Qual é o problema com a palavra morrer? Por quê se diz "perder a vida"? A gente perde é carteira, chave, documento, coisas. Dá pra ajudar alguém que perdeu a vida a procurar em algum lugar que ela tenha esquecido? Quando se morre não se perde a vida, se muda de dimensão. A idéia que a morte é uma tragédia, uma desgraça tá equivocada. Morte é conseqüência de nascer. Tudo que nasce, morre. Porta de entrada, porta de saída, a vida é o caminho entre uma e outra. Simples assim. Não se "perde" ninguém, a não ser de vista. "Perdi meu pai", "perdi minha mãe", a gente escuta por aí. Eles não tavam aqui quando tu chegou? Vivendo há tempos, antes de tu nascer? Estarão lá, quando chegar a hora de tu morrer. Porque todo mundo morre.
Em vários momentos da minha vida pensei que tinha chegado
minha hora. “Então vai ser agora” ou “então é desse jeito”, passava rápido na
minha cabeça. Uma interferência inesperada, um acontecimento, uma arma que
masca e não atira, um poste no caminho do carro desgovernado, um “acaso”, um “aviso”,
uma “coincidência”, um “inexplicável” surgia na hora agá e livrava a situação.
E, como se vê, minha hora não chegou. Ainda.
Chegará, sem dúvida, e seria bom se houvesse desejo de boa
viagem, em vez de lamentos, comemoração por uma vida bem vivida, um pequeno
passo bem dado no caminhar infinito da humanidade. Nada de lamúrias e
lamentações, que se contem histórias, que se relatem vivências, que se reflita,
que se emanem bons sentimentos, bons desejos. Que se agradeça pela vivência.
Uma festa de despedida, não um velório.
Que os frutos espalhados por aí sejam cuidados, sem a ilusão
da permanência, mas que durem o máximo possível. Em couro, em madeira, em
metal, em telas, em papel, em camisas, em ímãs, em livros, livrinhos feitos à
mão, fanzines, por último em vídeos, esses não por grana, pelo menos ainda. Se
encontrar uma forma que não me ofenda a consciência, sem dúvida faço uso. Mas
não penso muito nisso, continuo produzindo e vendendo meus desenhos e tudo o
mais, agora vendendo mais que antes.
No pequeno período universitário – menos de um ano – eu comecei
a ser ateu, não convicto, mas negando toda a religiosidade que me cercava. Não
durou muito – pouco mais do que o tempinho acadêmico –, fui me sentindo meio
ridículo nas andanças periféricas e nas ruas das cidades, tanto diante de
evidências espirituais quanto por me ver fazendo a mesma coisa que as religiões
– afirmando o que não sabia. Então pude vivenciar espiritualidades diversas,
desde doutrinas rígidas hierarquizadas até a mediunidade frilance, paga,
retribuída ou não, de graça. Perceber um intercâmbio variadíssimo entre as
dimensões, não duas – a visível e a invisível – mas muitas, além da material em
que estamos, e todas materiais em sua freqüência, imateriais entre si. O que
Einstein chamou de pluriverso.
Assim passei a ver espiritualidade em tudo, em qualquer
lugar, em todo mundo, nos bichos, nas plantas, nas pedras. Não com a razão, mas
com a intuição, o sentimento. Sentia mais que sabia – consciente já de que
estava aprendendo o tempo todo, de acordo com meu próprio interesse,
disposição, atenção e humildade. Aprendia só o que era capaz e sabia ser muito
pouco pra sair tirando conclusões além da minha capacidade de compreensão. E
sentia espiritualidade em tudo, mesmo sem entender.
A gente aprende de acordo com as próprias condições e não adianta
querer explicar o ainda inexplicável, compreender o ainda incompreensível e
alcançar verdades ainda inalcançáveis. Mais útil seria se aplicar no
desenvolvimento do agora, aprender o que podemos aprender e aplicar o que já
sabemos, porque é o que precisamos pra seguir adiante no processo. À medida em
que aprendemos, aumentamos a capacidade de compreensão, de transformação e
assimilação de novos conhecimentos, novos valores, novos comportamentos e novas
relações.
Trato com a espiritualidade sem racionalizar muito. Sigo o
que sinto e me sinto melhor assim. Sob a vigilância de uma consciência atenta,
de quem nada está escondido, embora ela mesma possa esconder muita coisa nas
profundezas do inconsciente. Não tenho pressa. Quando passar pelo portal, aí
sim vou ter que tratar diretamente com outras dimensões. Por enquanto me
relaciono com elas através dos sentimentos, dos pensamentos, dos desejos, do
caráter, das ações e relações no dia a dia. Acho que todo mundo, a maioria
inconscientemente, cada um à sua maneira, se relaciona com a espiritualidade.
Há previsões – mediúnicas e científicas – de que, afinal, a
ciência vai comprovar a existência da realidade entre dimensões. A física
quântica me parece um grande passo nessa direção. Assim como a existência de
civilizações pelo universo todo, as mais variadas. Dizem que vamos desenvolver
aparelhos pra conversar com parentes que tínhamos por “mortos”, perdidos pra
sempre. Que haverá intercâmbio com outras orbes planetárias, na verdade sempre
houve, mas agora de forma direta e consciente. O desenvolvimento é permanente.
A “ciência oficial”, que sempre se pôs como dona das verdades, ao longo da
história foi obrigada a voltar atrás e reconhecer erros inúmeras vezes. Mas não
aprendeu ainda e continua arrogante.
Período de transição planetária. O mundo se modifica,
terremotos, tempestades, vulcões, tufões, maremotos, gelos polares derretendo,
nível do mar subindo, temperaturas variando como nunca, desertificações,
migrações em massa, virão mudanças
geo-políticas, sociais, comportamentais. As mutações no mundo obrigarão a
mudanças radicais nas relações sociais e com a natureza, a solidariedade será
uma necessidade de sobrevivência, a humildade será uma ferramenta de
aprendizado. Agoniza um modelo social, outro surgirá das ruínas. Um trabalho
intenso e conjunto com níveis de espiritualidade além da nossa precária
concepção.
Posso estar errado em tudo isso? Posso, claro. É possível que
a gente morra e puf, tudo acabe, vira nada? É sim, admito. Mas não acredito.
Não é o que sinto – e sei que não é nenhuma necessidade de permanência ou pavor
de desaparecer. Se fosse assim mesmo, não me importaria muito. Nada mudaria,
continuaria a viver como vivo, porque é assim que gosto. Só não posso acreditar
nesse nada, vi coisas demais além da minha capacidade de compreensão, vi
manifestações precisas, recebi recados e avisos cruciais, ouvi coisas
impressionantes, passei por “acasos” e “coincidências” impossíveis. Respeito
todas as opiniões, mantendo a minha. Ela não se baseia só na razão mas,
sobretudo, no sentimento e na intuição.
Pra encerrar uma discussão com um amigo ateu – não entendo
essa necessidade de por idéias pra brigar, não tenho nenhuma necessidade de “defender”
o meu ponto de vista. Posso explicar, esclarecer como vejo, como penso, como
sinto, sem afirmar ser “o certo”, o que supõe estarem “errados” todos que não
concordem – voltando, pra encerrar a conversa, disse a ele que tinha uma
vantagem sobre ele. Se eu tivesse razão, poderia falar com ele “taí, mané, não
te disse?” Já se a razão estivesse com ele, não poderia dizer nada. Brincando,
discussão encerrada. Nessa área, disputar quem tá certo ou errado é pura perda
de tempo. O certo e errado vai se mostrar é no comportamento, na atitude, nas
práticas e relações cotidianas.