Assisti, consternado, ao filme A História Soviética, claramente posicionado contra o regime que vigorou sobre muitos países do leste europeu e da Ásia. As experiências sociais, retaliações a qualquer tipo de resistência, a transferência e extermínio de populações inteiras (em nome de um absurdo bem-estar dos povos centrais da União Soviética), como a morte de 7 milhões de pessoas na Ucrânia, no espaço de um ano (!), após o confisco minucioso de todo bem comestível – exportado para apoiar o esforço de guerra nazista na Alemanha, aliada até o início da 2ª grande guerra -, provocando deliberadamente a grande fome de 1932/33 e cercando o país para impedir a fuga da população, num processo genocida de extermínio. Abaixo, o link do filme – publicado, neste caso, com o acréscimo da palavra nazista. Quem fez o filme, claramente odeia o sistema soviético e carrega nos tons sinistros. Mas as imagens e histórias são contundentes demais para serem ignoradas ou amenizadas pela posição clara do filme. Os números são chocantes demais.
Além dos ucranianos, muitos outros povos periféricos à Rússia e abrangidos pela União das Repúblicas Socialista Soviéticas. No filme, há menção a doze países que tiveram suas populações simplesmente transferidas, por inteiro, para outras áreas, em decisões de “engenharia social”. A desumanidade não ficou devendo a nenhum explorador capitalista do trabalho humano, da miséria e do desespero. Ao contrário, suplantou-a em frieza e arrogância. A fonte é a mesma, a sensação de superioridade de uns sobre os demais, neste formato, com base na superioridade de informações, de conhecimentos e de controle do aparelho estatal. Uma pretensa superioridade humana, que no sistema empresarista se baseia nas posses, na riqueza e no controle dos políticos, o que resvala no controle estatal com uma fachada de democracia falsa, baseada na ignorância que o sistema impõe, com todas as coações e sabotagens sociais que disso decorrem. O preconceito social e o preconceito intelectual dão o mesmo e nefasto resultado, os crimes contra as populações.
O sistema vigente não tem defesa. É desumano, injusto e cruel. Nenhuma sociedade que permita a existência da miséria e da ignorância pode ser considerada ideal. Estamos no caminho evolutivo e não há retorno, a não ser aparente, em alguns casos. Não pretendo com a exibição desse filme apoiar a forma de sociedade que ainda chamam de capitalista. Minha intenção é demonstrar que nenhum sistema baseado em superioridades e inferioridades funciona a contento, servindo com igualdade de direitos, oportunidades, condições e obrigações a toda a gente.
É preciso que os que sabem mais sirvam com o seu saber e não se coloquem como “guias” do povo. As pessoas não precisam de lideranças, precisam de consciência, conhecimento, informações verdadeiras (até hoje, todos os sistemas manipularam informações). A cabeça do sistema precisa estar no chão da sociedade, espalhada entre a maior parte da população. É preciso acabar com a ilusão de que se pode pensar pela maioria, a concentração de poderes não pode ficar à mercê de algumas poucas cabeças pensantes. O condicionamento geral de que maior saber significa superioridade pessoal me parece ridícula, de uma pequeneza moral primitiva. Mais conhecimentos significa maior responsabilidade social, os intelectuais teriam que descer do seu pedestal acadêmico e se por a serviço de uma nova sociedade, esclarecendo, ensinando, levando o conhecimento adquirido em instituições fechadas à maioria, por um sistema social elitista e concentrador, a essa maioria que, no final das contas, é quem constrói, mantém e sustenta toda a estrutura social. Questão de dívida moral, humana, social, há milênios.
As atuais “cabeças pensantes” que se pretendem revolucionárias precisam perceber a inutilidade (e mais, o perigo) da concentração de poderes, da centralização. Desarmar a “superioridade” que a academia injeta no inconsciente e desenvolver a humildade necessária ao bom serviço de conscientização, esclarecendo e não doutrinando, oferecendo e não cobrando, estimulando e não conduzindo. O “descondicionamento” deve partir do reconhecimento dos próprios condicionamentos (de que ninguém está livre) que ditam nossos valores e comportamentos a nível individual, pra que se possa ter maior efeito na coletividade – é muito mais fácil a assimilação com uma apresentação respeitosa e humilde, sem superioridade arrogante, ainda que disfarçada com bons modos. O sentimento emana de qualquer um e a maioria, sabotada em seu desenvolvimento racional (pela ausência de um ensino público real), desenvolve essa área pouco conhecida e até negada na área acadêmica, a intuição, o sentimento do sentimento alheio. Se engana quem confunde falta de saber com falta de sabedoria, falta de conhecimento com falta de personalidade. Esses não conseguem se comunicar com a maioria, até por não saber falar sua língua, resultado dos condicionamentos acadêmicos de superioridade e da distância estratégica em que a academia foi situada na sociedade.
Descer do pedestal é fundamental pra quem se dispõe a trabalhar por mudanças verdadeiras, por uma sociedade igualitária, sem miséria, ignorância e abandono, em nenhum dos seus setores. Sem tirania de uns sobre outros, de qualquer espécie.
É mais que hora de estabelecermos um novo “mandamento”, talvez divino, mas sobretudo humano, solidário e realmente interessado no fim de tanto sofrimento de tanta gente: sensibilizai-vos, esclarecei-vos, conscientizai-vos uns aos outros, com calma, com respeito, com sinceridade, com amor. Como disse Che Guevara, na época ainda da luta armada por mudanças, a qualidade que melhor caracteriza o verdadeiro revolucionário é o amor. Irrestrito, por toda a humanidade, o que garante a não aceitação de nenhum tipo de sociedade em que exista alguma situação de injustiça, de miséria, de abandono. A solidariedade plena é o resultado desse sentimento e o trabalho de acender luzes é parte do processo de conscientização, que me parece o único lastro confiável pro funcionamento das coletividades, junto com o desenvolvimento de sentimentos sociais mais humanos, de condições humanas de mudanças sociais.
O preconceito social e o intelectual são duas vertentes de um mesmo sentimento grosseiro e primário – o de superioridade humana, um com base nas posses, outro nos conhecimentos. O que resulta no predomínio de uns poucos sobre todos os demais e nas perseguições aos que não aceitam essa imposição.
O filme: http://www.youtube.com/watch?v=ewY_k-jFlvk&feature=results_main&playnext=1&list=PLCC7E278552A744D0
O artigo seguinte expõe a bifurcação nascida no movimento hippie, na contestação política do final dos anos 60 (que se prolongou pela década de 70 resvalando em parte dos 80 e dando filhotes até hoje, embora esparsos), quando se questionou toda a estrutura vigente, apontando o caminho de destruição em que seguia a humanidade, dirigida pelo modo ocidental de sociedade, consumista, concentrador, desintegrador e envenenado pela ambição desmedida, o estímulo irresistível ao egoísmo e à naturalização da miséria e ignorância como inevitáveis. Apontaram-se os malefícios da alimentação industrial, na tirânica imposição da dualidade produção e consumo como centro da vida, da transformação da vida em um inferno de competição e ostentação de riquezas como valor social, o consumo como objetivo da vida, os sentimentos, a justiça, os valores humanos esquecidos ou secundarizados, envolvidos no papel colorido da superficialidade para evitar o aprofundamento na análise de tal estrutura social.
Propôs-se a mudança da sociedade da forma mais profunda possível, através da mudança completa dos valores e do comportamento. Por isso foram mobilizados todos os poderes possíveis, desde a segurança pública, as influências religiosas, as instituições e a mídia, em peso, contra aquela ameaça à “estrutura social”, aos “bons costumes” e à família tradicional. Construiu-se um preconceito monumental e todos os pretextos foram utilizados contra a “subversão dos valores da sociedade”, à semelhança do que fez o império romano com os primeiros cristão que propunham as mesmas coisas – fraternidade universal, igualdade plena e destruição das estruturas sociais baseadas na exploração da maioria por grupos minoritários de poder. Naquele caso, a perseguição parou com a institucionalização da igreja, na esterilização das propostas cristãs e na cooptação da instituição cristã para a manutenção da sociedade, sacralizando os abismos das diferenças sociais, como determinação divina.
O trabalho real de revolucionar o sistema social humano deve necessariamente se basear numa população instruída e informada. É imprescindível o trabalho de sensibilizar, esclarecer e conscientizar a maioria, com o pressuposto básico da humildade, da disposição de aprender e do espírito de serviço, em vez da perigosa pretensão de lideranças, condutores e dirigentes.
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