terça-feira, 6 de setembro de 2011

Educação e Sociedade




         O “empresarismo” é a ideologia dominante, embora se declare, em sua hipocrisia costumeira, sem ideologia.
         O programa “universidade para todos”(PROUNI), falácia descarada, paga bolsas de estudos para alunos pobres cursarem faculdades particulares. Mina de ouro para os empresários do ensino, resolvendo o problema da inadimplência e eliminando impostos.
         Há mais de 14 milhões de analfabetos integrais no país, 9,7% da população a partir de 15 anos. Vergonha que aumenta muito com a inclusão do número de analfabetos funcionais, aqueles que assinam o nome e, com dificuldade, lêem e escrevem bilhetes e pequenas frases, sem condições de compreender ou escrever um texto, uma notícia, muito menos um livro. Aí o número pula pra em torno de 70%. Setenta por cento da população brasileira! Sete, a cada dez pessoas, são sabotadas em instrução - a Constituição, em tese, obriga o Estado a garantir educação de qualidade. E a elite torna o Estado criminoso, em benefício e garantia dos seus privilégios e excessos cuja origem perversa está na eliminação de direitos da maioria.
         Por que o problema não é resolvido? Falta de verba, de competência ou atenção é conversa pra boi dormir, só a ignorância e/ou o massacre da mídia, entre a desinformação e a publicidade, – ou a má fé – podem conceber tais absurdos. A narcose midiática encurrala grande parte da população entre os desejos de consumo e as relações com o sistema financeiro que domina o Estado, diminuindo ou eliminando a capacidade de reflexão independente, o desenvolvimento de uma visão de mundo mais próxima da realidade. Na verdade, é preciso conservar o povo ignorante e desinformado, para manter um sistema social tão desumano, desonesto, injusto, perverso e suicida. É esse o sistema que favorece a elite dominante, a concentração de poder e riquezas nas mãos de poucos, em prejuízo da maioria. A situação de destruição do ensino é intencional, deliberada, estratégica.
         A constituição de 88 estabeleceu a obrigação de repassar verbas para a educação, a partir da arrecadação de impostos. Federais, 18%, estaduais, 25%, municipais, 25%. Em 94, aprovou-se a lei que permite o desvio dessas verbas para fins não declarados, com o nome-fantasia de fundo social de emergência, depois fundo de estabilização fiscal e, por último, desvinculação dos recursos da união, sempre a mesma coisa, subtração de verbas para as áreas sociais da educação, da saúde e da previdência. A prioridade é manter a ignorância, criando uma fachada de esforço cenográfico para “melhorar” a educação. Não se pode melhorar uma coisa que não existe - socialmente falando. Uma população instruída não permitiria tamanhos descalabros na administração dita “pública”, tamanha exploração do trabalho, tanto abuso, muito menos a destruição das leis trabalhistas, com o título hipócrita de “flexibilização”, e o predomínio das empresas na sociedade estaria em risco.
         No período de 2000 a 2007, foram destinados à educação pública R$ 149 bilhões, enquanto no mesmo tempo os bancos credores da dívida pública receberam 1 trilhão e 267 bilhões de reais, só de juros, sem que a tal dívida diminuísse em nada. As prioridades estão claras. Os interesses predominantes estão claros.
         A ideologia imposta à sociedade – e à educação, como estratégia – se baseia no predomínio das leis de mercado, derrubando custos e priorizando lucros. A qualidade do ensino é proporcional ao preço. Qualidade, no caso, não significa preparação do ser humano para se integrar à coletividade humana, de forma harmônica, afetiva e útil à sociedade. Ao contrário, desenvolve-se a eficiência para competir com os semelhantes, a vida tornada uma arena sem limites nem trégua, no mundo reduzido aos mercados de trabalho e de consumo que excluem a grande maioria da população. O modelo de educação mais valorizado, atualmente, é o desumanizante, desintegrador, anti-social. O jovem não deve desenvolver sua capacidade de pensar, sentir, criar, se relacionar com o mundo, solidária e generosamente, em evolução física, mental e espiritual.  Deve desenvolver, sim, a capacidade de produção e consumo, de acordo com o “seu lugar” na sociedade e os interesses empresariais, sua competitividade, sua frieza, seu oportunismo. Sem questionar as causas de tanto sofrimento e tragédia, ignorância e miséria – resíduo e combustível da nossa sociedade - exalta-se o egoísmo, o apego aos bens materiais, a busca de superioridade sobre os demais, como valor social.
         As políticas governamentais de adaptação das atividades do ensino às necessidades privadas demonstram o controle do Estado e das instituições públicas pelas grandes empresas. Em todos os setores, sobretudo os estratégicos – comunicações, energia, educação, alimentação, saúde,... – o privado se impôs ao público, por dentro das instituições mais “respeitáveis”. Creio que a ênfase na sabotagem da educação pública e o controle da educação particular se deve à importância da ignorância e da desinformação, de um lado, e da oferta de profissionais ao “mercado”, de outro, para a manutenção da estrutura social como ela é, altamente injusta, pela sujeição ao poder econômico dos mais ricos entre os ricos. A rede pública é reduzida à miséria, num simulacro abjeto de ensino mentiroso, em detrimento de professores e estudantes, cujas relações foram deterioradas ao longo do tempo, impedindo a integração família/escola, que traria à tona os podres do sistema e apoiaria os professores na sua luta por condições dignas, por estar claro que o interesse nessa luta é de todos. A rede particular é impregnada com a ideologia empresarial no processo de enraizamento dessa estrutura, que já vem de décadas ou séculos. Preparam-se competidores para o mercado de trabalho, competindo pelo mercado de consumo, e não pessoas para viverem em sociedade. Estimula-se o egoísmo extremo, o preconceito social, econômico e instrucional, a ânsia de consumo, a preparação para o conflito entre irmãos, ao mesmo tempo em que se inibe a capacidade de questionar, de pensar com independência. Discrimina-se e se marginaliza os que não se deixam levar ao rebanho de escravos mentais. E são exatamente esses que brilham com suas luzes em meio à escuridão da consciência coletiva, da vida sem sentido, medíocre e vazia, enquanto os donos do mundo se esforçam, com seus inúmeros recursos, para apagar todas as luzes que não os sirvam.
         Não posso apresentar soluções. O que pretendo é mostrar aqui a profundidade em que essa ideologia se entranhou, durante todo o desenvolvimento da mídia – e desde muito antes –, em todos nós. É preciso enxergar o esquema a partir das suas causas e o trabalho aparece em todos os setores da sociedade. Os valores dessa ideologia, que chamei de “empresarismo”, impregna as relações da sociedade e a divide. É preciso percebê-los dentro de nós mesmos, em nossos próprios condicionamentos. A partir daí, podemos nos posicionar diante das imposições enfiadas até no inconsciente - pra isso a academia centrou o estudo da psicologia em mente e comportamento, abandonando filosofia, sociologia, antropologia, enfim, as matérias que humanizam, para se concentrar no controle - pensamentos, valores e comportamentos de massa. É preciso trabalhar, vivenciar e exercer o que desejamos do mundo. Assim podemos trabalhar dentro da coletividade. Modelando nossos valores, modelamos o mundo.

Eduardo Marinho                                                                                      

8 comentários:

  1. Perceber o que acontece e mudar o comportamento já é o início da solução.

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  2. Essa é a realidade do mundo,

    mas para quem esta com as raízes na alienação,

    vão dizer que isso é viajem

    que o governo e as empresas pensam no bem da nação xD

    -

    concordo com o FSB a cima,

    a solução esta em perceber e mudar.

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  3. Concordo com tudo!! Penso frequentemente sobre todos estes assuntos.
    A sociedade é friamente manipulada pelos interesses de poucos, o que torna tudo um inferno para os menos favorecidos mas, como disse nosso amigo no comentário acima, muitos vão dizer e dizem que tudo isso não passa de uma viagem, que estamos loucos, que somos “alienados” quando na verdade os maiores alienados são eles mesmos. As pessoas estão sendo completamente hipnotizadas pelos programas da TV, jornais e novelas que pregam a todo instante o consumismo, o medo e a mentira. Mas tenho fé de que muitos estão despertando para estes assuntos, a luz esta começando a clarear a escuridão e toda a sujeira esta vindo a tona, só não vê quem não quer.

    Parabéns pelo blog querido, sempre com matérias muito edificantes!

    Abraços!

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  4. Essa é a Matrix em que vivemos.

    Devemos nos lembrar, ainda, dentro da denúncia do texto, do papel da polícia. Desempenham reserva de violência: pronta pra entrar em ação caso os demais instrumentos de manipulação não dêem conta. Quando uma luz começa a brilhar, chegam eles, com baldes de escuridão.

    É verdade que nem sempre são necessários, pois a própria sociedade, pouco buscadora de perspectivas críticas, acaba legitimando o "empresarismo" e todos seus sustentáculos. São os homens de terno da Matrix. Estão tão arraigados e dependentes desse sisteminha proposto [ou pré-posto], que não conseguem fazer outra coisa que não defendê-lo.

    Parabéns, novamente, Eduardo. A luz que irradia a partir do seu blog é forte demais!

    http://www.mitoerazao.blogspot.com/

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  5. Muito Bom o texto Eduardo. Eu acho que em parte o porque de nós termos "evoluído" para esse ponto e deixamos nos levar, está muito relacionado com nosso Ego, esse que por sua vez precisa cada vez mais consumir para ser mais, se mostrar superior aos demais, e até mesmo criar intrigas para se auto determinar. A partir do momento em que nos auto conhecermos melhor, vamos poder nos ver livres dessa ilusão material, dessa casca que nos impede de vermos quem realmente somos, que é pura felicidade e compaixão pelo próximo. A Espiritualidade foi ridicularizada, esquecida, vista como balela, e os indivíduos não mais podiam "despertar" dessa realidade lunática para ver a realidade como ela é, sem as falsas mascaras que nos são impostas.

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  6. esse texto me fez lembrar de uma antiga propaganda: http://www.youtube.com/watch?v=zMFqTzH_dn0

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  7. Salve, Edu!
    Pode crer, "é preciso trabalhar, vivenciar e exercer o que desejamos do mundo. Assim podemos trabalhar dentro da coletividade." É preciso estimular os potenciais latentes. O desejo é por completude... redescobrimento do sentido das coisas simples.
    Essas 03 palestras estão ótimas, tudo a ver!
    Abração.

    http://www.ted.com/talks/lang/por_br/chris_anderson_how_web_video_powers_global_innovation.html
    Chris Anderson - Como os vídeos da internet potencializam a inovação global.

    Chris Anderson diz que o aumento de vídeos na internet está impulsionando um fenômeno global que ele chama de "Inovação Acelerada pela Multidão" -- um ciclo de aprendizado auto-alimentado que pode vir a ser tão significante quanto a invenção da imprensa. Mas, para explorar todo seu potencial, as organizações deverão assumir uma radical abertura. E, para o TED, isto significa a aurora de um capítulo inteiramente novo...

    http://youtu.be/5YWF7I4-Et8
    TEDxSudeste - Viviane Mosé - O valor da mudança

    http://youtu.be/HlX8ULaFOdQ
    TEDxSudeste - Vik Muniz - Como juntar arte, cinema e trabalho social

    “Até o ponto que podemos compreender, o único propósito da existência humana é acender a luz do SENTIDO na escuridão do mero SER”.

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  8. A nossa educação é uma falácia e o que é tido como bom, assim é pra deixar as coisas como estão.

    Critiquei, sob esse aspecto, o ITA e só não apanhei porque não disse pra brigar, mas tão-só pra expor minha opinião. É triste demais ver caras com uma formação técnica muito boa sendo inócuos pra sociedade.

    "o mundo já não tem remédio, os suicidas tinham razão".

    Abs
    André Torres

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