sexta-feira, 11 de março de 2016

Viagem a Sampa, curta e densa.

Aqui o cansaço, baqueado com a garganta, pode baixar em São Mateus. Eu tava em casa.
Uma noite na estrada, via Dutra, poucas horas dormidas num posto de abastecimento. Na casa que nos recebeu, um bom banho. As atividades, no entanto, não terminaram antes das quatro da manhã, enquanto esperávamos pra descansar. Éramos três, dois dormiram na Kombi e todos dormimos precariamente, de novo por pouco tempo. Ali era muito mais casca que miolo, muito mais forma do que conteúdo. O interesse estava no ar, os olhares não correspondiam às expressões e, quando correspondiam, mostravam ingenuidade e superficialidade de consciência – em plena simulação de consciência cósmica, com tendências orientais e alguns traços da mística afrobrasileira. Roupas vaporosas, túnicas indianas, turbantes, incensos, velas, o cenário era bonito, embora de espiritualidade só tivesse o que tem em qualquer parte que haja vida. Os que deixam o hábito de comer carne, muitíssimas vezes, sentem superioridade sobre os carnívoros, “primitivos”, “atrasados”, sem perceber que este sentimento de superioridade é o demonstrativo da sua própria precariedade espiritual, sem perceber suas próprias necessidades evolutivas, se contentando com este sentimento mediocrizante de superioridade e se fechando em grupinhos “mais evoluídos”, segregando mais ou menos os que não fazem parte. E aí se estaciona, se fabrica futuros sentimentos de vazio, de ausência de sentido na vida, de angústias inevitáveis. Falta raiz, falta realidade, falta o pé no chão, o peso da ação prática, da visão reta, da simplicidade no olhar, no sentimento de igualdade, reconhecendo a diversidade. Namastê... gratidão... e a gente vê a distância nos olhos e no sentimento. Quando não é distância afetiva, é distância de consciência, distância de realidades, distâncias morais. Não há fraternidade verdadeira sem o sentimento de família, de igualdade e respeito, com todas as diferenças de forma, de atitude, de pensamentos e sentimentos. A humildade aproxima, aprende e ensina, sem superioridade, por prazer, por dever moral, por necessidade interna. E, sobretudo, sem interesse algum em retribuição, seja qual for. O prazer em fazer é a retribuição.

Primeiro papo, de manhã, no MASP, avenida Paulista.


Muita gente parou pra ver, pra assuntar, alguns pra comprar.
De manhã, fomos expor na avenida Paulista e ficamos até depois da meia-noite. Boas vendas, conversas melhores ainda, com o tempero de uma passeata de bicicletas cheia de nudismos. Tudo meiquinhofado pra um documentário que tá sendo feito. Celestina parada numa vaga liberada da tarde de sábado até segunda-feira, serviu de abrigo na madrugada. Acordamos, café e expor na Paulista, desta vez saímos cedo, pra São Mateus, zona leste, ao encontro de amigos grafiteiros. Aí, sim, nos sentimos em casa, recebidos como família. Aí sim, pude sentir o cansaço que estava represado, estourando num baque que me tirou a voz e a disposição. Por um momento, porque depois que desisti da palestra na Roosevelt, onde aliás choveu o suficiente pra não rolar o evento, dormi uma noite ótima e no dia seguinte palestrei pra visitantes do centro cultural do grafite em São Mateus. Sem microfone, intimista, com tradução pro inglês, simultânea. Um acontecimento raro, numa periferia.

Papo no ateliê, com o Val e a rapaziada.

A turma reunida no Ateliê de São Mateus.


Agradeço a recepção de Toddy e Val, de dona Malvina e seu Atílio. Tudo família, em sentimento e em humanidade. Solidariedade plena e valiosa.

Os papos no ateliê do grafite são sempre densos, profundos e enraizados na realidade da maioria, no confronto entre Estado e população periférica, entre a repressão, a exploração e o desrespeito cotidiano, social, econômico, político, instrucional, informacional. A autonomia é o primeiro passo a ser dado na direção da realização pessoal e coletiva. Autonomia do pensamento, na criação de valores e comportamentos, de desejos e objetivos de vida além da falsidade institucional.

"Agora vou dormir, amanhã tem trezentos quilômetros até Visconde de Mauá." Dito e feito.



13 comentários:

  1. Eduardo, quero q saiba que espero nova palestra para poder escutar suas palavras e conhecê-lo pessoalmente. Eu adiei minha ida à Paulista sábado e no domingo eu não pude ir, mas acreditei q iria vê-lo segunda-feira no Slam. Aprendi uma rica lição. .. não deixe para amanhã o que vc QUER fazer hj. Espero q em breve vc esteja aqui em Sp ... e claro 100%. Obrigada por suas ideias inspiradoras e pelo seu jeito que nos instiga a ir e ver além...
    Fim da conversa no bate-papo

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    1. Não entendi o fim da conversa no bate-papo... mas tá tranqüilo. Eu volto a Sampo e aviso por aqui e pelo feice.

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  2. Verdade Eduardo, o que é relevante é o interior, é aquilo que emerge, a partir do sentimento. Sou vegetariana, mas de modo algum considero isso como um "sinal de evolução" (KKkK!!!!!) para mim é uma escolha e ponto, nunca 'patrulhei" quem quer que seja...ao contrário, tenho sido muito interrogada por isso (huahuhua!!!!!)...
    Questão irrelevante o que se escolhe para comer, pois o que conta (como há muito tempo Alguém já disse...) é o que sai da boca do homem, o que sai de seus pensamentos e de seu coração...é a energia que ele põe em troca com o outro e com a vida... Pois é Eduardo, um documentário seria bem legal! Mas, com ou sem documentário, tenha certeza, suas sementes por meio de sua arte, seus escritos não estão perdidas, germinam por ai o tempo todo! Fique bem! se cuide!Aproveite sua estada nesta linda terra que é Visconde de Mauá...bons encontros, boas vendas! Paz das alfazemas pra vcs! Até qq hora lá em Santa Teresa

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  3. Feliz por ser de São Mateus, por estar em São Mateus e por viver aqui. Infelizmente não pude estar no domingo, mas me enriquece e conforta o coração saber trouxe algumas palavras da sua rica sabedoria para o nosso povo. Gratidão define.

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  4. Cara, descobri esse teu blog a pouco tempo e só tenho a parabenizar. Compartilho muito do teu pensamento, é bom ler/ouvir alguém tão são falar. Obrigado.

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  5. sabe-se que a alimentação carnívora está associada a produção de células cancerígenas, também, o indivíduo consciente, naturalmente deverá compreender o sofrimento dos animais (nossos irmãos mais novos no processo evolutivo), pois são mais de treze bilhões de bichos abatidos por ano para aplacar com sangue e dor o vício da carne. Essas informações são pouco divulgadas nas mídias de acesso comum para proteger os interesses da indústria latifundiária.
    É preciso entender que comer "Cadáver" é uma cultura insalubre que nos foi ensinada, já que nosso aparelho digestivo é diferente do dos animais verdadeiramente carnívoros.
    É claro que não se deve definir "Evolução e Involução" pelo fato do outro ser carnívoro ou vegetariano, mas, não participar da matança de seres inocentes para satisfazer um "prazer", certamente nos melhora e afirma o indivídua consciente em nós.

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    1. "... e afirma o indivíduo consciente em nós."

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    2. É, eu tenho visto por aí a "humildade" dos veganos... é preciso respeitar o tempo de cada um, pois comer carne é um processo que existe na própria natureza mutante. É preciso respeitar o nosso nível e trabalhar a partir dele, porque não há pulos no processo. A mudança alimentar é inevitável, o caminhar é inevitável e certamente evoluiremos, como evoluímos até hoje. Mas a primeira e fundamental mudança é na alma, e daí se reflete no corpo, nos costumes e hábitos. É preciso respeitar.

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    3. Humildade à parte (considerando que tal qualidade não se mede pelo que entra, ou sai da boca)... Não se pode negar (se queremos ladear a razão), que flertar com o veganismo já nos aproxima do Bem estar,‘Virtuoso’, que o consumo alimentar saudável propõe. Quanto a “Humildade”... Qual aquele que, independente daquilo que venha comer, se pode dizer dotado?
      Por fim, nos encontramos, Eu e Você, concordes na máxima: “É preciso Respeitar...” Pois, entre concordâncias e contestações é Ele, “O Respeito”, o mediador da boa comunicação.

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    4. Noutro assunto...
      Quero ressaltar a honrosa "Batalha" de chamado à consciência que o raro Guerreiro tem se lançado a lutar.

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  6. meu camarada se eu soubesse que estava aqui perto da minha casa eu iria até voce pra apertar sua mão...

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  7. Cara, até Segunda-Feira não sabia de sua existência, nem imaginava e brother meu me mandou um vídeo seu (Sistema Escravista - Democracia Falsa) e em 7 minutos fiquei encantado (no bom sentido,rsrs) com o seu modo de pensar, sua visão da vida e sua sabedoria e conhecimento. Confesso que ao ver o seu vídeo eu fui convidado a desapegar desse sistema imundo que está enraizado em nossa mente, nossa vida, já nascemos competindo e somos vencedores sem querer,rsrs...
    Confesso a você que apesar de ter humildade, não tratar ninguém com distinção, seja de que classe, raça, cor, situação econômica for, eu sou apegado ao dinheiro e me frustro quando não tenho grana para comprar o que eu quero, pois eu gosto de comer bem, me vestir bem, ter o que eu gosto, apesar de ter humildade e não desdenhar de ninguém...
    Mas quando eu vi o seu vídeo eu falei...Caraca...esse maluco é diferente...afinal nunca eu vi na minha vida alguém com o objetivo de não ter nada material, mas sim ter a riqueza moral, afetiva, de valores como ser humano...
    O que eu posso dizer é que depois q eu vi seu primeiro vídeo eu quis saber mais sobre você, seu trabalho, sua ideologia, seu modo de pensar e de viver é cara, fiquei muito feliz e vc é um exemplo de vida, de coragem...vc me ensinou muita coisa em 7 minutos...
    Cara, sem palavras pra vc, quando vc vier p São Paulo vou fazer questão de te conhecer e trocar uma idéia c vc, se todos pensassem como vc, o mundo seria muito melhor....

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