quinta-feira, 18 de maio de 2017

Sobre o sistema jurídico da nossa sociedade

O foco do vídeo é o caso do Rafael Braga. Simbólico, retrata o funcionamento do sistema jurídico do país - que não se pode chamar de "justiça", porque trabalha por interesses, não por justiça. As escolas de direito formam malabaristas de leis, não agentes de justiça. Não há justiça institucional numa sociedade tão evidentemente injusta. Sem ingenuidade. Rafael, desabrigado, vítima de crimes do Estado, crimes sociais, como tantos milhões de brasileiros, foi preso num momento em que a polícia combatia manifestantes e tinha a incumbência de prender "vândalos", "baderneiros", na estratégia de criminalização das manifestações, como dar porrada nos grupos encurralados, atirar bombas e balas de borracha. Rafael não participava dos movimentos de protesto, ele passava numa rua próxima e viu, através de uma vitrine quebrada, um vidro de pinho sol e uma garrafa plástica de água sanitária. Lembrou da tia, morando em lugar insalubre, e pegou pra levar, colocou na mochila e seguiu em frente. Na primeira esquina deparou com o furdunço da fumaça, dos tiros, dos gritos e da correria. Ele estava atrás do pelotão policial que atacava os manifestantes e foi visto por um dos agentes. Mestiço, roupas pobres, foi interpelado imediata e agressivamente, enquadrado e revistado. A ordem era prender "vândalos" e o pinho sol com a água sanitária foram pretextos, quando o motivo era a condição social de Rafael. Qualquer um servia, melhor ainda pobre, preto, desabrigado e, pra "sorte" dos algozes, depois se descobriu que tinha uma passagem por furto - o que não é difícil, quando se vive na miséria dentro de uma sociedade francamente hostil aos miseráveis.

Há incontáveis casos igualmente simbólicos, embora pouco ou nada divulgados. 

A mulher que, abandonada pelo companheiro e com filhos pequenos, saiu a procurar emprego, deixando os filhos com uma vizinha - a quem destinaria parte do seu mísero salário de desqualificada. Estava sem água em casa e era repelida nas tentativas, por estar com mau cheiro. Entrou num supermercado - mal vestida, foi seguida - e usou um desodorante da prateleira. Antes que pudesse recolocar o desodorante de volta, se viu agarrada pela segurança, presa pela polícia e condenada em julgamento sumário a cumprir pena de cadeia. Seis anos depois, foi encontrada por uma dessas missões de advogados - geralmente em início de carreira - que acreditam no direito, e finalmente solta. Seis anos sem estar com os filhos, seis anos fora da vida, seis anos no inferno. Pelo uso de um desodorante, na intenção de encontrar trabalho.

O cara que, preso e condenado "por engano", inocente como se provou anos mais tarde, saiu da penitenciária contaminado com aids, em Belém. Inúmeros casos semelhantes, em que pobres pagam por crimes que não cometeram, ou são presos por pequenos delitos e se transformam em assassinos, vinculados a facções criminosas por uma questão de sobrevivência no cárcere.

Um sistema jurídico escroto, onde juízes se sentem deuses e dispõem de vidas com base em seus preconceitos sociais, pouco se importando com as conseqüências de suas decisões, destruindo vidas já sofridas, "inferiores sociais" que, na verdade, são vítimas de crimes contra a constituição cometidos pelo próprio Estado. A área jurídica, como todas as instituições, é corrompida pela própria natureza da estrutura social, ignorando os direitos básicos da maioria periférica, os serviçais da sociedade, os imprescindíveis que são mantidos na ignorância, na desinformação, condicionados a uma inferioridade falsa, artificial, planejada, estratégica na dominação de poucos sobre o todo, sobre toda a sociedade, fazendo do Estado uma espécie de Robinhude ao contrário, que rouba dos pobres pra dar aos ricos mais ricos, acima e por trás dos poderes que se fazem passar por "públicos", mas que nunca foram públicos de verdade.

Não é só na área jurídica que se impõe a falcatrua, mas em todo o espectro institucional. O que estamos vendo na farsa política - que de política só tem o nome - é mais uma demonstração da índole do sistema ditatorial no comando geral, onde mandam bancos e mega-empresas, associações patronais urbanas e rurais, sob a fachada de uma falsa democracia.

Segue a descrição do caso Rafael Braga, apresentado como "preso político" sem nunca ter participado de atos políticos, sem nunca ter pertencido a nenhuma organização de resistência e contestação ao sistema econômico-social. Um preso "político" sem consciência política, sem participação em movimentos organizados, sofrendo a ira de juízes conservadores cheios de ódio e ímpetos de vingança contra a população em protesto. Precisavam de bodes expiatórios e, diante de manifestantes presos que contavam com advogados ativistas, que eram de classes mais esclarecidas e politizadas e que tiveram como comprovar a ilegalidade da sua prisão, seguraram o pobre, preto, periférico - "esse não vai ter como sair". Mais uma demonstração da índole social que nos rege a todos.

Há milhares de Rafaéis Bragas no sistema penitenciário. Da mesma forma que há milhares de Amarildos, torturados e mortos pelas "forças de segurança", com ou sem culpa, crimes que ficam na impunidade porque o sistema é construído pra isso mesmo, perseguir, reprimir e agredir pobres, na manutenção dessa ordem espúria, vergonhosa, desumana, imposta pelos podres de ricos através dos seus fantoches falsamente "políticos", governantes, legisladores, magistrados, a porra toda.




observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.