domingo, 24 de outubro de 2021

Morte, espiritualidade, transição (ou não)

 

Qual é o problema com a palavra morrer? Por quê se diz "perder a vida"? A gente perde é carteira, chave, documento, coisas. Dá pra ajudar alguém que perdeu a vida a procurar em algum lugar que ela tenha esquecido? Quando se morre não se perde a vida, se muda de dimensão. A idéia que a morte é uma tragédia, uma desgraça tá equivocada. Morte é conseqüência de nascer. Tudo que nasce, morre. Porta de entrada, porta de saída, a vida é o caminho entre uma e outra. Simples assim. Não se "perde" ninguém, a não ser de vista. "Perdi meu pai", "perdi minha mãe", a gente escuta por aí. Eles não tavam aqui quando tu chegou? Vivendo há tempos, antes de tu nascer? Estarão lá, quando chegar a hora de tu morrer. Porque todo mundo morre.

Em vários momentos da minha vida pensei que tinha chegado minha hora. “Então vai ser agora” ou “então é desse jeito”, passava rápido na minha cabeça. Uma interferência inesperada, um acontecimento, uma arma que masca e não atira, um poste no caminho do carro desgovernado, um “acaso”, um “aviso”, uma “coincidência”, um “inexplicável” surgia na hora agá e livrava a situação. E, como se vê, minha hora não chegou. Ainda.

Chegará, sem dúvida, e seria bom se houvesse desejo de boa viagem, em vez de lamentos, comemoração por uma vida bem vivida, um pequeno passo bem dado no caminhar infinito da humanidade. Nada de lamúrias e lamentações, que se contem histórias, que se relatem vivências, que se reflita, que se emanem bons sentimentos, bons desejos. Que se agradeça pela vivência. Uma festa de despedida, não um velório.

Que os frutos espalhados por aí sejam cuidados, sem a ilusão da permanência, mas que durem o máximo possível. Em couro, em madeira, em metal, em telas, em papel, em camisas, em ímãs, em livros, livrinhos feitos à mão, fanzines, por último em vídeos, esses não por grana, pelo menos ainda. Se encontrar uma forma que não me ofenda a consciência, sem dúvida faço uso. Mas não penso muito nisso, continuo produzindo e vendendo meus desenhos e tudo o mais, agora vendendo mais que antes.

No pequeno período universitário – menos de um ano – eu comecei a ser ateu, não convicto, mas negando toda a religiosidade que me cercava. Não durou muito – pouco mais do que o tempinho acadêmico –, fui me sentindo meio ridículo nas andanças periféricas e nas ruas das cidades, tanto diante de evidências espirituais quanto por me ver fazendo a mesma coisa que as religiões – afirmando o que não sabia. Então pude vivenciar espiritualidades diversas, desde doutrinas rígidas hierarquizadas até a mediunidade frilance, paga, retribuída ou não, de graça. Perceber um intercâmbio variadíssimo entre as dimensões, não duas – a visível e a invisível – mas muitas, além da material em que estamos, e todas materiais em sua freqüência, imateriais entre si. O que Einstein chamou de pluriverso.

Assim passei a ver espiritualidade em tudo, em qualquer lugar, em todo mundo, nos bichos, nas plantas, nas pedras. Não com a razão, mas com a intuição, o sentimento. Sentia mais que sabia – consciente já de que estava aprendendo o tempo todo, de acordo com meu próprio interesse, disposição, atenção e humildade. Aprendia só o que era capaz e sabia ser muito pouco pra sair tirando conclusões além da minha capacidade de compreensão. E sentia espiritualidade em tudo, mesmo sem entender.

A gente aprende de acordo com as próprias condições e não adianta querer explicar o ainda inexplicável, compreender o ainda incompreensível e alcançar verdades ainda inalcançáveis. Mais útil seria se aplicar no desenvolvimento do agora, aprender o que podemos aprender e aplicar o que já sabemos, porque é o que precisamos pra seguir adiante no processo. À medida em que aprendemos, aumentamos a capacidade de compreensão, de transformação e assimilação de novos conhecimentos, novos valores, novos comportamentos e novas relações.

Trato com a espiritualidade sem racionalizar muito. Sigo o que sinto e me sinto melhor assim. Sob a vigilância de uma consciência atenta, de quem nada está escondido, embora ela mesma possa esconder muita coisa nas profundezas do inconsciente. Não tenho pressa. Quando passar pelo portal, aí sim vou ter que tratar diretamente com outras dimensões. Por enquanto me relaciono com elas através dos sentimentos, dos pensamentos, dos desejos, do caráter, das ações e relações no dia a dia. Acho que todo mundo, a maioria inconscientemente, cada um à sua maneira, se relaciona com a espiritualidade.

Há previsões – mediúnicas e científicas – de que, afinal, a ciência vai comprovar a existência da realidade entre dimensões. A física quântica me parece um grande passo nessa direção. Assim como a existência de civilizações pelo universo todo, as mais variadas. Dizem que vamos desenvolver aparelhos pra conversar com parentes que tínhamos por “mortos”, perdidos pra sempre. Que haverá intercâmbio com outras orbes planetárias, na verdade sempre houve, mas agora de forma direta e consciente. O desenvolvimento é permanente. A “ciência oficial”, que sempre se pôs como dona das verdades, ao longo da história foi obrigada a voltar atrás e reconhecer erros inúmeras vezes. Mas não aprendeu ainda e continua arrogante.

Período de transição planetária. O mundo se modifica, terremotos, tempestades, vulcões, tufões, maremotos, gelos polares derretendo, nível do mar subindo, temperaturas variando como nunca, desertificações, migrações em massa, virão  mudanças geo-políticas, sociais, comportamentais. As mutações no mundo obrigarão a mudanças radicais nas relações sociais e com a natureza, a solidariedade será uma necessidade de sobrevivência, a humildade será uma ferramenta de aprendizado. Agoniza um modelo social, outro surgirá das ruínas. Um trabalho intenso e conjunto com níveis de espiritualidade além da nossa precária concepção.

Posso estar errado em tudo isso? Posso, claro. É possível que a gente morra e puf, tudo acabe, vira nada? É sim, admito. Mas não acredito. Não é o que sinto – e sei que não é nenhuma necessidade de permanência ou pavor de desaparecer. Se fosse assim mesmo, não me importaria muito. Nada mudaria, continuaria a viver como vivo, porque é assim que gosto. Só não posso acreditar nesse nada, vi coisas demais além da minha capacidade de compreensão, vi manifestações precisas, recebi recados e avisos cruciais, ouvi coisas impressionantes, passei por “acasos” e “coincidências” impossíveis. Respeito todas as opiniões, mantendo a minha. Ela não se baseia só na razão mas, sobretudo, no sentimento e na intuição.

Pra encerrar uma discussão com um amigo ateu – não entendo essa necessidade de por idéias pra brigar, não tenho nenhuma necessidade de “defender” o meu ponto de vista. Posso explicar, esclarecer como vejo, como penso, como sinto, sem afirmar ser “o certo”, o que supõe estarem “errados” todos que não concordem – voltando, pra encerrar a conversa, disse a ele que tinha uma vantagem sobre ele. Se eu tivesse razão, poderia falar com ele “taí, mané, não te disse?” Já se a razão estivesse com ele, não poderia dizer nada. Brincando, discussão encerrada. Nessa área, disputar quem tá certo ou errado é pura perda de tempo. O certo e errado vai se mostrar é no comportamento, na atitude, nas práticas e relações cotidianas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Combustível, privatização e jornalismo

Jornalistas especializados dizem que o preço da gasolina é menos o imposto estadual apontado como responsável e mais “as políticas de preços da Petrobrás”. Superficialíssimas análises. Embora seja verdade que os impostos estaduais não têm nada a ver com as altas de preços, pelo simples fato de que são os mesmos há décadas, a expressão “política de preços” esconde a raiz do problema.

A Petrobrás sempre incomodou os poderes externos, as mega-petroleiras internacionais, desde a sua criação (até antes, quando era só uma idéia) mas, sobretudo, nesses tempos de pré-sal e fartura de petróleo em território nacional – que a mídia empresarial tratou de omitir, esconder e, na impossibilidade, diminuir e desqualificar. Coincidentemente, foi quando se reativou a quarta frota dos Estados Unidos, e navios de guerra começaram a ser vistos das plataformas de petróleo próximas a Santos. Depois do golpe de 2016, o presidente da Petrobrás foi trocado por um sujeito que nunca foi petroleiro, com a função de retalhar a estatal*. Durante o governo Temer, a maior parte das refinarias – que produziam todo o combustível necessário ao funcionamento do país – foi vendida ou paralisada, toda a tubulação que trazia gás da Bolívia foi vendida, num processo de amputação que ainda continua. A última foi a distribuidora de combustíveis BR, com toda a sua infra-estrutura de transporte e serviço nos postos. Deixando de produzir o necessário ao funcionamento do país, o que era feito pela Petrobrás, foi preciso importar esses derivados a preços internacionais. Agora os combustíveis baseiam seu preço no dólar e é isso que provoca as altas seguidas, afetando o preço de praticamente tudo. A presidência e a política atuais da Petrobrás têm a missão de destruir a força descomunal da empresa. Ordens de fora.

Por quê será que o “jornalismo” aponta como causa dos aumentos as “políticas de preços da Petrobrás”? Uma expressão vaga, que não explica nada, não vai às causas e evita o entendimento, bem de acordo com os interesses corporativos e mais um crime contra a informação, na “política” de manter a desinformação geral. Assim fica fácil, pros ideólogos sociais de consciência vendida, convencer a população dos “benefícios da privatização”. Todas as privatizações que pude observar, e não foram poucas, causaram desemprego, chamado de “enxugamento”, aumento nas tarifas,  alegados “ajustes” e “correções”, e piora nos serviços, pela terceirização – que é entregar os serviços antes feitos por funcionários de carreira a pessoas sem preparo, de baixos salários, extremamente exploradas, pressionadas com crueldade e ameaçadas de demissão o tempo todo. As promessas antes de cada privatização se diluem com rapidez e a omissão criminosa do “jornalismo” corporativo esconde as conseqüências nefastas pra população. Tragédias e sacrifícios decorrentes jamais são ligados às suas verdadeiras causas. Os “benefícios da privatização” são benefícios só pros mega-empresários e seus acionistas podres de ricos, que não dependem do serviço que eles próprios “oferecem” ao povo.

*Creio que é dessa época o tal projeto de emenda constitucional (PEC) que mudou o artigo determinando que o presidente de uma estatal teria obrigatoriamente que ser um funcionário de carreira da mesma estatal, apenas acrescentando uma vírgula e incluindo a frase “a não ser por determinação do presidente da república”. E o presidente da república traíra da ocasião , fruto do golpe que ele ajudou a planejar e executar – somando com a mídia corporativa, os poderes econômicos estrangeiros e as elites internas e cúmplices, colocou a presidência da Petrobrás nas mãos de quem as petroleiras e banqueiros internacionais determinaram. A partir daí, um após o outro, nenhum presidente da Petrobrás foi funcionário da empresa. Mas a missão é a mesma, reduzir a Petrobrás a um escritório administrativo, amputar e esquartejar ao máximo suas partes lucrativas, “vendendo” pra empresas várias, nacionais e, sobretudo, estrangeiras. A imprensa corporativa, o jornalismo de consciência vendida, esconde, papagaiando razões falsas, sem relação com as raízes verdadeiras do problema.

“O mundo tem condições de produzir tudo o que é necessário às necessidades de todos, mas não o suficiente pra atender às ambições de alguns poucos”.      Mahatma Gandhi

Tempos de pré-eleição e evolução planetária

 Os donos do dinheiro se preparam, grandes bancos, mega-empresas afiam seu monitoramento, é preciso se manter no controle, manter ou, de preferência, aumentar o seu poder de pressão sobre os poderes ditos “públicos”.

O judiciário, com seus salários enormes e poder social incontestável, já está devidamente afastado da população em geral e sua realidade, artificial e irresistivelmente inflados em seus sentimentos de superioridade. “A justiça é como a serpente, ataca de preferência os descalços”, como disse Galeano. Assim os interesses econômico-financeiros, tradicionalmente anti-sociais, garantem a conivência e a proteção da "justiça", a impunidade na prática cotidiana de crimes contra a população, principalmente a mais pobre.

Agora é a vez do executivo, "eleição" do governo central, a cabeça da hierarquia estatal nas decisões da "cúpula" do Estado. Os lobistas, correias de transmissão dos poderes econômicos, circulam nos corredores estatais, reforçam seus apoios institucionais, carregando as forças das mídias empresariais sempre em defesa dos interesses desses poucos podres de ricos, sempre em prejuízo da população em geral e dos direitos de imensa parcela, sempre sabotada, enganada, explorada, iludida, alienada das decisões que afetam sua vida.

Mal sabe a população que é no seu comportamento condicionado, nos seus valores induzidos, nos seus desejos e objetivos programados, impostos pela educação empresarista, pelo massacre publicitário-marqueteiro – entre a sedução e a ameaça – e pelo falso jornalismo dos interesses econômicos – consciências profissionais vendidas por altos salários e privilégios sociais – que se baseiam os pilares desse modelo social injusto, perverso, covarde e destrutivo.

A sociedade é como é porque nós consentimos, sem perceber, exercendo a vida como é induzido, assimilando os falsos valores do excesso, do consumo desenfreado, na atenção e na intenção postas na matéria, na propriedade, na riqueza como objetivo de vida, como se a vida não acabasse. Pra isso a morte é concebida como uma tragédia, uma desgraça que “não vai acontecer” (a não ser num futuro remoto que, sideusquiser, nunca vai chegar), e não uma simples conseqüência de ter nascido, um acontecimento natural pra onde tudo o que vive se encaminha, seja fungo, planta, bicho ou gente. Da porta de entrada até a porta de saída, a vida é uma passagem. Minha razão, por algum tempo, negou a existência antes do nascimento e depois da morte. Mas o meu sentimento se impôs, diante de acontecimentos e percepções – nascimento de filhos, observação do desenvolvimento de crianças, assuntando a velhice avançada e a visão da vida das pessoas mais velhas que encontrei, em contatos com “entidades incorporadas” no candomblé, na umbanda, no kardecismo, em linhas espiritualistas independentes e das mais diversas – e, com o tempo, a convicção se fez como certeza intuitiva. Não se começa ao nascer, não se acaba ao morrer. Minha razão acata meu sentimento. E não se mete a entender, muito menos a explicar, a não ser através da intuição, que não precisa atender às exigências da lógica. Até por ter a humildade de reconhecer a própria ignorância, as limitações do conhecimento, do alcance e do entendimento.

Da mesma forma que sabemos hoje o que não sabíamos ontem, amanhã saberemos o que não sabemos hoje. A ciência, que sempre se arrogou dona das verdades, foi obrigada pelo tempo a reconhecer erros e fazer correções inúmeras vezes. Esse processo não termina, embora a arrogância continue, e é de se esperar sempre novos reconhecimentos de erros, correções e descobertas, num caminho sem final, sem chegada, de aprendizado e evolução coletivos. Negar obstinadamente o que não está comprovado cientificamente chega a ser ingenuidade. A ciência não chegou a seu termo, não tem conclusões finais sobre tudo – embora muitos tenham essa pretensão –, há muito a se descobrir, a se corrigir, a perceber e desenvolver. O caminho do desenvolvimento geral, sobretudo da consciência, é um caminho do qual não se vê o fim. Aqui do meu pequeno alcance me parece permanente.

Uso a imaginação pra daqui a mil anos, dois mil, e vejo a integração com a realidade universal, o contato com outras realidades planetárias, no desenvolvimento da consciência pra além da harmonia social que ainda estamos por construir. No contato com outras dimensões da realidade, já praticada por muitos, mas ainda não reconhecida pela “ciência oficial”. Tenho a intuição de que quando alcançarmos o patamar de sociedade sem abandonados, sem escravidão – e não tenho a ilusão de que esse passo se dê com poucas gerações e muito menos no tempo de uma vida, muito trabalho ainda por fazer – e nos tornarmos a família humana e planetária que somos e ainda não exercemos, não tomamos consciência, teremos percepções e desenvolvimentos além do que a maioria imagina ou acredita.

Ao mesmo tempo vejo o planeta dando sinais cada vez mais numerosos e intensos. Por mais que os geógrafos e geólogos digam que todos esses movimentos são naturais e sempre ocorreram, não me lembro de tantas convulsões ao mesmo tempo, terremotos, vulcões, tempestades, furacões, secas, neves e incêndios onde nunca tinham acontecido, migrações em massa e profecias se cumprindo. Parece mesmo que se aproxima “o fim do mundo”, pra quem está atento aos acontecimentos mundiais. E é mesmo um fim de mundo que se aproxima, entendendo por “mundo” as formas sociais em que vivemos. Um modelo social entrando em agonia de morte, prenúncio do nascimento de outro modelo, mais humano e solidário pela necessidade de sobrevivência, de superação das dificuldades que vêm se anunciando há muito tempo e que agora se apresentam e, pelo jeito, vão se apresentar cada vez mais. Não há retorno. Nem haverá um momento preciso de mutação, um ponto no tempo onde tudo vai mudar.

A mudança é permanente e, por mais que o momento seja intenso, de pressão, ainda assim leva gerações esse “momento”. É preciso serenidade e visão de médio e longo prazo – exatamente o contrário da visão imediatista a que a sociedade induz – pra perceber o processo multi-milenar no caminhar da humanidade e do planeta no tempo e no espaço. Minha satisfação – e não me dou o direito de cobrar de ninguém – é me colocar a serviço nesse processo, dentro do meu pequeno alcance e no máximo das minhas possibilidades. Pra mim, é assim que a vida vale a pena.

Eduardo Marinho – 13/10/2021

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.