terça-feira, 17 de abril de 2012

Ricos e Pobres




        A falsificação da realidade, trabalho feito com sucesso pela mídia privada, desde sempre, é cada vez mais descarada. A prática política se utiliza dessa mesma estratégia, criando títulos bonitos para ações horrorosas. Um desrespeito à inteligência, um cinismo criminoso.
     O prefeito recém empossado que teve sua campanha eleitoral patrocinada, em grande parte, por empresas imobiliárias, anuncia a remoção de “comunidades pobres”, segundo ele, para livrá-las dos riscos de desabamentos. A lista, provavelmente feita pelas empresas como condição de patrocínio à campanha, inclui as áreas valorizadas pelo mercado imobiliário cobiçada pelos olhos grandes dos empresários.
        Uma barreira visual é construída ao longo da Linha Vermelha para esconder o complexo de favelas da Maré dos olhos dos gringos e visitantes que vão do aeroporto internacional para o centro e zona sul da cidade. O motivo alegado é proteger as frágeis orelhinhas dos moradores do ruído produzido pela via expressa. A ironia é automática, a raiva, inevitável. Até as palavras são torcidas, deformadas, torturadas.
       Como diz Gizele Martins, moradora da Maré, chamar favela de comunidade pobre é o mesmo que chamar um negro de moreninho.
      Favela é comunidade roubada. Em direitos, em cidadania, em humanidade.
         Morador de rua não existe, o que existe são desabrigados.
      Flexibilização é destruição de direitos trabalhistas, é violação de leis.
       Revitalização é expulsão de pobres que se abrigaram em prédios abandonados - devolvendo-os à situação de desabrigados - para ceder os espaços valorizados pela especulação imobiliária a meia dúzia de empresários ricos.
        Segurança pública é repressão e contenção do público.
        Emprego, em geral, é exploração até o talo, é destruição de qualquer qualidade de vida.
        Transporte público é tortura e aviltamento.
       Pessoas que se manifestam para conseguir respeito aos seus direitos constitucionais, permanentemente negados por um Estado que não cumpre sua própria constituição, são classificadas de baderneiras. As ordeiras são as que se conformam, se calam e sofrem sem reclamar, numa depressão silenciosa. “Morram quietos, pobres, mesmo vivos”, é o que nos diz o sistema social dominado pelos ricos mega-empresários, os que têm os políticos no bolso.
        O Estado tem sido um robinhude ao contrário, rouba dos pobres pra dar aos ricos.
Democracia é um cenário fajuto, cada vez mais esfarrapado – democracia de verdade é um povo alimentado, instruído, informado e consciente, tomando decisões a seu próprio respeito. Senão, é a “cracia do demo” e nada mais. Nunca tivemos democracia, só fachada e ilusão.
        Os pobres constróem, mantêm, fazem funcionar e ainda sustentam, via impostos, toda a sociedade. E são desprezados, sabotados, enganados, roubados, explorados, controlados, reprimidos e violentados, cotidianamente. O sentimento de inferioridade e impotência plantado há gerações, pela ideologia midiática e sua máquina de fazer opinião e distorcer a realidade, não deixam perceber a força enorme que a maioria possui. Afinal, quem planta o que se come? Quem carrega as caixas, faz o transporte e prepara a comida? Quem abre as portas, prepara os ambientes, faz a limpeza, tira o lixo? Quem cuida das crianças, dos carros, das casas, dos animais? Quem conserta vazamentos, fiações, quem instala os canos, levanta as paredes? Quem está na linha de montagem do que quer que seja que se fabrique? Quem corta os tecidos e costura as roupas? Quem desce aos subsolos dos gases, fiações e tubos, desentope os entupimentos, conserta os vazamentos? Quem instala as torres de transmissão, seja de comunicações, seja de transmissão de energia? Quem se pendura nas alturas pra todo tipo de risco? Quem viabiliza a existência da sociedade são os pobres.

        O empresário rico diz que “dá empregos” quando, na verdade, tira sua riqueza, seus privilégios, seu luxo e ostentação da exploração dos seus empregados, pagando o mínimo possível e violando direitos trabalhistas. Um rico é uma ilha de arrogância cercada de pobres por todos os lados. Um pobre é a base inconsciente de toda a estrutura. Um pobre pode viver sem ricos. Um rico não pode viver sem pobres.

Muito fácil perceber que sem os ricos a sociedade seria menos injusta e perversa. E que, sem os pobres, ela seria simplesmente impossível.

Alguns dizem ser restrita e preconceituosa a visão da sociedade dividida entre ricos e pobres. É certo, há muitos patamares, tanto na pobreza, quanto na riqueza, inclusive com a importante classe média dividida em degraus – costumo falar no plural, classes médias, que vão do gerente de loja, do sargento ou do mestre de obras ao diretor de grande empresa, ao general ou ao engenheiro-chefe. Mas é impossível não considerar o contraste brutal entre a parte de baixo e a parte de cima. Embaixo, carências, desrespeitos, dificuldades de sobrevivência assolam mais da metade das pessoas. Em cima, luxos, desperdícios, ostentações e usufrutos que ofendem a sensibilidade de quem a tem. Quem está na parte de baixo, como eu, vê a parte de cima como um bloco homogêneo, arrogante e privilegiado, digno do respeito e consideração pelo poder público, muito ao contrário de nós. As diferenças internas de classe, dessa forma, são irrelevantes. Ricos são os que têm mais do que precisam pra viver, pobres são os que têm menos. Simplifico porque no fim das complexidades, a coisa é bem simples. Não há uma fronteira clara entre as classes, mas os extremos contrastam dolorosamente. É aí que a sociedade se apresenta dividida entre ricos e pobres, apesar dos intermediários que podem chegar a 30% da população, variando a quantidade e a qualidade dos privilégios, mas tendo em comum os direitos respeitados, pelo menos os básicos. Só a informação foge a esta regra, pois é distorcida sem preconceito, para todos.
Afinal de contas, pior que a pobreza de grana é a pobreza de espírito. E essa não depende da classe social, embora prevaleça entre os mais ricos. Para usufruir de privilégios sem incômodos de consciência, é preciso empobrecer a alma, acreditar em mentiras crassas e criar indiferença ao sofrimento cotidiano de milhões.
        Para haver respeito aos direitos fundamentais desses milhões, é preciso exterminar esses privilégios materiais, instrucionais e informacionais, privilégios grosseiros e desumanos, apresentados com orgulho quando, na verdade, são uma vergonha.

17 comentários:

  1. Serei obrigado a repassar esse texto, com ideias tão óbvias, mas que ao mesmo tempo quase ninguém vê, ou pelo menos não parecem enxergar, para o maior número de pessoas possíveis. Acho que a sua vivência de mundo lhe ajuda a falar com tanta facilidade desses assuntos. Já ouvi falarem que você se torna repetitivo, mas discordo, tem sempre um ponto diferença, uma nova ótica, nova reflexão. Boa ai! Abraço!

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    1. Rafael, enquanto os problemas da sociedade não forem resolvidos o tema será o mesmo. Ainda assim percebo que o Eduardo consegue ver mais (além) do mesmo.

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  2. Repetitivo e doloroso é sair de casa e deparar invariavelmente com gente abandonada, miseráveis espalhados por todo lado, sendo expulsos de onde sua presença incomoda pelas forças de segurança brutais, exibindo infâncias sabotadas e velhices desamparadas, gente com a dignidade destruída, enquanto vejo obras faraônicas ostensivas, feitas com dinheiro público, e os luxos e desperdícios das minorias ricas que têm certeza que "merecem" seus privilégios.
    Os que me chamam repetitivo não devem se incomodar tanto com a situação da maioria, se acomodam com o "não posso fazer nada" e esquecem o assunto. Esse deve ser o motivo de me acharem repetitivo e chato, por falar o que não querem saber, não querem lembrar, em sua indiferença egoísta e covarde.
    Vixe, essa ficou agressiva, não?

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  3. Repetitivo são os erros a nossa volta. Repetitivos são os que se mantém omissos a tudo isso. Repetitivo são nossos governantes, sempre cometendo os mesmos "equivocos"...
    Essa imagem do texto representa perfeitamente nossa situação. Parabéns mais uma vez, Eduardo.

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  4. "Ricos são os que têm mais do que precisam pra viver, pobres são os que têm menos" - eu apenas salientaria que se trata unica e exclusivamente de riqueza material, porque em termos imateriais essa definição não é boa...

    Acredito que seja simplismo concluir que as barreiras da linha vermelha são apenas para esconder a pobreza, afinal esse tipo de barreira também pode ser encontrada em países onde não existem favelas.

    Outro dia eu estava conversando com um professor sobre o vicio simplista marxista de dividir a sociedade entre trabalhadores e proprietarios dos meios de producao - maquinas, terras, capital, etc - (nessa definição o dono da padaria e o eike batista seriam igualmente capitalistas). Ele falou na divisão da sociedade entre os que precisam e os que não precisam trabalhar para viver... Achei interessante.

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    1. Tem razão. Falo da pobreza material, a mais visível, deliberada, resultado da crueldade e do egoísmo exagerado de minoria numericamente insignificante, apoiada na conivência das classes mais altas, na indiferença alienada da maioria das classes médias e da narcose midiática-informacional generalizada.

      A pobreza dos "ricos" costuma ser interna. Em sentimentos, em visão de mundo, em solidariedade, em integração à coletividade, enfim, em humanidade.

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  5. Muito bom texto.
    Hoje mesmo pensei sobre a questão das periferias, onde não há escolas, nem creches, nem hospitais, nem assistência alguma ao trabalhador, que alem de tudo tem que se deslocar longas distâncias pra fazer qualquer coisa. E nos centros existem bugigangas sem utilidade, como fontes luminosas, estátuas, praças belas e arborizadas. A periferia além de não ter nada disso, não tem o acesso a isso. Ótimas palavras, que isso se repita sempre, e o que não se repita mais; a omissão, o descaso, a acomodação..

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  6. Talvez a diferença entre o dono da padaria e o eije batista, a grosso modo, seja externa, apenas. Simples falta de oportunidade. Conheço muitos empresários, alguns muito ricos, outros fodidos e quase falidos, mas todos, absolutamente todos esses tratam o ser humano como trampolim pra alcançar luxo, prestigio e sofisticação.

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  7. Grande Marcos, belíssima imagem a riquíssimo texto.
    Acredito em todo que falou e por muito tempo me sentir omisso a o sistema. por muitas vezes me questionando o que poderia fazer para que amenizasse essa longínqua distancia em TER X NÃO TER, chegando a conclusão de que a educação seria o primeiro passo. Para uma sociedade menos usurpada em seus direitos por uma minoria vil.
    Fui a uma escola me candidatar para trabalho voluntário, onde faria trabalho de desenvolvimento do pensamento critico com textos inseridos na área da informática e a diretora me informou que a secretaria de educação não permitia. infelizmente... isso sim que é repetitivo o controle da massa.
    Um forte abraço e vai nessa força!!!

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  8. Muito bom cara,de certa maneira,sinto um alivio em ler isso,sinto que tem gente que pensa igual
    muito bom msm...

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  9. Opa!

    Vi dois vídeos essa semana onde vc fala da sabotagem da educação, entre muitas outras coisas interessantes. Simplesmente (e felizmente!) uma opinião sensata. Esses vídeos farão muita gente refletir sobre a vida. Sobre suas vidas e a dos outros.

    Sou professor de História, desenvolvo uma pesquisa na área de ensino de História. Sempre estudei em escola pública, desde os 4 anos de idade, até hoje. E me orgulho muito disso, primeiro porque me fez perceber lacunas enormes entre os mundos da educação institucional; segundo, porque a experiência ensina muito. Seus vídeos serão mostrados aos meus alunos, espero que não se importe.

    A História ensinada nas escolas é uma farsa. Seja pra ricos ou pra pobres, é uma farsa generalizada. A diferença é que as escolas mais ricas oferecem melhores oportunidades para os alunos perceberem isso.

    Parabéns pelos vídeos e pelo blog. Abaixo segue um texto que escrevi sobre essa questão do ensino de história, caso lhe interesse a leitura!

    http://www.cincobombas.blogspot.com.br/2012/04/que-historia-e-essa.html

    Obrigado.

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  10. Muito bom o texto! Bem real.
    Lembrou-me um filme "In Time" ou "O preço do amanhã", especialmente esta frase: ‎"Um pobre pode viver sem ricos. Um rico não pode viver sem pobres."

    Recomendo, o filme mostra uma realidade alternativa em que as pessoas podem viver eternamente com a aparência de 25 anos, mas para isso tem que conseguir tempo. O tempo é a moeda corrente e enquanto os pobres morrem para alimentar o sistema, os ricos esbanjam.

    Abraço!

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  11. Palavras coerentes demais! E pensar que existam indivíduos que alegam que os pobres assim o são por escolha própria: http://www.youtube.com/watch?v=qLHdGPE7B

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  12. Gostei muito mesmo, não o conhecia. Fico muito feliz quando vejo pessoas como você.

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