OBSERVAR E ABSORVER - observareabsorver.em@gmail.com - Pra ver o trabalho, com dimensões e preços, clique no link abaixo de "Ver o trampo".
quarta-feira, 3 de março de 2010
"É possível acabar com a exploração dos pobres, não matando alguns milionários, mas esclarecendo os pobres para que deixem de colaborar com os exploradores"
"Sejamos a mudança que queremos no mundo"
"Saber e não fazer, ainda não é saber"
"Não há caminho para a felicidade, a felicidade é o caminho"
Mohandas K. Gandhi, o Mahatma
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Carta a Isnard
Carta escrita a um novo amigo, de 73 anos, lúcido lutador por um mundo melhor. Aí tem um pouco da minha história.
Meu grande irmão (chamo de grande irmão ao mais velho que me inspira respeito, como de irmãozinho ao mais novo que percebo na busca).
A visão que tenho do mundo se deve a uma série de privilégios que o "acaso" me proporcionou. Nasci numa casa abastada, estudei em escolas particulares até o científico - ou segundo grau, ou ensino médio -, entrando, depois, numa universidade pública - caminho convencional burguês de qualificação profissional para a manutenção do patamar social.
Na minha casa era praticamente proibido questionar a situação social, não por adesão consciente aos valores capitalistas, mas pelo exercício dos condicionamentos planejados e implantados pelos reais poderes da sociedade. Desde a infância, diante das perguntas difíceis de responder, tive que ouvir coisas como "ninguém pensa nisso", "essas perguntas não se fazem", "sempre foi assim e sempre será", "não pense nisso, trate de se preparar para garantir o seu futuro", "ninguém pode mudar o mundo", etc, etc, às vezes com impaciência, "de onde esse menino está tirando essas idéias?", "com quem você anda conversando?".
Entrei para o Banco do Brasil, via concurso, em Brasília, com 15 anos, e em 10 meses pedi demissão - a primeira vez que me chamaram de louco -, angustiado pela falta de sentido daquela atividade, além da repulsa pelos valores com os quais estava convivendo, as razões da existência dos colegas, tidos como universais, e pela incompatibilidade pessoal com a ausência de sentido na vida, para mim, embora visse que fazia todo o sentido, para os outros.
Ainda na adolescência, entrei, também via concurso, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (encurtando a história, para não ficar maçante), para alívio da família, que já estava me estranhando. Viram nisso a solução para minha vida, sem perceber que eu estava apenas experimentando, tentando me enquadrar, por causa deles mesmos. Quando saí, no segundo ano, a comoção familiar foi enorme. E, de novo, fui chamado de louco. Não teve uma voz que me apoiasse a decisão.
Com a fibra adquirida nos exercícios militares, viajei de carona, dormi nos matos, nos acostamentos, convivi com pessoas pobres. Depois, fui morar com minha família de novo, terminei o ensino médio e entrei numa faculdade pública. O meu meio social me constrangia. A soberba diante dos serviçais me envergonhava. Eu era tido, em alguns momentos, como um cara "muito estranho". Tentava me aproximar dos porteiros, dos garçons, dos faxineiros, com simpatia e respeito e era muito bem recebido, mas nunca como igual. Eu era apenas um "rico" legal. Tratavam-me bem, mas sem a igualdade com que se tratavam entre si. Reservavam-me as melhores porções, avisavam-me quando estava pra rolar alguma "uca", preveniam-me, ajudavam-me, protegiam-me. Mas não era o que eu queria.
Eu queria igualdade.
Quando peguei a estrada, absolutamente sem dinheiro, pedindo o que comer, dormindo sob marquises, em casas abandonadas, construções, ruínas, puteiros, periferias, tinha como objetivo achar algum sentido na vida, entender essa sociedade, alguma razão pra existência que não fosse me garantir materialmente, possuir, desfrutar, consumir. Perguntava, conversava, aprendia, ouvia histórias, me espantava, me emocionava, me comovia, me revoltava, me admirava, me encantava. Nessa época, vivia entre os mais pobres dos mais pobres, a marginália, os "malucos de estrada". Viajei de cidade em cidade, rodei grande parte do Brasil.
Demorou anos pra ser tratado como igual pelos mais pobres, custou muito esforço e alguns dentes.
No dia em que fui tratado com desprezo por um membro da minha antiga classe - não o conhecia -, eu ri. "Finalmente, perdi o cheiro, o aspecto, o astral da minha origem", foi o que pensei, orgulhoso.
Continuei me sentindo privilegiado, pois tinha informação. Mas já não parecia. Aprendi a viver como mendigo, como pária, como louco, como hippie. Aprendi os códigos dos excluídos. Aí pelo segundo ou terceiro ano de estrada, perdi os documentos, carteira do BB, do exército, de motorista, da universidade, tinha até uma em inglês - aquilo me dava alguma proteção contra a perseguição do estabelecimento social. A polícia passou a ser uma ameaça.
Percebi, aos poucos, como funciona o sistema, aprendizado que não termina, pelo menos no espaço de uma vida. Mas o básico é óbvio. O sistema se baseia em alguns pilares. A ignorância imposta à maioria. O excesso, o desperdício, a ostentação dos que podem consumir. A hierarquia social baseada no consumo e nas posses. O sentimento de inferioridade plantado no coração das maiorias, o de superioridade, no coração dos abastados.
"Como as pessoas podem acreditar em tantos absurdos?", questionava. "Como não enxergam o óbvio?"
Faço uma diferença entre propaganda e publicidade. Publicidade apresenta produtos e estimula o consumo; propaganda forma valores, crenças, objetivos de vida. Publicidade trata do concreto, propaganda, do abstrato. Claro que é uma arbitrariedade minha, mas eu me sinto no direito, não sou acadêmico, nem gostaria de ser. Quero ter os pés no chão e falar a língua da maioria, e não me restringir a essa linguagem hermética da academia, pra pessoas "estudadas", intelectuais. Na minha opinião, é isso o que afasta da população esses revolucionários de auditório, de entidades, tendências e agremiações, que alimentam, secretamente, um tremendo desprezo pela população, "tão ignorante", aderindo à velhíssima prática de culpabilizar as vítimas. Querem conduzir as massas - já horrorizei mais de um, dizendo que minha entidade é Oxóssi, minha tendência é heterossexual (sem preconceito) e que, se eles querem conduzir as massas, deviam ir entregar pizzas.
Concordo que as técnicas de propaganda e publicidade são ferramentas sem vontade própria, e que podem ser utilizadas tanto para libertar como para aprisionar. Mas como é que têm sido utilizadas? Como é que têm sido utilizados todos os conhecimentos guardados nas academias? Todos os recursos materiais do planeta?
Reformulo, graças a você, a frase "a publicidade é uma atividade criminosa", retirando o "é" e substituindo por "tem sido". Em Cuba há um autidór com a colocação "consuma apenas o necessário". É possível imaginar isso no nosso modelo de sociedade?
As necessidades mais importantes são abstratas - afeto, integração, solidariedade, utilidade ao coletivo, compreensão, o trabalho interno (e, basicamente, individual) nas grandes falhas (orgulho, egoísmo, soberba, medo,...), conscientização, desapego, a prática de compartilhar, a cooperatividade, o desenvolvimento do discernimento, senso de justiça e por aí vai. Tudo no sentido da evolução humana, individual e coletiva. Mas o foco da vida foi centrado na matéria, em "benefício" de uma minoria de zero vírgula uns por cento e na abastança de pouco mais de vinte por cento de "qualificados" que os servem. As técnicas de propaganda e publicidade estão na linha de frente, não só nos comerciais, como nos jornais, novelas, filmes, programas de tv, de rádio, nos carros, nos ônibus, nas estações, nas ruas, em toda parte - é um massacre.
Eu não diria que a maioria da população é idiota, imbecil, vazia. Diria que é idiotizada, imbecilizada, esvaziada, infantilizada, via técnicas publicitárias (agora, sim) criminosas, com a ajuda inestimável da sabotagem da educação pública e da interferência na educação privada, por pressão dos que controlam as marionetes políticas. Por que se chama os gastos públicos de "custo social" e não de "investimento na população"? Porque está plantado no inconsciente coletivo que "custo" é algo que precisa ser contido, cortado, diminuído ao máximo. Investimento pressupõe retorno. E, no caso, o retorno seria uma população educada, pensante, crítica, capaz de decidir seus caminhos e de perceber as falácias das elites apresentadas por seu porta-voz, a mídia privada. Tudo o que a classe dos dominantes não quer.
Acredito firmemente que, se cada um consumisse o que lhe fosse realmente necessário, o sistema capitalista ruiria, sem remédio. O socialismo seria implantado por conseqüência, com base no esclarecimento do povo. Não com esses socialistas com o rei na barriga, cheios de verdades imutáveis. Esses são uns imbecis, sabem das coisas mas, ao invés de se darem ao trabalho de esclarecer a maioria, ficam vociferando contra os que "representam" o poder e brigando entre suas tendências de esquerda. Pra falar a língua chula, estou com os bagos cheios desses revolucionários. E faço o que acho que deveria ser feito, a começar pela minha própria vida, seguindo a linha gandhiana de "sermos a mudança que desejamos no mundo".
Como você pode ver, minha tendência é bastante prolixa. Tento condensar, mas tenho dificuldade. Às vezes consigo, como no texto "A Mídia Mente - descaradamente", que está no blog e nas minhas serigrafias - das quais tiro meu sustento. Mas olho pro texto e sinto vontade de desenvolver cada parágrafo, pois cada um me parece um tópico a ser desenvolvido, com toda uma gama de idéias a perfilar. Preciso trabalhar no sentido de desenvolver a capacidade de síntese, você tem razão.
E vou terminando por aqui, pra esboçar alguma coerência com o que acabo de dizer.
Um grande abraço, e obrigado por me ajudar o pensamento.
Eduardo
Meu grande irmão (chamo de grande irmão ao mais velho que me inspira respeito, como de irmãozinho ao mais novo que percebo na busca).
A visão que tenho do mundo se deve a uma série de privilégios que o "acaso" me proporcionou. Nasci numa casa abastada, estudei em escolas particulares até o científico - ou segundo grau, ou ensino médio -, entrando, depois, numa universidade pública - caminho convencional burguês de qualificação profissional para a manutenção do patamar social.
Na minha casa era praticamente proibido questionar a situação social, não por adesão consciente aos valores capitalistas, mas pelo exercício dos condicionamentos planejados e implantados pelos reais poderes da sociedade. Desde a infância, diante das perguntas difíceis de responder, tive que ouvir coisas como "ninguém pensa nisso", "essas perguntas não se fazem", "sempre foi assim e sempre será", "não pense nisso, trate de se preparar para garantir o seu futuro", "ninguém pode mudar o mundo", etc, etc, às vezes com impaciência, "de onde esse menino está tirando essas idéias?", "com quem você anda conversando?".
Entrei para o Banco do Brasil, via concurso, em Brasília, com 15 anos, e em 10 meses pedi demissão - a primeira vez que me chamaram de louco -, angustiado pela falta de sentido daquela atividade, além da repulsa pelos valores com os quais estava convivendo, as razões da existência dos colegas, tidos como universais, e pela incompatibilidade pessoal com a ausência de sentido na vida, para mim, embora visse que fazia todo o sentido, para os outros.
Ainda na adolescência, entrei, também via concurso, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (encurtando a história, para não ficar maçante), para alívio da família, que já estava me estranhando. Viram nisso a solução para minha vida, sem perceber que eu estava apenas experimentando, tentando me enquadrar, por causa deles mesmos. Quando saí, no segundo ano, a comoção familiar foi enorme. E, de novo, fui chamado de louco. Não teve uma voz que me apoiasse a decisão.
Com a fibra adquirida nos exercícios militares, viajei de carona, dormi nos matos, nos acostamentos, convivi com pessoas pobres. Depois, fui morar com minha família de novo, terminei o ensino médio e entrei numa faculdade pública. O meu meio social me constrangia. A soberba diante dos serviçais me envergonhava. Eu era tido, em alguns momentos, como um cara "muito estranho". Tentava me aproximar dos porteiros, dos garçons, dos faxineiros, com simpatia e respeito e era muito bem recebido, mas nunca como igual. Eu era apenas um "rico" legal. Tratavam-me bem, mas sem a igualdade com que se tratavam entre si. Reservavam-me as melhores porções, avisavam-me quando estava pra rolar alguma "uca", preveniam-me, ajudavam-me, protegiam-me. Mas não era o que eu queria.
Eu queria igualdade.
Quando peguei a estrada, absolutamente sem dinheiro, pedindo o que comer, dormindo sob marquises, em casas abandonadas, construções, ruínas, puteiros, periferias, tinha como objetivo achar algum sentido na vida, entender essa sociedade, alguma razão pra existência que não fosse me garantir materialmente, possuir, desfrutar, consumir. Perguntava, conversava, aprendia, ouvia histórias, me espantava, me emocionava, me comovia, me revoltava, me admirava, me encantava. Nessa época, vivia entre os mais pobres dos mais pobres, a marginália, os "malucos de estrada". Viajei de cidade em cidade, rodei grande parte do Brasil.
Demorou anos pra ser tratado como igual pelos mais pobres, custou muito esforço e alguns dentes.
No dia em que fui tratado com desprezo por um membro da minha antiga classe - não o conhecia -, eu ri. "Finalmente, perdi o cheiro, o aspecto, o astral da minha origem", foi o que pensei, orgulhoso.
Continuei me sentindo privilegiado, pois tinha informação. Mas já não parecia. Aprendi a viver como mendigo, como pária, como louco, como hippie. Aprendi os códigos dos excluídos. Aí pelo segundo ou terceiro ano de estrada, perdi os documentos, carteira do BB, do exército, de motorista, da universidade, tinha até uma em inglês - aquilo me dava alguma proteção contra a perseguição do estabelecimento social. A polícia passou a ser uma ameaça.
Percebi, aos poucos, como funciona o sistema, aprendizado que não termina, pelo menos no espaço de uma vida. Mas o básico é óbvio. O sistema se baseia em alguns pilares. A ignorância imposta à maioria. O excesso, o desperdício, a ostentação dos que podem consumir. A hierarquia social baseada no consumo e nas posses. O sentimento de inferioridade plantado no coração das maiorias, o de superioridade, no coração dos abastados.
"Como as pessoas podem acreditar em tantos absurdos?", questionava. "Como não enxergam o óbvio?"
Faço uma diferença entre propaganda e publicidade. Publicidade apresenta produtos e estimula o consumo; propaganda forma valores, crenças, objetivos de vida. Publicidade trata do concreto, propaganda, do abstrato. Claro que é uma arbitrariedade minha, mas eu me sinto no direito, não sou acadêmico, nem gostaria de ser. Quero ter os pés no chão e falar a língua da maioria, e não me restringir a essa linguagem hermética da academia, pra pessoas "estudadas", intelectuais. Na minha opinião, é isso o que afasta da população esses revolucionários de auditório, de entidades, tendências e agremiações, que alimentam, secretamente, um tremendo desprezo pela população, "tão ignorante", aderindo à velhíssima prática de culpabilizar as vítimas. Querem conduzir as massas - já horrorizei mais de um, dizendo que minha entidade é Oxóssi, minha tendência é heterossexual (sem preconceito) e que, se eles querem conduzir as massas, deviam ir entregar pizzas.
Concordo que as técnicas de propaganda e publicidade são ferramentas sem vontade própria, e que podem ser utilizadas tanto para libertar como para aprisionar. Mas como é que têm sido utilizadas? Como é que têm sido utilizados todos os conhecimentos guardados nas academias? Todos os recursos materiais do planeta?
Reformulo, graças a você, a frase "a publicidade é uma atividade criminosa", retirando o "é" e substituindo por "tem sido". Em Cuba há um autidór com a colocação "consuma apenas o necessário". É possível imaginar isso no nosso modelo de sociedade?
As necessidades mais importantes são abstratas - afeto, integração, solidariedade, utilidade ao coletivo, compreensão, o trabalho interno (e, basicamente, individual) nas grandes falhas (orgulho, egoísmo, soberba, medo,...), conscientização, desapego, a prática de compartilhar, a cooperatividade, o desenvolvimento do discernimento, senso de justiça e por aí vai. Tudo no sentido da evolução humana, individual e coletiva. Mas o foco da vida foi centrado na matéria, em "benefício" de uma minoria de zero vírgula uns por cento e na abastança de pouco mais de vinte por cento de "qualificados" que os servem. As técnicas de propaganda e publicidade estão na linha de frente, não só nos comerciais, como nos jornais, novelas, filmes, programas de tv, de rádio, nos carros, nos ônibus, nas estações, nas ruas, em toda parte - é um massacre.
Eu não diria que a maioria da população é idiota, imbecil, vazia. Diria que é idiotizada, imbecilizada, esvaziada, infantilizada, via técnicas publicitárias (agora, sim) criminosas, com a ajuda inestimável da sabotagem da educação pública e da interferência na educação privada, por pressão dos que controlam as marionetes políticas. Por que se chama os gastos públicos de "custo social" e não de "investimento na população"? Porque está plantado no inconsciente coletivo que "custo" é algo que precisa ser contido, cortado, diminuído ao máximo. Investimento pressupõe retorno. E, no caso, o retorno seria uma população educada, pensante, crítica, capaz de decidir seus caminhos e de perceber as falácias das elites apresentadas por seu porta-voz, a mídia privada. Tudo o que a classe dos dominantes não quer.
Acredito firmemente que, se cada um consumisse o que lhe fosse realmente necessário, o sistema capitalista ruiria, sem remédio. O socialismo seria implantado por conseqüência, com base no esclarecimento do povo. Não com esses socialistas com o rei na barriga, cheios de verdades imutáveis. Esses são uns imbecis, sabem das coisas mas, ao invés de se darem ao trabalho de esclarecer a maioria, ficam vociferando contra os que "representam" o poder e brigando entre suas tendências de esquerda. Pra falar a língua chula, estou com os bagos cheios desses revolucionários. E faço o que acho que deveria ser feito, a começar pela minha própria vida, seguindo a linha gandhiana de "sermos a mudança que desejamos no mundo".
Como você pode ver, minha tendência é bastante prolixa. Tento condensar, mas tenho dificuldade. Às vezes consigo, como no texto "A Mídia Mente - descaradamente", que está no blog e nas minhas serigrafias - das quais tiro meu sustento. Mas olho pro texto e sinto vontade de desenvolver cada parágrafo, pois cada um me parece um tópico a ser desenvolvido, com toda uma gama de idéias a perfilar. Preciso trabalhar no sentido de desenvolver a capacidade de síntese, você tem razão.
E vou terminando por aqui, pra esboçar alguma coerência com o que acabo de dizer.
Um grande abraço, e obrigado por me ajudar o pensamento.
Eduardo
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Por tão poucos terem tanto, é que tantos têm tão pouco
Em cima da palavra 'poucos' há um casal para representá-los, esses, que são 1% da população, ou menos. Chamei-os messiê Deboche e madame Arrogância. Classe das mega-empresas, os concentradores das riquezas, controladores dos mercados financeiros, sentam-se no topo da pirâmide social, vivem isolados da maioria, estão sempre dentro de algum lugar cercado, sentem-se donos. À direita da palavra há uma porta com um segurança, há sempre seguranças entre eles e a realidade. O garçom está num ambiente de pronto serviço, eficiência exigida por esses tipos e seus subalternos graúdos - as cadeiras se assemelham a tronos para simbolizar o sentimento de 'natural' superioridade que eles sentem e emanam, mas o morcego denuncia seu vampirismo social. Eles se sustentam no poder do mundo apoiados pela força das armas - inclusive da segurança pública -, por isso o chão é um fuzil, que divide a sociedade entre os poucos e os tantos, ao mesmo tempo apoiando os poucos que têm tanto e ameaçando os tantos que têm tão pouco, representados na forma urbana da favela, na parte inferior direita - as armas pairam sobre suas cabeças. Aí é o território de exclusão, a área da miséria, de ausência do Estado e da sociedade organizada. A estrada significa haver caminho de saída para esta situação, mas são tantas as dificuldades - as funções do Estado, determinadas pela Constituição, a "carta magna", são ignoradas e não cumpridas, saneamento, condições de vida digna, ensino público que mereça o nome, moradia, alimentação suficiente, higiene, informação, cidadania, nada disso existe para essa enorme parcela da população, muitas vezes nem estrutura familiar-, tantos impedimentos, que um caminhão carregado simboliza ser barra pesada, muito difícil sair por esse caminho. Vêem-se exceções, apontadas como exemplo da possibilidade pra todos, reduzindo a maioria à sensação de incapacidade, impotência e subalternidade.À esquerda inferior há um ambiente de cinema, são as pessoas que assistem à vida, olham o mundo como se fosse um filme do qual eles não participam. Seu pensamento é "sempre foi assim, não tenho nada com isso, cuido é de mim e dos meus", geralmente são pessoas em condições de se qualificar em escolas particulares - e universidades 'públicas'-, alcançam condições de ocupar cargos importantes na manutenção da sociedade como ela é. São entre 20 e 30% da população, hierarquizados organizadamente de acordo com os interesses dos 1%, e disputam as migalhas enormes e variadas da opulência. Como vivem das migalhas do poder, o rato à esquerda os representa com propriedade. São os ricos que o povo vê, ainda que à distância, os subalternos dos mais ricos, dominantes da sociedade e do Estado - esses são difíceis de se ver passar, andam de helicópteros ou, no máximo, em carros blindados, cercados de seguranças, em trajetos curtos. Acima, a escuridão que envolve uma pessoa - nitidamente mestiça - simboliza a ignorância, criada e mantida para envolver a maioria. A vela simboliza luz. Por menor que seja a luz, por maior que seja a ignorância, quando há interesse e vontade, a luz vence a escuridão. É o trabalho da conscientização. A árvore representa a tendência natural, nos vegetais, de ir para o alto e buscar a luz. Aqui há uma analogia com a evolução da consciência. Por isso das suas folhagens mais altas vão surgindo pessoas, subindo pela esquerda, até o alto do desenho, significando a tomada de consciência, quando as maiorias percebem a farsa da "democracia de mercado", com a mídia na linha de frente na formação de opiniões e valores sociais e individuais. Percebe-se, afinal, as falsidades da hierarquia social, a igualdade intrínseca de direitos entre todos. E, deixando de se sentirem inferiores, deixando de reconhecer superioridades artificiais, ocupam naturalmente os lugares que lhes pertencem por direito moral de seres humanos, em igualdade conquistada pela consciência da realidade. O olho representa não só a possibilidade de enxergar a realidade como a necessidade de tomar consciência da realidade, de buscar o porquê e o como de tanta concentração de poder, de tanta perversidade com as maiorias, de tanto egoísmo estimulado, de tanta infantilização e idiotização da esmagadora maioria, de tanta ignorância e, em última análise, tanto sofrimento provocado pela estrutura da sociedade. O olho fala de observar e absorver.
Em cima da palavra 'poucos' há um casal para representá-los, esses, que são 1% da população, ou menos. Chamei-os messiê Deboche e madame Arrogância. Classe das mega-empresas, os concentradores das riquezas, controladores dos mercados financeiros, sentam-se no topo da pirâmide social, vivem isolados da maioria, estão sempre dentro de algum lugar cercado, sentem-se donos. À direita da palavra há uma porta com um segurança, há sempre seguranças entre eles e a realidade. O garçom está num ambiente de pronto serviço, eficiência exigida por esses tipos e seus subalternos graúdos - as cadeiras se assemelham a tronos para simbolizar o sentimento de 'natural' superioridade que eles sentem e emanam, mas o morcego denuncia seu vampirismo social. Eles se sustentam no poder do mundo apoiados pela força das armas - inclusive da segurança pública -, por isso o chão é um fuzil, que divide a sociedade entre os poucos e os tantos, ao mesmo tempo apoiando os poucos que têm tanto e ameaçando os tantos que têm tão pouco, representados na forma urbana da favela, na parte inferior direita - as armas pairam sobre suas cabeças. Aí é o território de exclusão, a área da miséria, de ausência do Estado e da sociedade organizada. A estrada significa haver caminho de saída para esta situação, mas são tantas as dificuldades - as funções do Estado, determinadas pela Constituição, a "carta magna", são ignoradas e não cumpridas, saneamento, condições de vida digna, ensino público que mereça o nome, moradia, alimentação suficiente, higiene, informação, cidadania, nada disso existe para essa enorme parcela da população, muitas vezes nem estrutura familiar-, tantos impedimentos, que um caminhão carregado simboliza ser barra pesada, muito difícil sair por esse caminho. Vêem-se exceções, apontadas como exemplo da possibilidade pra todos, reduzindo a maioria à sensação de incapacidade, impotência e subalternidade.À esquerda inferior há um ambiente de cinema, são as pessoas que assistem à vida, olham o mundo como se fosse um filme do qual eles não participam. Seu pensamento é "sempre foi assim, não tenho nada com isso, cuido é de mim e dos meus", geralmente são pessoas em condições de se qualificar em escolas particulares - e universidades 'públicas'-, alcançam condições de ocupar cargos importantes na manutenção da sociedade como ela é. São entre 20 e 30% da população, hierarquizados organizadamente de acordo com os interesses dos 1%, e disputam as migalhas enormes e variadas da opulência. Como vivem das migalhas do poder, o rato à esquerda os representa com propriedade. São os ricos que o povo vê, ainda que à distância, os subalternos dos mais ricos, dominantes da sociedade e do Estado - esses são difíceis de se ver passar, andam de helicópteros ou, no máximo, em carros blindados, cercados de seguranças, em trajetos curtos. Acima, a escuridão que envolve uma pessoa - nitidamente mestiça - simboliza a ignorância, criada e mantida para envolver a maioria. A vela simboliza luz. Por menor que seja a luz, por maior que seja a ignorância, quando há interesse e vontade, a luz vence a escuridão. É o trabalho da conscientização. A árvore representa a tendência natural, nos vegetais, de ir para o alto e buscar a luz. Aqui há uma analogia com a evolução da consciência. Por isso das suas folhagens mais altas vão surgindo pessoas, subindo pela esquerda, até o alto do desenho, significando a tomada de consciência, quando as maiorias percebem a farsa da "democracia de mercado", com a mídia na linha de frente na formação de opiniões e valores sociais e individuais. Percebe-se, afinal, as falsidades da hierarquia social, a igualdade intrínseca de direitos entre todos. E, deixando de se sentirem inferiores, deixando de reconhecer superioridades artificiais, ocupam naturalmente os lugares que lhes pertencem por direito moral de seres humanos, em igualdade conquistada pela consciência da realidade. O olho representa não só a possibilidade de enxergar a realidade como a necessidade de tomar consciência da realidade, de buscar o porquê e o como de tanta concentração de poder, de tanta perversidade com as maiorias, de tanto egoísmo estimulado, de tanta infantilização e idiotização da esmagadora maioria, de tanta ignorância e, em última análise, tanto sofrimento provocado pela estrutura da sociedade. O olho fala de observar e absorver.
Contra-corrente
A superioridade que eles sentem
e exercem de forma arrogante,
se soma à certeza absoluta
da inferioridade do restante.
Entortam sua sensibilidade,
desdenham o alheio sofrimento
e, em sua sub-humanidade,
a própria crueldade é seu tormento.
Do outro lado é plantada a ignorância
e desejos impossíveis de consumo
fazem o povo de idiota ou de criança
e destróem a esperança em outro rumo.
Os poucos com acesso a demais
desfrutam do roubado à maioria,
alegando direitos tão boçais
que é clara e evidente a hipocrisia.
Usufruir de privilégios, ostentações,
que egoísmo, que vergonha, que maldade!
Apenas desejar tais condições
já demonstra o grau primário da vontade.
Se cada um quisesse e tomasse para si
da vida só o que lhe fosse necessário
ruiria o sistema do egoísmo, e aí
o mundo poderia ser mais solidário.
Com humildade e com dignidade
escolhe a humanidade o mal e o bem,
é preciso trabalhar a sociedade
pra que não se abandone mais ninguém
Se ainda não vivo um mundo assim,
não posso simplesmente ignorar,
não dá pra ver a vida só pra mim,
se quero ter valor no trabalhar.
Sem me conformar, muito menos aderir,
faço meu olhar bem mais profundo.
Observar, absorver, analisar, refletir
e expor tudo em meu trabalho sobre o mundo.
E se e quando eu for de arrasto na corrente poderosa
quero saber que eu andei ao contrário da corrente,
que não vivi atrás de uma vida cor de rosa,
ignorando a injustiça e o sofrer de tanta gente.
Quero saber que lutei o quanto pude,
que não me rendi a pressões nem seduções;
que mantive em minha vida a atitude
de não desejar mais do que preciso
e estar sempre solidário às multidões.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
O primeiro vídeo...
Depois de trinta anos de trabalho na rua, dizendo o que penso, o que sinto e o que vejo no meu trabalho, apareceu a câmera de Rona e Arley, gravando os assuntos e a exposição.
https://www.youtube.com/watch?v=eiGZnYEnQoc
terça-feira, 27 de outubro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
A população caminha para a própria consciência
É preciso igualdade de condições, em acessos e oportunidades, em direitos e obrigações. É preciso prioridade à infância, à velhice e a toda situação de fragilidade.
É preciso uma distribuição mais igualitária de riquezas e trabalho, de benefícios e sacrifícios no planeta.
Apesar das diferenças, caminhamos, todos, na mesma direção.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Invasão de Favela - acrílica sobre tela, 68x100cm, 2007
Trabalho executado sob forte comoção, durante uma série de operações policiais em várias comunidades pobres. Na ocasião, mais de uma centena de pessoas foram mortas, todas sob alegação policial de resistência, grande parte delas sem nenhum envolvimento com atividades criminosas. O aparato de segurança do Estado é atirado contra a população das favelas, enquanto a mídia criminaliza a pobreza cotidianamente, ligando a pobreza ao tráfico de drogas, à bandidagem e à violência, sem lembrar a omissão do próprio Estado em relação às populações em áreas de exclusão social, onde faltam saneamento básico, escolas que ensinem de verdade, condições de formação profissional, atendimento de saúde com recursos e qualidade, noção de cidadania, informações, urbanidade.
Durante essas operações, milhões de pessoas vivem o inferno da conflagração, tiros de fuzil varando paredes, atingindo qualquer um, homens, mulheres, crianças, idosos. O medo de ter familiares e amigos mortos ou feridos é uma constante absurda, o pavor na hora de ir à escola e ao trabalho, o temor dos que ficam em casa esperando a volta dos que saíram, o coração aos saltos ao ouvir tiros nestes horários, mais que em outros, é uma injustiça imperdoável com essa coletividade já tão sacrificada.
Senhoras se juntam em orações para que Deus proteja seus filhos e netos, senhores silenciosos permanecem com olhares sombrios, calados e ausentes. A polícia invade essas áreas entrando em qualquer casa, de armas apontadas, escorados no instrumento jurídico "mandato de busca coletivo", criado especialmente para comunidades pobres. Nestas ocasiões, um espirro pode decretar a morte de alguém, pois os policiais estão em estado de tensão máxima e atiram sob qualquer pretexto, pois estão entre o risco de morrer ou ser baleado e a garantia da impunidade, em caso de engano e envolvimento de inocentes. Afinal, são "apenas favelados", sem recursos para buscarem direitos. O histórico de mortes de crianças, adolescentes e jovens é avassalador, embora ignorado pela mídia, e faz pensar em processo de extermínio intencional de pobres, já que os verdadeiros donos do tráfico de drogas e do crime organizado estão longe das favelas, têm empresas legalizadas e transitam facilmente entre os poderes constituídos, em ligações com políticos e autoridades do Estado e gozando de todos os privilégios das elites. A grande maioria das favelas nada tem a ver com o crime, embora seja obrigada a conviver com armas e o tráfico que, na ausência do Estado, impõe suas leis a essas comunidades abandonadas à própria sorte. Ali, só se conhece ações do governo pelo seu braço armado, pela repressão.
Esta pintura é expressão de solidariedade do autor com essa massa de pessoas sabotada, excluída, empobrecida e criminalizada por um Estado feito refém de elites, das grandes empresas nacionais e multinacionais, posto a seu serviço, contra a maioria de sua população, roubada em seus direitos fundamentais enquanto estas elites gozam imensos privilégios, egoístas e insensíveis, mutilados na melhor parte de sua humanidade, sem solidariedade ou senso de justiça.
sexta-feira, 31 de julho de 2009

A frase é de Jean Paul Sartre*, conforme dizia naquela folha de caderno jogada no chão, em forma de bolinha amassada, que eu recolhi pra ler enquanto aguardava numa fila de padaria, em 1982, em Mar Grande, ilha de Itaparica. Uma frase entre muitas outras, a única que marcou e ficou na memória.
Explicando o desenho:
Explicando o desenho:
No alto à esquerda, em torno da palavra "loucos", porta fechada, crucificação, enforcamento, cadeia, a fogueira da inquisição, as formas de discriminação, de perseguição em geral impostas aos considerados loucos pelos padrões vigentes, pelos valores superficiais e momentâneos. Aqueles que descobrem, inventam, criam, trazem o novo para a humanidade são repelidos, criminalizados. O astrônomo desvenda o universo, o ciclista se atira no abismo, um mergulhador se aprofunda, o tanque de guerra é o fruto mau da loucura, o navegante de séculos atrás penetra o oceano desconhecido, o caminhante desfruta a solidão das montanhas. Loucura é refletir, nestes tempos de produção e consumo, é voar na imaginação, sempre com o risco de ataque dos predadores medíocres - o homem com a carabina, sobre a letra 's' de 'mais'. No caso exposto, a bruxa é aliada dos loucos voadores, solidária na discriminação e perseguição por conhecer o trato do mundo - sua força anula a intenção do predador. A busca do conhecer, o olho como sol da vida, a música dos loucos encanta a natureza. O louco passa, despido de padrões, preconceitos e valores da sociedade, enquanto esta lhe vira as costas, à esquerda de 'percorridos'. Abaixo, a tristeza olha o mundo a esmagar o louco, que está morto. Só aí os "sábios" - graduados e reconhecidos pelas convenções - se aproximam para estudar as obras da lúcida loucura, terror dos convencionais. A palavra "sábios" está coberta por alguns símbolos sob os quais se abrigam os sábios do mundo, convencionais e numerosos, também, sob os signos acadêmicos, sobretudo nas regiões de cultura ocidental, de origem européia. O quadrinho à direita e abaixo retrata a compulsão dos loucos. O mundo nos impões muros, nos enquadra; os loucos não conseguem ficar enquadrados, pular os muros é inevitável, é isso ou a morte, mesmo em vida. A perda do sentido, o abandono da função, da razão de ser. O quatorze bis é a homenagem ao louco generoso que foi Alberto Santos Dumont, que nunca patenteou nenhum invento seu, e foram muitos, além do avião. Ou aviões, que também foram vários.
* Passei mais de vinte anos dizendo ser Sartre o autor dessa frase. Não é. É de Carlo Dozzi. Mas não importa muito a antena que captou, importa o serviço que ela presta no mundo. Só é bom corrigir o erro.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Observar e Absorver

Muitos olham, poucos vêem; muitos falam, poucos dizem;
muitos escutam, poucos ouvem; muitos observam, poucos absorvem.
Nas ilhas, privilégios. E o oceano sem direito.
Em áreas privativas, o mundo parece perfeito.
Tempestade previsível, mas não se quer enxergar,
fugir vai ser impossível, quando a tsunami chegar.
Observar e Absorver - detalhadamente

O estilo psicodélico-lisérgico une o acaso a referências variadas, harmonias e desarmonias, direções, contrastes, construções e destruições, cores e sons, guerra e paz, condicionamentos e libertações, vida, morte e continuação. Ligação entre os índios saqueados, expropriados e destruídos, representados no O de baixo e os palestinos, no E baixo, sofrendo o mesmo processo, com armas mais destrutivas, sob os olhos do mundo inteiro, em plena época de comunicação internética, imediata. A situação cada vez mais clara. É observar e absorver.
sábado, 20 de junho de 2009
O fundo do poço

"Há males que vêm para o bem" diz o ditado em português. Prefiro a versão em espanhol, "no hay mal que para bien no venga", não há mal que não venha para o bem. Na minha opinião, todas as dores têm sua função, sua lição a ensinar, sua razão de ser, ainda que não possamos perceber - é isso, depende da nossa capacidade de perceber, de reconhecer erros, de aprender na dor, questionando a nós mesmos. Mas o orgulho nos leva a encontrar culpados, a espalhar responsabilidades, a livrar a nossa própria cara... burrice, reconhecer os próprios erros é o primeiro passo para a melhoria de si mesmo.
Quatro frases se misturam à decoração do desenho, ao entorno do recado principal, com referência ao mesmo tema. A primeira é "há sinais, vê quem é capaz", pois ninguém (ou melhor, quase ninguém) vai ao fundo do poço sem passar por vários sinais de que se está numa roubada, a vida oferece as oportunidade de percebermos e nós as ignoramos, temos a tendência de ver a realidade do jeito que gostaríamos que ela fosse e negar o como ela é. Somos influenciados pelo que nos convém, pelo que desejamos, e não enxergamos a realidade que, quando se impõe (pois a realidade se impõe, cedo ou tarde), nos desequilibra, nos derruba.
A segunda, abaixo e à esquerda, diz "tudo são lições". São oportunidades, a dor é um momento crítico que possibilita criar resistência, abrir a visão, perceber em si e no mundo, coisas que não percebia, antes. O que torna a dor insuportável é não saber o porquê dela, é não entender o que está fazendo tamanho sofrimento em nossa vida. A partir do momento em que se percebe o porquê da dor, ela ameniza, perde o viés insuportável, esclarece e se conforma com o inevitável, abrindo espaço para novas vivências, vai caindo no arquivo.
Mas a dor, por si só, não esclarece, não melhora ninguém. É preciso reconhecer falhas, os próprios erros - ou repetiremos o mesmos erros, várias vezes, mesmo com nuances diferentes -, é preciso localizar suas causas e trabalhar nelas, elas não somem por terem sido percebidas. Por isso, embaixo e à direita, está escrito "a humildade aprende, o orgulho se ofende". O orgulho coloca à frente duas falsas saídas, na verdade becos sem saída, ou sem saída honrosa. Uma é a revolta, a busca de um responsável pela dor, alguém pra "pagar por isso", fonte de discórdias, agravamento da situação. Outra é a depressão, o se fazer de vítima, se sentir injustiçado. É a inação, a preguiça, a postura do "me ajudem".Verdadeira aversão a reconhecer a própria responsabilidade, em ambos os casos. O orgulho emburrece e estaciona a gente.
A quarta frase, e a mais escondida, se deve a eu ter percebido uma freqüência enorme de traição nas situações de fundo de poço. Confia-se em quem se gosta, e a traição é uma punhalada em pleno coração desarmado. Mas, em geral, puxando pela memória, percebe-se que foram dados sinais de caráter, em conversas sem compromisso, em papos eventuais, opiniões, comentários, observações. Tivemos os sinais mas, por afeição, distração, simpatia ou algum outro motivo, relevamos, não os tomamos como sinais. Por isso, escrevi de lado, à direita pouco acima da metade da altura do desenho, numa linha ondulada, "a traição se denuncia antes".
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Expectativa

A expectativa indevida é mãe de muitas frustrações. Há expectativas devidas, quando se confia em alguém é justo se esperar lealdade. Mas a maioria das expectativas é indevida. Espera-se que o filho siga uma profissão, que seja desta ou daquela maneira, ou que nunca seja de alguma forma; espera-se disponibilidade, espera-se confiança, espera-se paciência, espera-se conivência, apoio, carinho, espera-se gratidão.
Expectativa gera frustração, que gera sofrimento, que gera mais sofrimento. Se não esperamos, não sofremos tanto. Por que, então, esperamos quando é indevido? Porque somos presos à visão estreita da nossa própria pequeneza. Quando fazemos algo por alguém, por exemplo, o objetivo não precisa ser a gratidão da pessoa, ou mesmo que ela aproveite bem o que fizemos. Se tivermos como objetivo apenas fazer o que nos for possível fazer, estaremos satisfeitos ao fazê-lo, independentemente do proveito ou do reconhecimento. Veremos ali uma pessoa grata ou ingrata, capaz ou incapaz de aproveitar as oportunidades, demonstrando o que é, sem que isso nos fira. Apenas uma lástima.
Além do mais, agir da melhor forma possível sem esperar nenhuma espécie de retorno nos permite não desistir de seguir fazendo, tentando, oferecendo, o que é uma alegria poder fazer, faz até bem à saúde. Decepções acabam nos amargurando, estragando a vida, é preciso evitá-las ou, se não for possível, superá-las. Algumas das melhores pessoas que conheci, recebi em casa como hóspedes, mal as conhecendo. Resolvi não permitir que um ou outro traiçoeiro me fizesse fechar as portas e parar de receber. Estudando bem cada caso de engano, fui aprendendo a distingüir os sinais de caráter, antes de depositar confiança.
Uma vez, quando andava a esmo pelo mundo, fui recebido por uma senhora viúva que morava com filhos, noras, genros e netos, tudo no mesmo terreno, várias casinhas e composições familiares, a maior era a da mãe, que a dividia com dois filhos ainda não casados - haviam sido 18, oito não "vingaram", morreram pequenos, dois morreram grandes. Um morava numa cidade vizinha. Cheguei no pricípio da noite, pedindo pouso na varanda, a velha estava na janela, candeeiro aceso num prego, no alto, expliquei que viajava e só queria dormir pra seguir no dia seguinte, ela mandou entrar, chamou os filhos, perguntou se eu já tinha jantado. Mandou a filha fazer um prato de comida. Fui levado pra dentro, jantei o que havia nas panelas, sobrado do jantar deles. Aos poucos foram chegando os familiares das outras casas e, em pouco tempo,me enchiam de perguntas e respondiam as que eu conseguia fazer. Soube que a mãe ficava na janela todo dia, esperando o filho que "sumiu no mundo", atrás "sabe lá Deus o de que esse menino foi atrás". Todos achavam uma perda de tempo, tentavam convencê-la a abandonar o hábito, achavam que ela ficava sofrendo à toa, mas ela se limitava a responder "ele vai voltar, que eu sei", baixo, olhar no escuro da noite. Quando tinham saído quase todos e a viúva estava tirando o lampião, eu me arrisquei a perguntar - "o que a senhora fica fazendo?" "Rezando, meu fio, pra que ele seje recebido bem, como eu lhe recebo". "E a senhora acha que ele vai voltar nessa hora que a senhora fica na janela?" Ela me olhou condescendente, sorriu. "Essa é a hora que eu dei pra ele, de todo meu dia. Deus é que sabe se ele volta, mas eu tenho que esperar aqui, todo dia". E acrescentou, quase como para si mesma, "é o jeito d'eu tá com ele, senão morria de sofrer". Aí eu entendi, senti a grandeza daquela espera, mística, interna, pacificadora. Essa mãe coloquei no alto do desenho.
Assinar:
Postagens (Atom)
observar e absorver
Aqui procuramos causar reflexão.