Ser radical não é ser extremista. Buscar as raízes, as razões de ser das coisas, isso é ser radical. Mas ser radical, numa sociedade que induz à superficialidade, é subversivo. Por isso se trocou o significado. Radical se tornou "agressivo", "briguento", "intolerante", "desagradável", "polêmico", se distorce o significado da palavra pra evitar a sua compreensão. E evitar a sua prática. Ser radical é ser profundo, reflexivo, buscar entender a realidade indo às raízes das coisas. Posso ser gentil, tímido e, ao mesmo tempo, radical. Mas essa distorção do significado não é nenhum acaso.
Buscar as raízes da miséria e ignorância, por exemplo, ou o por quê de tanta ânsia de consumo como valor social, ou o por quê do tráfico ser combatido há tantas décadas, com fúria, guerra, ódio e matanças, e não ter sido extinto - ao contrário, parece tão forte como nunca, imbatível. O por quê da polícia ser tão agressiva, sobretudo com os mais pobres; os por quês dos serviços públicos serem perversos, insuficientes, torturantes quando se trata dos mais sem direitos da sociedade, dos mais pobres (em saúde, em educação, em informação, em moradia, em saneamento, em tudo). Ou por quê as comunicações são dominadas com fúria pela mídia comercial e o Estado está distribuindo o conversor pra televisão digital na cesta básica. São muitos por quês a perguntar e, se a gente radicaliza, ou seja, busca a raiz das coisas, percebe a infâmia deste modelo de sociedade.
Entender por quê preciso viver um inferno pra ter tanta coisa que não preciso, competindo, aturando situações horríveis, na avidez pelas sextas e na tristeza das segundas, ao custo das coisas que verdadeiramente preciso, minha paz de espírito, minha consciência tranqüila, a troca de afeto com a coletividade, o sentimento de utilidade, de satisfação em viver. A sociedade impõe um modelo de educação centrado na competição, na disputa, em vencer, que apresenta o mundo como uma arena competitiva onde é cada um por si. Seria melhor se tivesse seu foco na formação de pessoas pra integrar uma coletividade harmônica ou que pretende alcançar a harmonia social. Mas a educação imposta atende interesses empresariais, temos os bancos e as mega-empresas no poder, nos bastidores dos poderes dito públicos, dominando e determinando de forma enviesada (a chamada "política") a formação das crianças, das pessoas, de corações e mentes através do modelo empresarista de educação e do controle das comunicações, da mídia que invade todas as casas, formando mentalidades e deformando a realidade.
Não venho trazer "a solução", não teria essa ingênua pretensão. Mas creio que mais e mais pessoas enxergando mais e mais a realidade além da que nos é mostrada, farão surgir - como estão fazendo os grupos de exceção que já existem, invisíveis e invisibilizados pela mídia, quando não atacados ferozmente com calúnias, difamações e criminalizações várias - soluções diversas, locais, regionais, ao longo do tempo e das gerações, como percebo que é o processo de evolução planetária. Estão se formando, continuamente, pessoas que vão construir uma sociedade humana, menos injusta, menos perversa, mais solidária, mais amorosa. O tempo de uma vida é um grão de poeira na eternidade incompreensível.
Participar com o melhor da minha consciência é o que posso ter de mais satisfatório e, pra isso, devo estar em estado de conscientização permanente, de migo pra comigo. As raízes mais profundas a que tenho acesso estão em mim mesmo. Gosto e preciso ser radical. Preciso e gosto de trabalhar com isso. Assim tenho satisfação em viver, num mundo onde se toma toneladas de anti-depressivos todo dia. Um egoísmo que resultou coletivo. Vai ver que nem todo egoísmo é ruim. Aliás, já se reparou como estão ligados individualismo a egoísmo? Não faz o menor sentido, ou faz, mas no sentido da distorção de significado. Individualista é a pessoa que respeita o indivíduo, seja ele o que for, do jeito que for, tenha a forma ou a maneira de ser que for. Desde que respeite todos, merece o respeito de todos. Isso é individualismo. Mas, na sociedade da padronização, não pode. É preciso padronizar formas, pensamentos, comportamentos, visões de mundo, desejos, objetivos de vida, valores pessoais e sociais, pra manter a sociedade como é. Então se distorce o significado e individualismo se torna sinônimo de egoísmo. Porque o significado é subversivo.
Laboratórios de pensamento trabalham no controle mental exercido pela mídia e pelo seu massacre ideológico-publicitário. Seria bom se perguntar "será que o que eu quero da vida é o que eu quero mesmo ou eu fui induzido a querer?" Essa mesma pergunta pode ser feita com "visão de mundo", com "valores", com muitas coisas. Alguns dirão que é alucinação minha e eu recomendaria ouvir com atenção a letra do Belchior em Alucinação. Respeito qualquer opinião, mas mantenho a minha enquanto não perceber algum erro. E acho que a sociedade precisa de mais radicalismo e individualismo - reflexão e respeito. A ordem vigente é desumana, anti-vida. É preciso subvertê-la, evidentemente. Estamos todos num inferno. E as exceções do inferno são os demônios, são o inimigo que se faz de "admirável", de "exemplo inalcançável", sedução e indução.