terça-feira, 3 de junho de 2014

Pra não dizer que não falei da copa.

Os que conseguem esquecer fazem a festa. Os que não conseguem estão se conscientizando.

Copa do Mundo, 2014 - A mídia faz a festa sobre as tragédias cotidianas, agora sufocando mais pelo clima festivo. Os mega-empresários aproveitam a ocasião de lucrar a todo custo, indiferentes ao sofrimento causado. Especulação imobiliária, construtoras, indústria do turismo e suas múltiplas facetas, terceirizadas de todo o tipo, o lucro acima das pessoas. O governo mostra sua cara de gerente dos ricos empresários que financiaram as campanhas eleitorais. E põe a polícia militar e civil - estaduais -, a guarda municipal, as forças armadas, todo o aparato público, tudo pressionando os moradores pra que saiam, tudo preparado pra encarar as manifestações "contra a copa". O governo federal, o estadual e o municipal, em franca distorção das suas funções, atacam a população, violam direitos, atacam com fúria usando o "monopólio da violência" , de forma truculenta, ferindo, matando, prendendo, forjando, torturando na defesa de interesses empresariais.  

Eu teria vergonha de me empolgar com essa copa da fifa. Teria vergonha de chamar essa seleção de milionários, atletas bancados por multinacionais, de Brasil. Grandes empresas mundiais se atrelam e tomam o território nacional - há governo nessa porra?- com suas leis determinando, entre tantos absurdos, proibido o comércio informal, num país com 70% de trabalhadores na informalidade. Agora, com a má repercussão, estão distribuindo alguns uniformes e crachás e dizendo que será uma "informalidade controlada". A violação da soberania continua. Tentaram até proibir o acarajé na Bahia, pra não concorrer com seus hambúrgueres que não apodrecem nunca. 
Teria vergonha de participar dessa festa do egoísmo, da indiferença com o sofrimento permanente de milhões de pessoas, mais de duzentos e cinqüenta mil famílias expulsas das suas casas por conta do pretexto da preparação pra copa. Sou obrigado a assistir a esses gasto de milhões, saber dos lucros de bilhões pro punhado de poderosos. Essa alegria falsa, encenada, o consumo estimulado ao extremo diante da miséria espalhada pela concentração de riquezas, mega-empresas patrocinando e embolsando rios de dinheiro diante da desinstrução planejada e da narcose midiática, implantada meticulosamente na estrutura tanto da sociedade como da mentalidade geral. É uma festa macabra pra quem conhece a realidade além das distorções da mídia. 
Também sinto um pouco de vergonha desses que se consideram revolucionários, mas vestem a camisa amarela da CBF, uma empresa privada de criminoso histórico, e torcem apaixonadamente pela seleção das multinacionais que se representam com seus patrocinados e se apresentam como "Brasil". Não consigo esquecer nada disso, mesmo no caso de estar no bar e assistir na televisão. Gosto de futebol, mas não me empolgo, não torço além de ver gols, dos dois lados - prefiro do lado brasileiro, claro, não estou isento dos condicionamentos, mas admiro qualquer gol, ou quase. 
Os torcedores apaixonados que se julgam politizados acabam mostrando que são revolucionários de superfície que não enxergam sua própria superficialidade, não vêem em si mesmos a reprodução dos condicionamentos impostos pelo sistema dominante e os praticam no seu dia a dia, não só no "futebol espetáculo". A própria entrega do sentimento, a empolgação esquecida que o evento foi razão e pretexto pra tantos crimes, demonstra a fragilidade revolucionária. Há uma dificuldade imensa em se olhar pra dentro, com sinceridade pra reconhecer os erros, profundidade pra perceber as raízes e humildade pra trabalhar nelas e se reformular constantemente. Se a revolução não começar dentro de si mesmo, não é revolução, mas simulação, casca sem conteúdo. Da construção interna e individual é mais fácil trabalhar na coletividade, mais fluido, mais sereno e produtivo.
Seria simplista dizer que sou contra a copa. Sou evidentemente contra tudo o que a ganância dos poderosos fez com a população sob o pretexto da copa. Mas essa porra é um fato e eu não vejo porque ficar brigando com todo o alienado que agora tá envolvido pela televisão. É um sentimento estranho conviver com isso tudo, mas à minha volta há vítimas, não idiotas, mentalidades produzidas em laboratórios de psicologia do inconsciente, de publicidade e márquetim, implantadas no inconsciente coletivo pela mídia, diariamente, diuturnamente. Confraternizo, opino diplomaticamente, mas sem falsidade, de forma que as pessoas se constrangem um pouco e não voltam a me pedir opinião. Algumas sim, poucas, e ficam sabendo o que penso, delicadamente e com respeito, pra ninguém se sentir acusado. Acaba havendo um constrangimento respeitoso e se muda de assunto. Geralmente.
Os responsáveis por isso não põem a cara na rua, não andam por aí. Passam de helicóptero, dentro de carros blindados e com escolta, têm bancos e empresas gigantes, compram políticos e mandam na "política". Que deixou de ser política há muito tempo, se é que algum dia foi, pra ser uma farsa descarada, a serviço dos interesses de poucos e em prejuízo da maioria da população, com o nome fantasia de "democracia". As "instituições democráticas" são cenários onde dançam as marionetes do poder visível, presas pelos fios que somem no alto escuro do poder real, os pouquíssimos mais podres de ricos. O povo, infantilizado, assiste ao espetáculo hipnotizado, os sentimentos, os valores, os comportamentos conduzidos com maestria por cabeças geniais muito bem pagas, na "política", na mídia, na economia e em todos os setores. Nessa alegria se constrói a desgraça coletiva, inclusive da esmagadora maioria dos alegres, dos apaixonados do "futebol'. Mas sobretudo e perversamente sobre os de baixo, os sabotados da sociedade.
As seleções foram compradas e já não representam os países dos quais ostentam os nomes, mas as empresas patrocinadoras, multinacionais que se insinuam nas marcas expostas estrategicamente nos subliminares e descaradamente em toda parte. Com a cumplicidade do Estado e das "instituições democráticas", a narcose midiática consumista come solta em meio à ostentação do evento e a alienação dos torcedores..
Sociedadezinha de merda. Não dá pra partilhar dos seus valores.

Eduardo Marinho 

                                                                                                       

23 comentários:

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    1. Ora, por nada. Foi quase um vômito, eu tava precisando.

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    2. A própria sujeirada precisa da sujeira, ela aparece e necessita aparecer, mas também por ser sujo é que se vê bem. É impossível esse sistema não ser sujo, pra quem tem R$ e muitas influências, amizades profundas ligadas ao interesse de nunca se entregar a igualdade e ao bem estar de todos, apenas dos que ali estão... Vômito é ácido e limpa! Grande abraço

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  2. Não entendo... o governo recebe à crítica pela "política temporária" quase que exclusiva à copa; são as diretrizes da Fifa - lembrando o quão esse órgão é corrupto, assim como a CBF representa: lavagem de dinheiro, documentações falsas, só para começar - cordões de isolamento nos Estádios: é contrato; venda de produtos nos estádios e entorno apenas das empresas que patrocinam oficialmente o evento: é contrato; bebidas alcoólicas nos Estádios contra a legislação local ... Puxa isso é ruim, assim sem mais nem menos, assinado antes quando o Brasil se candidatou. Revoltas na época? A ironia é trágica; essa copa, assim como a da África do Sul, e talvez em todas em menor ou maior grau, é a copa do contraste e da exclusão, sintoma histórico de nossa sociedade. As remoções ilegais e imorais no Rio de Janeiro, por exemplo, obedecem uma regra antiga de segregação da população pobre para mais longe do centro, e agora com pretexto -. Há quanto tempo assisti-se isso. É revoltante. As mortes nos estádios em construção: quem eram esses operários, para não perguntar a origem; primeiro em Manaus, depois em São Paulo, serão lembrados na grande festa da abertura, ou no encerramento. O executivo federal e estadual estão em xeque; mas quem constrói a crítica receberá da oposição as benesses de ser contra o governo. Necessita-se das revoltas para reformas que a muito tempo poderiam ter sido construídas. Eu não quero ver o Brasil se transformar numa Ucrânia, ou numa Síria, por conta da difamação e da calúnia. Os problemas são estruturais e a necessidade de mudança é um espírito do tempo que o Brasil se retroceder será engolido por aventureiros e espoliadores que não terão o mínimo interesse aqui senão como "eterna" colônia primária.

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  3. Depois da Copa terá eleição e, ao que tudo indica, quem está no poder se manterá. Mas se fosse mudar, quem entraria no lugar? kkk

    Enfim, me sinto de mãos atadas. É como se isso tudo fosse fora do meu alcance. As vezes penso que a acomodação seria o caminho feliz, pois os incomodados não tem para onde se mudar. Mas quem disse que eu consigo me acomodar? =/

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    1. Quem está no poder de verdade não depende de eleição. Os eleitos fazem a dança das cadeiras pra disputar as gerências, os cargos eletivos, em nome dos seus financiadores de campanha, dos seus apoiadores banqueiros e mega empresários. É uma visão superficial acreditar que o poder real está no teatro de marionetes da política. E antes que me pergunte, não há solução, o que há é um processo em que caminha a humanidade, em suas coletividades ainda estanques. Milhares de anos se passaram, milhares de anos passarão. É preciso escolher como participar desse processo o menos iludido possível.

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  4. Pois então, no meu entender o único caminho é compartilhar as ideias de caras como o Eduardo para que mais pessoas tomem consciência do que acontece dentro de si próprio e também ao seu redor. Mas é foda, brigo continuamente comigo mesmo pra me livrar da carga de anos de propaganda consumista recebida e também do sentimento de superioridade. Vamos trabalhando...

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    1. Acredito que não há um único caminho, mas infinitos. Escolher por si é que é difícil - embora não impossível - por causa da lavagem cerebral cotidiana, aplicada com esmero à coletividade pela mídia, pela cultura do consumo e da superficialidade.

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  5. Olá, venho acompanhando suas pastagens faz um tempo. Na verdade foi desde que vi um vídeo seu no YouTube, e me impressionei muito com o que venho lendo pôs sempre me sentia muito angustiado e encomodado com toda essa sociedade e tudo o que ela promove, mas nunca consegui me expressar de tal forma talvez por baixo nível de experiência por ser adolescente ou por baixo nível cultural por sempre ter estudado em escola pública... mas você escreve como se fosse um médio que expressa minhas angústias, ou adiciona novas por meio das suas reflexões... que cada vez mais vão me dando sentido a essas dúvidas e insatisfações que sempre me atormentavam. Porém agora com seu blogg, sei que além de não estar sozinho nesse barco também tenho muito do que aprender sobre. Digo estar só, pós além de não conseguir por pra fora tudo o que penso também não sou ouvido ou muito menos aceito em meu meio. Apesar de tentar dolorosamente me encaixar nele pôs ele me cerca de tal forma que me força a fazer parte. Mas sei que nunca farei, estou procurando respostas... algumas você me respondeu. mas como você, sei que nunca vou encontrar todas.. mas só a procura já me vale.
    Então, desde já agradeço imensamente suas reflexões e respostas... me desculpe pelo meu português chulo e também se viajei de mais.
    Obrigado e de coração.

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    1. Seu meio é bem maior do que cê tá considerando, olhe além do primeiro círculo de pessoas e verá outros círculos, uns dentro dos outros. Ninguém tá sozinho, a não ser que se isole - em medo, decepção ou raiva, por exemplo. Os que pensam por si são poucos, sem dúvida, mas estão aí. Abrir os olhos e ouvidos ajuda a encontrar, embora a busca não seja essa.

      Adolescente, é? Tem muita coisa pela frente, imagino. Vai andando que as coisas acontecem. Atenção nas encruzilhadas, nos momentos de decisão. Escolhas são plantios e as colheitas são inevitáveis, com o tempo.

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  6. Acho que temos q separar a cultura do futebol do sistema que lhe é imposto. Se o futebol virou a política do circo não é culpa do esporte e sim do sistema. Desculpa Eduardo mas não vou deixar de ir a faculdade pública porque os governantes são ladrões, não vou deixar de posso deixar de pegar um ônibus porque existe um cartel. Infelizmente o esporte sofre do mau da sociedade, e eu amo jogar futebol. É claro que não vou comprar camisa da CBF e muito menos pagar uma fortuna para ir no estádio, mas não vejo mau em assistir e querer que o Brasil vença.
    O grande problema da nação não é a copa, a dívida é infinitamente pior: http://maishumanismo.blogspot.com.br/2014/05/uma-copa-por-mes-o-que-acham.html
    Um grande abraço

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  8. Eu concordo contigo na tua reflexão redigida e muito profundamente bem analisada !
    A ignorãncia e alienação do povo do braiz pelo futebosta turbinou a maldição da mídia,mas principalmente a maldição da politica que por maldade pura, a DÉCADAS soca o futebosta guela abaixo no povo que ingere isso como o "PRATO PRINCIPAL"(almoço e janta) tipo caviar(um único prato de luxo).
    Infelizmente o estado de miséria é tão profundo que essa é a unica forma e razão dos alienados se sentirem patriotas e justamente otima oportunidade para politicos(a bandidagem)criar novas manobras para sabotar ainda mais a população.

    É obvio que as pessoas que pensam diferente e tem a visão ampla do tamanho PROBLEMA CAÓTICO DA MISÉRIA CULTURAL sejam encaradas como "radicais" e não como "realistas",mas eu tambem não me intimido,apesar de ser frustrante a tentativa de tentar abrir os olhos das pessoas mostrando e explicando a realidade do mundo que elas vivem.
    Esse país não tem jeito, sempre será assim, culturalmente miserável.

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  9. Então cara, muito bons seus posts e desenhos, parabéns.

    Me diz ai, como vc começou a vender seus desenhos e como é trabalhar com isso?

    Eu sei desenhar também, tenho 19 anos e estou sob pressão da família pra arranjar um emprego, mas quero viver do que eu gosto, que é desenhar.
    Eu sou de classe média e aqui onde moro não têm opções se não entrar pra uma linha de produção e passar 10 horas por dia lá dentro. Não estou disposto a isso.

    Se puder, dá uma olhada aqui e diga o que achou dos desenhos: http://lucassiqueira.deviantart.com/gallery/
    Não é uma arte-útil como a sua, mas tá valendo, haha.
    Desculpa se saí do assunto do blog.

    Abraço

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  10. O problema não é a classe social, quando todos se vitimizam (direta ou indiretamente). Uns mais, outro menos - é verdade. No entanto, a opressão existe também nas "classes dominantes" que são, geralmente, as que mais se confundem a respeito do que lhes é essencial.
    Os ditos privilegiados têm acesso a um universo de utilidades que não preenchem, necessariamente, as suas mais íntimas carências. Pelo contrário, geram apenas uma dependência autodegradante, capaz de transformar estes indivíduos em servos do consumo desenfreado.
    E será se há maior escravidão do que a inconsciente?

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  11. Eduardo, dá uma olhada nesse pai "coxinha" tentanto tirar o filho da manifestação da copa em SP:

    http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/2014/06/1469817-pai-retira-filho-de-protesto-em-sp-assista.shtml

    Lembrei muito da sua história e do conflito com seu pai.

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    1. O pai do muleque não entende a diferença entre direito e privilégio.

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  12. Verdadeiro, Eduardo! Dias atrás postei no face algo como: Preciso compartilhar minha tristeza; tenho visto carros e casas com a Bandeira do Brasil; isso não me deixa feliz pois sei que assim que tudo terminar elas, as bandeirinhas, vão parar no lixo que talvez, não seja nem o reciclável. Eduardo ,isso, somado a tudo mais, dói!

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    1. Dói, mas a gente sobrevive. Toma-se como sinal e se vê como trabalhar, como existir nisso tudo.

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  13. Grande Edurado, sábias palavras como sempre!
    Tomei a liberdade de copiar um trecho do teu texto e colei lá no meu blog (com a devida indicação, claro). Somos um grupo de amigos querendo escrever sobre alguns assuntos inquietantes e tenha a certeza de que tu é uma grande inspiração para nós.
    Sinta-se a vontade para dar uma olhada no material. link: www.caminonohay.blogspot.com
    Um abraço.

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  14. Cara Parabéns pelo seus vídeos, salvei pra rever várias vezes e não cair no esquecimento.

    Sem mais palavras, vou procurar ter mais ativismo em favor do bem, tirar o egoísmo e viver e aprender, como você mesmo diz, o sentido da vida é viver e aprender para tentar fazer valer a pena.

    Obrigado!

    Adriano Mota - São Luis-MA

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