Aproveitando minha incapacidade momentânea de sair à rua,
desenrolo aqui uma série de reflexões a respeito do que acontece, no momento, em
nossa sociedade brasileira. Ligando os acontecimentos aos do mundo, como
parte da geopolítica imposta pelos poderes corporativos planetários, através de todos os meios, diplomáticos,
econômico-financeiros, culturais, interferindo brutalmente nas políticas
nacionais. Onde não funcionam os meios subterrâneos, ocultos, entra a
força militar das armas, descarada, sob os mais variados pretextos, com um único ponto em
comum: são todos mentirosos ou, no mínimo, distorcedores da verdade.
Não se trata de "defender a democracia", porque não há democracia neste país, mas uma ditadura da grana, explícita, que domina todas as instâncias ditas democráticas. Trata-se de defender o processo social em curso, insipiente, que não tem no governo a iniciativa, mas a anuência aos pequenos avanços da maioria mais pobre no sentido de começar a participar dos processos, a alcançar algum nível de instrução e informação, a formar seus coletivos, ainda exceções às regras, nas comunicações, nas informações, na percepção da sua importância na estrutura da sociedade.
Toda vez que um governo freia a ganância dos mega-parasitas –
mega bancos e empresas transnacionais –, ele passa a ser maldito, difamado e
atacado pela mídia. E as oposições internas, sejam lícitas ou ilícitas, começam
a receber incentivos, apoios e dinheiro pras suas atividades lícitas ou
ilícitas, pelas vias política, jurídica, publicitária-midiática ou mesmo
armada, pra desestabilizar tal governo e reinstalar outro, mais submisso ainda, fortalecendo as dragas que
sugam as riquezas, os recursos, o patrimônio e as verbas públicas, com total
desprezo pela miséria e sofrimento que se causam às populações.
É espantosa a semelhança das elites cooptadas pelos poderes
imperiais do mundo – na América Latina isso é claríssimo. Como sua oposição em
geral não tem substância real e se baseia na inconformação diante da elevação
do padrão dos mais pobres – e conseqüente contenção da avidez dos mais ricos – a
base dessa oposição é o ódio, a difamação, a violência, o descontrole
emocional, a briga, onde a poeira se levanta pra esconder a realidade. O mesmo se
vê em contendas individuais, onde quem não tem razão parte pro insulto vazio e busca o conflito pra
que não se esclareça o assunto, parte pra agressão, não deixando
espaço pro diálogo. Qualquer um que se disponha a conversar sobre esse
impítiman falcatruesco, ainda que sem expor opinião contrária e apenas
questionando as motivações reais, com qualquer dessas pessoas que querem
expulsar o atual governo, vai encontrar impropérios, palavrões, raivas incontidas,
acusações absurdas e sem provas, papagaíces midiáticas e nenhuma razão ponderada, com
fundamento, que possa ser explicada com calma.
Existem razões palpáveis pra essa interferência nos países
considerados subalternos pelos poderes econômicos mundiais que emanam das
corporações estadunidenses e européias, acostumadas à exploração livre desses
países, ao parasitismo nocivo aos povos, através do controle dos seus governos. O histórico de golpes militares
na América Latina – todos os países latinoamericanos sofreram golpes militares
planejados, induzidos e financiados diretamente pelos governos dos Estados
Unidos (no caso do Brasil, o documentário feito pela TV Brasil - "O dia que durou 21 anos" -, com base nos
documentos secretos que a lei estadunidense obriga a publicar depois de 40
anos, mostra toda a trama, o cenário montado em território nacional pelas
agências de segurança, pelas filantropias de fachada, pelo treinamento e
infiltração de mais de 30 mil agentes nos sindicatos e associações e culminando
com o envio da 4ª Frota, armada pra guerra, com o objetivo de derrubar um
presidente que investia na educação, no transporte, na organização popular, na
erradicação do analfabetismo, na reforma agrária, ou seja, na população – sob a
acusação falsa de que era um “comunista”, contando com a ignorância geral do
povo).
Desde o princípio da invasão européia nestas terras
habitadas, foram instaladas aqui elites dominantes a serviço das metrópoles –
neste caso, Portugal e Inglaterra – que, ao longo dos séculos, vêm se mantendo
e cumprindo sua função, com extremo desprezo pela população local, com
submissão explícita às ordens e aos interesses externos, na manutenção dos seus
privilégios sujos de sangue, na repressão permanente a qualquer tipo de revolta ou resistência,
de reivindicação de direitos e de conscientização das camadas de base da
população. Essas elites, fiéis aos exploradores e traidoras da nação e do povo,
são as que se levantam hoje em fúria contra o governo do petê, engrossadas suas filas com a ignorância e o controle da opinião pública exercido pela mídia.
Não que esse governo mereça alguma contemplação. Esse
partido - o petê - fez um expurgo interno a partir da campanha de 89 – a luta interna já
havia – e conseguiu impor o coletivo chamado “articulação”, hoje “campo
majoritário”, anulando sua índole socialista, popular, e pouco a pouco
exterminando os processos que davam voz ao coletivo do partido, se aproximando
cada vez mais dos procedimentos convencionais dos partidos na chamada “democracia
burguesa”, termo absurdo e contraditório, pois se é burguesa não é democracia.
Depois de várias eleições perdidas e do expurgo das forças internas mais
democráticas – que não admitiam essas mudanças que acabavam com a força das
bases partidárias – o petê já se assemelhava aos outros partidos e precisava se
agarrar à sua história pra se diferenciar dos outros. Mas aqueles mais ativos
na construção dessa história já estavam fora – se aglomerando em siglas
partidárias sem penetração popular – restando as celebridades, os quadros de
colunas flexíveis, que se submeteram aos poderes econômicos e suas exigências
sociais – manutenção da miséria e da ignorância – sabotagem do ensino público e
enquadramento do particular –, da concentração fundiária e industrial, da
preponderância dos interesses banqueiro-mega-empresariais, e consequentemente
da exploração, da destruição das garantias trabalhistas, da privatização do
patrimônio público e na intocabilidade da concentração das comunicações em meia
dúzia de famílias. Como acontece tantas vezes a nível individual, esse grupo
partidário abriu mão da sua alma pela sua ânsia de chegar ao “poder”, na
verdade o governo, gerente dos verdadeiros poderes – que comandam dos
bastidores, onde não existem eleições.
Aqui entra a analogia dos capatazes. Na dualidade simplória
imposta pela mídia, há governo e oposição, apenas e mais nada. Digamos dois
capatazes pra gerenciar uma fazenda Brasil, tida como propriedade de quem nem
vive em território nacional, apenas explora o mais que pode seus recursos, seu
patrimônio e sua população. O petê, capataz eficiente que mantém o predomínio
internacional sobre as riquezas da nação, é “benevolente” com os escravos da
fazenda, o povo, e deixa cair migalhas a eles dos fartos banquetes dos poucos
potentados. Daí a entrada de um punhado de pobres nas universidades, a ascensão
ao consumo – mas não à instrução ou à informação – de parte da população mais
pobre, do acesso à moradia de milhões de desabrigados, da criação de programas
sociais mínimos que atendem parte das vítimas de crimes de Estado seculares contra sua
própria constituição. De outro lado, a oposição rechaça esses programas. Este é
o capataz sádico, pra quem o povo produz melhor debaixo de chicote, de pressão,
sem o custo da alimentação que os engorda e amolece. Escravos devem ser
tratados duramente, pra isso o aparato de segurança “pública” vem sendo
preparado desde a segunda guerra mundial – época em que a dominação passou das
mãos de uma Inglaterra destruída pros Estados Unidos, programado pra ser a
próxima potência imperialista. Esta é a mentalidade das elites apoiadas e
financiadas de fora. O pobre deve se conformar com sua inferioridade, acreditar na mentira da meritocracia e dar
graças por ser explorado. Mantida na ignorância e na desinformação, a população
deve sonhar com o impossível e servir a vida inteira numa expectativa falsa.
Nas palavras de Darcy Ribeiro, “uma elite mesquinha, tacanha, escravista”, que
tudo faz pra impedir o desenvolvimento da maioria, cheia de potencial,
de criatividade, de capacidade de superação de dificuldades, em condições de ser um
dos povos mais desenvolvidos do planeta, desde que não se impeça como se vem
impedindo, atacando ferozmente todas as vozes que mostram as imensas
possibilidades do povo brasileiro, todas as iniciativas de instrução e conscientização, de reivindicação de direitos básicos, fundamentais, humanos e constitucionais..
As migalhas atiradas aos mais pobres enfureceram as elites
locais e amedrontaram as elites mundiais, numa combinação nefasta. A atitude do
governo brasileiro de apoiar a união dos países latinoamericanos – um recurso para
a contenção das ânsias dominadoras das corporações, criadoras de miséria,
pobreza, ignorância e exploração, semelhantes em todos os países da América
Latina –, a independência diplomática apenas esboçada, a defesa tímida de
apenas parte do patrimônio público, como o petróleo, despertou os mecanismos de
interferência internacionais. Já que os tempos não aconselham o uso direto da
ocupação militar, os meios passaram a ser institucionais, a partir do estímulo,
apoio e financiamento de oposições internas em seus países, os piores seres
humanos, traidores de suas nações, entreguistas de seus países e seus povos em
nome dos seus privilégios sujos. Apesar de eficiente na manutenção dos poderes
vigentes, externos, corporativos, o governo brasileiro produz efeitos
colaterais que não agradam, pois a médio e longo prazo tais migalhas são
sementes de esclarecimento e conscientização – como já está acontecendo, ainda
que de forma embrionária – e tornará cada vez mais difícil e trabalhoso o
domínio tão pleno e desbragado como agora.
A meu ver, não se trata da “defesa da democracia” ou o “combate
à corrupção”, pois não existe democracia a defender além da fachada, de um
lado, e não é possível combater corrupção a partir das ações de grupos sabida e
historicamente corruptos. Trata-se de impedir alguns poucos procedimentos
governamentais que, ainda que mínimos, insuficientes, que passam longe de
resgatar a dívida social do Estado, acabam criando condições pro
esclarecimento, ainda que embrionário, da população, com seu conseqüente
empoderamento na realidade política e social. Os situacionistas poderão brandir
os números alcançados em atendimento aos pobres – e é verdade, pois desde a
instalação dos militares no governo do país, nunca houve tantos programas
estatais de atendimento à pobreza. Mas isto passa longe de colocar o Estado a
serviço do povo como deve ser, prioridade máxima dada aos que mais precisam, às
vítimas históricas, esmagadora maioria, da tirania elitista que sempre dominou.
Considerando a sabotagem permanente dos serviços públicos,
principalmente a educação, a comunicação e a saúde, o que vemos ser chamado de
política é, na verdade, uma grande farsa, encenações histriônicas diante de uma
população ignorantizada, desinformada, deliberadamente incapacitada de
compreender o que acontece, facilmente enganável com as articulações midiáticas
que se utilizam dos mais profundos conhecimentos acadêmicos em psicologia do
inconsciente, em condução de massas, em antropologia, sociologia, estatística,
conhecimentos cooptados para o domínio de poucos sobre a sociedade. A meu ver,
só é possível uma verdadeira política com um povo bem alimentado, instruído,
informado, consciente dos mecanismos legais pro controle dos que se fazem seus “representantes”.
Isso não é permitido e, se proposto, é atacado com todas as forças da
difamação, com todo o ódio dos cooptados pelos exploradores de fora, mesmo no
seu mais leve esboço, como é o caso.
Amanhã será o dia do confronto entre os servidores e
admiradores incondicionais dos poderes corporativos mundiais e os servidores
condicionais, que servem aos seus interesses com a ressalva de atirar migalhas
à pobreza endêmica. Os interesses internacionais, os financiamentos, as
estratégias semelhantes em vários países – no Paraguai, a derrubada de Fernando
Lugo foi uma caricatura rápida do que está acontecendo no Brasil agora – não são
mencionados nas falas e nos argumentos de ambos os lados, salvo leves
referências inócuas e que, em geral, passam batido, sem que se perceba sua
decisiva importância. Sem esse apoio, explicitado apenas na mídia construída e
bancada de fora que se faz de brasileira mas constituída de funcionários dos poderes econômicos internacionais, as forças que exigem esse impítiman absurdo não seriam forças,
seriam ridículas, sem nenhum sentido, como em verdade são, quando se faz uma
observação profunda e isenta dos acontecimentos.
Os interesses corporativos internacionais ainda determinam,
com irresistível força, a pauta nacional do que se chama de política, essa
farsa suja, desumana, vazia de povo. A maioria dos que engrossam o coro da
oposição, ignorantizados, idiotizados e teleguiados pela mídia, se tivesse
instrução e consciência do que acontece, morreriam de vergonha. O campo da
ignorância e da desinformação foi meticulosamente preparado durante os
quarenta anos de serviço militar nos governos do país. Agora os dominantes
fazem uso dos frutos que os traidores da pátria, conscientes ou
inconscientes, plantaram em território nacional.
A movimentação já se faz em direção a Brasília. Se aproxima
um momento decisivo. Um governo de merda, tatibitate, acovardado em assumir
seus verdadeiros adversários, se bate contra os parlamentares e juristas paus-mandados de bancos e
corporações internacionais, os ditadores do planeta, fonte de tanto sofrimento
pelo mundo inteiro, os mesmos a quem se submete o petê. Os patrões estão
tentando demitir um gerente que dá mole pros escravos, ainda que mantenha a
exploração sobre eles. O perigo desse mole, já se vê, está vindo com o tempo.
Os resultados que vejo me fazem crer que não há reversão na maneira cênica. Será
preciso mais descaramento, mais tirania explícita, não haverá retorno sem
resistência dos de baixo, que são quem apavora as elites. Não se imaginava o
que a população seria capaz de fazer com essas migalhas, dividindo e
multiplicando nas periferias, em meio à exploração desenfreada. Espero que seja
tarde pra conseguirem reverter esse processo. E, se conseguirem derrubar esse
governo, ainda que de merda, a reação irá convulsionar o país de norte a sul,
de leste a oeste. E será, de qualquer maneira, mais um fator na conscientização
geral. O processo é irreversível, embora os medos, as ameaças e as aparências.
Como dizia Einstein, uma mente que se abre a uma nova
experiência, jamais retorna ao seu tamanho original. Se mentes suficientes foram abertas, não haverá reversão. E se houver, haverá uma resistência nunca vista.