sábado, 30 de janeiro de 2021

Manhã abrindo trilha

Hoje acordei tarde. Eram mais de sete horas e o horizonte tava nublado. Deixo a janela aberta, porque o sol nasce entrando por ela e a luz quente me acorda, ainda sendo um quadrado na parede, a forma da janela. Mas hoje as nuvens estavam na frente. Fiz um café, espremi laranjas pro suco, comi três castanhas do Pará, peguei enxadão, enxada e facão. Levei água e a câmera fotográfica na mochila e desci o caminho pro terreno. A trilha está com mais de trezentos metros feitos, da última vez parei junto a um grupo de quatro árvores. Uma delas estava bem no meio do caminho. Abri de um lado, mas estreitava demais a trilha, tinha ficado assim. Cheguei na situação, cavei com o enxadão em volta da raiz, pensando que tirar a árvore do caminho era seu decreto de morte. Enquanto tirava terra, considerei que iria matar um ser pela minha conveniência de abrir passagem, mas também que os seres se devoram entre si, as plantas são o alimento básico de todos, direta ou indiretamente, é lei da natureza no planeta. Havia terra frouxa, preta e cheia de furos debaixo da raiz da árvore, numa entrada da lâmina, funda e fácil, apareceram formigas, era um formigueiro ali e começaram a brotar formigas desesperadas, correndo a esmo, atarantadas, graúdas, pretas. Centenas, talvez milhares se movimentavam nos torrões que saíam aos golpes do enxadão, quando já estavam perto de mim passei pra enxada e fui trazendo a terra pra cima das formigas e atirando morro abaixo. Zuni um monte e ia zunindo, mas elas foram parando de sair, diminuindo, poucas conseguiam subir pela terra solta. Imaginei que procuravam o inimigo que as atacava, mas reparei que não tinham agressividade, estavam tratando com um acontecimento atribuído à natureza, como uma enchente, um deslizamento de terra, uma queda de um galho grande, uma pedra que rola, quando as pessoas correm sem direção, de um lado pro outro, tontas. Cheguei a tirar umas quatro ou cinco que subiam nas minhas botas, mas não pareciam em atitude de ataque. Eu era, pra elas, um acidente da natureza, não se combate os acontecimentos naturais, se adapta, se defende e se prepara pra superar. Assim como as aranhas que eventualmente apareciam e só queriam fugir, se esconder daqueles instrumentos mortíferos, o enxadão escavando, a enxada puxando a terra e jogando pra baixo, os pisantes esmagadores, de sola grossa. Não devo ter atingido o coração do formigueiro, porque depois de algum tempo, poucas dezenas delas circulavam por ali, indo e vindo na terra revirada, até que restaram umas poucas, meio perdidas no caminho, ou apagando os últimos vestígios pra ir embora avisando pras outras formigas pra não andarem por ali - formiga tem essas coisas, se comunica pelos cheiros, cada um com um significado. E eu segui adiante, hoje até mais tarde por conta das nuvens – quando o sol aparece por cima do morro, aí pelas dez horas, fica difícil seguir mais uma hora pra quem não faz este serviço há tanto tempo. A árvore veio abaixo depois de bem escavada na raiz, saiu fácil, um empurrão a inclinou, depois um puxão fez ela deitar. Aí fui com o facão nas raízes ainda na terra e ela se soltou, sendo posta de lado na trilha como apoio pra terra retirada, alargando o caminho. Segui adiante e encontrei mato emaranhado, fui abrindo com o facão até a luz entrar, pra então seguir cavando. Aí roncou a barriga, uma, depois mais uma vez, medi a altura do sol, limpei a última terra, peguei mochila com máquina de fotografia, água, caderno e facão. Catei as ferramentas, olhei o pedaço concluído, mais um, e voltei na trilha, subi a estrada, entrei pela porteira e subi até a casa. Hora de almoçar. À tarde já são outros serviços.










observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.