domingo, 7 de outubro de 2018

A carona do juiz

Uma vez, na Dutra, eu ia de Resende pro Rio, de carona e à noite. Parou um carro, corri como se deve quando pára um carro, carregando a mochila. A porta abriu, o cara acendeu a luz, vi um cara simpático, "bem vestido". Vai pra onde? Pro Rio. É pra lá que eu vou. Então dá licença. E sentei no banco do carona, mochila entre as pernas. Reparei que tinha um cabide na janela atrás do motorista, coberto com um plástico, imaginei um paletó. E era mesmo. Como sempre, me disponho a conversar nas caronas, quem dá carona tá a fim de papo e esse era meu dever, que eu cumpria com prazer. Muitas histórias ouvi, contei e vivi em tantos anos. Falamos sobre a sociedade, as injustiças sociais, as mentiras midiáticas, fui vendo que o cara era bem esclarecido. Mas o linguajar o denunciava. Acabei perguntando se ele era da área jurídica. Ele, me pareceu que um pouco constrangido, revelou que era juiz. Eu era um hippie, na visão dele, a quem ele tava dando uma carona. Eu olhei bem pra ele, tínhamos falado da brutalidade policial - com alguns exemplos práticos que eu contei, acontecidos na minha vida -, da distância que o sistema jurídico tinha de qualquer idéia de justiça, envolvido em interesses econômicos, em manipulações de leis, "malabarismos jurídicos", e da realidade que vive a base da sociedade. Estava numa situação bem humana, não reconhecia nele nenhuma superioridade sobre mim, era uma pessoa que tava me dando uma carona, eu era quem era, ele era o que ele era, não me importava o que fosse. Nem passou pela minha cabeça me conter pra falar. Eu olhava de igual pra igual, de pessoa pra pessoa. Juiz? Tu é juiz? Ele confirmou com a cabeça. Tu não sente uma vergonha social, não? Ele sorriu. Entendeu o que eu dizia. Sinto, sim. Conhece a associação juízes pela democracia?, ele perguntou. Não, nunca nem ouvi falar. Ele me deu um cartão, se informe, tem exceções no meio jurídico também. Depois vi, uma associação desconsiderada no meio jurídico predominante, ironizada, tolerada como fora da realidade, marginalizados de elite, com direitos e privilégios sociais, o que aumenta, a meu ver, a responsabilidade social. A aversão da mentalidade dominante sinaliza o que tem de bom na sociedade, a difamação e o preconceito muitas vezes caem em cima do que há de humanista, de sensível à realidade e conscientizador, espalhador de luzes sobre as trevas de ignorância lançadas nos olhos da sociedade como um todo. Foi um de tantos encontros, nunca mais vi o cara.

17 comentários:

  1. Oi Eduardo, qual sua opiniao sobre o cenario politico Haddad x Bolsonaro?

    ResponderExcluir
  2. Nos é ensinado que quem sabe mais de leis se torna a lei. E por isso eu como leiga abaixo a cabeça e obedeço.

    ResponderExcluir
  3. Eduardo, eu quero muito te conhecer pessoalmente. Por onde você anda ?

    ResponderExcluir
  4. Boa noite xará, me chamo Eduardo e sou seu fã, tenho visto muitos vídeos seus e tem de alguma forma me ajudado a refletir melhor sobre a vida . Sou carioca como você a vida me trouxe a Santa Catarina , onde moto a cerca de 12 anos e trabalho atualmente como motoboy . Ando na rua o dia todo e também sinto o mesmo que você tendo esse contato com humanos o tempo todo. É bem enriquecedor !quando for vir pra Santa Catarina avisa , moro em Joinville.

    ResponderExcluir
  5. Eduardo vc é demais , te descobri a pouco ,mas me indentifiquei de cara com tua fala , vc tá me ajudando muito a refletir sobre o que é a vida,o que vim fazer aqui e pq .Gratidão enorme , quero ainda poder te conhecer e vê seus trabalhos de perto , qdo vem aqui pro interior de sp ? Bjao

    ResponderExcluir
  6. Esse aí era "povão". Sensivel, Humano, dava e recebia afeto e coloca a vida por cima de tudo. Eu nao tenho planos pra viver ate a velhice, tenho 25 e já tô pensando em adiantar a minha passagem ( morte) mas vou partir xono vitorioso e lúcido, sem a utopia de ser rico e entendendo bem que devemos ser humanos de verdade.

    ResponderExcluir
  7. Não sou teu fã, porque você não necessita disso. Mas, obrigado pelos ensinamentos. Te comparo a Diógenes.

    ResponderExcluir
  8. Legal perceber o naipe do cara.
    A experiência leva a isso.
    A falta do que desenvolver em conversa também evidência a mecanicidade da vida daqueles que sobrevivem pelo sistema e para ele.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  9. Esses encontros eu comparo a luz da estrela
    que brilha a noite e depois nos dias de sol não vemos mais.
    O valor e os princípios do ensinamento a gente
    nunca mais esquece.

    ResponderExcluir
  10. Eduardo que Deus continue abençoando a todos nós sempre!!
    Muito bom que saber que existe muitas pessoas nesse mundão que busca o verdadeiro sentindo de viver e estar vivo.
    E você é uma ponte que Deus coloca em nossas vidas para poder estar trazendo esse tipo de conhecimento pra nossos corações, obrigado pelas aparições em videos, suas palavras ajudam muita gente no mundo inteiro cara.
    continue compartilhando o bem que Deus ira te honrar com aquilo que você mais quer!
    Eu sou o Peteron obrigado pela atenção!

    ResponderExcluir
  11. Eduardo, adoro o que você escreve e levo para a vida, no entanto, percebo que você cria muitos sistemas binários para refletir sobre a vida: juiz mal, hippie bom, grandes empresas más, trabalhadores bons etc

    Veja, faço apenas este comentário porque parece que a realidade não se reduz à questões assim.

    Um abraço, camarada.

    ResponderExcluir
  12. eu perguntei para as plantas se tudo isso que você disse, era verdade. Elas não respondem...

    ResponderExcluir
  13. pontos de vistas e opiniões que surgem de acordo as experiencias de cada um, tudo é valido com respeito, coerência e harmonia entre o que se diz, pensa e vive na pratica, estamos todos buscando aquilo que acreditamos nos fazer falta para que possamos ser feliz, a vida não uma receita de bolo para que possamos copiar a mais saborosa afinal quando o assunto é gosto não preciso falar mais nada né ! enfim desejo a todos boa sorte e a dica é faça aquilo que acreditem que de fato do fundo do peito ira fazer pra você a vida valer a pena, nao se deixa levar pelas as influencias do materialismo pois temos muito mais felicidade dentro de nos do que fora como buscam a maioria das pessoas, basta buscar entrar que iram conseguir chegar até a fonte inesgotável de infinita felicidade.... se quiserem trocar ideias a esse respeito eu adoro aprender vou ficar muito grato. (11) 95979-5996 Jorge Henrique.

    ResponderExcluir
  14. Olá. Li este texto e achei (como vc não citou o ano do fato), que o juiz da carona muito semelhante ao juiz Luís Carlos Valois, um cara humanista que achei no Facebook.Da uma olhada lá e vê se é. Se for, ficarei feliz em saber que dois grandes humanistas que trombei aqui neste mundão virtual, já se trombaram numa viagem rsrs Se não for, ficarei feliz TB em saber que há mais de um juiz legal por aí RS. Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O Valuá conheci em Porto Velho, muitos anos depois. Aquele da carona não tenho idéia de quem seja.
      Abraço.

      Excluir

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.