quinta-feira, 17 de março de 2016

Não gostaria de falar sobre isso.

Andam pedindo que eu faça uma análise da situação atual, com essas "manifestações" pelo território nacional. Tenho observado, confesso que de saco cheio, essas orquestrações que se pretendem - ou se anunciam mentirosamente - "políticas", mas que se desmoralizam nas propostas, nas palavras de ordem sem substância, cênicas e vazias de significado, além da exposição de ódio e alienação desses "milhões de pessoas". Estas movimentações a partir da mentalidade das elites locais em vários países da América Latina são muito semelhantes. Antes de tudo, ódio e agressividade, pra anular qualquer possibilidade de diálogo que obrigue a algum esclarecimento a respeito das reais intenções dessas movimentações promovidas pelas mídias infiltradas de interesses corporativos internacionais. O fato dos programas de domingo serem interrompidos durante toda a sua programação pra noticiar essa manifestação sem alma - ou com a alma do demônio - é bem sintomático, mostra os interesses banqueiro-empresariais - o motor da mídia comercial dominante - insuflando as elites, cooptando o sentimento de revolta dessas minorias privilegiadas, diante do aparecimento de pobres em locais antes reservados exclusivamente a essas minorias, como universidades e aeroportos. Há pouco tempo vimos uma dessas peruas da elite reclamar que não tem mais graça viajar à europa ou aos esteites, porque até o "seu" porteiro pode fazer isso. Mentalidade escravista, exploradora, anti-população.

O governo petista, partido que antes de chegar em tal patamar - durante a época dos militares e logo depois - era o refúgio de verdadeiros democratas, fez o seu auto-expurgo, conservando apenas os "moralmente flexíveis" e dando no que deu, perdendo sua alma e sua popularidade pra compor com o verdadeiro poder e se tornar o seu gerente. Estamos diante de uma luta de capatazes, ambos loucos pra ocupar o lugar de gerentes. Os patrões, donos da fazenda Brasil, nem moram na área - daí os capatazes fazerem pose de dono -, apesar de a explorarem com afinco e grandes lucros. Educação pública sabotada pra manter a ignorância, educação privada formando os supervisores e chefes da ignorância, comunicações dominadas pra distorcer a realidade, enganar o povo e formar mentalidades absurdamente superficiais, instituições públicas infiltradas por agentes do poder real pra conter qualquer ação na direção de uma democracia e o quadro está formado, dentro do predomínio econômico sobre a falsa política.

Há duas linhas de capatazes. Uma, benevolente e bonachona, não tem ódio dos escravos - nós, como povo - e, desde que se comportem, atiram migalhas a eles, como prêmio, incentivo a que continuem trabalhando sem reclamar. A outra é imbuída de um ódio e um desprezo incontrolável pelos escravos, que devem ser mantidos sob pressão, debaixo de chicote, comendo pouco pra não ficar mole, apanhando muito pra produzir ao máximo, sem qualquer chance de pensar ou agir fora do exigido.

A predominância da classe rica nessas "manifestações" demonstra a reação dos exploradores do trabalho assalariado às pequenas aberturas que permitiram a passagem de alguns pobres pra áreas onde, antes, pobres só entravam como serviçais. O ódio e o preconceito, além da superficialidade, da falsidade, da cenografia mambembe das propostas, foram a tônica dessa armação midiática que estimulou ao máximo a inconformação com a ascensão da classe pobre a patamares nunca dantes alcançados. As periferias se movimentam, resgatam auto-estima, percebem a sabotagem estatal ao seu desenvolvimento, reivindicam direitos constitucionais antes desconhecidos - e desrespeitados desde que se inventaram as constituições. Há informativos nas favelas, há movimentos organizados de esclarecimento e conscientização, o processo segue seu curso e os injustamente privilegiados estão em pânico, mortos de medo - e esse pavor é evidente no ódio visceral que se vê nesses ajuntamentos de carros caríssimos, de gente rica acostumada a explorar os pobres, que se sentem superiores como seres humanos, apesar de dependerem completamente do trabalho de quem desprezam.

 Observando a América Latina, vejo as manifestações dos ricos em toda parte, com incrível semelhança de propósitos e comportamentos. Não é difícil perceber a orquestração continental a partir das elites planetárias, com a costumeira ingerência no que consideram seu quintal, seu domínio, nossos países condenados à exploração desenfreada, à ignorância imposta e planejada, à desinformação estratégica, à miséria e ao abandono de parte da população, enquanto se privilegia as elites locais, sempre traidoras das suas nações, inimigas das multidões, entreguistas e subservientes à ditadura banqueiro-empresarial que manda no mundo através do aparato público dos países do chamado "primeiro mundo", herdeiros do colonialismo europeu, desse parasitismo planetário que agoniza entre guerras e catástrofes provocadas pelos poderes vigentes. O que acontece no Brasil é parte da estratégia de subjugação do povos, ameaçada pelos movimentos sociais, pela união dos países dominados, pelas propostas de integração solidária do povos. A herança colonialista ensina: é preciso dividir, promover conflitos e ódios, pra dominar.

Todo esse movimento, barulhento, odiento, mentiroso, superficial e sem propósito lúcido tem origem no ódio de classe, no terror que os exploradores têm de que os explorados se esclareçam, se organizem, que resistam às explorações desumanas a que são submetidos no dia a dia, no seu cotidiano, há gerações e gerações. É a inconformação dos desumanos com a humanização do sistema, que mal se esboça e apenas nas intenções, nos paliativos iniciais que romperam campos de força de proteção cuja função era manter os pobres fora de locais estratégicos na sociedade, como a academia, os cargos públicos, os clubes fechados, aeroportos, etc.

Senão, o que faria essas pessoas abrirem mão dos seus clubes, piscinas, das suas bolhas de usufruto, de luxos e desperdícios, pra estarem nas ruas vociferando seu ódio contra um governo que, apesar de vendido aos poderes econômicos, atira migalhas aos pobres? Eles não sabem, mas intuem apavorados, o que podem fazer com essas migalhas aqueles que não têm nada além de dificuldades pra superar na vida. As migalhas nas periferias são sementes e se reproduzem como os peixes e os pães de que falam as escrituras cristãs, se propagam e contaminam em conscientização e esclarecimento. Este é o trabalho do momento, desenvolvimento interno, de sentimentos e consciência diante do mundo e da vida. O processo é inexorável, impossível de conter. E esses esforços de contenção são a tentativa de manter as coisas como sempre foram. Nada permanece como é, tudo está em permanente mutação e o máximo que conseguirão será causar muito mais sofrimento do que o que já seria necessário no caminho da coletividade humana. A rota da caminhada já está traçada. Entre idas e vindas, seguimos.

Os beneficiários da miséria, da pobreza e da ignorância se debatem em fúria, vendo diminuírem - apenas diminuírem - os abismos sociais entre eles e seus empregados-explorados. Em sua desumanidade costumeira, herança do escravismo, não se conformam em se ver como são. E não engolem a idéia de igualdade de direitos entre todos, incapazes que são de manterem seus sentimentos de superioridade, estando em pé de igualdade. Seus privilégios são um vício, um fragilizador da sua própria humanidade. Por isso são tão odientos e desumanos - o pânico gera o ódio.

Quanto aos ingênuos, os que se deixam levar, os bois de manada, nada de inesperado ou surpreendente numa sociedade que produz ignorância e alienação, que produz mentalidades consumistas e competitivas, que estimula o egoísmo, a vaidade e a superficialidade, em massa, permanentemente. Daí a essa dicotomia ridícula, anti-petralha ou governista, constrangedoramente superficial, teleguiada, vazia de significado, desmoralizante pra mentalidade dos que a assumem.

Não gostaria nem de comentar o assunto. Estou apenas atendendo a pedidos de pessoas a quem considero. O que vejo é uma extensão da estratégia de dominação mundial, semelhante em toda parte, adaptada às realidades locais e suas características sociais e culturais. A visão míope que se percebe é também parte da estratégia, pra que não se veja o quadro mundial, a geopolítica das corporações que dominam os Estados e a vergonhosa manipulação da mentalidade pelo exército de especialistas em psicologia do inconsciente, em publicidade e márquetim, em sociologia, em antropologia, em todas as ciências cooptadas pra manter a dominação da massa humana - em benefício do punhado de parasitas, vampiros que mantêm dinastias no topo do poder mundial, há muitas gerações.

Comportamentos, mentalidades, valores, relações sociais produzidos em laboratórios do pensamento e implantados pelas mídias são elementos a serem superados na formação de pensamentos próprios, independentes, a partir da própria prática e da visão de mundo que se forma vivendo e não ouvindo as mentiras atiradas pelos organismos viciados de comunicação - criados nesta intenção.

Nomear como políticos esses farsantes que se fazem passar por representantes do povo é uma demonstração de cegueira, de condução mental, de crença ingênua em instituições infiltradas e dominadas por interesses de poucos pra enganar muitos. Isso não é política. É farsa.

PS - É preciso sempre lembrar que o petróleo descoberto no pré-sal, abundante e de ótima qualidade, tem motivado a campanha midiática de desmoralização da Petrobrás, a serviço das gigantes do petróleo mundial. Que estão bem infiltradas no Estado, nos parlamentos, nos judiciários, nos executivos, em todo lugar onde a "democracia" pode ser comprada. E a quem serve o tumulto institucional, sempre na desestabilização de um governo que opõe uma mínima resistência à ambição avassaladora das mega-petroleiras mundiais.

Há corrupção em todas as obras públicas, é de conhecimento geral, público e notório. Só não se fala a respeito com coerência e ligação, pra não se perceber que todas as instituições são uma enorme falcatrua mentirosa e mantenedora de miséria, ignorância e abjeções sociais que de há muito já poderiam ter sido resolvidas, pelas condições de produção, tecnológicas, logísticas, acadêmicas, de todas as formas há condições de resolver todos esses problemas básicos em todo o planeta.

Pense-se a respeito, é uma necessidade.

                                                                                                                    Eduardo Marinho

sexta-feira, 11 de março de 2016

Viagem a Sampa, curta e densa.

Aqui o cansaço, baqueado com a garganta, pode baixar em São Mateus. Eu tava em casa.
Uma noite na estrada, via Dutra, poucas horas dormidas num posto de abastecimento. Na casa que nos recebeu, um bom banho. As atividades, no entanto, não terminaram antes das quatro da manhã, enquanto esperávamos pra descansar. Éramos três, dois dormiram na Kombi e todos dormimos precariamente, de novo por pouco tempo. Ali era muito mais casca que miolo, muito mais forma do que conteúdo. O interesse estava no ar, os olhares não correspondiam às expressões e, quando correspondiam, mostravam ingenuidade e superficialidade de consciência – em plena simulação de consciência cósmica, com tendências orientais e alguns traços da mística afrobrasileira. Roupas vaporosas, túnicas indianas, turbantes, incensos, velas, o cenário era bonito, embora de espiritualidade só tivesse o que tem em qualquer parte que haja vida. Os que deixam o hábito de comer carne, muitíssimas vezes, sentem superioridade sobre os carnívoros, “primitivos”, “atrasados”, sem perceber que este sentimento de superioridade é o demonstrativo da sua própria precariedade espiritual, sem perceber suas próprias necessidades evolutivas, se contentando com este sentimento mediocrizante de superioridade e se fechando em grupinhos “mais evoluídos”, segregando mais ou menos os que não fazem parte. E aí se estaciona, se fabrica futuros sentimentos de vazio, de ausência de sentido na vida, de angústias inevitáveis. Falta raiz, falta realidade, falta o pé no chão, o peso da ação prática, da visão reta, da simplicidade no olhar, no sentimento de igualdade, reconhecendo a diversidade. Namastê... gratidão... e a gente vê a distância nos olhos e no sentimento. Quando não é distância afetiva, é distância de consciência, distância de realidades, distâncias morais. Não há fraternidade verdadeira sem o sentimento de família, de igualdade e respeito, com todas as diferenças de forma, de atitude, de pensamentos e sentimentos. A humildade aproxima, aprende e ensina, sem superioridade, por prazer, por dever moral, por necessidade interna. E, sobretudo, sem interesse algum em retribuição, seja qual for. O prazer em fazer é a retribuição.

Primeiro papo, de manhã, no MASP, avenida Paulista.


Muita gente parou pra ver, pra assuntar, alguns pra comprar.
De manhã, fomos expor na avenida Paulista e ficamos até depois da meia-noite. Boas vendas, conversas melhores ainda, com o tempero de uma passeata de bicicletas cheia de nudismos. Tudo meiquinhofado pra um documentário que tá sendo feito. Celestina parada numa vaga liberada da tarde de sábado até segunda-feira, serviu de abrigo na madrugada. Acordamos, café e expor na Paulista, desta vez saímos cedo, pra São Mateus, zona leste, ao encontro de amigos grafiteiros. Aí, sim, nos sentimos em casa, recebidos como família. Aí sim, pude sentir o cansaço que estava represado, estourando num baque que me tirou a voz e a disposição. Por um momento, porque depois que desisti da palestra na Roosevelt, onde aliás choveu o suficiente pra não rolar o evento, dormi uma noite ótima e no dia seguinte palestrei pra visitantes do centro cultural do grafite em São Mateus. Sem microfone, intimista, com tradução pro inglês, simultânea. Um acontecimento raro, numa periferia.

Papo no ateliê, com o Val e a rapaziada.

A turma reunida no Ateliê de São Mateus.


Agradeço a recepção de Toddy e Val, de dona Malvina e seu Atílio. Tudo família, em sentimento e em humanidade. Solidariedade plena e valiosa.

Os papos no ateliê do grafite são sempre densos, profundos e enraizados na realidade da maioria, no confronto entre Estado e população periférica, entre a repressão, a exploração e o desrespeito cotidiano, social, econômico, político, instrucional, informacional. A autonomia é o primeiro passo a ser dado na direção da realização pessoal e coletiva. Autonomia do pensamento, na criação de valores e comportamentos, de desejos e objetivos de vida além da falsidade institucional.

"Agora vou dormir, amanhã tem trezentos quilômetros até Visconde de Mauá." Dito e feito.



sábado, 5 de março de 2016

Avenida Paulista hoje e amanhã. Segunda Slam Resistência.

Hoje vou expor na avenida Paulista, desenhos, livrinhos, zines, ímãs. Devo estar lá até a noite, conforme o clima - nos dois sentidos, chuva e astral.

Esta é uma postagem divulgativa e provisória, Avisando da exposição, hoje e amanhã. Segunda tem o evento do Slam Resistência, no começo da noite, na Praça Roosevelt.

Na praça Roosevelt, evento do Slam Resistência, com Adelson Del Chaves.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.