sábado, 12 de maio de 2012

Promiscuidade Público-Privada (ou Cachoeira de Evidências)

Fico observando as revelações do caso "Cachoeira", desmoralizando defensores da moralidade, como se fosse possível haver moral nas relações de poder em nossa sociedade - reflexo da "civilização" ocidental -, totalmente dominada pelas grandes empresas e seus insaciáveis interesses. Financiamentos bilionários de campanhas, espaços na mídia, ocultação dos podres, trocas de favores com o dinheiro público, anistias fiscais (ou anulação de multas e dívidas por impostos), relações promíscuas e no escuro das coxias na macabra dança das marionetes políticas, enquanto a população morre nas filas dos hospitais, por erros médicos, falta de condições para o atendimento, extermínio disfarçado de "guerra ao tráfico" (que não existe, pelo simples fato dos verdadeiros donos do tráfico, empresários de grande porte com empresas legais para a lavagem das fortunas que o tráfico gera, serem também financiadores de campanhas e exaltados pela mídia como "cidadãos exemplares", decidindo políticas públicas para serem implantadas por seus financiados e evitando, no legislativo, a descriminalização que mataria a galinha dos ovos de ouro). Matam jovens - pobres, negros na maioria - nessa falsa "guerra", e idosos - para eliminar aposentadorias e pensões - na "saúde" pública, de forma grotesca, hedionda, perversa. É o "trabalho" de controle populacional, feito por um Estado criminoso, refém dos poderes econômico-financeiros desumanos.

Durante a cara militar da nossa permanente ditadura foi possível agir abertamente fora da lei, sem possibilidade de contestação ou interpelação judiciária, desmantelando violentamente, à força das armas, todas as organizações operárias, trabalhistas, camponesas e estudantis, ao mesmo tempo em que se destruía a capacidade de ensino da educação pública produzindo, desde então, gerações e gerações de analfabetos funcionais (aqueles que lêem com tanta dificuldade que não conseguem interpretar um texto, chegando a 70% da população, segundo as últimas pesquisas, em 2010). O selo de ouro dessa estratégia foi a expansão da mídia privada, a televisão à frente, no controle das comunicações. Estava pronto o cenário para encenar a peça "redemocratização", apresentada como um "conquista do povo brasileiro". Mentiras deslavadas, confirmadas pelos opositores ao regime, numa cegueira egocêntrica - freqüentemente eurocêntrica -e burra, talvez bloqueados em sua visão por uma espécie de lealdade aos que caíram, na ilusão da luta armada. Parecem não se dar conta das armadilhas institucionais. Campo minado. É pasteurização ou morte. Como temos visto por aí.

Agora a mídia fará parecer que o caso Demóstenes/Cachoeira/Policarpo/Civita é pontual, que foi descoberta uma falcatrua dentro do sistema "democrático", por instituições "democráticas", e que tudo será "democraticamente" resolvido, com a punição aos culpados (que não conseguirem escapar da grossa malha jurídica). Alguns cães maiores serão sacrificados, em nome da manutenção do sistema. Com um cuidado cirúrgico pra não espirrar, porque senão pega em todo mundo ou quase. 

Isto não é um caso à parte, mas situação permanente. São grupos de grande poder econômico e predomínio na mídia privada - televisão principalmente, mas seguida das outras mídias, como se vê nesse caso o envolvimento da revista de "maior tiragem do mundo", o veículo mais reacionário, mentiroso, deturpador de realidades a favor do punhado mais rico da população, subalterno aos mega-empresários das corporações mundiais. Gigantescos vampiros do sangue público, contabilizam seus lucros e obrigam os "representantes do povo" a pagar as contas com o dinheiro dessa população espezinhada, em detrimento dos seus direitos mais básicos. 

O grupo revelado e em estudo para queda calculada é uma casquinha, uma ponta pequena de enorme iceberg submerso. Deve ruir sem afetar as raízes da corrupção endêmica, inerente ao sistema empresarista que se impôs desde o antigo capitalismo, mudando de nome, de roupa e de cara - agilidade que as esquerdas não têm, imobilizadas em sua rigidez ideológica e obrigadas a pasteurizações para compor suas instituições partidárias e já desmoralizadas na mentalidade popular, incapazes de mudanças substanciais e sem poder de convocação ou mobilização, em sua arrogante pretensão de conduzir as massas. Não posso acreditar em "eleitos" que não denunciam o predomínio do poder econômico sobre o político, que não revelam os nomes das empresas que colocam a coisa pública a seu serviço, cada vez mais descaradamente. Que não reconheça o poder aonde se controlam os fios, muito acima do teatro político encenado em ambientação "democrática". Predomina a conivência, a cooptação, a sintonia do mal.

Dois exemplos recentes demonstram bem a promiscuidade público-privada. A construção da represa de Belo Monte (de mentiras) teve oposição generalizada, dos povos originários, da população local, da prefeitura da cidade mais próxima (Altamira), da Organização dos Estados Americanos, da Comissão Internacional para Direitos Humanos, da ONU, de movimentos sociais os mais diversos. Nada adiantou, o governo brasileiro chegou ao cúmulo de responder à CIDH, da ONU, que "o Brasil" sabia muito bem cuidar de si, disparate vergonhoso. Por quê? Porque as construtoras milionárias interessadas e as indústrias beneficiárias da produção de energia a baixo custo são as mesmas que financiaram as campanhas eleitorais.  O caso do massacre de Pinheirinho, em São José dos Campos, é outra demonstração de a quem serve o poder dito "público". Terreno de empresa falida, que nunca pagou impostos, ocupado havia oito anos por uma população desatendida pelo Estado em seus direitos constitucionais, em bairro construído com esforço próprio, com ruas, postes, saneamento sem participação da prefeitura local, foi atacado violentamente pelas forças de segurança "pública", com cenas de barbárie, espancamentos e mortes, seguidas da estratégia municipal de expulsar as famílias da cidade, de maneira espúria e cruel. Surpresa? Não, são obviedades. Sobre esses dois exemplos há várias postagens neste blog (há infinitos outros exemplos, cotidianos, repetitivos - ontem mesmo foi atacada a ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte, de onde vieram as fotos abaixo), "Documentários sobre Belo Monte", "Pinheirinho - exposição de um sistema social", "Complementando Pinheirinho..." e "Relato de um defensor público de São José dos Camp...". 
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O documentário abaixo não é novidade, foi produzido pela BBC de Londres e exibido em 1993, chegando ao Brasil no ano seguinte. A emissora entrou na justiça e, pelo uso não autorizado da sua marca, conseguiu proibir sua exibição pública em todo território nacional. Achei interessante postar aqui para quem ainda não conhece perceber parte fundamental da estratégia de controle e manipulação de corações e mentes, através da publicidade e das mensagens subliminares, das informações distorcidas de um pseudo-jornalismo mau caráter, na defesa dos interesses empresariais acima dos interesses públicos, transformando a vida, como disse Eduardo Galeano, num manicômio e num matadouro, para a esmagadora maioria da população. Isso deveria ser exibido e discutido nas salas de aula, nas associações de moradores, nos sindicatos, em cada quarteirão. O controle da sociedade não é uma obra acabada, a construção nefasta é permanentemente retocada, reciclada, os cenários estão sempre se adaptando aos acontecimentos, mudando tudo pra permanecer tudo como está, um  predomínio desumano dos interesses empresariais sobre a sociedade, sobre a estrutura do falso poder político, o teatro das marionetes legitimando os crimes contra a humanidade. 

Se não é possível mudar o mundo em pouco tempo, é possível mudar a própria vida, percebendo os valores falsos implantados em nosso inconsciente e assumindo a construção dos nossos valores a partir da própria consciência, mais humanos, mas solidários, menos competitivos e egoístas como nos são impostos. A visão de mundo é direito e responsabilidade de cada um, mas é dificultado ao extremo pelo trabalho intenso e extenso de uma publicidade e propaganda que se utiliza da psicologia do inconsciente, da imposição sub-liminar, do controle das comunicações e da criação deliberada de ignorância e superficialidade (com a sabotagem da educação e controle curricular). Vivemos num mundo de mentiras, é preciso desacreditá-lo para romper as correntes que nos prendem e transformam a sociedade nesse inferno de ameaças, cooptação e medo, necessários ao predomínio das empresas sobre os povos - ignorantizados, explorados, roubados, enganados, controlados, inferiorizados e reprimidos em qualquer manifestação de inconformidade. Mudando a nós mesmos, caçando a verdade hoje acessível, embora ocultada pelo estabelecimento, abandonando os valores falsos e determinando nossos comportamentos para além dos condicionamentos, contaminando as consciências à nossa volta, despertando para a realidade além das mentiras apresentadas, mudamos o mundo, em primeiro lugar, dando sentido à nossa própria existência, criando sabores e cheiros desconhecidos pelos "normais". Além de exemplo, isso dá força à fala.

"Muito Além do Cidadão Keyne" peca por imprecisões e informações truncadas que se esclarecem com a última revelação de documentos secretos referentes ao golpe de 64, nos Estados Unidos, publicados de acordo com a lei de quarenta anos para documentos "classificados", ou secretos. Com base nesses documentos em áudio, vídeo e escritos, foi feito o programa "O dia que durou 21 anos", no Canal Brasil, de baixa audiência mas de qualidade incomparável com a mídia privada, em todos os sentidos. São três episódios de 20 minutos cada, ótimos pra exibir e discutir em salas de aula, em associações, em toda parte. É preciso cultivar a memória para formar uma visão do presente o mais próximo possível da realidade e o mais longe possível das distorções impostas pela grande mídia, pelos "donos das informações" no Brasil, interessados em manter essa sociedade vergonhosa onde se abandona seres humanos como lixo.

"Não é sinal de saúde ser bem ajustado numa sociedade tão profundamente doente". (Krisnamurti)

A "Pequi Filmes" reivindicou direitos autorais e mandou retirar o doc. do youtube. Seus lucros são mais importantes do que informar a realidade histórica ao povo brasileiro. Fica o meu protesto. Merda.



Achei impressionante a existência de estudantes universitários que, ao serem questionados qual a ditadura mais recente do Brasil, demonstraram dúvidas ou sugeriram o Estado Novo, de Getúlio Vargas. Foi uma professora quem me falou - de uma sala onde ela dá aulas -, entre o espanto e a revolta. Taí, Suame, passa pros teus alunos. Quantos mais haverá, sem noção da história recente?


observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.