Esquerda, direita, esquerda, direita,...! Marcha ordinária,
batida, em forma, no exército.
Querem definir o pensamento, as opções e escolhas, a visão
de mundo como esquerda e direita. Tenho olhado isso das calçadas, há muitos e
muitos anos. Antigamente expunha meu trabalho entre sindicalistas, nas
assembléias, nos encontros, nas manifestações. Mas eles foram mudando de
índole, a receptividade foi diminuindo, a hostilidade e a desconfiança foram
aumentando, fui rareando minha presença, pouco a pouco, até perder a vontade de
ir e preferir expor nas praças, nas ruas, às vezes marcando ponto, às vezes
mudando de lugar em lugar.
De onde eu estava, formava minha visão.
A tal “direita” propõe mentiras descaradas. Meritocracia sem
igualdade de condições é uma farsa. Empresas “dão” empregos, não exploram até o
talo, não violam direitos trabalhistas, não chantageiam seus funcionários,
outra inversão mentirosa. O tal do Estado mínimo só serve aos mais ricos,
minoria ínfima da população, mas podre de rica e calçada nas classes
favorecidas com direitos e privilégios. Tudo o que propõe a chamada direita é
falso.
A tal “esquerda” tem propostas de uma sociedade menos perversa
e injusta, mas induzida a um sentimento de superioridade falso, que a deixa
cega de arrogância, de certezas e verdades duvidosas. De onde estamos, sob o
jugo dos poderes econômico-financeiros, essa gente propõe “organizar os
trabalhadores”, se sente “mais preparada” pra cargos de mando, cria coletivos
de cima pra baixo, convencida de que trata com “inferiores”, “despreparados”, “ignorantes”,
sem lembrar da sabedoria de um dos seus heróis “secundários”, Paulo Freire.
Este sentimento é planejado e estratégico pra afastar as
pessoas, esterilizar as iniciativas e impedir qualquer ameaça à estrutura
social. Humildade seria fundamental pra perceber a força da sabedoria sabotada,
a capacidade da intuição desenvolvida e a resistência aos baques da vida, na
superação cotidiana de dificuldades.
Mas esse troço de esquerda, direita, esquerda, direita nunca
me desceu direito. Sei que houve um parlamento, num dos países colonizadores da
Europa, há séculos atrás, onde se dividiram “o povo” e a nobreza. O povo era
representado por comerciantes abastados, minoria no meio do povo, do lado
esquerdo, e a nobreza se colocava à direita do parlamento. Isso não existe por
aqui e nunca existiu, eu olho pros plenários e não tem esquerda e direita. Eles
dizem que é definição ideológica, eu vejo é declaração de colonização cultural.
Os colonizadores são foda, eles incutem as mentalidades mesmo dos que se opõem
a eles. Não é à toa que a esquerda é toda dividida e gasta uma imensa energia
brigando entre as diversas seitas – eles chamam de correntes ideológicas, mas
são verdades tão rígidas quanto as das religiões.
Eu tenho um ranço danado de colonialismo – que visa o saque
de riquezas, a exploração do povo, a manutenção da miséria, da pobreza e da
ignorância, pra facilitar o domínio, e construir a “metrópole desenvolvida, de
primeiro mundo” em cima do sofrimento nos territórios colonizados. Não consigo
deixar de ver essa colonização mental à minha volta, em toda parte. Em camisas,
em letreiros, em nomes de prédios e lojas, nas definições cotidianas, soando “naturalmente”,
imperceptivelmente. A gente não vai num centro comercial, vai no “shopping”,
por exemplo. E são milhares de exemplos como esse, que passam batido na
percepção geral. Se eu me manifestasse a cada sinal de colonização mental, seria um chato
insuportável. Mas não posso deixar de perceber, na verdade nem quero. Não vejo
conforto na inconsciência.
Vejo da seguinte maneira: estamos num modelo de sociedade
que tem no seu centro de importância, interesses econômico-financeiros. Ou
seja, um punhado de podres de ricos, que são quem comanda os poderes públicos.
Sua fonte de poder e grana é a exploração desenfreada das riquezas nos territórios,
do trabalho das populações, mantendo a ignorância, a desinformação, a
hierarquização econômica criando abismos desumanos e anti-sociais. A vida
humana, animal, o equilíbrio do meio ambiente, a saúde das florestas e
populações estão em plano secundário. Esta é uma sociedade empresarista,
centrada em – e controlada por – bancos e mega-empresas, dos bastidores do
teatro macabro de marionetes chamado de “política partidária”, reduto de máfias
criminosas e dons quixotes brigando contra moinhos, danificando aqui e ali, mas
sem capacidade de afetar a estrutura.
Os que se dizem de direita, exibem uma arrogância econômica,
uma ignorância astronômica, uma agressividade brochante. Os que se dizem de
esquerda exibem uma arrogância intelectual, donos da verdade que são, sempre de
cima, desrespeitando mesmo que com benevolência os irmãos sabotados pela
sociedade.
Não estamos entre direita e esquerda, estamos entre
empresarismo e humanismo. O que se pretende é que no centro de importância da
sociedade esteja o ser humano, a harmonia social, a formação das pessoas em
humanidade, com as prioridades totais na satisfação de todas as necessidades
básicas de todas as pessoas. Uma sociedade onde seja inadmissível a existência
de miséria, fome e desabrigo. Onde as crianças recebam as melhores condições
pra se desenvolverem ao longo da adolescência e da juventude, pra exercer as
suas vocações na coletividade. Isso exterminaria a necessidade de presídios,
secaria a maior fonte de criminalidade de rua. Todos seriam servidos dos seus
direitos, alimentação, moradia, saneamento, educação, formação humana,
instrução, informação. E a velhice produziria a sabedoria de que é capaz em
benefício da coletividade, com todo o apoio social de que necessitasse, sem
exclusão de nenhuma forma.
Digo “seriam”, “produziriam” apenas porque sei que, apesar
de trabalhar nessa direção, não será no meu tempo de vida. Porque também sei
que será assim, no fundo da alma. Quanto tempo, quantas gerações vai levar, e o
que vai ser preciso pra que isso aconteça, não se sabe. Mas olhando pra trás,
dá pra fazer projeções pro futuro, com a assessoria da intuição e do sentimento
– nossos sintonizadores com dimensões espirituais. E que ninguém me peça pra
definir “dimensões espirituais”... eu não me atreveria. Só sei que taí e levo
em conta. A consciência ativa traz os recados, as instruções e os silêncios.
Quando a gente tá pronta pra saber, fica sabendo. Antes
disso é só pretensão. É preciso ir se desenvolvendo, aumentando as capacidades
de percepção e compreensão. E isso se faz no dia a dia, na auto-observação dos
pensamentos, sentimentos, desejos, valores e comportamentos. O que se
desenvolve internamente logo se estende ao coletivo.