quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Prisão e Liberdade


Olhava em volta e via o que tinha sido, pra mim, a barbárie, a animalidade, os restos sociais. Eu era parte disso, um resto social erguido, interessado, olhando tudo, tentando apreender tudo, o mais possível, no mínimo. Criado com toda a proteção social, escolas particulares, religiosas, militares, vivenciava o desvalimento, as desqualificações, o desprezo, encantado com o quanto estava encontrando sinceridade, vendo as caras verdadeiras das pessoas. Ninguém finge pra mendigo, pra ralé, pros desumanizados sociais. Havia tentado, de cima da minha arrogância ex-universitária, explicar algumas coisas sobre a estrutura da sociedade, mas havia encontrado o desinteresse ou o escárnio explícito. Não era campo pra isso. Percebi que tinha muito mais a aprender do que a ensinar. E me dediquei a isso, aprender o mais possível, na prática cotidiana, com conseqüências imediatas, aprendizados intensos, riscos sempre, impostos também aos descendentes, os filhos. Não tive essas responsabilidades, dirão que fui irresponsável, e fui mesmo. Não pensei em conseqüência, os filhos nasceram sem plano de saúde, sem pré-natal, de lugar em lugar, e tão aí, vivos e saudáveis. Cuidei da comida que comiam, dos exemplos que pude dar, das orientações e regras que tive de impor, enquanto cresciam. Cresceram e tomaram suas decisões e seus destinos nas mãos - era essa a intenção na criação deles. Não cumpri os rituais sociais da minha classe e percebi que "ter segurança" nesta sociedade exige violações de consciência e massacre dos sentimentos. Considerei que a vida acaba e as ameaças da "insegurança" social se restringem à vida física e acabam mediocrizando a existência. E antes de viver sem sentido, prefiro mesmo não viver. Riscos assumidos, sumiram as angústias e o sentimento de vazio. Liberdade é risco, segurança é prisão. Não é à toa que "segurança máxima" é o nome da pior cadeia que existe. Quem quer segurança social, plano de saúde, conforto, garantias, tem que aceitar as correntes e as grades de uma vida prisioneira. Quem, ao contrário, deseja provar alguma liberdade, precisa se colocar em risco e ignorar as ameaças da sociedade. A maior segurança de todas é que a vida acaba. Pra todo mundo, pra tudo que nasce. Aceitar uma vida medíocre não faz sentido. O triste é perceber isso tarde demais. E é o que mais acontece.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.