sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Segue a encenação



Eduardo Marinho - 20122019

A guerra entre globo e record continua, subterrânea nos acontecimentos divulgados pela mídia. Agora que o "perigo vermelho" está fora dos cargos de governo, se pegam entre si os caçadores de cabeças. Esse tal "perigo vermelho" não é perigo e muito menos vermelho. Apenas sinalizava, entre as gerações sucessivas, um caminho de instrução e conseqüente tomada de consciência, com peso nas estatísticas da população daqui a muitas gerações, a terem continuidade suas políticas sociais. Pensavam que podiam compor com os banqueiros, os senhores da escravidão, da violência e da criminalidade mundial. Mas eles têm laboratórios de pensamento, têm controle da informação, da mentalidade, da instrução e foram informados que gente feita pra ser explorada não pode ter instrução de verdade, porque põe em risco a escravidão e o domínio dos vampiros sociais, ainda que leve algumas gerações. Avisaram os patrões, que tomaram suas providências. Difamação, calúnia, indução, programação mental generalizada, controle das comunicações, do jornalismo, das redes sociais acabam controlando as mentes em quantidade suficiente pra chegar onde querem. A ignorância é a base, o ódio o combustível.
Antes derrubaram e prenderam sem provas. Agora há provas até demais, mas não se toma atitude, porque os poderes verdadeiros não estão se importando muito com essas provas. É preciso ficar mais descarado ainda, como se fosse possível, pra derrubar essa quadrilha instalada nos poderes ditos públicos. E ainda assim, pra colocar no lugar coisa bem semelhante nos resultados, embora com mais polimento no trato. Não importam muito as marionetes, além do estilo próprio de cada. Os poderes instalados continuam instalados, claro, nos bastidores da farsa político-econômica.
Os resultados são o que temos a maioria esmagadora, vendo a quantidade de desabrigados aumentando há anos, num ritmo lento e contínuo. A injustiça, a miséria, a ignorância, a desinformação, a pobreza, a fome, o abandono levam ao desequilíbrio, à revolta, à violência, à criminalidade, à produção de uma segurança pública altamente repressiva, não pra provocar bem estar, paz e segurança social, mas medo, agressividade, violência e destruição. É a evolução do caos social já previsto e afirmado há muito, muito tempo, e abafado, escondido, omitido pelos meios de comunicação, todos dominados por poderes econômicos. Os fuzis e armamentos pesados, antes restritos aos grandes centros, se espalham pelo país, a criminalidade alcança mais e mais lugares, espaços e territórios.
Os direitos das pessoas no trabalho sumiram, criminalizados, apontados como causa da “crise”, cortam-se então, eliminam-se, é cada um por si, “se o trabalhador quer direito, não pode ter trabalho, se quer trabalho, não pode exigir direitos” foi o que disse o agora capataz da vez, muito antes, inclusive, de ser eleito. O desemprego cresce veloz, agonia de ver tanta gente sendo despedida, fila de espera da demissão nos empresas, vários conhecidos passaram por essa agonia e ainda passam. Agora se adaptam as estatísticas, o que antes era visto como desemprego – a pessoa perde o emprego mas a vida continua e é preciso dar seu jeito, arruma uma banca e vai vender sei lá o quê nas calçadas, procura um lugar, às vezes disputa e se impõe ou se conforma e encontra outro, agora sai da estatística, deixa de se considerar desempregado nas estatísticas mostradas ao povo. O trabalho informal, último recurso do desempregado pra sobreviver – antes do crime empresariado, passa a ser considerado “emprego”. “Está melhorando, os empregos estão aumentando, os índice de desemprego caem...” dizem os canalhas, os de consciência vendida, e os ignorantes, os desinformados que se julgam informados por acompanharem o jornalismo das empresas de comunicação, repetem, convictos, raivosos porque seus “argumentos” não podem ser sustentados sem briga, sem insultos, sem poeira levantada.
A maldade assume os cargos sem disfarce. Antes ela vinha disfarçada, entre a hipocrisia, a demagogia, a encenação bem treinada, com os “agrados” populistas, com jogos de cena minimamente sedutores. A truculência se travestia de delicadeza. Agora é a truculência assumida, sem constrangimento, orgulhosamente se levanta a bandeira da violência e da maldade social, em nome da pátria traída, entregue a poderes econômicos internacionais, saqueada e escravizada, da família modelo, homofóbica, hipócrita e repressiva e de um deus de ódio e intolerância, de agressividade e desamor, um deus que não reconheço.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Escolha sexual?

Quando eu morava em Minas e ia manguear em Belo Horizonte, nos bares, nas noites, tinha alguns percursos que eu fazia, encontrando os bares, as mesas nas calçadas, os lugares onde se podia entrar pra vender. Conheci muitas figuras interessantes, que me instruíram, sem perceber, a respeito da humanidade. Era entre 1988 e 1992.
Havia um bar com mesas nas calçadas - era uma esquina -, a última mesa quase em frente a um prédio, na sequência da avenida Brasil. Nessa última mesa conheci um moço dos seus vinte e poucos anos, que tinha capacidade reflexiva, que se identificava com meu trabalho questionador, cheio de idéias, denúncias, propostas, tiradas, ironias, enfim, ficamos quase amigos. Várias vezes ele comprou meus broches, gostava, dava de presente. Ele morava no prédio, tomava sua cerveja na mesa mais próxima.
Uma vez ele me perguntou, depois de questionar como eu chegava àquelas idéias e pensamentos, se eu não sentia uma solidão imensa. Eu nunca tinha pensado nisso. E naquele instante, eu percebi todas as solidões da minha vida, a quantidade de vezes em que eu estava sozinho no mundo, em estradas, em reservas florestais, em meio às multidões, nas periferias, cercado de gente também. Senti uma solidão imensa que me fez refletir, pensar e me modificar de várias maneiras. Vi espaços, sertões, estradas, solidões, em cidades, em idéias, em sentimentos.... Ele percebeu, na minha reação, toda uma divagação, passou muita coisa nos meus olhos de memória, até recuou, "não queria causar um sofrimento", eu o tranquilizei, tava só pensando, percebendo o que não tinha percebido.
Esse moço era bem feminino e se percebia fácil a sua homossexualidade. Eu nunca tinha falado nisso, até porque isso pra mim não tem a menor importância, além do desrespeito inaceitável e tão comum em nosso meio. Mas quando ele me tocou tão fundo e me fez refletir a respeito de mim mesmo, da minha vida, da trajetória até ali, já com três filhos... Acho que me senti na liberdade de questionar também, de minha parte.
E perguntei como era isso de ser homossexual. É escolha, opção sexual como a gente escuta por aí?Em princípio ele se incomodou com a abordagem direta, "mas é assim tão evidente?" Eu ri, era evidente demais, os modos eram totalmente femininos, mas disse "não, mas eu percebo" e ele relaxou, "ah, claro, você percebe, é natural..." Perguntei, é uma escolha, quando aparece, como tu fica sabendo? Ele riu, "escolha? Cê acha que alguém pode escolher ser homossexual? A gente sabe como o mundo trata os homossexuais, alguém pode escolher isso? Só se for masoquista." Achei óbvio.
E contou que era um menino normal de classe média, jogava bola com os amigos, quando foi chegando a idade em que os amigos falavam de meninas, ele se desinteressava, queria jogar bola, ir pra outras atividades. Até o dia em que, depois de uma partida de futebol, um amigo tomou um banho na sua casa e ele sentiu desejo por esse amigo. Entrou em pânico, "não posso ser viado", tentou namorar meninas, se enturmar em casais, só deu errado, só problema, não era sua onda, não era sua sexualidade. Nunca tinha sentido tanta solidão, não podia falar disso com ninguém, nem com a própria mãe, com quem se dava muito bem. Andou perdido, sem rumo, entre góticos, punks, até encontrar um coroa que disse a ele que ele era homossexual, que era preciso assumir, que toda a angústia vinha disso, da sua negação. E o levou pra redutos homossexuais, pra conviver com a homossexualidade naturalmente, pra se sentir humano, digno e respeitável.
Não é uma escolha, aprendi com a vida, com a observação, com a boa vontade, com a sinceridade. É um fato, uma situação, uma realidade, mas não uma escolha, uma opção. Se houvesse opção nesta sociedade primitiva e violenta, ninguém escolheria ser homossexual, seria, como disse meu amigo, masoquismo uma escolha dessa.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.