ar, tão alto que as flechas não alcançavam, de lá jogavam paus de trovão que vinham explodir cá embaixo, destruindo, matando, despedaçando casa, gente, tudo. Morreu gente, velho, criança, homem, mulher e toca fugir de novo. A última aldeia tinha pouca gente, mas ainda tinha família, mulher com filho, cacique, pajé, era pouco mas era um povo ainda. Caçava, pescava, plantava a roça, colhia, vivia enfim.
Aí veio o ataque que acabou com o povo. No amanhecer do dia, de repente, o barulho dos tiros explodiu, seguido de gritos de dor, raiva e desespero. Ele se jogou da rede no chão antes de entender o que acontecia. Viu a rede da mulher, de baixo, já pingando sangue. Desesperado, levantou e correu até ela, que tinha a criança no peito, as balas já tinham varado as duas, da cabeça da mãe escorriam os miolos cinzas, a criança soltara o peito, uma bala atravessara seu pequeno corpo inteiro, da perna ao ombro, na diagonal. O desespero deu lugar ao instinto de sobrevivência, ele correu em direção à porta, abaixado, olhou e viu várias luzes explodindo a cada tiro, nos matos em volta. Disparou na direção do mato mais próximo, abaixou atrás do primeiro capim e viu, do seu lado, um homem com a espingarda apontada pra aldeia, pros parentes em pânico. Que também o viu e já virava o cano na sua direção, quando ele, com um pulo certeiro, arrancou a arma pelo cano, girou no ar e, como uma borduna, arrebentou a cabeça do sujeito com o cabo de madeira. Sumiu pela floresta ainda escura e só tempos depois percebeu a mão queimada e o tiro na perna. A dor e, depois, a febre, a inflamação até que a bala saiu pelo outro lado da perna. Pensou que ia morrer, quis mesmo morrer, mas a ferida foi melhorando até cicatrizar.
Tempos depois encontrou cinco parentes que tinham sobrevivido ao ataque. Todos homens. O encontro foi de euforia, de alegria, apesar de rápida, com o peso da lembrança recente trazendo o silêncio. Estavam mortos como povo. Sabiam serem os últimos, que a tribo fora condenada. E viveram conformados com isso, sem outra alternativa, só restava viver mesmo e esperar o destino. Anos passaram, conseguindo manter distância do povo da morte, das máquinas da destruição, se embrenhando nas matas, sempre em movimento, raramente parando tempo suficiente pra plantar e colher. Caçavam e coletavam, só plantavam quando estavam bem seguros do seu isolamento.
Um dia estavam num igarapé se banhando, haviam já comido uns peixes e se lavavam. Do outro lado, no meio do mato, estavam uns civilizados armados que, como é comum, atiraram sem motivo nenhum, só por serem índios. Pegos de surpresa, morreram cinco, sobrou um, que sumiu voando baixo pelos escuros da floresta, ele, sozinho agora e pra sempre.
Em Rondônia, 1998, dois indigenistas da FUNAI souberam da existência de um índio solitário, que vivia na floresta fechada. Os indícios espantaram os indigenistas, abrigos com profundos buracos cavados na terra - um tipo de habitação não catalogado por antropólogos. Ele mudava de abrigo a cada aproximação. Uma única vez o viram, e ele demonstrou com agressividade e clareza não querer nenhum contato. E sumiu novamente na mata fechada.
No relatório foi escrito:"...ele, no seu desespero e ódio, não deseja neste momento dialogar ou receber a visita de quem quer que seja. É seu direito: mais do que qualquer um ele sabe o que foi perder seus parentes e seu povo, envenenado e baleado pelos mesmos" (na sua visão - n do A) "que agora aparecem como amigos, para lhe oferecer ferramentas e comida. Ele está só e parece querer morrer assim. É seu direito".
E o Estado o deixou em paz. Embora eu duvide que a "sociedade", em sua ambição, o tenha feito.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Tudo cênico, tudo mentiroso.

No sistema carcerário não há e nunca houve intenção de "re-socialização", de recuperação, de reintegração à sociedade. O segundo maior massacre de presos foi cometido num presídio chamado "Centro de Recuperação Regional de Altamira". Só mais uma entre tantas mentiras institucionais. Governos não governam, escolas não ensinam, hospitais matam, em toda parte se vêem máfias instaladas e operantes. O Estado é uma organização social, pra mim, totalmente desmoralizada, não merece consideração nem respeito, apenas medo do seu aparato de cobrança, perseguição, ameaça e repressão, apenas a intenção de passar o mais despercebido possível. O que o Estado faz na área falsamente chamada de segurança pública, o que a sociedade em sua minoria comandante quer é vingança, é causar sofrimento, é morte, é caça àqueles que não se enquadram na situação de explorados, de escravizados com a cabeça baixa, conformados, que se fiam nas exceções pra contar com a sorte, que sofrem a vida inteira nesse sonho até, decepcionados consigo mesmos e se culpando pelo próprio "fracasso" socialmente programado, encontrar a morte.

Se não fosse um escândalo internacional nesse grau evolutivo da planetaridade, os presídios seriam oficialmente centros de extermínio e de trabalhos forçados. Perversidade ainda existe pra isso, pode-se ver, quando se olha atrás da farsa, da fraude social apresentada nisso que chamam "democracia" ou, pior ainda, pra deboche, "mundo livre". Algumas pessoas até expressam essa "opinião", sem nenhum pudor - opinião fabricada e estimulada de muitas, incontáveis formas, que encontra eco no próprio primitivismo humano e social a ser superado no caminhar permanente através do tempo. É a opinião que interessa aos poderes econômicos, implantada profundamente na mentalidade coletiva pela mídia, porta-voz e indutora ideológica do poder econômico-financeiro a partir do inconsciente da população - induções e condicionamento diferenciados por classes sociais. E ainda há quem resista, há sempre exceções às regras.

Uma semana antes do massacre de mais de cinqüenta no presídio de Altamira, um preso avisa à mãe, em visita, da tensão na cadeia. Pede pra ela memorizar sua bermuda e camisa, pro caso de ser necessário reconhecer o corpo. Nas classes protegidas, parece irreal, parece "absurdo", parece outra realidade. O mundo dos direitos garantidos, o mundo dos privilégios parece outro mundo mesmo. Não se percebe a ligação entre o privilégio e a barbárie social. Quem conhece esta situação sabe que isso é regra, não exceção. É este o sistema que pretenderia "recuperar criminosos para a sociedade". Esta é uma sociedade que se diz humana. Que mente em todos os sentidos, engana, apresenta farsas que se desmentem na prática cotidiana e, sobretudo, nas conseqüências. Gente como lixo, ignorância analfabeta, desinformação, massacre midiático-publicitário incitando violência e criminalidade em permanente produção, organizações criminosas empresariais, forças de segurança que aterrorizam a população pobre e têm comportamento oposto nos bairros mais ricos, postos de saúde sem condições de atendimento, transportes públicos torturantes e precários, trabalho escravo comendo solto.

Dizem que presídios vão diminuir a criminalidade, que a punição mais dura vai conter a violência. Ora, vão pro raio que os parta! Isso é estupidez ou mau-caráter? O camarada que cai preso por ter roubado uma galinha, ou melhor, por ser pobre, tem que matar, arrancar uma cabeça e brandi-la aos outros, pra ganhar "respeito". Tem que se incorporar às quadrilhas, às organizações do crime - que têm suas raízes no próprio "mercado", seus empresários financiando e controlando autoridades e posições de mando "público" - pra sobreviver. Periculosidade, destrutividade significa respeito, a cadeia é a formação acadêmica do crime, a especialização, a insensibilização plena. O sistema carcerário é formador de criminosos, deformador de almas, sua visão é um painel demonstrativo de como somos uma sociedade primitiva, precisando evoluir a forma humana de existência.

A maior parte dos presidiários sofreu crimes de Estado desde a infância, muitos foram levados ao crime pelo próprio Estado criminoso e esses crimes continuam sendo praticados no cotidiano, na rotina da sociedade, contra a maioria mais pobre, a parte mais explorada, por isso mesmo mantida na ignorância e na desinformação, num círculo vicioso sem fim. Educação e informação também são áreas sociais regidas por mentiras de enorme gravidade, por interesses empresariais óbvios, impondo a ideologia do consumo, do conflito, da competição permanente, a superficialidade como regra. O controle social pelo mercado é obviamente negado com toda a ênfase e veemência, raivosamente ou debochadamente pelos mesmo ideólogos da mídia, jornalistas, especialistas, comentaristas, todos de consciência comprada ou ignorância social comprovada - malabaristas da fala, da idéia, enroladores muito bem pagos pra confundir as coisas e deformar a realidade. A mídia é porta-voz dos interesses empresariais mais desumanos e anti-sociais da corte dos parasitas, banqueiros e mega-empresários que se escondem nos bastidores dos poderes falsamente apresentados como públicos.

Quando houver (Se houvesse) alguma intenção verdadeira em diminuir a violência e a criminalidade social, veremos (veríamos) investimentos verdadeiros, profundos e maciços em educação, em alimentação, em saúde e moradia, em dignidade na existência e na formação das pessoas, sem exceções, investimentos nos direitos da população como um todo. E o retorno dos investimentos se fariam com uma população mais instruída, informada, consciente, em condições de pensar e escolher com base e com senso crítico, os caminhos coletivos da sociedade na construção de harmonia social. Como a intenção no sistema social de agora é a escravidão, a exploração injusta do trabalho de baixa qualificação, o sistema de ensino público é mentiroso, não tem intenção de instruir a maioria, ao contrário, o desestímulo ao desenvolvimento é marca registrada, visível, patente, óbvio. O incômodo causado pelas pessoas vocacionadas, as que têm o dom, o prazer, a intenção de instruir, de formar as pessoas desde a infância, provoca discriminação, perseguição e, no limite, exclusão dessas pessoas. Por isso se vê professores adoecendo tanto, a educação pública adoece os bem intencionados.

Por outro lado, o sistema de saúde não tem interesse em saúde, mas em doença. Como toda a estrutura social é impregnada com a ideologia empresarista, desumana e anti-social, o interesse na medicina, como em todas as áreas, é o lucro. Saúde não gera lucro, doença sim. A medicina lucrativa vende remédios, procedimentos, internações, consumos, tudo na finalidade do lucro e não da "saúde", como se apresenta. É mentira em cima de mentira.

Educação, saúde, transporte, habitação, mineração, agricultura, turismo, construção, comunicações, em todas as áreas da sociedade é máfia, é mentira, é farsa. Assim se pode entender  tanta miséria, ignorância, abandono e sofrimento desnecessários. DESNECESSÁRIOS diante da capacidade atual de produção, transporte e distribuição, diante do desenvolvimento tecnológico, diante das condições materiais de eliminação desses primitivismos. Mas necessários, fundamentais na manutenção do controle social por poucos, pouquíssimos podres de ricos, parasitas da sociedade, escravistas e torturadores de multidões em nome de seu poder, patrimônio e lucro, indiferentes ao sofrimento de milhões. Abjeções tão necessárias quanto a mentalidade superficial, consumista, alienada da realidade, a visão egoísta e pequena, focada no entorno imediato e não na situação geral, nas razões de ser, nas raízes dos problemas a serem resolvidos e superados. O desenvolvimento da consciência, o desenvolvimento verdadeiro do ser humanos, da coletividade humana, da harmonia social e planetária não interessa a esse punhado desumano, que fez, faz e fará tudo e qualquer coisa pra impedir. A cooptação de inteligências brilhantes e consciências compráveis é permanente. E a grande mentira é caprichada e convincente. Consciência social é o terror dos dominantes - pra esse pequeníssimo grupo, consciência é um mercado privatizado. Desde as "melhores" universidades. Desde o próprio "poder público", seqüestrado, dominado, feito marionete do Mercado - sempre o mesmo punhado e os mesmos cúmplices, mudam personagens, permanecem as entidades tenebrosas, macabras, nos bastidores escuros dos poderes - vislumbráveis por olhos atentos em algumas ocasiões, ou sempre nas suas conseqüências coletivas - miséria, ignorância, abandono, sofrimento e a violência, a criminalidade que acompanha estas situações, nas sociedades de consumo chamadas ironicamente de "mundo livre". Livre pros demônios do poder econômico-financeiro, pelo que se vê. A escravidão mental é característica social.

Voltando ao sistema prisional, não há nada que aponte na direção de paz e harmonia social (aliás, nem no sistema de educação).Expressões ridículas ou absurdas como "combate à violência" ou "à criminalidade", ou mesmo "guerra às drogas" escondem crimes de Estado. Crimes sociais cometidos todos os dias, no atacado, contra a população como um todo, focados principalmente nas classes pobres, nas periferias, nas pessoas que têm seus direitos humanos, fundamentais e constitucionais, roubados pela própria sociedade, pela própria estrutura social montada pra favorecer àquele punhado parasita social e à sociedade de castas como a vemos, minorias privilegiadas e maiorias escravizadas.  Não há um departamento de psicologia em cada presídio pra estudar cada caso de cada preso que chega e determinar suas necessidades e atividades enquanto preso. Não há ocupações socializantes, aulas, cursos profissionalizantes, nada, o preso é tratado como quem "merece" punição, como lixo e nada mais. Não se vê a causa da criminalidade na própria estrutura da sociedade, nas mazelas que ela mesma cria e não pretende resolver, mas reprimir, jogar longe, esconder, segregar, exterminar, encarcerar. Ilusão estúpida pra maioria, ilusão criminosa pra minoria que se protege com cercas eletrificadas, segurança privada, helicópteros e jatos, bolhas de isolamento. Esporadicamente, bolhas estouram.

Na questão da "guerra ao tráfico", me custa acreditar que pessoas instruídas acreditam na honestidade dessa falsa guerra. A mim parece uma evidência essa mentira - aliás, como tantas, é bom frisar. Há décadas, muitas décadas, praticamente todos os países movem o combate ao narcotráfico, em todos os lugares, de todas as formas. Aparatos pesados, armamentos caríssimos são mobilizados, navios, aviões, helicópteros, tropas e mais tropas, destróem-se plantações, apreendem-se cargas, prendem-se e matam-se pessoas. Há décadas e décadas sem parar e o tráfico só cresce, se desenvolve e continua servindo ao mercado riquíssimo do consumo, movendo bilhões no sistema financeiro, espalhando propinas, comprando autoridades, consumindo armas, munições e dinheiros públicos em grande escala, mais que qualquer guerra "oficial" no planeta. É o tráfico uma entidade extraterrestre, fora do alcance das tecnologias e armas terráqueas? É um exército imbatível, inalcançável às tropas e armas que se movem com esse pretexto? Ou é mais fácil perceber que o tráfico está entranhado na própria estrutura da sociedade e tudo o que toca esse assunto é falso, é encenação? E que serve de biombo pra esconder interesses gigantescos como gigantescos são os lucros. Pretexto pra investimentos no aparato de repressão que visa não a paz ou a segurança pública, muito menos acabar com a produção e o tráfico de drogas ilegais, mas sim garantir a permanência desta estrutura social, na contenção da massa periférica sabotada e sem direitos, no terrorismo de estado, na repressão geral.

"Os pretextos ofendem a inteligência, as motivações reais inflamam a indignação." Quem disse isso, mesmo?

Pós escrito:

Os resultados do poder banqueiro-empresarial sobre o Estado estão aí, à nossa volta, em ignorância, miséria, abandono, violência e criminalidade. Essas aberrações sociais existem porque são necessárias neste modelo de sociedade que consentimos, que sustentamos - com nossas atitudes, com os valores induzidos, os comportamentos planejados, os objetivos de vida impostos, a visão de mundo distorcida... não há o que autoridade alguma diga que receba o meu crédito. Nem representantes de empresas ou interesses econômicos. Com estes e diante do quadro social, primeiro a desconfiança. Nenhuma autoridade, nenhum porta-voz de interesses banqueiro-empresariais, diante da desumanidade social, merece confiança. A não ser que denuncie a grande falcatrua da democracia, onde mandam os que dominam a economia, a mídia, o poder econômico-financeiro, mantendo forçosamente a ignorância, a desinformação, a indução, o condicionamento, a distorção da realidade, a coação psicológica e publicitária e o controle das comunicações, do "jornalismo", da mentalidade e do comportamento geral. Nesse caso, não será autoridade muito tempo e só terá chegado neste posto por descuido desse poder no escuro, nos bastidores dos poderes encenados públicos, na verdade privados. Tô cansado de ver os que fazem pela coletividade serem derrubados. Mesmo servindo aos poderes dominantes, econômico-financeiros, adaptados ao sistema social, cumprindo os crimes cotidianos do Estado contra a população, se deixam cair migalhas, se possibilitam instrução, acesso á informação, à formação de consciência, ainda que pontualíssimo, é o suficiente pra cair. O domínio banqueiro-empresarial mantém o aparato estatal sob seu controle, com arapucas contratuais entre o público e o privado, em velhíssima promiscuidade ainda a ser superada no caminhar da humanidade, em seu desenvolvimento verdadeiro, o da alma, do abstrato, em seus valores e em tudo o que decorre disso. Fazemos isso em nossas próprias vidas, e estamos fazendo na sociedade. Não dá pra contar com as instituições, dominadas, infiltradas, seqüestradas pelos poderes econômicos, prontas a reprimir o desenvolvimento de direitos e de respeito com as pessoas todas, arrumadas pra impedir tomadas de consciência e de atitudes organizadas e coletivas. Fazer em si o que se quer no mundo, como dizia Gandhi, e exercer no coletivo, sem impor e sem cobrar, apenas servindo com o que se pode, com respeito. A estratégia de dominação está aí, fala a língua de cada classe, de cada profissão, cada caminho no mundo, impregnada nos valores, comportamentos, visão de mundo... até os revolucionários estão impregnados de condicionamentos e, na sua arrogância, não se percebem reproduzindo essas induções. Bom perceber que há sempre as exceções, em qualquer lugar, em qualquer meio coletivo, em qualquer classe ou grupo. Entre estas há uma ligação além do perceptível à razão, coisa de intuição, de sentimento mesmo. O sentimento de sermos exceções e parte do grande grupo humano, com a responsa que a visão impõe, responsa e não superioridade.









 

Desmatamento amazônico, degradação social.

Agora tá a três campos de futebol oficial por minuto. Mil, quinhentos e quarenta por dia, cento e seis mil e duzentos campos de futebol por mês. Falo do desmatamento na Amazônia, índice nunca dantes alcançado. Mais uma vitória desse governo capacho de interesses empresariais estadunidenses. O governo anterior, pelo menos, era só toalha de mão, servidor, mas não tão capacho assim. Por isso mesmo é que foi retirado: enquanto servia os colonizadores, encarnados no "mercado", sobretudo o financeiro, sem se opor ao saque cotidiano das riquezas brasileiras, investia migalhas na população mais pobre, historicamente roubada em seus direitos, desde que direitos foram criados nas instituições do Estado. Isso, a longo prazo, criaria condições de entendimento da realidade e poderia dificultar as regalias na exploração, criando senso crítico e resistência inteligente na população. Mas, sem tocar nos privilégios banqueiros, sem regular as comunicações do país, tomadas pela mídia comercial, empresarial, privada, sem regular nenhum setor estratégico, sem investigar a fundo os acontecimentos durante os governos militares, sem questionar a dívida "pública" criminosa que rouba metade do orçamento nacional todo ano, ficou fácil pros verdadeiros poderes derrubarem essa falsa "esquerda" dos cargos de mando. O que fizeram com sua incompetência, com seu vôo de galinha, com sua arrogância, foi preparar o caminho pra essa corja descarada que está cumprindo as ordens de reduzir a nação a uma colônia conformada com seu destino de escravidão, miséria, ignorância e, por conseqüência, violência e criminalidade, a começar pelo próprio aparato público e os crimes de Estado contra sua população, seu patrimônio, suas riquezas e sua soberania.

A área de preservação ambiental, o Parque Nacional do Xingu, sob o cuidado dos povos originários, não foi tocada. O governo capacho adoraria acabar com esse parque e com todas as terras indígenas do território nacional, seria uma tremenda puxada de saco nos exploradores do norte, aos pés de quem rasteja constrangedoramente a "autoridade máxima" deste país e seu grupo institucional - secretários, ministros, assessores, parlamentares, empresários, grupo elitista, escravista, anti-social, a fina flor da ignorância, da agressividade, do teleguiamento ideológico, da colonização mental e da truculência vingativa. A fina flor da indiferença com o sofrimento de milhões que só vem aumentando, com todas as medidas tomadas até agora por isso que ainda chamam de "governo".

As projeções nefastas, macabras, a médio e longo prazo. As de curto prazo já se vêem nas ruas, na quantidade de desabrigados, mendigos, drogados, abandonados sociais. Já há conseqüências, previstas e acontecendo, demonstrando a realidade das projeções com base no que está sendo feito. Violência do Estado e nas ruas, quadrilhas de bandidos pra todo lado, traficantes, milicianos, grupos se formando em empresas dos mais variados crimes... e o exemplo dado de cima dos poderes públicos.

É preparar o lombo, a criatividade e a resistência. 


Em cima do muro?

Tem quem diga que estou em cima do muro porque não voto. Visão superficial de quem só vê os dois lados. Eu me sinto no centro de um círculo e posso caminhar na direção que minha consciência decidir. Não me vejo em cima de muro porque não vejo só dois lados pra pular. Que pulem os que pensam assim, escolham seus lados. Na minha visão, é pura indução midiática, cultural, comportamental, da natureza de uma sociedade competitiva, superficial e estrategicamente enraizada no inconsciente coletivo, adaptadas às mentalidades antagônicas, criadas pra dar a ilusão de que se muda alguma coisa desse jeito. Os banqueiros, em suas fortalezas, dão risada.
Não é só não votar, é não ter patrão nem empregado, é detestar ostentação de luxos e consumos "de elite", é não desejar mais do que se precisa, é ter vergonha de privilégios da riqueza, é respeitar o modo de ser dos outros, é olhar com igualdade mesmo pras diferenças. É querer pouco e reconhecer a própria pequeneza diante do todo e grandeza diante de si mesmo. É gostar do respeito alheio, mas não abrir mão do próprio. É ouvir a própria consciência acima da própria conveniência. Essas são algumas posições que aplico em minha vida. Sem querer posar de exemplo ou dar conselho a ninguém. Não é o que acho certo, é só o MEU certo.
Cada um com sua própria consciência. E sem cobranças.


Nota - Texto escrito em agosto de 2018, perdido nos arquivos do computador roubado em Santa Maria, RS.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.