Observar e absorver
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quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Orçamento, dívida pública e aproximação popular. 20 11 2024
domingo, 22 de setembro de 2024
terça-feira, 31 de outubro de 2023
Por quê tanta cumplicidade desse "mundo ocidental" onde somos periferia?
quinta-feira, 19 de outubro de 2023
Celestina, ostentação e retomada dos caminhos
Caricatura - Cláudio |
Celestina, a kombi, tá uma beleza. Alisada e pintada de novo. Antes da pandemia, ela tava toda lenhada, quando chovia muito era preciso parar, tirar tudo e enxugar a água que entrava pelos buracos, pelos encaixes das janelas, por todo lado. Eu gostava daquela aparência, o problema eram as conseqüências, a ferrugem se alastrando, buracos na lataria, a água que entrava a cada chuvarada.
Vários amassados, muitos arranhões e pontos de ferrugem nas janelas e dobradiças, era uma kombi velha, rodada, marcada pelo tempo, mas disposta e valente. Eu gostava do aspecto, simpático e cheio de cicatrizes, Celestina parecia uma senhora guerreira, de uma "velhice" ao mesmo tempo forte, suave e serena.
Lembro de uma vez em que calculei mal a chegada no Rio, gosto muito de viajar na estrada de madrugada, estrada vazia, de chegar amanhecendo o dia. Cheguei pela Linha Vermelha de manhã, quando o trânsito tá aglomerado pra ir da baixada pra centro e zona sul, das periferias mais distantes. Congestionamento, parando de cinco em cinco metros. Escuto um barulho, uma gritaria, uns baques à distância, parecendo longe. Olho pelo retrovisor, vejo um movimento intenso, um monte de moleques assaltando os carros, quebrando vidros com pedaços de vergalhões de ferro, com madeiras, sei lá, uma confusão acontecendo e vindo de trás pra frente, na minha direção. Arrastão. Não tenho o que fazer, não tem pra onde correr, o trânsito tá parado, na altura de Caxias. Estou sozinho na Celestina, a kombi, os vidros estão abertos e eu não faço nada, só espero. Eles vêm chegando, pegam o carro de trás, pegam o do lado, o do outro lado, o da frente. Eu só olhando, janelas abertas, percebo que nenhum deles olha pra mim ou pra kombi. Estão numa função de risco, podem tomar um tiro a qualquer momento, focam nos seus objetivos e não vêem mais nada. A única atenção fora disso é com a possibilidade de aparecer polícia. Nem viram a kombi, com seu aspecto de trabalhadora pobre. Instintivamente, não interessava a nenhum deles. Havia carros muito mais atraentes, bonitões, ostensivos, com aspecto de que tem grana.
A ostentação, tão comum em nossa "cultura social"- e em todas as classes -, me parece fragilidade de ego, insegurança em seu valor pessoal e uma estupidez social. Se pretende "ser respeitado" e se atrai a simpatia dos interesseiros, o olhar de cobiça, a inveja dos frustrados. O valor de cada um está em seu caráter, sua sensibilidade, seu senso de justiça, sua capacidade de compreensão, seu corpo abstrato, sua alma, sua espiritualidade. A transferência de valor pra fora, pra aparência e ostentação, costuma ser um sinal de precariedade interna, de superficialidade mental, de enquadramento nos valores induzidos pelo sistema social, pela própria sociedade. É o domínio da mentalidade "de mercado", induzida pelo modelo de ensino, pelo controle da cultura, das informações, das comunicações - a partir do aparato de administração pública infiltrada, pressionada e controlada pelas forças econômicas de um punhado que se esconde no tal "mercado".
Voltando à Celestina, mais uns dias ela vai me ser entregue. Parada na pandemia, passou quase um ano nessa dermatologia, tratando da "pele", dentro e fora. Depois, é revisar motor e componentes, preparar uma boa produção pra fazer a carga, lotar a viatura e partir pras estradas e pras exposições. Estávamos em cinco adultos e uma criança, em Brasília e partindo Goiás acima, quase na fronteira com Tocantins, quando a pandemia se impôs. A viagem já tinha mais de um mês, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Betim, Contagem, depois em Goiás, Rio Verde, Goiânia, Brasília, Alto Paraíso... aí eventos foram desmarcados, em Palmas, em seguida o Ceará fechou fronteiras. Paramos em Cavalcante, norte de Goiás, e ficamos. O motor da kombi tinha sido retificado antes da saída, estava "novo". A covid demorou seis meses pra chegar, foi quando decidimos ir embora, não havia mais por quê ficar.
Em Belo Horizonte ainda paramos pra regular o motor na Fuscaria do Rafael, especializado em motores a ar, com carburador, das antigas. Chegando em casa e na impossibilidade de expor, fui morar na montanha, no mato. Andar de kombi ali ficava caro, sem mercadoria pra carregar e expor, ela não compensava. Passei pro uninho e deixei ela parada por um tempo, até encontrar o funileiro que ia tapar os buracos, cortar as chapas enferrujadas, soldar novas e o que fosse preciso e terminar fazendo a pintura nova com seu sócio pintor. Quase um ano depois, os olhos se enchem com a novidade da Celestina com um aspecto que ela nunca teve. Pelo menos desde que peguei, abandonada havia anos num depósito em São Gonçalo. O motor foi pro lixo e entrou um novo, original de kombi mesmo.
Não tracei rota pra primeira viagem, mas quero começar nessa região que abrange norte de São Paulo e sul de Minas, em direção oeste com vários "talvezes". Talvez triângulo mineiro, talvez Mato Grosso do Sul, talvez oeste do Paraná, talvez o sul de Goiás, até onde a mercadoria se aproximar da metade. Aí começa o retorno, expondo sempre, mas já na direção leste, a caminho de casa.
Com o dinheiro ganho na viagem, compra-se matéria-prima farta e começa a produção novamente, gravuras, camisas, fanzines, livrinhos, ímãs... uns dois ou três meses e já dá pra encher Celestina, a cargueira. Aí se estabelece uma nova rota.
sábado, 29 de julho de 2023
Publicações de hoje no feice
A mídia empresarial, dominante, compra consciências de jornalistas, comentaristas e "especialistas". Com grana, espaço e fama. Através deles, impõe uma realidade distorcida, sempre a favor de banqueiros e demais podres de ricos nacionais e, sobretudo, internacionais. É a ferramenta mais poderosa pra manter o país subdesenvolvido, de joelhos diante do saque e da exploração desenfreada, exportador de matérias-primas não industrializadas, pra manter a pobreza, a miséria, a ignorância e a desinformação que vejo por aí, em toda parte.
domingo, 2 de julho de 2023
domingo, 21 de maio de 2023
Agradar o pobre desagrada o rico, diz Paulo Guedes
Por esses dias foi divulgado um contato entre o ex-presidente e seu ministro da economia, banqueiro e financista, depois do presidente atual conseguir baixar preços que ele não havia conseguido pouco antes da tentativa de reeleição. Reclamou de ter pedido pra baixar o preço do gás de cozinha, numa jogada eleitoral atrás de votos, e ter recebido como resposta “não dá pra agradar o pobre, porque isso desagrada o rico e o rico é quem manda”. Em seguida, irritado pela interpelação do seu ex-chefe – pelo menos em teoria –, completou com “desapega” e bloqueou o ex-presidente.
Essa resposta é uma declaração esclarecedora, pra quem ainda não se deu conta. “Agradar”, no caso, é colocar o Estado a serviço dos que têm seus direitos constitucionais roubados cotidianamente, como alimentação saudável, moradia decente, educação de qualidade, entre muitos outros. Dizendo o mesmo, de outra maneira, fazer a sociedade cumprir a sua constituição, uma obrigação simples e óbvia. Isso “desagrada”, ou sendo mais exato, apavora e enfurece “o rico” – que explora o pobre, saqueia as riquezas do país e acumula terras sem conta, a maior parte improdutiva na intenção da especulação imobiliária, enquanto a parte produtiva resulta em “comodities”, matéria prima para exportação (embora se anunciem produtoras de alimentos pra matar a fome da população, uma grande mentira. Setenta por cento dos alimentos são produzidos por agricultores familiares em pequenas propriedades). Pra esses poucos, manter os pobres humilhados, inferiorizados, sem consciência da realidade, da sua importância e necessidade na produção de tudo o que a sociedade necessita, ignorantes e desinformados, entre a repressão do aparato de segurança e a chantagem da miséria explícita.
A partir dessa compreensão pode-se olhar a história recente do país e entender porquê governos que investiram na população, ainda que insuficientemente, foram odiados, difamados, perseguidos e derrubados – com apoio ou com direção estadunidense, além dos países colonizadores da Europa. No governo de Getúlio Vargas, criaram-se leis que tornavam o ensino obrigatório para todos, que regulavam as remessas de lucros das empresas estrangeiras que saqueavam o território, leis trabalhistas para conter a exploração exagerada de trabalhadores, investiu-se na criação de empresas estatais como Petrobrás, Usiminas, Eletrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Fábrica Nacional de Motores, enfim, no desenvolvimento econômico em busca de autonomia e soberania nacional. A mídia empresarial, na época tendo à frente os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com jornais impressos e rádios por todo o território, difamava o governo e o presidente, acusava o “mar de lama” da corrupção, afirmava não haver petróleo no Brasil e que tudo era para roubar o dinheiro público. Congresso e judiciário faziam parte da orquestração, em busca de motivos – ou pretextos – pra escândalos ampliados por jornalistas de consciência vendida. A pressão foi tamanha que, na iminência do golpe e num gesto político, Getúlio deu um tiro no peito e se matou.
É de se observar que os conservadores e serviçais de interesses estrangeiros se encolheram diante da fúria popular que se manifestou em toda parte. Jornais foram atacados e “empastelados”, como se dizia na época, jornalistas foram espancados ou fugiram a se esconderem, carros de entrega dessas publicações foram virados, incendiados, máquinas de impressão foram destruídas. O único jornal poupado foi o “Última Hora”, de Samuel Wainer, apoiador de Getúlio, que era amado pelo povo e conhecido como o “pai dos pobres” – e por isso mesmo odiado pelos ricos. Quando o povo se levanta, as elites colonizadas se encolhem com medo.
Outro governo que despertou esse ódio interesseiro foi o de João Goulart, o ex-ministro de Getúlio que deu um aumento histórico de 100% no salário mínimo e implementou medidas para garantir os direitos dos trabalhadores, sendo por isso atacado violentamente de todos os lados e retirado por Getúlio por razões políticas, embora as medidas tenham sido mantidas. O governo de João Goulart investiu na educação, implementou o Plano Nacional de Alfabetização, com o objetivo de erradicar o analfabetismo do território nacional, regulou mais ainda as empresas estrangeiras, sobretudo estadunidenses (que eram a maioria), criou programas de qualificação de professores e, supremo “atrevimento”, decretou a reforma agrária. A mídia empresarial, histérica, berrava contra a “ameaça comunista” e clamava pela derrubada de Jango, como era conhecido.
Na verdade, Goulart era latifundiário de São Borja, RS, como Getúlio, e jamais seria comunista, embora levantasse às quatro da manhã pra ir junto com os seus empregados pros serviços da fazenda, dividindo com eles o chimarrão em franca camaradagem. Ele simplesmente achava que os mais pobres tinham direito a uma vida digna, nada de “comunismo”, apenas humanismo, sensibilidade e solidariedade com a parte mais sacrificada de toda a sociedade, que sofria com a mentalidade ainda escravista das elites descendentes e admiradoras dos antigos “senhores de escravos” dos tempos do império e da colônia.
A frase do banqueiro ex-ministro da economia Paulo Guedes revela a mentalidade das elites dominantes, perversa, anti-social, que permite entender porquê somos obrigados a conviver com pessoas atiradas como lixo pelas ruas, entocadas nas periferias em situações escabrosas de miséria e indigência, gerando mão-de-obra farta, barata e sem direitos, alimentando a criminalidade que cadeias não resolverão, ao contrário, especializam e aumentam a violência e alimentam as organizações criminosas criadas por elementos da própria elite – tudo o que dá lucro, desperta a cobiça. Condições materiais pra acabar com a desumanidade social há de sobra e há muito tempo. A produção de alimentos e de insumos é mais que capaz de atender a todas as necessidades de todas as pessoas. O que acontece é que não é suficiente pra atender a ambição de alguns poucos – que impõem a ignorância com a sabotagem da educação pública e, com o controle das comunicações, mantêm a desinformação, pra que o povo não tome consciência do que acontece. Da mesma forma, precisam de focos de miséria pra obrigar os trabalhadores a aceitarem qualquer condição de trabalho, abrindo mão dos seus direitos e aceitando qualquer merreca pra não cair nas condições expostas de abandono.
É tempo de revelação, é preciso ler os sinais e perceber os condicionamentos que nos aprisionam a esse modo de vida angustiante, competitivo, vazio de verdadeiro significado, frustrante. É preciso desenvolver a solidariedade e a mentalidade cooperativa, entendendo as induções que nos afastam uns dos outros, que criam competitividade e impedem a união fraterna que poria abaixo toda esta estrutura injusta, covarde e perversa.
Acordamos, pouco a pouco demais pra minha cabeça, mas acordamos, principalmente através das novas gerações – que os dominantes, com seus profissionais de alta capacidade e de consciências compradas (jornalistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etc.) tentam cooptar sistematicamente. Mas as exceções se multiplicam e a realidade vai se esclarecendo – o tempo não pára.
quarta-feira, 17 de maio de 2023
Olhar, escutar & perceber práticas de libertação
domingo, 14 de maio de 2023
Vinte cinco toneladas de alimentos orgânicos
Hoje foram doadas vinte e cinco toneladas de alimentos, no último dia da Feira da Reforma Agrária, a vinte entidades sociais da Grande São Paulo. Vinte e cinco mil quilos pra distribuir entre os famintos que perambulam pelas ruas ou moram em barracos nas periferias mais pobres. Nada que resolva por mais que um pouco tempo, pra alguns milhares de pessoas. Mas um exemplo e um demonstrativo do que é, na verdade, o MST em nossa sociedade injusta, perversa e covarde. E esse é o motivo pelo qual esse Movimento é tão odiado pelas elites e pela mídia que as representa - e a mais ninguém. Tão difamado e há tanto tempo que é quase senso comum, que vem se desfazendo aos poucos, sobretudo desde a pandemia, quando outras toneladas de alimentos foram doadas nas periferias famintas das cidades, pela solidariedade do MST, entre outras entidades igualmente perseguidas. Uma demonstração da perversidade institucionalizada, a percepção do seqüestro do Estado e suas instituições pelos poderes econômicos de elites diversas, embora compostas de muito pouca gente, em comparação com a população. Todo o aparato estatal e midiático é posto a serviço desses interesses anti-sociais, a quem interessa a fome e o desabrigo, a ignorância e a desinformação, a partir do escuro dos bastidores. Essa gente não tem medo de escuro, porque tira seus privilégios dele; tem medo é de luz, de clareza. Tem pavor da idéia de um povo instruído, esclarecido, com auto-estima e senso crítico pra entender o que acontece e escolher como atuar dentro disso tudo. E esse pavor se transforma em ódio diante de qualquer possibilidade que isso aconteça. Daí o ódio a Paulo Freire e a todos os que pretenderam instruir de verdade, que quiseram investir no desenvolvimento humano individual e coletivo, em alimentação orgânica e saudável, na formação do povo em todo o seu potencial, no atendimento de todas as necessidades de todas as pessoas, sem exceções.
Foto - Murilo da SilvaPadre Júlio Lancellotti, conhecido em seu trabalho de apoio à população desabrigada em sua paróquia, na Mooca - e também perseguido, difamado e agredido -, recebeu simbolicamente os alimentos, que vieram de assentamentos do MST em vinte e quatro estados do Brasil. Essa solidariedade vem de longe, mas foi sempre escondida, omitida pela mídia empresarial que domina as comunicações no país inteiro. Ao contrário, como porta-voz dos interesses econômicos de punhado de podres de ricos e formadora de opinião "popular" mas, sobretudo, das classes médias, ela difama, calunia, distorce e criminaliza o movimento, enquanto as agências de segurança "pública" infiltram seus agentes de espionagem.
Quem não conhecer e for a uma feira do MST, sempre de orgânicos, vai se surpreender com as mentalidades, as personalidades, o jeito das pessoas, além dos alimentos saudáveis e variadíssimos, colhidos ou preparados, pimentas, temperos, queijos, geléias, nem dá pra chegar perto de dizer tudo o que tem. Só indo e vendo com os próprios olhos, ouvindo, observando e absorvendo da realidade, do convívio, do contato direto. Ver com os próprios olhos e sentir com o próprio coração acaba levando a gente a pensar com a própria cabeça. Se é que me entendem.
Conheci o MST há muitos anos, em beiras de estrada por onde eu passava, em lonas pretas, plantando as terras mais distantes. Povo simpático, eu não tinha ainda a noção do que era o Movimento nascido em 1984. O que percebi logo é que eram pessoas pobres, mas esclarecidas a respeito da sociedade, com auto-estima e consciência acima da média sobre a realidade. Além de muito solidárias. Várias vezes cheguei e em cinco minutos estava convidado pra um café e alguma coisa pra comer - eles me viam a pé na estrada, carregando minhas coisas e nem perguntavam se eu queria, me viam chegando e cumprimentando, já iam me chamando e oferecendo. Muito tempo depois, já morando no Rio, conheci o escritório do MST na praça Tiradentes, deixei lá um desenho meu, de presente - "por tão poucos terem tanto, é que tantos têm tão pouco". Eu tinha ido com um amigo jornalista, Fabio da Silva Barbosa, para uma entrevista marcada com o Mano Teko, do Santa Marta se bem me lembro. Espero que tenham emoldurado o desenho e posto em alguma parede por lá. Mas não sei, nunca mais voltei. Encontro o MST por aí, vez por outra, e é sempre um prazer, sempre gente boa, sempre bons contatos. Pelo menos até hoje.
Não estou "defendendo" nada, não estou "pregando" nada, tô só relatando e dizendo como vejo e sinto.
sábado, 4 de março de 2023
Cuidado, Sônia
A ministra dos povos indígenas se encontrou, na embaixada dos Estados Unidos, com o “secretário especial para o meio ambiente”, John Kerry. Diz que ele se interessa pelos povos indígenas e pela proteção da Amazônia. Que está “verdadeiramente preocupado”, tanto com a proteção ambiental quanto com a proteção dos direitos dos povos indígenas.
Cuidado,
Sônia. Os Estados Unidos representam o atual colonialismo nascido na Europa,
sobretudo o da Grã-Bretanha, de onde são descendentes diretos e que superaram sua
matriz, hoje sua aliada na dominação, no saque, na exploração e escravização de
todos os lugares onde lançam suas garras, de todos os povos que conseguem, ainda,
submeter. Não há sinceridade em suas propostas “humanitárias”. Basta observar
seus movimentos pelo mundo, a interferência em governos e parlamentos, nos
golpes de estado promovidos ao longo da história, nas mais de cinqüenta guerras
provocadas depois da segunda guerra mundial, nos países que se rebelaram ao seu
domínio. Um histórico de hipocrisia, de mentiras, de massacres e assassinatos,
sob pretextos superficiais e falsos, oferecendo armas, treinamento e dinheiro
aos traidores de seus povos, enriquecendo elites locais e formatando
mentalidades racistas e preconceituosas contra as maiorias, contra os
movimentos de defesa das precárias soberanias dos países ditos pobres – em sua
população – mas ricos em recursos minerais, em terras férteis, em água e,
sobretudo, petróleo.
Cuidado,
Sônia. Estão oferecendo novamente espelhinhos, miçangas e ferramentas de metal,
como foi feito com seus ancestrais. Sorrisos falsos e promessas cínicas
escondem os mesmos interesses de sempre nas riquezas, agora, da Amazônia. É
claro que não vão declarar os bastidores desses “interesses” de multinacionais
e mega-bancos mundiais sediados no império corporativo da “civilização
ocidental”, esse é seu modo de agir. Como já disse um de seus representantes,
um sorriso no rosto, palavras mansas e um grande porrete nas mãos. Lembre-se de
que, desde que se descobriu o pré-sal, foi reativada a tal 4ª Frota da marinha
estadunidense, desativada desde a grande guerra e re-esboçada durante o golpe
de 1964, no apoio aos militares brasileiros diante da possibilidade de
resistência. Que só não aconteceu pela decisão do presidente derrubado, um
latifundiário acusado mentirosamente de “comunista”, o bicho papão da mídia
empresarial e das políticas estadunidenses, na criação da paranóia ignorante e
desinformada com o domínio das comunicações e dos modelos de educação
engaiolados pelo “mercado”, superficiais e moldados na formação de peças para a
engrenagem perversa de uma sociedade escravista, maquiada e travestida como “democracia”,
mais uma grande hipocrisia.
Cuidado,
Sônia. A sedução dos vampiros mundiais começa com preocupações falsas, tanto
quanto os sorrisos e as promessas que escondem – embora se possa ver, quando se
leva em conta a história recente – pretendidos saques das riquezas da Amazônia.
Os colonizadores genocidas e escravistas europeus hoje estão representados pela
democracia de papel dos EUA, pela monarquia que resiste na Grã-Bretanha e, em
segundo plano, pelas mega-empresas européias. Existe ainda, em terceiro plano,
interesses parecidos vindos da Ásia, insipientes mas “promissores”, se
apresentando como “alternativa”. As riquezas latinoamericanas são cobiçadas
pelo mundo inteiro, como as da África, que já dá mostras de acordar para esta
realidade muito mais que a América Latina, porque lá o saque, a escravização, a
produção de miséria e o descaramento no controle das instituições é sem
disfarce, descarado e sem pudor.
Cuidado,
Sônia. Todos esses sorrisos falsos, promessas mentirosas e preocupações ambientais
e humanitárias hipócritas trazem na alma interesses destrutivos e assassinos.
Aproveita-se a situação de fragilidade produzida pelos vampiros internos, pra
acenar “ajudas” que visam impor vampiros muito maiores, mundiais, “donos”
podres de ricos da “civilização ocidental” – a mais violenta de todos os
tempos.
Sua foto com
esses dois “galalaus” brancos, estadunidenses, sorridentes os três na embaixada dos Estados Unidos – base de todos os golpes de Estado na América Latina –, me
pareceu assustadora e deu um frio na barriga. A ministra dos povos originários,
de grande importância histórica por ser a primeira vez que as vítimas de
genocídio continuado, desde a chegada da nefasta civilização européia, hoje
ocidental porque a colônia anglo-saxônica superou o mestre, está se deixando
levar pelo canto da sereia, está fechando com os piores inimigos da humanidade.
São representantes de forças que não têm amigos, mas sim interesses, que têm na
traição uma ferramenta de trabalho, na dominação e no saque, não importando em
nada qualquer quantidade de sofrimento e morte que possam produzir.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
terça-feira, 24 de janeiro de 2023
Vencer na vida
Vencer na vida não é enriquecer, mas sim chegar ao fim dessa passagem, que começa no nascimento e termina na morte, de bem com a própria consciência. Vencer na vida é chorar quando se nasce e sorrir quando se morre. A morte não é uma tragédia, uma desgraça, mas sim conseqüência de ter nascido. Tudo que nasce, morre. Nós todos estamos aqui de passagem. É preciso levar isso em conta, diante do massacre publicitário-midiático que faz tudo pra impor nossos objetivos de vida como sendo consumir, desfrutar de prazeres materiais. A matéria é nosso veículo, não nossa finalidade. O tempo é implacável, todos sairemos da dimensão material. Impressionante como as pessoas não se ligam, mesmo vendo todos os antigos indo embora, mesmo percebendo o próprio envelhecimento. Vence quem sai limpo de maldades, de mentiras, vence quem mais beneficiou, vence quem tem facilidade em se desapegar de tudo, matéria e relações, vence quem não se deixou levar pelos valores desse mundo, controlado e dominado por interesses materiais. Chega a ser estúpido se deixar convencer que se vale o que se tem, não pelo caráter, pela amorosidade, pela sensibilidade, pelo senso de justiça. Deus não premia com riquezas, mas com paz de espírito. A verdadeira riqueza é imaterial.
Obs.: Uso a palavra "Deus" pra simplificar o entendimento do que vejo como espiritualidade e não ouso definir. Não tenho alcance pra conceber o "supremo ser do universo", já que, como se sabe, o ser humano não alcança, nem de longe, o próprio universo como um todo. Não nos é possível saber onde são os seus limites, nem se tem limites. Aguardo minha compreensão se desenvolver, sem pretensão de entender ou explicar o que não alcanço. Mas espiritualidade eu sinto plenamente, desde muito cedo, e já comprovei seus efeitos e interferências em minha própria vida.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
O genocídio ianomami e a hipocrisia da mídia empresarial
A tevê nojenta faz matéria de menos de um minuto sobre a tragédia ianomami. Cita a morte de 570 crianças como quem fala da morte de 570 bois por febre aftosa, uma vez só, de passagem. Diz das providências que estão sendo tomadas pelo novo governo, sem citar o novo governo. Em nenhum momento questiona as causas da tragédia e do aumento escandaloso dos crimes cometidos, desde 2016, mas que aumentou mais ainda depois de 2018.
Eu já vinha acompanhando, por postagens de informativos indígenas - há vários, embora muito pouco vistos pela população em geral - os assassinatos de indígenas, estupros, expulsões, invasões de garimpeiros, madeireiros, criadores de gado e plantadores de soja. Estive pela Amazônia, há mais de trinta anos, e sei que suas terras "demarcadas" ou "em homologação", as terras onde vivem são cercadas por ambições e ódio destrutivo, em todo o território nacional. A difamação e a criação de desprezo - pelas mídias locais - servem como "justificativa" pros crimes cotidianos, os maus tratos e a repulsa por parte de pessoas sabotadas em informação e instrução.
Os ataques nunca pararam, desde a chegada dos europeus, há séculos, mas nos últimos anos esses criminosos tiveram incentivo do próprio governo, que desarmou os poucos esquemas institucionais de defesa desses povos, das florestas, do meio ambiente. O massacre estava liberado, sob o ocultamento da mídia privada (mais privada do que nunca, como depósito de merda) e a exultação da ganância assassina. A mudança de governo pra um menos desumano mostra vontade de conter essa desgraça toda. Mas os elementos que a causam continuam ali, cercando as terras indígenas, babando de ambição e ódio aos que consideram um mero impedimento aos seus objetivos. Esses dias mesmo, no sul da Bahia, dois meninos foram mortos a tiros, quando voltavam pra sua aldeia em área retomada - se não me engano, um tinha 17 e o outro 22 anos. É prática cotidiana desta "civilização" o genocídio indígena - e dos pobres, nas cidades, pelas próprias "forças de segurança" da sociedade. Segurança pra quem?
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
Dia 8 de janeiro, domingo, escancara o terrorismo planejado. Covardia "de mercado".
Vimos ontem o resultado da união da perversidade dos poderes econômicos com a ignorância, a desinformação e as induções ao inconsciente coletivo de ódio pelas mídias empresariais.
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Riqueza e Pobreza
Riqueza verdadeira a gente carrega dentro. Pode distribuir à vontade, que não diminui.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
Instituições democráticas não fazem uma democracia de verdade.
Sim, temos instituições democráticas. Falta construir a democracia - pra além da fachada.
Educação pra além do mercado, humanista, vocacional.
domingo, 27 de novembro de 2022
A vida no Bolsonistão
Rodolfo Salm
PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará.
Altamira se tornou um dos principais centros do Bolsonistão. Se Altamira fosse o Brasil, Bolsonaro teria vencido no primeiro turno, quando alcançou quase 58% dos votos, contra 36,9% de Lula. No momento em que escrevi este artigo, havia um grupo de manifestantes acampados em frente ao 51º Batalhão de Infantaria de Selva, que fica no limite da cidade, pedindo uma “intervenção” – leia-se golpe militar. Em frente ao batalhão, várias churrasqueiras a pleno vapor. A churrascada foi prometida para a população caso Bolsonaro fosse eleito presidente. Com a derrota, a carne que falta na mesa de milhares de pessoas nas periferias de Altamira foi usada para agregar “simpatizantes” em torno do protesto golpista. Carne, refrigerantes e outros gêneros chegaram em caixas enviadas por comerciantes e empresários locais, o que ajuda a manter viva a revolta golpista contra o resultado legítimo das urnas.
No dia seguinte ao segundo turno, registrei o protesto em vídeo duas vezes. Achei que estava passando despercebido. Neste domingo, fui mais uma vez. O celular foi tomado da minha mão. Enquanto eu protestava aos gritos, uma roda de amarelinhos se formou ao meu redor. Tive que negociar com um dos líderes da direita local a devolução do aparelho, em troca do compromisso de apagar o vídeo. Ele me disse que, nas ocasiões anteriores, havia pessoas prontas para me agredir. Descobriram meu nome e agora me atacam nas redes sociais. Fui avisado de que circula por WhatsApp a mensagem de um militar do meu bairro que disse ter vontade de me “dar um tiro”.
Vivo em Altamira, uma das principais cidades do arco do desmatamento, na Amazônia, há 14 anos. É a primeira vez que estou assustado, a ponto de me afastar do debate político com a sociedade local. Vários dos empresários que financiam as ações golpistas enriqueceram com a grilagem de terras, através de fraudes em projetos de desenvolvimento regional da ditadura militar-empresarial (1964-1985). Vários deles hoje pleiteiam pedaços de terra já invadidos e desmatados na Terra Indígena Ituna-Itatá, onde há registro de presença de povos isolados, a cerca de 100 quilômetros da cidade. Quando contestados, dizem que os indígenas “desapareceram”. Claro, aterrorizados, com sua terra toda invadida por milícias armadas, eles se evadiram para áreas mais remotas.
Em sua manifestação em frente ao quartel, os seguidores de Bolsonaro gritavam: “Liberdade, liberdade”. Quem vive na Amazônia sabe que a “liberdade” que defendem é a liberdade para invadir terras públicas, queimar, desmatar, garimpar, tirar madeira. Não é acaso o fato de Altamira ser a campeã em emissões de dióxido de carbono do Brasil, à frente inclusive da cidade de São Paulo. Há uma correlação explícita entre o arco do desmatamento da Amazônia, a área de maior intensidade de atividades predatórias destrutivas do meio ambiente, e as áreas onde Bolsonaro teve suas votações mais expressivas.
Desembarquei na cidade em 2008, após ser aprovado no concurso para uma vaga de ecólogo na Universidade Federal do Pará (UFPA). Minha ligação com a região amazônica, porém, começou em 1996, quando iniciei meu contato com os Kayapó como estudante de biologia na Universidade de São Paulo (USP). Apaixonei-me pela floresta amazônica da bacia do Xingu e pela cultura combativa desse povo. Mas a realidade que encontrei em Altamira, anos mais tarde, foi totalmente diversa: uma cidade que odeia a floresta, despreza os indígenas e faz de tudo para renegar sua origem. Quase não há árvores pelas ruas, e as poucas que existem vão sendo rapidamente deletadas da paisagem urbana. Nestes últimos anos, fiz do entorno da casa que construí uma floresta, mas tive meu terreno invadido recentemente por um vizinho que envenenou algumas árvores que lhe cobriam parcialmente a vista do rio Xingu. Em vez de protestar, fui obrigado a me conformar calado, pois se trata de um grileiro que costuma resolver seus problemas à moda antiga. Gasto parte substancial do meu tempo de trabalho tentando jardinar e arborizar o campus da UFPA, com frequência em conflito com aqueles que consideram as árvores uma ameaça às estruturas físicas da universidade.
Quando cheguei, o rio Xingu corria livre e belo em frente à minha casa. Altamira tinha um ritmo pacato, trânsito tranquilo e praias de areia branca onde o povo se divertia nos finais de semana. Isso até a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que transtornou a paisagem, com a inundação das praias, o apodrecimento do rio, a degradação urbana e social e a explosão da violência.
A imagem do presidente Lula de mãos dadas e erguidas com Tuire Kayapó é, para mim, a síntese da campanha eleitoral de 2022. Tuire ficou mundialmente conhecida em 1989 ao encostar seu facão no rosto de um diretor da Eletronorte, José Antônio Lopes, quando ele defendia a construção da hidrelétrica, chamada na época de Kararaô. Lula, por outro lado, que chegou à presidência pela primeira vez cercado por grandes expectativas para a conservação da maior floresta tropical do planeta, decepcionou indígenas e ativistas ambientais ao desengavetar aquele antigo projeto da ditadura.
Enquanto o país crescia sob inegáveis avanços sociais proporcionados pelos governos petistas, em Altamira nós denunciamos repetidamente a inviabilidade técnica e econômica, assim como as terríveis consequências socioambientais daquela que era considerada a maior obra do setor elétrico do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2010, fomos reprimidos pela Força Nacional quando tentamos protestar durante a visita do então presidente Lula à cidade, onde desembarcou para defender Belo Monte. Ironicamente, na ocasião, Lula confraternizou com muitos dos que hoje o caluniam, lutaram contra sua eleição e circulavam pela churrascada golpista diante do quartel do Exército. Belo Monte materializou-se no Xingu, e todas as nossas piores previsões se confirmaram.
Somente uma reviravolta política tão grande para converter os opositores de Belo Monte em fervorosos defensores da eleição de Lula. A forma criminosa como o atual governo, sob responsabilidade direta de Jair Bolsonaro, agiu diante da pandemia, foi responsável pela morte de quase 700 mil brasileiros. Perdi dois amigos de Altamira e do Xingu: o maravilhoso repórter fotográfico Lilo Clareto, que morava na cidade retratando as violações ambientais e humanas causadas pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, e meu irmão na cultura Kayapó, o cacique Paulinho Paiakan, que no final dos anos 1980 foi a mais importante liderança na luta contra a construção da hidrelétrica. Bolsonaro só não foi denunciado pela CPI da Pandemia por crime de genocídio por uma tecnicalidade. Segundo alguns, o genocídio teria que ser uma ação voltada contra grupos étnicos específicos, enquanto os crimes de Bolsonaro na pandemia teriam sido contra todo o povo brasileiro. Aceitando-se tal definição, o conceito poderia ser aplicado ao tratamento dado por Bolsonaro especificamente aos povos indígenas.
Bolsonaro prometeu durante a campanha de 2018 que não demarcaria nem um centímetro mais de terras indígenas, contrariando a determinação da Constituição de 1988, e cumpriu a promessa à risca. Pior que isso, incentivou o garimpo ilegal nas terras indígenas, tanto em suas falas quanto no desmonte dos órgãos de fiscalização e no aparelhamento da Funai. Várias aldeias na Terra Indígena Kayapó, que conheço mais profundamente, cederam às pressões e abriram seus territórios para o garimpo. Outras ainda resistem. Aukre, a minha aldeia, fundada por Paulinho Paiakan, aonde retorno todos os anos para me reconectar com a floresta, resistiu aos garimpos até aqui. Mas dificilmente resistiria a um novo governo Bolsonaro.
Foi uma campanha eleitoral violenta, com abusos de poder econômico e do uso da máquina pública por Bolsonaro. Vi muita gente das classes D e E em Altamira com medo de expressar sua opção por Lula, andando nas ruas, a pé ou de bicicleta, atendendo nas lojas com medo do patrão. Mas até nisso Altamira é desigual. Só por ter um carro, sou considerado “rico”. Achei que estaria me arriscando ao encher meu carro de adesivos de Lula. Mas não, tudo o que ouvi foi o apoio de pessoas que lamentavam não poder fazer o mesmo. Por medo.
Quem sofreu por isso foi meu filho adolescente, que matriculei naquela que imaginava ser a melhor escola da cidade. Quando seus colegas viram os adesivos no meu carro, ele passou a sofrer bullying de boa parte deles, filhos de bolsonaristas. Chegaram a cercá-lo dizendo que, se ele é “esquerdista”, não poderia ter celular. Fico preocupado com uma juventude que apoia a destruição da floresta e defende um político que enaltece torturadores.
Altamira me faz lembrar da famosa frase de Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio”. Hoje, em Altamira e no Brasil, essa cadela está ávida e feroz. Apesar do soluço de alívio representado pela vitória de Lula, a Amazônia ainda está por um fio.
Rodolfo Salm é professor da Universidade Federal do Pará.
odolfo Salm
PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, formou-se em Biologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade Federal do Pará.
Publicado originalmente na Revista Sumaúma.
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
As "instituições democráticas" estão ameaçadas. Democracia ainda não houve.
Não estamos tentando salvar "a democracia", mas sim as "instituições democráticas" - o que é muito diferente. A democracia ainda precisa ser construída. No conhecimento, na instrução, na informação verdadeira que são direito da população, sistematicamente negado. (Assim como alimentação e moradia decente, com saneamento, energia e segurança.) As instituições estão não só ameaçadas, mas desmoralizadas, a meu ver. Mais que nunca, porque desde o início dos anos 80 eu desacreditei no aparato estatal, em todas as suas áreas. Percebi as determinações dos poderes econômicos de um punhado de podres de ricos, inclusive no meu pensamento, na minha visão de mundo, nos meus desejos, objetivos e até nos sentimentos. E sacudi tudo fora. Agora olho, espantado e calmo, a reação violenta a um esboço de inclusão social, ao atendimento mínimo de alguns direitos de parte da população roubada em seus direitos constitucionais e excluída dos benefícios do desenvolvimento e da tecnologia. A sabotagem e cooptação da educação pelo "mercado", o controle das informações, a criação deliberada de ignorância, desinformação, superficialidade mental e agressividade competitiva criou o campo pro estímulo ao ódio, ao confronto, ao conflito que estamos vendo em toda parte. A ameaça é séria, assustadora, não só às "instituições democráticas" mas também, e principalmente, na situação social, às condições de vida, em todo o território nacional, da maioria da população - leia-se fome, desabrigo, violência e criminalidade miúda. E, pelo outro lado, da repressão estatal, do aumento da população carcerária, da destruição de vocações e de vidas, alimentando as "empresas" do crime organizado, municipais, estaduais, regionais, nacionais e internacionais.
domingo, 2 de outubro de 2022
Eleições de 22 - ponto de passagem, não de chegada.
Não estou impregnado desse clima de festa, dessa "alegria da vitória", não me sinto "feliz de novo", não participo de comemorações, nem vejo a luz no fim do túnel. Só estou vendo as trevas espessas que cobriram o aparato estatal se dispersando, pouco a pouco. As revelações foram feitas, a maldade escondida tomou coragem de se mostrar, a perversidade se assumiu perversa, covarde, indiferente a injustiças e sofrimentos alheios. Os cargos públicos nunca se mostraram tão claramente vendidos, movidos a montanhas de dinheiro público, em plena pandemia, em pleno processo de empobrecimento e desemprego, em meio à fome e o desabrigo crescentes. É preciso dar proveito a essas revelações.
O que espero é o restabelecimento das instituições, pra recomeçar a tentar colocá-las no verdadeiro serviço público, no cumprimento da Constituição, no atendimento pleno de todos os direitos da população. Em todo esse período desde 2016, o que se viu foi o desmonte de várias estruturas industriais, de um sem número de programas que atendiam, ainda que mal e pouco, direitos básicos, humanos e constitucionais da maioria historicamente roubada nesses direitos. As instituições foram ocupadas pela bandidagem e foram invertidos os seus procedimentos. Protestar ou denunciar ficou mais perigoso do que sempre foi. A impunidade foi instalada, o incentivo aos crimes, maior que nunca.Volta à cena o velho teatro de marionetes. Agora mais visíveis as forças econômicas tenebrosas que ainda dominam as câmaras - de vereadores, deputados tanto estaduais quanto federais e senadores -, os governos municipais, estaduais e federal, o judiciário por vias tortas e as comunicações, dominando todas as mídias e capturando a audiência da massa da população, em todas as suas formas. É preciso levar em conta que política não é só partidária. Política é muito mais que isso. Vem de polis, vários, muitos, e trata da existência coletiva buscando harmonia social. Tratar de entender como funciona a estrutura social, como funciona uma prefeitura e suas secretarias, o país e seus ministérios, como são compostos os orçamentos, de onde vêm e como são aplicados, em que setores e por quê, isso é tratar de política. E deveria ser ensinado nas escolas, desde os primeiros anos, adaptados, claro, ao linguajar e à realidade de cada fase do desenvolvimento.
É preciso criar espaços de encontros coletivos, pra falar sobre as necessidades do coletivo, pra resolver problemas e apresentar aos "poderes públicos" o que precisa ser resolvido, ainda que no passo a passo. Conhecer as formas de pressionar o atendimento dos direitos, contar com uma imprensa honesta, que não venda sua consciência - as empresariais priorizam interesses econômicos, não a verdade. É preciso também abrir espaço pras comunicações, geral, desde as comunidades periféricas às escolas, associações, sindicatos, universidades, enfim, detonar o domínio empresarial sobre o espaço das comunicações no país.
O controle dos territórios, as decisões finais sobre o que acontece neles devem ser dos que vivem nesses territórios. A sabedoria periférica, de sobrevivência e superação dos que formam o alicerce da sociedade, deve se impor em condições de igualdade aos saberes restritos a poucos e, em sua maioria induzidos a um sentimento de superioridade ilusório e intencionado na criação de barreiras e afastamento entre o saber e a sabedoria.