sexta-feira, 24 de junho de 2022

Disparates esclarecedores – ou entre o luxo e o sofrimento

 “O ano da maior crise econômica brasileira nas últimas décadas...

...é também o ano do lucro recorde dos bancos.”

“Os bancos brasileiros têm lucro recorde no pior ano da pandemia.”

“Divulgação de lucros no BB” (Banco do Brasil) “gera comoção nas redes sociais: ‘lucro pros bancos, fome pro povo’.”

“Enquanto uma multidão passa a não ter mais teto...

... outros” (uns poucos) “fazem fila para comprar mansões e carros de luxo.”

“Revendedora de Porshe ... tem fila de 1500 compradores no Brasil.”

Quantos têm fome? 33 milhões, diz uma estatística aí, na minha opinião subestimando a realidade. Insegurança alimentar é fome com alguma coisa de comer às vezes, pouco por dia. Enquanto isso, alguns milhares lucram milhões na e com a pandemia.

“Mercado de alto padrão se manterá aquecido em 2022.”

O alto padrão citado certamente não é o padrão moral. Muito menos o padrão de humanidade que se espera de uma sociedade que se pretenda humana. 

“Mercado de casas de veraneio está superaquecido.”

Gera empregos, dirão alguns – e estarão certos –, mas bem se vê que não há espaço pra todos, a maioria permanece com fome, numa economia em frangalhos. Se traz alívio a uma parcela dos mais pobres, não deixa de ser uma demonstração de injustiça social, um cenário revelador da estruturação da sociedade e suas necessidades de ajustes na direção da harmonia coletiva que deve ser, sempre, o objetivo de qualquer coletivo.

Harmonia, aliás, em todos os níveis, internos e externos, no indivíduo, no coletivo, com o ambiente e, proximamente, com o universo à nossa volta. Acredito na existência de incontáveis vidas entre os bilhões de estrelas e seus sistemas planetários, aos bilhões pelas galáxias afora, contadas também aos bilhões. Os contatos diretos virão na medida em que formos nos aproximando da harmonia interna, planetária, entre nós, os seres, toda a família planetária for se percebendo como tal.

“No país onde trabalhadores fazem fila para pedir auxílio, o ministro da economia esconde mais de 50 milhões de reais em paraíso fiscal, impunemente.”

Está se revelando como a sociedade funciona, quem é que tem o poder de verdade, por trás das fachadas “democráticas”, por dentro dos seus mecanismos, dominando o funcionamento a favor de poucos, em prejuízo flagrante das grandes maiorias – em todos os sentidos. Não a todos, mas a muitos, o processo tem o seu caminho, seu tempo, cabe aos que vêem trazerem à tona, cada um nos seus espaços, nas suas possibilidades – é a partir da consciência individual que se pode trabalhar na coletiva, com respeito, afeto, solidariedade.

É preciso buscar dentro de si os valores condicionados, as verdadeiras falsidades ideológicas que nos implantam goela abaixo da consciência. Não creio que exista quem não tenha suas contaminações ideológicas, em valores, em temperamento, em desejos, posturas, objetivos de vida, medos e expectativas, em maior ou menor grau, todos temos.  Por isso o primeiro e mais importante trabalho é o na própria consciência, o trabalho externo, coletivo, surge por conseqüência e será muito mais eficiente, porque partilhado com humildade. Quem trabalha nas próprias falhas, não se dá ao trabalho de julgar falhas alheias – já vi isso em algum lugar.

Nota: todas as frases entre aspas (“...”) foram retiradas do final do vídeo do Henry Bugalho, já com o Eduardo Moreira (“de banqueiro a companheiro”) e, penso eu, a turma do ICL que ele encabeça. Eles têm departamento jurídico e as fontes de todas essas frases.

Link do vídeo:  https://www.youtube.com/watch?v=AVDMM4cP3tw

quinta-feira, 23 de junho de 2022

E o vereador foi cassado

 Renato Freitas teve cassado seu mandato de vereador na câmara de Curitiba. Se fosse um julgamento ele teria sido inocentado, dada a quantidade de provas desmentindo as acusações, inclusive uma carta da Arquidiocese de Curitiba pedindo pela não cassação do mandato, pois não houve a “invasão” alegada. O que houve foi uma convocação a uma manifestação de protesto pela morte de Moïses, o congolês morto a pauladas por cobrar dias de serviço num quiosque de praia. As portas da igreja estavam abertas, não havia missa, as pessoas entraram, falaram no microfone e no som da própria igreja, o padre ali do lado olhando – já sem a batina – ninguém quebrando nada, nenhuma correria, nenhum grito. A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – como sugere o próprio nome – é um local onde se fazem manifestações anti-racistas, historicamente.

As mentiras espalhadas de pessoas desmaiando, de portas arrombadas e coisas quebradas serviram de “provas” na escolha duplamente racista – de cor e de classe – escancarada na carta recebida por Renato, por email do vereador que o acusava, “volta pra senzala”, “vamos embranquecer...” e revelações do gênero. Nos parlamentos, como se vê, provas são inventadas ou ignoradas, de acordo com os interesses do momento. A revelação é a do racismo, do escravismo ainda presente, entranhada no fundo da alma social. É mesmo preciso muita luz pra que se perceba claramente, de forma inegável.

Pelo pouco que conheci do Renato, nada disso o surpreende muito, escaldado que é com o tratamento que recebe da sociedade “organizada” e seus tentáculos repressivos, desde sua vida inteira. Filho de faxineira, cresceu nas áreas de abandono social, onde o estado, por omissão plena, comete crimes contra sua população mais pobre, de todo o tipo, a partir dos crimes constitucionais contra os direitos básicos. Onde o destino traçado é a exploração, a “siviração” ou o crime. As “sortes”, as “coincidências”, encontros, decisões, superações de obstáculos e barreiras tornaram Renato uma raridade, um originário do abandono e da pobreza com título de curso superior, consciência social e aplicação coletiva. Uma pedra rara no cascalho da política pública, uma voz que fala a linguagem das periferias, a língua intuitiva dos sabotados da sociedade, construídos pra serem mão de obra barata ou de baixa qualificação.

É a língua dos de baixo que ele fala, a da multidão roubada nos seus direitos a uma formação, à alimentação sadia, educação de verdade, moradia decente, entregue a um massacre midiático, ideológico, publicitário, formando mentalidades consumistas e competitivas, superficiais e fáceis de enganar, de induzir e conduzir. É ali onde mais se precisa de consciência, ali onde mais se precisa de acendedores de luz e é o campo mais fértil pra se plantar. Dali que vem a força da construção, da manutenção, do funcionamento de toda a coletividade humana, de toda a sociedade. Por isso a ignorância, a desinformação e a dispersão dos interesses são estratégias de dominação, de escravização, pra que se mantenha tudo como está – no controle de poucos.

Tomar consciência da realidade é uma necessidade na busca de harmonia social, sobretudo entre os que formam o alicerce da sociedade. Tomar consciência do próprio valor, da própria capacidade de superação, da própria resistência é uma necessidade de cada um. Consciência é uma parada que contamina, um caminho que não tem fim, uma necessidade da alma.

Renato Freitas, depois dessa injustiça descarada – reveladora ao máximo do racismo enraizado em nossa sociedade como um todo, não só na câmara de Curitiba –, deve ter crescido em sabedoria, em aprendizado, como toda dor cria essa oportunidade, quando se tem a humildade do aprendiz, que é o que somos sempre. Certamente ele tem muito a acrescentar no coletivo, na formação das mudanças e alcances, na criação de consciência, no despertar dos distraídos e dos sonolentos.

A construção de uma nova sociedade começa no seu alicerce. É preciso muitos mais Renatos Freitas, é preciso pobres, periféricos, pretas e pretos nas chamadas “instituições públicas”. Talvez assim elas, finalmente, possam ir se tornando públicas de verdade.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.